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Quando ele fica bravo, o português sai direitinho; fora disso a gente não entende nada: o contexto multilíngüe da surdez e o (re)conhecimento das línguas no seu entorno

When he's mad, his portuguese is ok; otherwise, we can't understand anything: the deaf multilingual context and the acknowlegment of its surrounding languages

Resumos

O presente artigo tem por objetivo fazer uma reflexão sobre as línguas que habitam o entorno da criança surda filhas de pais ouvintes com o intuito de lançar luz à(s) língua(s) que nasce(m) nesse contexto pela necessidade que mães ouvintes e crianças surdas têm de se fazer entender na ausência de uma língua convencional (seja o português da comunidade majoritária ou a língua de sinais que é utilizada pela comunidade surda adulta). A motivação deste texto vem do desconforto que sinto em relação à noção de língua que permeia a área da surdez, a qual não permite que sejam consideradas como legítimas as diferentes as línguas que circulam nesse espaço, como uma alternativa de linguagem. Tal noção está ancorada em uma visão de língua homogênea e idealmente concebida (Cesar e Cavalcanti, 2007) e na dicotomização dessas línguas em apenas língua oral e língua de sinais pode invalidar ou colocar em desvantagem outras linguagens que nascem nesse espaço pela própria necessidade que têm pais ouvintes de se comunicarem com seus filhos surdos.

língua materna; segunda língua; língua de sinais e surdez


This article presents a reflection upon the languages that surround deaf children of hearing parents. Its aim is to shed light on the languages that are created in this context, because of the need hearing mothers and deaf children have of understanding each other in the absence of a conventional language (be it Portuguese, spoken by the majority of the community, or be it sign language, which is spoken by the deaf adult community). The motivation for this reflection comes from the discomfort I feel about the notion of language commonly used when discussing deafness. This notion is anchored in a definition of language as homogeneous and ideally conceived (Cesar e Cavalcanti, 2007). Such conceptions do not consider the different languages that exist in this context to be legitimate and therefore to be a language alternative. The classification of these languages exclusively into either oral language or sign language can invalidate or bring disadvantages to the other languages that are constituted in this context through the very need of hearing parents to communicate with their deaf children.

first language; second language; sign language and deafness


ARTIGOS

Quando ele fica bravo, o português sai direitinho; fora disso a gente não entende nada: o contexto multilíngüe da surdez e o (re)conhecimento das línguas no seu entorno

When he's mad, his portuguese is ok; otherwise, we can't understand anything: the deaf multilingual context and the acknowlegment of its surrounding languages

Ivani Rodrigues Silva

Professora e Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel O.S. Porto (CEPRE) da UNICAMP, SãoPaulo, Brasil. ivars@terra.com.br

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo fazer uma reflexão sobre as línguas que habitam o entorno da criança surda filhas de pais ouvintes com o intuito de lançar luz à(s) língua(s) que nasce(m) nesse contexto pela necessidade que mães ouvintes e crianças surdas têm de se fazer entender na ausência de uma língua convencional (seja o português da comunidade majoritária ou a língua de sinais que é utilizada pela comunidade surda adulta). A motivação deste texto vem do desconforto que sinto em relação à noção de língua que permeia a área da surdez, a qual não permite que sejam consideradas como legítimas as diferentes as línguas que circulam nesse espaço, como uma alternativa de linguagem. Tal noção está ancorada em uma visão de língua homogênea e idealmente concebida (Cesar e Cavalcanti, 2007) e na dicotomização dessas línguas em apenas língua oral e língua de sinais pode invalidar ou colocar em desvantagem outras linguagens que nascem nesse espaço pela própria necessidade que têm pais ouvintes de se comunicarem com seus filhos surdos.

Palavras-chave: língua materna; segunda língua; língua de sinais e surdez.

ABSTRACT

This article presents a reflection upon the languages that surround deaf children of hearing parents. Its aim is to shed light on the languages that are created in this context, because of the need hearing mothers and deaf children have of understanding each other in the absence of a conventional language (be it Portuguese, spoken by the majority of the community, or be it sign language, which is spoken by the deaf adult community). The motivation for this reflection comes from the discomfort I feel about the notion of language commonly used when discussing deafness. This notion is anchored in a definition of language as homogeneous and ideally conceived (Cesar e Cavalcanti, 2007). Such conceptions do not consider the different languages that exist in this context to be legitimate and therefore to be a language alternative. The classification of these languages exclusively into either oral language or sign language can invalidate or bring disadvantages to the other languages that are constituted in this context through the very need of hearing parents to communicate with their deaf children.

Keywords: first language; second language; sign language and deafness.

INTRODUÇÃO

Por mais de 100 anos, vigorou a crença de que para a criança surda ter acesso à instrução formal era necessário que tivesse um bom desenvolvimento da fala e da leitura labial,1 1 O Oralismo, por exemplo, que foi o método mais utilizado na educação de surdos e que reinou absoluto desde final do séc. XIX, tinha como pressuposto que a criança surda deveria ter um bom desenvolvimento da linguagem oral para conseguir ser alfabetizado na língua de instrução da comunidade majoritária. Os materiais e os métodos para o ensino eram os mesmos utilizados para alunos que tinha a língua oral como língua materna. ou seja, o aluno surdo sempre teve seu desempenho escolar medido e vinculado ao seu (bom) desempenho de fala e a sua (boa) habilidade para a oralização. Mais recentemente, com a maior visibilidade da língua de sinais, resultado de lutas da comunidade surda e de trabalhos pioneiros que comprovaram sua condição de língua natural,2 2 O trabalho de Willian Stokoe (1960) foi o primeiro a descrever, de forma científica, as línguas de sinais. Seu trabalho demonstrou que elas, como as orais, são línguas naturais. essa lógica se inverte e já há trabalhos que fazem a vinculação do bom aproveitamento escolar ao domínio efetivo da língua de sinais pelo surdo. E mais, já se define, nesses trabalhos, a relação dos papéis da língua de sinais e do português (oral ou escrito) para o sujeito surdo como sendo da ordem de língua materna/primeira língua e segunda língua, respectivamente.

Meu objetivo neste artigo é problematizar tais conceitos língua materna, primeira língua e segunda língua ainda pouco compreendidos na área da surdez, partindo de reflexões feitas durante minha trajetória como profissional que atua, junto a alunos surdos matriculados na rede regular de ensino, seus familiares e professores. Desde 1989, venho observando esses alunos em várias escolas estaduais e municipais por solicitação da família ou da própria escola. Nesse período, tive a oportunidade de conversar com muitos professores sobre as peculiaridades do processo de aquisição de escrita pelo surdo e suas dificuldades escolares e foi dentro desse contexto que frases como a que está no título deste artigo e outras semelhantes apareceram nas vozes de professores e mães de alunos surdos para justificar a possibilidade de o aluno aprender a falar (se ele se esforçasse, é claro). Ao vislumbrar a possibilidade da oralização do surdo, a escola se despe de sua responsabilidade em relação ao aprendizado de LIBRAS a Língua Brasileira de Sinais (já que quando quer esse aluno até fala!), mostrando sua resistência ou dificuldade em aceitar que alunos/filhos brasileiros não falem a língua nacional.

Este artigo está organizado em três partes. Na primeira, faço algumas considerações sobre as mudanças ocorridas na área de educação de alunos surdos nos últimos tempos. Depois, discuto alguns pontos sobre a aquisição da língua de sinais pela criança surda, problematizando o discurso, já sedimentado, que coloca sem questionamentos a língua de sinais como língua materna do sujeito surdo. Na terceira parte, trago as peculiaridades de um grupo de surdos, filhos de pais ouvintes, para, enfatizando o que Tervoort (1961) denominou simbolismo esotérico, discutir esse conceito em relação de equilíbrio com a noção da língua materna na área da surdez. Assim, neste texto, pretendo chamar a atenção para a necessidade de uma melhor compreensão sobre a língua real da criança surda, em oposição a uma noção de língua em abstrato, observada, comumente, nesse contexto.

A VIRADA LINGÜÍSTICA EM RELAÇÃO À SURDEZ3 3 A expressão "virada lingüística" foi utilizada por Felipe (2004) para designar que as mudanças que ocorreram na década de 80 na área da surdez foram fortemente influenciadas por pesquisadores ligados à área da lingüística e de letras. Esse grupo assumiu o surdo como parte de minorias lingüísticas, afastando-se da visão patológica do surdo como deficiente auditivo.

O direito à educação formal por indivíduos surdos se inicia apenas por volta de 1750,4 4 Credita-se ao Abade Charles de L'Epée a criação de classes coletivas para o ensino de surdos plebeus dentro da primeira escola pública para surdos, fundada na França em 1775, em substituição ao ensino individual e privado praticado até então. Nas aulas coletivas, utilizava-se a língua de sinais que o abade aprendeu com os surdos nas ruas de Paris. (Sacks, 1990). pois antes disso, os surdos não eram considerados educáveis e viviam, em sua maioria, em asilos junto aos doentes mentais, marginalizados da sociedade e desacreditados pelas próprias famílias, não tendo sequer o direito de constituírem sua própria família eram declarados incapazes, não possuíam direito à herança, não podiam se casar ou receber instrução (Sacks, 1990).

Essa crença na falta de capacidade do surdo para o aprendizado estava diretamente associada à falta da fala (Lane, 1992), já que a linguagem era entendida, naquela época como expressão oral do pensamento e por não falar (fala articulada), o surdo não era considerado uma pessoa normal. O termo em inglês deaf and dumb, como aponta o autor, faz alusão àquela idéia de surdez associada à debilidade intelectual já que dumb não se refere apenas à pessoa surda, mas também à pessoa abobalhada.

Não se pode esquecer que a situação negligenciada em relação à(s) língua(s) utilizada(s) pelo surdo fez com que ele tenha sido visto, durante muito tempo, como um sujeito semilíngüe,5 5 A noção de semilingüismo na área da surdez é muito lembrada, principalmente pelos professores da escola regular que imputam ao surdo não falante do português e usuário de uma língua de sinais caseira que pouca gente compreende como um sujeito que não tem língua nenhuma. (Ver discussão crítica a respeito do termo semilíngue em Martin-Jones e Romaine, 1986). quando, na verdade, deveria ter sido considerado em sua condição bilíngüe. Essa discussão foi, inicialmente, levantada por Tervoort (1961) que observou a existência de uma comunicação gestual, denominada por ele comunicação esotérica, comunicação essa que seria utilizada por crianças surdas quando essas se comunicavam entre si e com ouvintes. Há, entretanto, na área da surdez, ainda, um entendimento consensual sobre o valor dessas ocorrências, consideradas impuras, desconsiderando-as e tratando-as como algo nocivo a ser substituído, ora pela língua oral da comunidade majoritária, ora pela própria língua de sinais, utilizada por um determinado grupo de surdos (geralmente surdos adultos escolarizados).

Observa-se, assim, que mesmo tendo conquistado o direito de freqüentar a escola regular junto com alunos ouvintes amparados primeiramente pelo artigo 205 da Constituição Federativa do Brasil de 1988 que traz em seu texto a afirmação que as "pessoas com necessidades especiais" deveriam ser atendidas "preferencialmente" na rede regular de ensino, os surdos continuaram sendo desrespeitados em sua condição lingüística, sendo considerados "deficientes" e não conseguindo o rendimento esperado no conteúdo escolar (Silva, 2005 e Cavalcanti & Silva, 2007). Apesar de a escola brasileira pregar a inclusão há tanto tempo, continua por segregar o grupo de surdos dentro de uma visão patologizante e o resultado disso são os altos índices de evasão escolar e repetência dessa população.

Ao entrar em vigor no final de 2005, a Lei federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, que passou a reconhecer como "meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais", as discussões sobre o surdo e a surdez ganharam um novo alento no sentido de se pensar agora que a luta dos surdos por seus direitos começara a ser reconhecida politicamente. É claro que nem tudo se resolve apenas com leis, mas pelo fato de os cursos de formação de professores (Letras e Pedagogia) e os cursos de Fonoaudiologia terem que agora oferecer, em suas grades curriculares, uma disciplina de LIBRAS abre mais espaço à visibilização desse grupo minoritário, possibilitando que novas ações sejam realizadas no esforço de dar maior oportunidade de os surdos lidarem com o conhecimento oriundo das diferentes disciplinas curriculares, possibilitando a eles novas formas de construção de relações com o mundo.

Vê-se, então, tentativas de (re)significação de velhas concepções, embora as representações sobre o indivíduo surdo como incapaz e enfermo ainda ocupe um espaço considerável no imaginário social. Aparece, também, no escopo desse movimento de virada a figura do Surdo6 6 Moura (2000) utiliza o termo Surdo escrito com letra maiúscula para designar o indivíduo surdo pertencente a grupos de minorias lingüísticas e surdo (grafado com minúscula) para referir-se a sua condição audiólogica, ou seja, a sua perda auditiva. definido como aquele que tem identidade surda, usa a língua de sinais e pertence à cultura surda. Disso decorre a estreita vinculação da língua de sinais como definidora de uma identidade surda, acentuando o seu caráter instrumental e não levando em conta que, como alerta Maher (1996), quando se fala de identidades "não se fala de essência alguma". Ao tratar da(s) língua(s) do índio e de sua identidade essa autora traz importante reflexão também para nosso contexto. Trata-se da constatação de que as identidades étnicas podem sobreviver à perda lingüística e que há nações indígenas que, tendo perdido a língua étnica falada por seus ancestrais, usam o português para se comunicarem e, mesmo assim, seguem sendo índios. Seus argumentos não deixam de apontar a língua como uma importante marca de identidade, mas a autora insiste que o índio, como todos nós, precisa da linguagem para construir sua identidade e comunicá-la, mas não necessariamente de uma língua específica. Ou, como sustentam Santana & Bergamo (2005, p. 570):

A constituição da identidade pelo surdo não está necessariamente relacionada à língua de sinais, mas sim à presença de uma língua que lhes dê a possibilidade de constituir-se no mundo como "falante", ou seja, a constituição de sua própria subjetividade pela linguagem.

Diante desse cenário e partindo do pressuposto que, como argumentam Makoni & Meinhof (2006), o conhecimento local7 7 Makoni & Meinhof (2006, p.193), utilizando uma perspectiva pós-colonial, desconstroem o conceito de língua no mundo africano, mostrando que governos e pesquisadores operam com visões de língua que não correspondem ao que os usuários entendem por "língua em sua prática lingüística". que as pessoas têm sobre suas línguas nem sempre são legitimados pela instituição escolar, retomo a reflexão sobre a noção de língua materna/segunda língua de surdos e seus desdobramentos em relação ao estatuto de língua na área da surdez.

AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS PELA CRIANÇA SURDA

A aquisição da linguagem por crianças surdas é tratada por diferentes teorias, mas todas elas têm em comum o fato de apresentarem o sujeito surdo com potencialidades lingüísticas semelhantes ao do sujeito ouvinte, desde que respeitadas certas condições. Esclarecer como se verifica esse processo também para o surdo filho de pais ouvintes torna-se crucial para não alimentar mitos em relação ao seu potencial lingüístico e cognitivo.

Góes (1996: 39) amparada pela abordagem histórico-cultural, afirma que o papel da linguagem na constituição da pessoa é "problema complexo e ainda insuficientemente elaborado". Contudo, para essa pesquisadora, as contribuições de Vygotsky para a compreensão da aquisição e desenvolvimento da linguagem pela criança surda são importantes. Diz a autora:

[...] o modelo teórico de Vygotsky, embora requerendo expansões e reformulações, contribui, ainda hoje, para esforços de investigação derivados do pressuposto da constituição social do sujeito. Nessa perspectiva teórica, o desenvolvimento da criança surda deve ser compreendido como um processo social, e suas experiências de linguagem concebidas como instâncias de significação e de mediação nas suas relações com a cultura, nas interações com o outro.

A partir dessa reflexão, entende-se que toda a discussão realizada por Vygotsky e seus seguidores em relação ao papel preponderante da linguagem como instrumento de regulação cultural e mediadora do desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, inclui também as línguas de sinais e não apenas as línguas orais, isto é, a linguagem não está restrita apenas à modalidade oral ou à capacidade de fala das pessoas.

Para os inatistas, por outro lado, a criança nasce pronta para adquirir a linguagem, ou seja, o surdo, como qualquer outra criança, já estaria pronto para a linguagem, bastando apenas ter acesso ao input da língua de sinais, isto é, ter contato com surdos adultos sinalizadores. Em trabalho recente, Quadros & Karnopp (2004), ao buscarem respostas ao inquietante Problema de Platão8 8 O Problema de Platão, como a questão é conhecida dentre os estudiosos da linguagem, refere-se à indagação que é sempre feita diante do complexo processo da aquisição da linguagem: afinal, como o infante adquire a linguagem em tão pouco tempo e exposto a dados tão escassos e incompletos? Cada teoria lingüística vai tentar explicar ou dar solução ao Problema de Platão de forma diversa, apesar de estarem todas preocupadas em tentar explicar como a criança passa de sujeito que não fala, para a posição de sujeito que fala a língua de sua comunidade. e assumindo os pressupostos inatistas, trazem importantes discussões sobre esse tema e reiteram serem as línguas de sinais um "sistema lingüístico legítimo", isto é, uma língua natural e não um código qualquer. Segundo as autoras:

As línguas de sinais, conforme um considerável número de pesquisa contém os mesmos princípios subjacentes de construção que as línguas orais, no sentido de que têm um léxico, isto é, um conjunto de símbolos convencionais, e uma gramática, isto é, um sistema de regras que regem o uso desses símbolos. (Quadros & Karnopp, op. cit., p. 48)

Quadros (1997), ao tratar desse mesmo tema, refere-se a uma condição que evidencia que esse processo mesmo nas crianças surdas, filhas de pais surdos e sinalizadores se realiza de forma muito semelhante ao de crianças ouvintes, filhas de pais ouvintes: input lingüístico adequado. A possibilidade de acesso aos dados das línguas de sinais desde o nascimento seria, para ela, a grande diferença entre surdos, filhos de surdos e surdos, filhos de pais ouvintes.

É preciso ressaltar, ainda, que o conflito entre a escolha de uma ou outra abordagem educacional9 9 Grosso modo, as três abordagens educacionais para surdos são o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilingüismo. A primeira opera com uma concepção de surdez como patologia e seu objetivo é reabilitar o sujeito surdo ensinando-lhes, por meio de técnicas variadas, a falar. A segunda enfatiza a importância de todos os meios para consolidar a comunicação entre surdos e ouvintes e a terceira dá um espaço mais efetivo à língua de sinais e coloca o surdo como parte de minorias lingüísticas. surge na família bem antes de a criança surda ir para a escola. Há uma tendência de a família esperar que o filho surdo fale e, por isso, sua opção por uma fonoaudióloga que atua em consonância com os pressupostos da abordagem oralista, pois falar para as famílias ouvintes é algo natural e esperado. Para elas, seus filhos surdos um dia irão falar, desde que sejam protetizados10 10 As próteses auditivas captam vibrações de onda sonora e as transformam em sinais elétricos. São miniamplificadores e não substituem a função do ouvido humano. Com o seu uso é possível estimular a audição residual da criança surda. e que freqüentem terapias de fala. A orientação sobre a possibilidade de um maior ou menor aprendizado da fala será dado, em geral, por fonoaudiólogos, que também indicarão entidades nas quais a criança poderá ficar exposta à língua de sinais. Porém, nem sempre a família é orientada sobre o que significa ter um filho surdo e muito menos o que significa ser um surdo bilíngüe, o que a faz seguir com seu desejo de que a fala apareça, mesmo que seja com a ajuda dos sinais.

Levando-se em consideração que os contextos bilíngües de minorias fazem parte de "cenários sociolingüísticos complexos, sendo, geralmente, também bidialetais no que se refere ao uso da língua portuguesa e, também, da língua da comunidade" e que "esses contextos parecem ser de tradição oral" (Cavalcanti, 1999, p. 388) há ainda muitas dúvidas sobre o que seja educação bilíngüe na área da surdez. Nesse cenário complexo em que a dicotomia entre LIBRAS e Língua Portuguesa tem sido enfatizada, deve-se ou não aceitar a existência de uma Língua de Sinais Caseira (LSC) 11 11 A LSC é uma língua criada por vários recursos (fala, gestos naturais, LIBRAS, etc.) gerando aquilo que alguns autores denominam 'mistura agramatical' e/ou 'uso inadequado' de duas línguas. Ver discussão sobre esse tema em Gesser (2006). utilizada nos lares entre pais ouvintes e crianças surdas e mesmo, nas escolas, entre alunos surdos e professores ouvintes?

Além disso, deve ser questionada a existência de uma comunidade de fala homogênea, sem conflito conforme anunciado nos manuais de lingüística (ver Cesar & Cavalcanti, 2007, e Gesser 2006) com o intuito de provocar a discussão em relação à existência de diferentes línguas que se cruzam no espaço da surdez. O que estou problematizando aqui tem a ver com os modos como a própria língua de sinais é vista por surdos e ouvintes: como algo acima dos indivíduos e como um sistema imutável, homogêneo e pronto. Tal visão nega muitas das produções lingüísticas iniciais de crianças surdas e mesmo de adultos surdos que não falam de acordo com as normas descritas em dicionários já existentes para a língua de sinais padrão. Ao perguntar, por exemplo, a uma pedagoga surda que ensina LIBRAS para crianças surdas, em uma instituição não escolar, sobre as diferenças entre seus sinais e os de outro surdo adulto, também encarregado de ensinar sinais em outra instituição, obtive a seguinte resposta: Ele faz errado, porque ele não sabe muito a Língua de Sinais. Como me opus a esse comentário, ela continuou: Ele não sabe a língua de sinais dos surdos escolarizados. Vejo que muito do que aprendi com outros surdos sobre LIBRAS é questionado e corrigido sob o argumento de que eles não sabem ou que está errado. Meu desconforto vem do fato de a professora surda questionar seu colega surdo, desconsiderando suas intuições sobre a língua que usa, mas também por não haver espaço para a LIBRAS vernacular dentro desse espírito de correção que habita, não apenas aquelas pessoas surdas mais escolarizadas encarregadas do ensino de tal língua, mas também ouvintes que, em geral, rejeitam a LSC de seus alunos.

Essa situação se verifica, principalmente, no interior de grupos de surdos filhos de ouvintes em que o desconhecimento da língua de sinais pela família é ainda mais flagrante.

SURDOS FILHOS DE OUVINTES: EIS A QUESTÃO!

A despeito de vários estudos mostrarem a língua de sinais como um diferencial na vida afetiva, social e escolar do aluno surdo (Ferreira- Brito, 1989; Wilbur, 2000)12 12 Wilbur (2000), por exemplo, pesquisou alunos surdos, filhos de pais, também, surdos e fluentes em sinais e verificou que o níveis de leitura desses alunos eram equiparados aos de alunos ouvintes. há dentro das escolas um aparente consenso em relação à aceitação das línguas de sinais, apesar da resistência em relação ao seu uso como língua de instrução.

É muito comum ainda nos dias de hoje professores ou outros profissionais da área, quando perguntados pelo desempenho lingüístico de seus alunos surdos, optarem por utilizar o termo "sem língua" para justificarem que são crianças ou adolescentes surdos que não falam o português, mas também não usam a língua de sinais. Essa situação decorre exatamente do fato de essas pessoas não considerarem como aceitáveis as outras línguas que esses surdos utilizam, as quais não se encaixam nem em um extremo (LIBRAS), nem em outro (Português). E isso não ocorre apenas na escola. A família também tem dificuldades para aceitar como legítimas a(s) língua(s) que o filho surdo usa bem como para aceitar que ele não fale. Por outro lado, mesmo que o filho surde use LIBRAS há um apagamento dessa língua e um alçamento da fala para um plano mais visível. Vejamos, a seguir, um trecho de uma conversa de pais de surdos sobre esse assunto.

Mãe de aluna surda: Lá em casa meu marido raramente tenta fazer um sinal e mesmo assim faz tudo errado. Meus outros filhos dão risadas dele e ele fica tão bravo e nunca mais tenta. Ele não gosta de ser corrigido.

Pai de aluna surda: Olha, pra mim os sinais é uma ponte, mas não é a estrada...

Mãe de aluna surda: [LIBRAS]É um incentivo, é um incentivo, é verdade, mas não é tudo... para eles continuarem [na escola]...para aprenderem as outras coisas.

Pesquisadora: Mas se a língua de sinais é a ponte o que seria a estrada?

Pai de aluna surda: a estrada é a convivência e a verbalização, a Laura, minha filha, fala, a Letícia, filha dela [apontando para a mãe], fala também, tem outro menininho aí que fala, também. É isso!

Note-se que, apesar de uma das alunas surdas focalizada pelo interagente ter uma fala bastante comprometida (Letícia) e de ambas (Laura e Letícia) fazerem uso da língua de sinais em diversas situações, seus pais enfatizam apenas a fala que as duas (pouco) produzem. Para esses pais, a língua de sinais é representada como uma ponte, ou seja, uma passagem para a outra língua o português e para melhorar a convivência com os ouvintes. Elesvêem LIBRAS apenas como um incentivo para os filhos aprenderem outras coisas um suporte para o aprendizado do português na escola o que remete aos modelos de educação bilíngüe de transição ou assimilação. Contudo, se pudessem se despir dos preconceitos oriundos das grandes narrativas sobre o surdo e a surdez veriam que suas filhas usavam o tempo todo LIBRAS, mesmo que misturadas a um ou outro item lexical de fala. Concordo com Maher (2006) quando diz que saber usar uma língua é um "capital simbólico precioso", por isso tal noção não deve ser utilizadas de forma rígida, impedindo compreensão da heterogeneidade e a hibridinização, próprias de ambientes em que há mais de uma língua em funcionamento, como o da surdez.

Por focalizarmos contextos socialmente complexos em que o multilingüismo13 13 De acordo com Cavalcanti, M.C. (comunicação pessoal), contextos multilíngües referem-se àqueles contextos em que mais de uma língua é falada e não necessariamente escrita. ocorre mas não é explicitado , noções como língua, língua materna e segunda língua devem ser (re)dimensionadas por fazerem parte de um continuum. Nesse continuum, em um extremo está a LIBRAS da comunidade surda adulta escolarizada e, no outro, o português padrão da escola. Dentro dessa gradação, não se pode ignorar a existência de outras línguas, pois, como observa Makoni & Meinhof (2006, p. 193), a "capacidade para a 'linguagem' é natural aos humanos, mas as 'línguas' são um produto de intervenções sociais e históricas" (grifos dos autores).

A interação do surdo com os ouvintes, como já observou Tervoort (1961), se dá por meio de um número variado de recursos como a fala, a leitura labial, os gestos naturais, alguns signos de LIBRAS e mesmo a dramatização e a pantomima. Não há apenas uma língua em funcionamento (o português ou a língua de sinais) nas trocas lingüísticas entre crianças surdas pequenas e os adultos ouvintes. Como já dito, esse autor cunhou o termo simbolismo esotérico para destacar essa situação peculiar de linguagem criada, por necessidades comunicativas, entre criança surda e adultos ouvintes. Tervoort14 14 Esse autor afirma que a proibição do uso da comunicação esotérica pelas crianças surdas só se justifica devido à crença de que essa forma de comunicação poderia inibir o aparecimento da fala. Essa premissa ainda é válida nos dias atuais em que é feito um investimento grande no desenvolvimento da linguagem oral e, só posteriormente, quando a criança não responde a ela ou quando estão bem mais velhas é que a língua de sinais é permitida, e ainda assim apenas entendida como um recurso para a comunicação. (op. cit.) via uma função simbólica ligada ao gesto largamente utilizado na comunicação das crianças surdas e, para ele, esse era um conjunto de recursos comunicativos/expressivos que se cristalizam na relação da criança surda com os pares ouvintes na infância.

Para Behares (1997) é preciso pensar no simbolismo esotérico15 15 Ao fazer uma análise retrospectiva sobre a aquisição da linguagem na área da surdez, Behares (op.cit.) questiona a forma como o simbolismo esotérico foi visto pelas pesquisas realizadas até então, trazendo contribuições sobre esse fenômeno que, segundo ele, não foi tratado adequadamente, por ter sido relacionado apenas à comunicação. como efeito do funcionamento da língua e da interpretação de um falante (a mãe/o Outro), pois só nesse sentido o sujeito aparece como um efeito de uma realização do simbólico. Diz Behares:

O simbolismo esotérico é o efeito da interpretação da mãe a partir de sua língua (oral), mas não é nem dá por resultado a língua oral. A língua da mãe e a língua da criança vão diferir sempre. A questão da língua materna tem a ver com o assujeitamento: ela é aquela língua na qual e em relação a qual o sujeito é determinado como efeito. A criança surda é o efeito de uma língua que ela não fala, ou melhor, na qual ela não poderá se espelhar, não poderá se escutar. Embora seja falada numa língua oral determinada, esta não se tornará "sua língua", não será "língua materna". (Behares, 1997:22)

O autor enfatiza essas implicações para mostrar a importância que a língua assume na relação das pessoas, o que não pode ser diferente, na relação das mães ouvintes e seus filhos surdos. Behares (op.cit.), então, destaca que o simbolismo esotérico per se não se transforma em linguagem oral ou língua de sinais, mas ele é uma possibilidade por ser efeito de um funcionamento de língua. Trago essa discussão, além disso, para mostrar há línguas que se cruzam neste cenário e nem sempre essas misturas podem ser evitadas, apesar do temor que elas provocam.

Isto acontece porque, na tentativa de explicar esse fenômeno lingüístico único de contato entre ouvintes e surdos, os sinais caseiros são vistos como uma língua em um sentido exclusivamente provisório... [quando deveria ser visto como] mais uma variedade em sinais (Gesser, op. cit.: p. 60)

Segundo Góes (2002), se a criança surda, filha de pais ouvintes, interagir apenas tardiamente com pessoas surdas que usam a língua de sinais, seu processo de constituição como sujeito bilíngüe ficará protelado. Ao mencionar os interlocutores com os quais as crianças surdas, filhas de famílias ouvintes, têm a oportunidade de adquirir Sinais observa que tal língua nem sempre era a Língua Brasileira de Sinais, ou seja, aquela já padronizada pela comunidade surda adulta, mas uma língua de sinais alternada com a fala ou superposta a ela, enfim, misturas da língua oral com a língua de sinais.

Na verdade muitos autores apontam a existência de mesclas no entorno do surdo que convive com ouvintes argumentando que essa situação seria desfavorável à aquisição de uma língua de sinais [padrão], a qual estaria vedada aos surdos que não tivesse contato, desde cedo, com surdos adultos fluentes em LIBRAS. Esse temor é encontrado em vários outros discursos de pesquisadores da área da surdez. Lima (2004) e Felipe (1989) são alguns deles:

(...) o bimodalismo16 16 Bimodalismo ou Comunicação Bimodal vem a ser o uso da língua de sinais e da fala simultaneamente falar e fazer sinais. Nesse tipo de comunicação prevaleceria a sintaxe da língua oral preenchida com signos das línguas de sinais. pressupõe, basicamente, o uso de sinais na ordem da língua oral. Nesse sentido, reduzem-se as flexões e partículas da língua oral e incluem-se alguns aspectos da gramática da língua de sinais. Trata-se, portanto, de um híbrido entre ambas as línguas [...] (Lima, 2004, p. 34)

"Na comunicação bimodal há a utilização das duas modalidades de língua: a oral-auditiva e a gestual-visual, é uma espécie de pidgin que desestrutura a língua natural dos surdos, inserindo estruturas gramaticais da língua majoritária" (Felipe, 1989, p. 102).

Essa preocupação parece-me infundada, uma vez que as mesclas17 17 As misturas de línguas que se evidenciam no falar bilíngüe é um comportamento lingüístico a ser evitado para os que acreditam no mito do bilingüismo perfeito. Contudo, mais recentemente, essa noção de bilingüismo equilibrado tem sido questionada por ser um conceito idealizado (Cavalcanti, 1999, Maher, 2007) são línguas que o surdo cria para si. E só com o (re)conhecimento das línguas constituídas no entorno desse contexto multilíngüe LIBRAS, Português, Mesclas etc. e a aceitação dessa pluralidade que nos manteremos afastados de novos discursos essencialistas sobre o surdo ou a surdez. É surdo aquele que se comunica por meio de LIBRAS como, também, o é aquele que aprendeu a falar português. Continua sendo surdo, além disso, aquele que usa misturas destas línguas.

Gesser (2006), ao falar sobre o que ela denominou de as várias línguas em LIBRAS, traz à baila essa importante discussão sobre as experiências lingüísticas dos surdos e sobre suas formas híbridas de linguagem que são marginalizadas. Diz ela:

É preciso [...] começar a problematizar os conceitos dominantes hegemônicos relacionados às questões de língua(gem), deslocando aquilo que é visto como marginal e corrompido para o centro da discussão e dar assim visibilidade ao hibridismo, à mesclagem e à contaminação [...] (Gesser, op.cit.: 51).

A autora reivindica, na verdade, um novo olhar sobre essas misturas de línguas, tão comuns na interação de surdos e ouvintes e tão condenadas por não serem consideradas línguas legítimas. Essa situação denuncia a complexidade dessa questão, em que o surdo inserido em um contexto multilíngüe não consegue ser aceito como um ser da linguagem se não falar bem ou se não souber a língua de sinais padrão utilizada por surdos adultos escolarizados. Em meio a esse intrincado contexto em que o surdo pode apenas ocupar lugares lingüísticos estandardizados falar português ou LIBRAS tudo o mais fica invisibilizado.

LÍNGUA MATERNA OU LÍNGUA ESTRANGEIRA?

Muito se discute sobre qual é o status, para o surdo, da língua de sinais. Enquanto alguns autores afirmam que ela é a sua língua materna, outros pensam em LIBRAS como sendo a língua natural dos surdos. Há, ainda, aqueles que dizem que o surdo oralizado que não aprendeu sinais precocemente, mesmo que fale com dificuldade, "não tem língua materna" (Ferreira-Brito, 1993: 49). E essa indefinição mostra que não é consensual o entendimento desse conceito na área da surdez.

Para Góes (1996: 43) é preciso caracterizar melhor essa questão, para fugir de equívocos. Afirma a autora:

Embora seja clara a idéia da necessidade do envolvimento precoce do surdo com a Língua de Sinais, por vezes são atribuídos sentidos diversos à qualificação dos sinais como língua natural ou primeira língua do surdo. Essas questões podem entrecruzar-se com a idéia de língua materna e criar equívocos.

Moraes (2001) ao fazer uma reflexão sobre a relação entre Língua Materna (LM) e Língua Estrangeira (LE), tendo como subsídio teórico a teoria freudiana do inconsciente, faz, de forma semelhante à Behares (1997), um deslocamento do conceito de língua materna daquela posição de língua que se aprende com a mãe. Argumenta a autora:

Não tomamos Língua Materna e Língua Estrangeira como entidades distintas e estranhas uma à outra, pois, se considerarmos com Freud, o psíquico como lugar da linguagem, ou a linguagem como lugar psíquico que inclui o outro enquanto falante, há que se tratar essa dualidade língua materna/língua estrangeira perpassada pelo sujeito, de forma a tomar os elementos que a constituem como só existindo na e pela relação estabelecida a partir do sujeito e não como entidades que preexistem a ele. (Moraes, 2001:48)

Pode-se dizer, assim que a língua da mãe de uma criança surda (seja ela constituída de fala ou de sinais) mostra para ela um caminho da linguagem, ou seja, de que aqueles sons ou aqueles gestos significam algo, têm um sentido.

Por isso, concordo com Gesser (2006: 51) sobre a necessidade de problematizar, na área da surdez, os conceitos de língua(s) para que se possa enxergar ou dar maior visibilidade ao que fica nas bordas e nas fronteiras, longe daquilo que é considerado como a norma.

Esquecendo-se desse fato a discussão sobre o papel importante da língua de sinais no desenvolvimento do infante surdo pode levar a posições estanques e reducionistas. Por isso, Behares & Peluso (1997) sugere que se faça uma distinção entre línguas naturais e língua materna ou primeira língua. Diz ele:

A distinção entre uma língua natural e uma segunda língua neste caso está calcada na experiência psicolingüística de outras situações, a saber, aquelas em que uma pessoa que fala uma língua (a qual se chama materna, ou primeira língua, ou simplesmente L1) adquire uma segunda língua (estrangeira, de instrução, de imersão em outra comunidade falante etc.) (Behares, op. cit., p. 40).

Ainda segundo Behares & Pelluso (1997: 40), o conceito de primeira língua faz referência a fatores temporais ou cronológicos: seria aquela com a qual o infante tem contato em um primeiro momento, ao nascer, e "quando se afirma que a língua de sinais é a língua materna do surdo faz-se referência ao fato de que, na presença dela, o acesso do surdo [à linguagem] é imediato", seja porque sua estrutura viso-manual lhe facilita a compreensão, seja porque essa é a língua da comunidade surda. Assim, continua ele, no caso da surdez, os conceitos de língua natural e de primeira língua (ou língua materna) parecem sobrepor-se sem maiores dificuldades, mas não deveria ser assim.

Serrani (1997, p. 65) também aponta diferenças entre a língua materna e aquela língua que é falada pela mãe. Para ela a língua materna não é necessariamente aquela falada pela mãe, mas um "instrumento da estruturação simbólica". Faz essa separação para deixar claro que uma coisa é o simbólico e sua função estruturante da linguagem, essencial ao sujeito, e outra é a materialidade dessa língua.

Percebe-se, no caso dos surdos, que quando há interdição da LIBRAS em casa, pela família, tal interdição não impede a comunicação entre mães ouvintes e crianças surdas, sendo a língua utilizada nessas situações marcada por duas materialidades lingüísticas: a materialidade do português oral e a materialidade de uma língua de sinais doméstica. E, se nos apoiarmos no argumento de Serrani (op. cit.), o encontro dessas duas materialidades constituiria, então, a língua materna da criança surda, isto é, a sua ferramenta de estruturação simbólica.

Deixar isso mais claro para as mães e seus professores seria uma forma de fazê-los entender melhor que a fala do surdo não deve ser compreendida como da ordem do oral somente e nem como indício de que a criança vai falar, simplesmente como resultado de um processo natural quando estão envolvidas línguas em contato.

Pereira-Castro (2003:12), ao se referir ao entrelaçamento de línguas que são vivenciadas por pessoas em situação de bilingüismo, apresenta o depoimento de um jovem vietnamita, nascido na França, que se surpreende ao tomar consciência de que sabe falar a língua de seus ancestrais. Apesar de, até aquele momento, só falar o francês, cresceu ouvindo a língua vietnamita falada por sua avó. No dia em que essa avó fica gravemente doente, o jovem vai visitá-la e descobre que consegue se comunicar também em vietnamita. Desabafa ele:

"Eu não podia acreditar, eu não só falei em vietnamita como não disse qualquer coisa. Eu disse alguma coisa que fazia sentido para a cultura de minha avó. Seu eu tivesse dito algumas palavras aleatórias em vietnamita, só porque eu as conhecia, ela não teria entendido nada. Porque as palavras, se você não as põe no lugar certo, fica artificial. Não foi exotismo. Isso me marcou. Agora sei que irei ao Vietnã [...] Eu me livrei dos cadeados. Eu sei que o vietnamita está em mim" (Pereira Castro, op. cit. 12).

Nesse caso, entendo a argumentação da autora como contrária àquela do mito do bilingüismo perfeito: "o que o sujeito sabe delas [das línguas] nem sempre coincide com o reconhecimento deste saber e muito menos com um uso que caracterizaria o chamado bilingüismo". Trata-se de considerar que o bilíngüe de minorias nem sempre tem o domínio equilibrado das duas ou mais línguas que estão em sua volta, essas diferentes línguas o marcam, de alguma forma.

Além disso, é necessário apontar, filhos de imigrantes têm a garantia de um processo natural de aquisição de linguagem desde o nascimento e também contam com a valorização positiva de sua identificação com a língua da família. Ainda que suas línguas sofram interdições pelo Estado ou pela sociedade envolvente, o núcleo familiar pode propiciar um importante espaço, não só para a livre circulação da língua materna, como para identificação positiva (afetiva) com a mesma.

Tenho observado no campo da surdez, que, com muita freqüência, pais e professores de surdos dizem, de forma até jocosa, que, quando o aluno (ou o filho) está bravo e tem a intenção de ofender alguém, o termo adequado é utilizado com muita propriedade na língua oral18 18 Nas vozes de professores de surdos e de seus familiares, esses enunciados querem marcar a capacidade e a habilidade de o surdo usar a língua oral. Esse argumento denuncia, a meu ver, a esperança que o surdo venha a falar melhor, não havendo, portanto, a necessidade de nenhum investimento, por parte da escola, no aprendizado de LIBRAS. , ou seja, "quando ele está bravo, ele xinga e fala certinho"; ou ainda, "[...]o português sai direitinho; palavra 'feia' ele aprendeu direitinho" . Isso mostra, na linha de raciocínio adotada neste texto, um sujeito surdo bilíngüe, constituindo e sendo constituído pelas línguas presentes ao seu redor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, com o intuito de mostrar a complexidade que envolve a representação de língua(s) no contexto da surdez, focalizei o conceito de língua e de língua materna (César & Cavalcanti, 2007; Gesser, 2006) como um dos eixos que demandam maiores discussões nessa área. Espero ter deixado claro nessa discussão que minha posição é aquela que pretende desnaturalizar a forma dicotômica e reducionista pela qual tais conceitos são tratados por leigos e mesmo por profissionais da área, afinal entendo língua não como um atributo natural, mas como algo que é socialmente constituído (cf. Santana & Bergamo, 2005; Makoni & Meinhoh, 2006). A língua de sinais é representada por ouvintes e por surdos responsáveis pela multiplicação dessa língua na comunidade majoritária como algo fora dos indivíduos, por essa razão, em consonância com Cesar & Cavalcanti (2007), preocupo-me que esse conceito de língua, "impreciso, objeto de controvérsia entre os próprios lingüistas [...]" ganhe contornos fixos dentro da área da surdez e não dê espaço para sobreviverem outras formas de língua(gens) ou ainda, as reduza a algo inferior. Essa língua de sinais padrão que é aprendida em salas de aula, mesmo que os surdos adultos e mais escolarizados ainda não percebam, está apoiada na língua escrita [do português], e com essa roupagem do novo e do mais moderno, vai se afastando da língua real do surdo que nesse momento é rotulada de língua corrompida que deve ser substituída por aquela descrita nos manuais.

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Recebido: 19/05/2008

Aceito: 08/08/2008

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  • WILBUR, R. (2000). The Use of ASL to Support the Development of English and Literacy. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, v. 5, n. 1, p. 81-104.
  • 1
    O Oralismo, por exemplo, que foi o método mais utilizado na educação de surdos e que reinou absoluto desde final do séc. XIX, tinha como pressuposto que a criança surda deveria ter um bom desenvolvimento da linguagem oral para conseguir ser alfabetizado na língua de instrução da comunidade majoritária. Os materiais e os métodos para o ensino eram os mesmos utilizados para alunos que tinha a língua oral como língua materna.
  • 2
    O trabalho de Willian Stokoe (1960) foi o primeiro a descrever, de forma científica, as línguas de sinais. Seu trabalho demonstrou que elas, como as orais, são línguas naturais.
  • 3
    A expressão "virada lingüística" foi utilizada por Felipe (2004) para designar que as mudanças que ocorreram na década de 80 na área da surdez foram fortemente influenciadas por pesquisadores ligados à área da lingüística e de letras. Esse grupo assumiu o surdo como parte de minorias lingüísticas, afastando-se da visão patológica do surdo como deficiente auditivo.
  • 4
    Credita-se ao Abade Charles de L'Epée a criação de classes coletivas para o ensino de surdos plebeus dentro da primeira escola pública para surdos, fundada na França em 1775, em substituição ao ensino individual e privado praticado até então. Nas aulas coletivas, utilizava-se a língua de sinais que o abade aprendeu com os surdos nas ruas de Paris. (Sacks, 1990).
  • 5
    A noção de semilingüismo na área da surdez é muito lembrada, principalmente pelos professores da escola regular que imputam ao surdo não falante do português e usuário de uma língua de sinais caseira que pouca gente compreende como um sujeito que não tem língua nenhuma. (Ver discussão crítica a respeito do termo semilíngue em Martin-Jones e Romaine, 1986).
  • 6
    Moura (2000) utiliza o termo Surdo escrito com letra maiúscula para designar o indivíduo surdo pertencente a grupos de minorias lingüísticas e surdo (grafado com minúscula) para referir-se a sua condição audiólogica, ou seja, a sua perda auditiva.
  • 7
    Makoni & Meinhof (2006, p.193), utilizando uma perspectiva pós-colonial, desconstroem o conceito de língua no mundo africano, mostrando que governos e pesquisadores operam com visões de língua que não correspondem ao que os usuários entendem por "língua em sua prática lingüística".
  • 8
    O Problema de Platão, como a questão é conhecida dentre os estudiosos da linguagem, refere-se à indagação que é sempre feita diante do complexo processo da aquisição da linguagem: afinal, como o infante adquire a linguagem em tão pouco tempo e exposto a dados tão escassos e incompletos? Cada teoria lingüística vai tentar explicar ou dar solução ao Problema de Platão de forma diversa, apesar de estarem todas preocupadas em tentar explicar como a criança passa de sujeito que não fala, para a posição de sujeito que fala a língua de sua comunidade.
  • 9
    Grosso modo, as três abordagens educacionais para surdos são o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilingüismo. A primeira opera com uma concepção de surdez como patologia e seu objetivo é reabilitar o sujeito surdo ensinando-lhes, por meio de técnicas variadas, a falar. A segunda enfatiza a importância de todos os meios para consolidar a comunicação entre surdos e ouvintes e a terceira dá um espaço mais efetivo à língua de sinais e coloca o surdo como parte de minorias lingüísticas.
  • 10
    As próteses auditivas captam vibrações de onda sonora e as transformam em sinais elétricos. São miniamplificadores e não substituem a função do ouvido humano. Com o seu uso é possível estimular a audição residual da criança surda.
  • 11
    A LSC é uma língua criada por vários recursos (fala, gestos naturais, LIBRAS, etc.) gerando aquilo que alguns autores denominam 'mistura agramatical' e/ou 'uso inadequado' de duas línguas. Ver discussão sobre esse tema em Gesser (2006).
  • 12
    Wilbur (2000), por exemplo, pesquisou alunos surdos, filhos de pais, também, surdos e fluentes em sinais e verificou que o níveis de leitura desses alunos eram equiparados aos de alunos ouvintes.
  • 13
    De acordo com Cavalcanti, M.C. (comunicação pessoal), contextos multilíngües referem-se àqueles contextos em que mais de uma língua é falada e não necessariamente escrita.
  • 14
    Esse autor afirma que a proibição do uso da comunicação esotérica pelas crianças surdas só se justifica devido à crença de que essa forma de comunicação poderia inibir o aparecimento da fala. Essa premissa ainda é válida nos dias atuais em que é feito um investimento grande no desenvolvimento da linguagem oral e, só posteriormente, quando a criança não responde a ela ou quando estão bem mais velhas é que a língua de sinais é permitida, e ainda assim apenas entendida como um recurso para a comunicação.
  • 15
    Ao fazer uma análise retrospectiva sobre a aquisição da linguagem na área da surdez, Behares (op.cit.) questiona a forma como o simbolismo esotérico foi visto pelas pesquisas realizadas até então, trazendo contribuições sobre esse fenômeno que, segundo ele, não foi tratado adequadamente, por ter sido relacionado apenas à comunicação.
  • 16
    Bimodalismo ou Comunicação Bimodal vem a ser o uso da língua de sinais e da fala simultaneamente falar e fazer sinais. Nesse tipo de comunicação prevaleceria a sintaxe da língua oral preenchida com signos das línguas de sinais.
  • 17
    As misturas de línguas que se evidenciam no falar bilíngüe é um comportamento lingüístico a ser evitado para os que acreditam no mito do bilingüismo perfeito. Contudo, mais recentemente, essa noção de bilingüismo equilibrado tem sido questionada por ser um conceito idealizado (Cavalcanti, 1999, Maher, 2007)
  • 18
    Nas vozes de professores de surdos e de seus familiares, esses enunciados querem marcar a capacidade e a habilidade de o surdo usar a língua oral. Esse argumento denuncia, a meu ver, a esperança que o surdo venha a falar melhor, não havendo, portanto, a necessidade de nenhum investimento, por parte da escola, no aprendizado de LIBRAS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      19 Maio 2008
    • Aceito
      08 Ago 2008
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