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Identidades híbridas, língua(gens) provisórias-alunos "brasiguaios" em foco

Hybrid identities, temporary languages and discourses-focusing on "brasiguaio" students

Resumos

Considerando as questões políticas, sociais e históricas que recobrem a denominação "brasiguaio" e o decorrente apagamento de sua construção simbólica e ideológica, o artigo problematiza, na diáspora brasileira contemporânea, a construção de identidades locais e globais, identidades essas marcadas por conflito gerado pelo colapso de velhas certezas e pela produção de novas formas de posicionamentos sociais. Focalizam-se nesse contexto complexo, especificamente, alunos "brasiguaios" neste caso, filhos de pais brasileiros retornados do Paraguai. Essas crianças, na tradição escolar homogeneizadora, podem, facilmente, invisibilizar essa identidade "brasiguaia" (que lhes é imposta e que elas rejeitam) até o momento em que suas leituras em voz alta ou seus textos escritos emergem e elas passam a ser apontadas como problema por seus professores. Na escola, a hibridação dessa escrita e dessa leitura coloca esses alunos sob um holofote avaliador e os rotula como "brasiguaios".

Identidades híbridas; contexto de fronteira; (in)visibilização de minorias essencializadas


Taking into account political, social and historical issues which encompass the term "brasiguaio" and the resulting erasure of its symbolic and ideological construction, this paper discusses the construction of local and global identities in the contemporary Brazilian diaspora. These identities are characterized by conflict generated by the collapse of old truths and by the production of new forms of social positionings. In this complex context, the focus is on "brasiguayan" students, in this case these are children of Brazilian parents who have come back from Paraguay. These children, in the homogeneizing tradition of Brazilian schools, can, very easily, make this essentialized brasiguayan identity invisible until the moment their reading aloud or their written texts emerge and they are pointed out as problems by their teachers. At school the hibridation of their writing and of their reading places them under an evaluating spotlight and labels them as "brasiguaios".

Hybrid identities; border contexts; (in)visibilization of essentialized minorities


ARTIGOS

Identidades híbridas, língua(gens) provisórias-alunos "brasiguaios" em foco

Hybrid identities, temporary languages and discourses-focusing on "brasiguaio" students

Maria Elena Pires SantosI; Marilda Do Couto CavalcantiII

IÉ docente e pesquisadora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Paraná, Brasil. Membro do GT ANPOLL Transculturalidade, Linguagem e Educação. Seus agradecimentos à Fundação Araucária/Paraná pelo apoio financeiro em uma fase do projeto que resultou neste texto. mepires@gmail.com

IIBolsista produtividade em pesquisa CNPq, é docente e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo, Brasil. Membro do GT ANPOLL Transculturalidade, Linguagem e Educação. marilda.cavalcanti@gmail.com

RESUMO

Considerando as questões políticas, sociais e históricas que recobrem a denominação "brasiguaio" e o decorrente apagamento de sua construção simbólica e ideológica, o artigo problematiza, na diáspora brasileira contemporânea, a construção de identidades locais e globais, identidades essas marcadas por conflito gerado pelo colapso de velhas certezas e pela produção de novas formas de posicionamentos sociais. Focalizam-se nesse contexto complexo, especificamente, alunos "brasiguaios" neste caso, filhos de pais brasileiros retornados do Paraguai. Essas crianças, na tradição escolar homogeneizadora, podem, facilmente, invisibilizar essa identidade "brasiguaia" (que lhes é imposta e que elas rejeitam) até o momento em que suas leituras em voz alta ou seus textos escritos emergem e elas passam a ser apontadas como problema por seus professores. Na escola, a hibridação dessa escrita e dessa leitura coloca esses alunos sob um holofote avaliador e os rotula como "brasiguaios".

Palavras chave: Identidades híbridas; contexto de fronteira; (in)visibilização de minorias essencializadas.

ABSTRACT

Taking into account political, social and historical issues which encompass the term "brasiguaio" and the resulting erasure of its symbolic and ideological construction, this paper discusses the construction of local and global identities in the contemporary Brazilian diaspora. These identities are characterized by conflict generated by the collapse of old truths and by the production of new forms of social positionings. In this complex context, the focus is on "brasiguayan" students, in this case these are children of Brazilian parents who have come back from Paraguay. These children, in the homogeneizing tradition of Brazilian schools, can, very easily, make this essentialized brasiguayan identity invisible until the moment their reading aloud or their written texts emerge and they are pointed out as problems by their teachers. At school the hibridation of their writing and of their reading places them under an evaluating spotlight and labels them as "brasiguaios".

Key-words: Hybrid identities; border contexts; (in)visibilization of essentialized minorities.

A vertigem causada pela velocidade das mudanças contemporâneas vem acelerando a dispersão das pessoas ao redor do mundo, o que tem provocado a diluição das fronteiras e tornado o mundo mais integrado e conectado. Mas, esses mesmos meios maciços que possibilitam o contato, se concretizam de forma parcial, contribuindo também para a separação, a marginalização, a exclusão. Isso vem causando impactos sem precedentes sobre a humanidade, que não encontra correspondência com a força unificadora, nem ancoragem em mitos como um povo, uma etnia, uma nação, uma língua, uma cultura. Como afirma Hall (2006, p. 62) "as nações modernas são todas híbridos culturais".

É nesse amplo cenário que se insere a questão da identidade1 1 O conceito de identidade será mais detalhadamente discutido na seqüência. Antecipando o sentido em que está sendo aqui tomado, as identidades são construídas socialmente nas interações, resultando em identidades complexas, incompletas, fragmentadas, híbridas e em permanente fluxo (Maher, 1998; Signorini, 1998; Cavalcanti, 1999, 2003; Moita Lopes, 2002, 2003; Sarup, 1996; Bhabha, 1990, 2001 [1994], entre outros). "brasiguaia"2 2 O termo "brasiguaio", embora seja uma denominação quase sempre utilizada com finalidade discriminatória para fazer referência tanto aos brasileiros que migraram para o Paraguai e ainda continuam naquele país, como aos que fizeram o caminho de volta, será aqui mantido justamente para que possa ser polemizado. e, mais pontualmente, neste texto, o aluno "brasiguaio". A construção simplificadora dessa identidade torna-se problemática, primeiro porque desconsidera as questões políticas, sociais e históricas que a denominação recobre, apagando a sua construção simbólica e ideológica. Segundo, vai depender também de quem se inclui/exclui na/da denominação. E, por fim, o termo faz pressupor a homogeneização, o que conduz a uma representação unificadora de identidade, que é apresentada como inerente e constitutiva de um grupo. Rotulados de "brasiguaios" são transformados em minorias/grupos subalternos e marginalizados. Com base em Cuche (2002 [1996], p. 187), esse rótulo poderia ser visto como uma classificação e "o poder de classificar leva à etnicização de grupos subalternos".

A visão reducionista da identidade "brasiguaia" como um grupo uno e homogêneo tem favorecido, portanto, a construção de um estereótipo negativo, com implicações principalmente para alunos "brasiguaios", no cenário escolar sociolingüisticamente complexo de fronteira.

Os alunos "brasiguaios" têm como primeira língua, geralmente, alguma variedade (muitas vezes não prestigiada) do português e/ou outra língua (alemão, italiano, polonês). São alfabetizados no país vizinho em castelhano3 3 A escolha do uso da denominação 'língua castelhana' no lugar de 'língua espanhola' deve-se ao fato de ter sido percebido, durante a realização da pesquisa, um certo estranhamento por parte do alunos "brasiguaios" quanto ao emprego de 'língua espanhola': quando lhes era perguntado se falavam espanhol, eles imediatamente faziam a correção para castelhano. , fazendo parte do currículo escolar também o guarani. Ao retornarem, deparam-se na escola brasileira com a língua portuguesa escrita. Até começarem a escrever.na escola, são vistos como alunos comuns, pois, aparentemente, a língua que falam não difere dos outros alunos. É preciso apontar, no entanto, como bem lembra Santos (1999, 2004) que quase não se ouve a voz dessas crianças na escola. Os primeiros textos apresentados chamam a atenção do professor porque apresentam uma língua(gem) híbrida4 4 A expressão língua(gem) híbrida está empregada a partir do conceito de hibridismo de Bhabha (1999, 2001 [1994]) no sentido contrário à linguagem monolítica, homogênea e imutável. , altamente estigmatizada pela escola, cuja política educacional se apóia no monolinguismo. Parece ser esse o passo primeiro para a rotulação dessas crianças como alunos "brasiguaios". A adoção do estereótipo "brasiguaio" faz com que sejam antecipadamente considerados alunos 'fracos', o que contribui para que desenvolvam uma baixa auto-estima e construam para si uma identificação com o fracasso escolar.

É com essas perspectivas em mente, que se colocam os seguintes objetivos para este artigo: (a) desconstruir os processos identitários "brasiguaios" de um ponto de vista homogeneizador e (b) polemizar a complexidade das identidades "brasiguaias" a partir de olhares diversificados, focalizando a linguagem do aluno "brasiguaio". Vemos esses objetivos de desconstrução e polemização como parte de uma sensibilidade poscolonialista5 5 " A perspectiva pós-colonial parte da idéia de que, a partir das margens ou das periferias, as estruturas de poder e de saber são mais visíveis. Daí o interesse desta perspectiva pela geopolítica do conhecimento, ou seja, por problematizar quem produz conhecimento, em que contexto o produz e para quem o produz." Sousa Santos (2004). , com ênfase na constante problematização e desvelamento de invisibilizações naturalizadas e cristalizadas (ver Cavalcanti, 2006, com base em Venn, 2000) que nos propomos a fazer com foco em processos de hibridação, termo cunhado por Canclini (2003) baseado no conceito de hibridismo em Bhabha (2001 [1994]).

1. IDENTIDADES: DO UNO AO COMPLEXO

Para uma discussão sobre o processo de construção de identidades, dois paradigmas se colocam: os estudos orientados pelos paradigmas da modernidade, com tendência essencialista, e os estudos orientados pelos paradigmas da pós-modernidade, não-essencialistas (Signorini, 1998; Moita Lopes, 2002, 2003, e outros autores).

Segundo Cuche (2002 [1996]) (Ver também Signorini, op. cit.), os paradigmas essencialistas estão relacionados à tradição racionalista do Iluminismo. Esses paradigmas apresentam uma concepção individualista do sujeito, em que a identidade de uma pessoa é o seu "eu" coerente, ou seja, um indivíduo centrado, unificado, dotado de capacidade de razão, de consciência e de ação. Hall (2000, p.10) define o sujeito do Iluminismo como:

"(...) um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo "centro" consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo contínuo ou "idêntico" a ele ao longo da existência do indivíduo."

Em relação ao "brasiguaio", uma perspectiva essencialista sugeriria que existe um conjunto autêntico de características partilhadas por todos e que não se alteraria ao longo do tempo. Mas, enquanto construção, a identidade na perspectiva essencialista pode também ser des/re(construída). Sendo assim, e em oposição a uma construção una e homogênea, coloca-se a perspectiva não-essencialista, que procura compreender as "identidades como produzidas em locais históricos e instituições específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas" (Hall, 2000, p. 109). Esse ponto de vista permite um olhar sobre o sujeito pós-moderno como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente, mas construída socialmente nas interações e, por isso, pautada numa base sócio-histórica e cultural, o que resulta em identidades fragmentadas, híbridas, complexas, incompletas e em permanente fluxo (Maher, 1998; Cavalcanti, 1999, 2002; Signorini, 1998; Moita Lopes, 2002, 2003; Sarup, 1996; Bhabha, 1999, 2001 [1994], entre outros).

Numa perspectiva discursiva, a identificação é vista como "uma construção, como um processo nunca completado como algo sempre "em processo" (Hall, 2000, p. 106), atualizando-se numa articulação em que o que lhe é exterior também é constitutivo.

Segundo Deleuze (1992), os processos de identificação possibilitam, embora de maneira variável e segundo regras muito diferentes, "a produção de modos de existência, de um estilo de vida" (p. 123), de nossas maneiras de nos constituirmos como sujeitos.

Uma questão fundamental quanto à discussão do processo de construção de identidades é que "a própria questão da identidade está ligada à idéia de interesses e está investida de ideologia" (Rajagopalan, 1998, p. 42).

A importância do papel dos interesses e da ideologia na determinação da identidade "brasiguaia" fica evidente quando se procura nominar sua nacionalidade: são brasileiros ou são paraguaios? Não são brasileiros nem são paraguaios? Relacionada a esse conflito de nominação, coloca-se a noção de 'perda' de identidade e 'perda' da nacionalidade. Enquanto cidadãos, eles não têm direitos aqui, não têm direitos lá. Esse sentimento de perda revela traços de opressão, de dominação, de exclusão sofrida, tanto em um país como no outro. Mas, se assim for, esse sentimento não é comum a todos os brasileiros que se deslocaram para o Paraguai, não podendo ser associado àqueles que obtiveram sucesso econômico, por exemplo.

Outra questão ligada a interesses e investida de ideologia, e que está relacionada à nacionalidade, é o mito do monolinguismo (Decrosse, 1989 [1987]), retomado por Cavalcanti (1999), isto é, uma língua para uma nação, homogênea, pura. Esse mito faz com que a língua(gem) híbrida do aluno "brasiguaio" seja vista como errada, sendo altamente estigmatizada na escola brasileira. Se pensarmos, então, na tradição rural dos "alunos brasiguaios", tanto no momento anterior em que seus pais moravam no Brasil, como durante a estada no Paraguai e o retorno, o distanciamento em relação à língua padrão privilegiada pela escola se torna ainda maior.

Considerando as perspectivas essencialistas e não-essencialistas para a abordagem da identidade e da identificação, o desenvolvimento dos objetivos propostos será realizado a partir de diferentes discursos orais e escritos dos/sobre os "brasiguaios", a saber: entrevistas informais com adultos e alunos "brasiguaios", notas e diário de campo, gravação em áudio de atividade de leitura realizada por um aluno e textos escritos por outro.

2. INTERESSES E IDEOLOGIAS ENTRE FRONTEIRAS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA6 6 Informações levantadas dos seguintes textos: Laino (1979), Menezes (1987), Sprandel (1992) e Santos (1999).

Remetendo à imigração dos brasileiros para o Paraguai, a construção da identidade "brasiguaia" veio atender a vários interesses e ideologias, como veremos a seguir, com a construção histórica do grupo.

Desde a delimitação dos domínios do Brasil e Paraguai enquanto colônias de Portugal e Espanha, respectivamente, as relações entre os dois países estiveram marcadas pelo conflito, principalmente em relação à delimitação da linha de fronteira. Os conflitos culminaram com a Guerra declarada ao Paraguai (1864-1870) pelo Brasil, Argentina e Uruguai. Com o final da guerra, o Tratado da Tríplice Aliança estabeleceu novas bases para a delimitação de fronteiras e Brasil e Paraguai assinaram o Tratado de Paz e Amizade que alterava o traçado da fronteira anterior. Posteriormente, com o Tratado Complementar Mangabeira-Ibarra, ficaria definitivamente fixada a fronteira entre os dois países, o que geraria uma grave crise política no século XX. Essa divergência determinou, mais recentemente, a construção em condomínio da hidrelétrica de Itaipu.

Em 1954, o presidente Stroessner assumiu o poder no Paraguai e, com a preocupação de consolidar sua dominação, procurou satisfazer as demandas sociais. Para a consolidação de seus propósitos, iniciou uma aproximação com o Brasil, empreendendo sua marcha para o Leste. São provas dessa atitude a construção da Ponte da Amizade e a do Rio Apa, as rodovias Coronel Oviedo-Cidade Presidente Stroessner (hoje Ciudad del Leste). Através da lei de 1955, o presidente ofereceu ao capital estrangeiro vantagens que eram negadas ao capital paraguaio. Pressionado, porém, prometeu maiores facilidades para os latifundiários. Também distribuiu prebendas terras em grandes extensões para fixar seu poder no setor rural. Além disso, criou as terratenientes (política de reforma agrária do governo Stroessner que consistia na distribuição de prebendas também aos militares) para garantir sua sustentação junto às forças armadas.

Em 1966, com a assinatura da Ata das Cataratas, Stroessner promoveu a venda de terras na fronteira com o Brasil a grupos financeiros e a particulares brasileiros. No entanto, o nacionalismo da oposição paraguaia francamente anti-brasileira se fez presente, chegando a haver apedrejamento do setor de Promoção da Embaixada do Brasil em Assunção.

No Brasil, simultaneamente, ocorriam as tradicionais migrações internas, do Nordeste, Minas e Espírito Santo em direção a São Paulo e Norte do Paraná e aquelas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina para o Sudoeste paranaense. A dinâmica da industrialização no Brasil, com a incorporação das multinacionais, por seu lado, obrigou a reformulação do setor agrário brasileiro, que passou a ser cobrado quanto a uma maior eficácia exportadora, o que exigia maior tecnificação e mecanização. A política de subsídios aos setores de produção agrícola e exportação e o favorecimento do incremento da técnica e do equipamento aos maiores empresários rurais, aliados à política governamental de erradicação dos cafezais, provocou o deslocamento da frente de trabalho agrícola para o extremo oeste do Paraná, o que gerou uma das maiores entradas de colonos brasileiros no Paraguai.

É nesse contexto que se insere a entrada de capitalistas e agricultores brasileiros no Paraguai, que teria um grande impulso nos anos setenta, dadas as circunstâncias do êxodo forçado do camponês brasileiro. Embora não haja dados oficiais, acredita-se que aproximadamente 300.000 brasileiros se deslocaram para o país vizinho. Os estudiosos dessa migração apontam o inusitado desse fenômeno migratório, que provocou a transferência de massas humanas de um país incomparavelmente mais desenvolvido e em franco "milagre econômico" para um país considerado estagnado.

A opção preferencial do Paraguai pela aproximação com o Brasil atenderia aos interesses de Stroessner e dos setores que lhe davam sustentação, mas respondia, igualmente, aos interesses brasileiros. A necessidade de fontes produtoras de energia elétrica em face do processo de industrialização brasileira tornava interessante para o Brasil a parceria com o Paraguai. A Ponte da Amizade, os portos francos oferecidos ao país vizinho em Santos e Paranaguá revelam a coincidência de interesses geopolíticos entre os dois países. O relacionamento bilateral foi reafirmado pelo governo militar com a assinatura da Ata das Cataratas, em 1966, o que lançou as bases para o período de maior crescimento econômico da história do Paraguai.

No entanto, o estímulo por parte do governo paraguaio centralizou-se praticamente nos produtos de exportação das áreas tradicionais, como o algodão e de produtos novos, nas áreas pioneiras, como a menta e a soja, produtos sujeitos a grandes flutuações no mercado internacional, o que provocou uma acentuada pauperização do camponês paraguaio, cuja estrutura de produção agrícola ainda era rudimentar. Por outro lado, a construção de estradas e pontes bem como a maciça migração brasileira induziram à valorização da terra. O aumento de valor das terras passou a ser também um forte instrumento de expulsão do camponês, aliado às políticas sociais de crédito, que iriam revelar-se seletivas e terminariam por beneficiar apenas uma parcela do pequeno produtor. Com a crise do setor agrário e o encerramento do fluxo maciço de capitais da Itaipu, aumentaram as reivindicações dos setores marginalizados do processo, representados por camponeses e pela incipiente classe média que se acostumara com os tempos de fausto do auge do milagre econômico brasileiro, e culminaram com o debilitamento e derrubada de Stroessner.

Para o Brasil, a construção da Itaipu garantia um projeto de importância vital para a região sul e sudeste do país, além de, em curto prazo, oportunizar o trabalho para empreiteiras e técnicos brasileiros e a atuação de fornecedores de materiais necessários à construção da obra. Se por um lado a construção da usina atendia a esses interesses, por outro também contribuiu para o deslocamento de brasileiros. Colonos que tiveram suas terras inundadas pela construção do lago engrossaram a leva de migrantes para o país vizinho.

Mas, se num primeiro momento o "sem-terra" paraguaio procurou aliar-se às causas dos agricultores brasileiros em suas lutas contra arbitrariedades policiais ou judiciais, recorrendo mesmo às autoridades diplomáticas e consulares brasileiras no Paraguai, derrotado Stroessner as ocupações de terras paraguaias por imigrantes brasileiros passaram a gerar despejos violentos. Essas atitudes mudaram o posicionamento do "sem-terra" paraguaio, que alterou sua estratégia. Sua solidariedade com o "irmão brasileiro" deixou de existir, passando este a ser visto como "vilão-coadjuvante" da questão agrária paraguaia por ter-se prestado à prática de mascarar as terras improdutivas dos latifundiários. A atitude mais freqüente do paraguaio com relação ao "brasiguaio" passou a ser de rejeição e de hostilidade.

Diante do processo migratório Brasil-Paraguai, as preocupações paraguaias com a crescente presença brasileira nunca cessaram, principalmente veiculadas pela oposição. Já em 1973, foram inauguradas quatro colônias paraguaias no Departamento de Canindeyú, projetos de uma política de colonização nas áreas de fronteira com o Brasil. Vários projetos de criação da faixa de segurança fronteiriça também foram apresentados, além da criação de várias colônias no Alto-Paraná e Curuguaty, representando verdadeiras fronteiras humanas com o objetivo de conter o avanço dos brasileiros na região.

Com esse breve relato pode-se perceber a influência dos interesses e ideologias dos dois países e suas políticas "invisíveis" na constituição de uma identidade "brasiguaia" homogênea que facilitou a construção de um estereótipo negativo desses brasileiros. Esta construção nos impulsiona ao desejo de trazer à tona a complexidade que essa identidade esconde. Para isto, um dos caminhos é estender um outro olhar, de uma perspectiva não-essencialista, na perspectiva do próprio imigrante, como veremos na seqüência.

3. CONFLITOS DE NOMINAÇÃO: COMPLEXIDADES E CONTRADIÇÕES

Os migrantes que se deslocaram para o Paraguai, oriundos da região Sul do Brasil, são geralmente denominados, numa visão essencialista, euro-brasileiros7 7 Tanto a denominação euro-brasileiro como brasileiro-nativo são construções ideológicas, mas que serão aqui mantidas, como a denominação "brasiguaio", para fins de problematização. por terem uma ascendência européia próxima. Por seu lado, os migrantes oriundos do Nordeste e Sudeste são denominados brasileiros-nativos. Como a denominação "brasiguaio", também estas designações são construídas ideologicamente e recobrem interesses que, camuflados pela suposta neutralidade dos termos, escondem interesses e ideologias, resultando em identidades complexas: os euro-brasileiros não seriam brasileiros, nem brasileiros-nativos, nem paraguaios. Já os brasileiros-nativos não seriam euro-brasileiros, nem brasileiros, nem paraguaios. Mas ambos seriam brasiguaios de uma perspectiva do olhar do Outro. No entanto, rejeitam essa identidade construída 'de fora'.

Na dicotomização euro-brasileiros/brasileiros-nativos, o critério que diferencia os últimos é não terem ascendência européia próxima. Mas, essa diferença seria suficiente para identificar, entre os outros, os brasileiros-nativos? Como ficam aqueles que têm outras ascendências próximas ou distantes como, por exemplo, chineses, japoneses, árabes, ou mesmo portuguesa? Ou brasileiros-nativos seriam todos, com exceção dos euro-brasileiros que não têm ascendência portuguesa?

No entanto, mesmo que a complexidade desses processos de identificação e diferença não caibam nessa dicotomia, são utilizadas simbolicamente para estabelecerem fronteiras entre "brasiguaios" no país vizinho. Conforme relato de integrantes da Pastoral da Migração8 8 A Pastoral da Migração, instituição organizada e mantida pela Igreja Católica no Brasil, tem como finalidade acolher os imigrantes e reivindicar políticas públicas para estes cidadãos. , as separações entre os dois grupos são bastante visíveis no Paraguai, podendo ser percebidas, por exemplo, nas igrejas, ou seja, euro-brasileiros e brasileiros-nativos procuram não freqüentar a mesma igreja, mesmo quando professam a mesma religião.

Para melhor exemplificar, apresentamos outro relato que confirma a busca constante de delimitação de fronteiras identitárias, como se isto fosse possível. Em conversa informal na Pastoral da Migração, juntamente com outras pessoas envolvidas com a situação dos "brasiguaios", e da qual fazia parte um denominado euro-brasileiro, também representante dos chamados farmers9 9 A denominação farmer (em língua inglesa) é usada no Paraguai para fazer referência aos donos de terras em grandes extensões, cuja produção visa principalmente à exportação, e aos quais não se aplica, pelo menos por enquanto, a denominação "brasiguaio". no Paraguai, foi possível perceber nas práticas discursivas a fluidez e o conflito da auto-nominação da nacionalidade. Quando lhe foi perguntado se era brasileiro, ele respondeu que não, era alemão. Buscando um melhor entendimento, lhe foi indagado se havia vindo da Alemanha recentemente. Sua resposta foi que sua família, vinda da Alemanha, já residia no Brasil há cinco gerações. Para esse cidadão, que não se vê como "brasiguaio", parece não interessar uma identidade brasileira, nem paraguaia, nem "brasiguaia"; sua identificação é com um grupo de referência de maior prestígio na atualidade. Por outro lado, poderíamos dizer que ele não tem uma ascendência européia próxima, já que faz parte da quinta geração. A identidade que constrói para si e que pode ser depreendida a partir de sua prática discursiva, parece-nos condizente com a colocação de Jiménez (1996, p. 143-144):

O homem é um ser de diferenças. E sua auto-afirmação reclama o particularismo, o acento do próprio. Por isso, o sentir-se estrangeiro, uma nova e radical condição de nomadismo profundo e generalizado, define a situação da cultura contemporânea. A autêntica pátria do homem não tem perfis nem fronteiras uniformes. O sonho cosmopolita, a imagem de uma pátria universal é uma ilusão destrutiva. A verdadeira pátria é a imagem das diferenças humanas, a diversidade de sentimentos, linguagens e culturas (em itálico no original). Os itinerários plurais que traçamos em nosso incessante caminhar. Em direção à pátria.

Na seqüência da conversa, conforme registro em diário de campo, o mesmo descendente de imigrantes classificou os brasileiros que se deslocaram para o Paraguai da seguinte maneira:

Notas de campo outubro/2002- Os brasileiros que foram para ficar; estes estão economicamente melhor que os que ficaram aqui no Brasil (o migrante se coloca entre esses);- os que foram com a intenção de retornar; estes não tiveram sorte naquele país;- os aventureiros, sem-terra, e que estão sofrendo o desalojo [sic]10 10 Desalojo: retirada sob violência do sem-terra brasileiro das terras paraguaias. ;- os criminosos fugitivos que foram só para se esconder.

É interessante observar que aqui ele se inclui entre os brasileiros e, como era de se esperar, entre aqueles economicamente bem sucedidos. A partir do seu olhar, podem-se depreender as identidades construídas socialmente nas interações, que resultam em identidades fragmentadas, híbridas e em permanente fluxo (Maher, 1998; Signorini, 1998; Cavalcanti, 1999, 2002; Moita Lopes, 2002, 2003; Sarup, 1996; Bhabha, 2001 [1994]).

Logo em seguida, quando lhe perguntei se empregava brasileiros em sua fazenda, ele respondeu que não gostava de empregar "negrinhos"11 11 No Oeste do Paraná, basicamente colonizado por italianos e alemães, ser chamado de 'negrinho' não significa necessariamente ter a pele negra, basta não ter uma ascendência européia próxima. porque eram preguiçosos e só traziam problemas. Preferia empregar alemães que, segundo ele, são confiáveis e a quem valia a pena auxiliar, porque eram trabalhadores, para que tivessem futuramente também seu pedaço de terra. Este estereótipo do 'brasileiro' se estendia ao paraguaio 'nativo', que era visto como agressivo, armado, ignorante.

Considerando a particular visão desse descendente de imigrante, parece-me possível afirmar que as identificações e diferenças, do seu ponto de vista, são marcadas tanto por identidades nacionais (alemão versus. brasileiro, brasileiro-nativo, brasiguaio), como por identidades étnicas (euro-brasileiro versus "negrinho"=brasileiro) e identidades sociais (brasileiros que tiveram sucesso econômico versus os que não tiveram), dependendo do que está interessando no momento, dependendo de quem é o interlocutor. Indo mais além, embora não seja essa a representação que faça de si, mas que está implícita na sua fala, pode-se acrescentar ainda mais uma identificação, ou melhor, uma des-identificação: ("brasiguaio"/migrante de sucesso versus aventureiros ), ou seja, não é brasileiro nem é paraguaio. Nesse caso, no entanto, não há uma conotação de perda da identidade nacional, como acontece com os componentes de migrações não-planejadas, levados pela pobreza, pela seca, pelo subdesenvolvimento econômico e por colheitas fracassadas, pelas mudanças arbitrárias de regimes políticos e pela dívida externa/interna de seus governos. Estes últimos, como fazem parte de minorias, necessitam construir uma identidade, uma nacionalidade, ou seja, necessitam criar um modelo para que se façam visíveis e possam reivindicar seus direitos. Para compreender melhor essa questão, cabem aqui as conceituações de minoria e maioria propostas por Deleuze (1992, p. 214):

As minorias e as maiorias não se identificam pelo número. Uma minoria pode ser mais numerosa que uma maioria. O que define a maioria é um modelo ao qual precisa estar conforme: por exemplo, o europeu médio adulto macho habitante das cidades... Ao passo que uma minoria não tem um modelo, é um devir, um processo. ... Quando uma minoria cria modelos, é porque quer tornar-se majoritária, e sem dúvida isso é inevitável para sua sobrevivência ou salvação.

Considerando-se as noções12 12 Sobre essa questão, ver também Cavalcanti (1999, 2006). de minorias e maiorias, e as diferentes denominações utilizadas até aqui "brasiguaios", euro-brasileiros, brasileiros-nativos, brasileiros, negrinhos, paraguaios confirma-se mais uma vez a construção ideológica da identidade e sua ligação com diversos interesses. Cada identificação ou des-identificação redimensiona a identidade "brasiguaia", evidenciando sua complexidade, suas bifurcações e indefinições das suas linhas de fronteira. Assim, torna-me impossível delimitar as fronteiras, nem para a denominação "brasiguaia", nem para cada uma das denominações apresentadas.

4. LÍNGUA(GEM) HÍBRIDA: LUGAR DA VISIBILIZAÇÃO INDESEJADA DO ALUNO "BRASIGUAIO"

Na escola, o aluno "brasiguaio", que busca o apagamento de sua passagem pelo país vizinho é visibilizado, contra sua vontade, principalmente pela sua língua(gem) híbrida, seja através da leitura em voz alta, seja através dos seus próprios textos escritos, como exemplificaremos na seqüência, através de registros do diário de campo e transcrição de uma atividade de leitura realizada por Carlos13 13 Todos os nomes são fictícios, para garantir a anonimidade. , aluno "brasiguaio" de 11 anos, cursando a 5ª. Série. Carlos falava alemão, castelhano, português e sabia cantar músicas em guarani.

Diário de campo agosto/2003Durante as entrevistas com todos os alunos "brasiguaios", não foi possível perceber traços do castelhano em suas falas. Com Carlos, o mesmo aconteceu, a não ser quando ele trocou escrevo por escrivo. No entanto, segundo seu relato, quando lia, os professores diziam que lesse em português e não em castelhano. Por esse motivo e também por causa da risada dos colegas, não gostava de ler em sala de aula. Surgiu a curiosidade em saber o que esse comentário representava, pois também os professores manifestaram, nas entrevistas, a surpresa frente à leitura deste e de outros alunos, comentando que não entendiam como eles liam daquela forma e também escreviam com traços do castelhano, se pelas suas falas cotidianas não era possível identificá-los na sala de aula, afirmando que "eles falam perfeito, não falam enrolado". Aliás, muitas vezes o professor nem mesmo tinha conhecimento da presença de um aluno "brasiguaio", a não ser quando solicitavam que lessem em voz alta ou redigissem um texto.

Para o professor nessa escola, assim como em outras escolas focalizadas por Santos (1999, 2004), qualquer diferença toma a dimensão de uma anomalia que é preciso normalizar e uma das maneiras utilizadas é justamente homogeneizar, e, para o aluno, esse processo pode ser doloroso, pode resultar em uma marca pela incapacidade.

No entanto, a cada momento em que se dirige um olhar para os alunos "brasiguaios", tanto na zona urbana como na rural, a unidade se esvai, evidenciando uma construção que, como tal, pode ser desconstruída. Na perspectiva de um outro olhar é que se pode dizer que a denominação "brasiguaio", ao invés de remeter ao Uno, remete à complexidade, à instabilidade, à descontinuidade, ao não fechamento. Quanto mais atento o olhar, mais difícil fica estabelecer fronteiras que delimitem um grupo com características partilhadas por todos.

Para confirmar estas afirmações, além dos diferentes olhares já apresentados, basta refazer o percurso do processo de construção da identidade que a denominação aluno "brasiguaio" recobre, como veremos a seguir.

No levantamento realizado em escolas da região Oeste do Paraná, tanto na zona rural como urbana (Santos, 1999, 2003, 2004), a complexidade fica evidente por várias razões que passamos a enumerar.

Num primeiro momento, em que Santos (1999) tentou obter uma visão panorâmica do aluno "brasiguaio" nas escolas, foi necessário estabelecer uma primeira diferença: alunos que estudaram no Paraguai e alunos que não estudaram. Pudemos perceber que um grande número de "brasiguaios" não freqüentou as escolas no Paraguai por vários motivos: moravam muito longe da escola ou precisavam ajudar os pais no trabalho na roça, ou ainda estudavam em escolas rurais que muitas vezes não tinham aulas regularmente pela falta de professores. Nos dados analisados, provenientes de entrevistas, alguns pais alegam até que não matriculam os filhos no país vizinho porque o ensino de lá 'não vale'. Estes, ao retornarem ao Brasil, são matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental, muitas vezes já fora da faixa etária para aquela série ou então vão freqüentar os cursos de aceleração escolar.

Entre aqueles que estudaram no Paraguai, também não foi possível encontrar identificações comuns. Uns são colocados nas séries iniciais mesmo que já as tenham cursado no Paraguai, isso com a anuência dos pais que assinam um documento de ciência e concordância com a situação e dizem mesmo que é melhor o(a) filho(a) repetir as séries porque está mesmo 'fraco'. Outros, por não trazerem a documentação escolar que comprove o grau de escolaridade e permita uma seqüência no Brasil, são obrigatoriamente colocados nas séries iniciais.

Uma outra questão refere-se ao tempo de permanência na escola do país vizinho que varia de aluno para aluno. Ainda podemos apontar as diferentes épocas de retorno ao Brasil: enquanto uns já estão na escola brasileira há vários anos, outros são recém-chegados.

Somando-se aos fatos apresentados, têm-se também diferenças quanto ao grupo de origem antes da migração. Se num primeiro momento retornaram principalmente "brasiguaios" denominados brasileiros-nativos, mais vulneráveis às políticas estabelecidas e à expulsão do país vizinho, recentemente também têm retornado integrantes do grupo denominado euro-brasileiro. Enquanto os do primeiro grupo têm como língua primeira o português, os do segundo muitas vezes falam mais de uma língua ou convivem com familiares que ainda falam sua língua de herança.

Se por um lado não se pode negar que todas as questões apresentadas interferem no contexto escolar, por outro fica claro que não se pode homogeneizá-los sob o rótulo aluno "brasiguaio". Assim, talvez possa se justificar a recusa daqueles que moraram e/ou estudaram no Paraguai de serem denominados "brasiguaios". No momento de retorno não é mais interessante manter essa identidade que dificulta a ocupação de um lugar a que têm direito num país que alardeia uma educação para todos, mas em que ainda prevalece a política da exclusão.

Exemplificamos, a seguir, a leitura14 14 Para simplificar a apresentação, somente sinalizamos através de transcrição fonética (broad transcription, base: IPA) as palavras, e em especial os fonemas, que identificavam/"traíam" o aluno como "estrangeiro" em seu próprio país. realizada por Carlos:

Ao construir hipóteses para a língua portuguesa escrita, com a qual não tem familiaridade, e cumprir a tarefa de ler em voz alta para os colegas e professora, Carlos vai deixando emergir a complexidade de sua língua(gem) híbrida. Nessa língua(gem), chamamos a atenção para:

a) a realização de vibrante simples inicial e intervocálica em onde se esperaria a ocorrência da vibrante múltipla - Conforme Borstel (2003) trata-se da influência do uso bilíngüe alemão/português, usada em comunidades de minorias étnicas e de base rural, com motivação social e cultural, isto é, com a finalidade de marcar solidariedade de grupo, bem como para que a identidade construída pelo falante não seja ameaçada nas interlocuções pretendidas, já que em outros contextos não é socialmente prestigiada;

b) [foia] e [oiãdo] A vocalização da palatal lateral [ï] é geralmente estigmatizada, principalmente na escrita/leitura não somente dos "brasiguaios" mas dos habitantes de regiões rurais no Brasil;

c) parecem ter influência basicamente do castelhano a realização da fricativa dental-apical [è]; a fricativa bilabial [â]; a desnazalização em [estau] e [asi]; a oclusiva dental surda seguida da africada palato alveolar em ; a realização da ápico-dental em final de palavra como em , [deèejan] e [tãbien]; a inversão da vocalização em [tãbien];

d) a realização da consoante lateral alveolar ou dental

em trave de sílaba, usada no Sul do país.

Na leitura de Carlos, há, portanto, traços de prestígio e traços estigmatizados da língua portuguesa, traços do castelhano e traços do alemão, evidenciando seus processos de hibridização lingüística.

Concluir que um aluno que tem um domínio da língua portuguesa na oralidade com certeza terá o mesmo domínio nas habilidades de leitura e escrita, encontra apoio na crença de que a escrita é uma simples transposição da oralidade, embora não se possa negar que existam complexas relações entre a oralidade e a escrita. No entanto, para Carlos, estabelecer relações entre oralidade e escrita significa elaborar hipóteses para a leitura em língua portuguesa, tomando como base seus conhecimentos em língua castelhana, aquela em que ele foi alfabetizado.

Dando continuidade à exemplificação da língua(gem) híbrida dos alunos "brasiguaios", apresentamos quatro textos do aluno Márcio, descendente de alemães, de 11 anos, que havia estudado no Paraguai até a 3ª. série e que, ao retornar ao Brasil, foi matriculado na 4ª. série. Marcos falava português, espanhol, alemão; quanto ao guarani, disse saber apenas algumas palavras.

O texto 1 foi escrito espontaneamente, dirigido à professora de Língua Portuguesa, em homenagem ao dia do professor, não constituindo uma atividade escolar. Conforme informação da professora, o aluno pediu permissão para escrever em castelhano, alegando não saber escrever em português. O texto 2 foi escrito pelo mesmo aluno como uma atividade proposta pela professora que consistia em recontar/resumir por escrito um filme que a turma havia assistido. O texto 3 constitui uma re-escritura do texto 2, realizada com orientações dadas pela professora. O texto 4 foi elaborado como uma atividade de redação escolar.

Texto 1

Texto 2

Querida maestra Raquel. recive este regalo de tu aluno que tanto tequiere. mucho por que siem uste yo nopuedo aprender nadie. grasia maestra por tu bond fecidad en tu dia. que sea mucho felis. que elpadre del cielo e la virgem madre de dia este siempre com uste que de sea tu aluno fernando.

A prinsesa e o vagabundo

O Querido dio de presente para a querida uma perrita llamada Lady denoite o Querido arrumou uma amaca na sala para ella mas ella no Queria alla ella Queria ir dar dormi junto com ella a Querido e o Querio mas o Querido no deichava una hora dela noite ella consegio ir ate alla então o Querio deichou ella dormir junto com elles.

Texto 3

Texto 4

A prinsesa e o vagabundo

O Querido deu de presente para a querida uma cadélinha chamada Lady denoite ó Querido arumou uma caminha na sala para éla mas éla não Queria la ela Queria ir dormir junto com ela a Querida e o Querido mas o Querido não deichava umas horas da noite ela conseguiu ir até lá então o Querido deiclho ela dormir junto côneles.

Voceis querem este relogio? Vão comprar! por que este é meu. Se vocês comprarem nunca mais vãoum chegar atrazado na aula por que é só dar um pouquinho de corda nele e daí é só colocar no pé da cama a hora que você quer ir para a escola e é só olhar no relogio novinho.

Embora outros fatores também influenciem na atitude negativa em relação ao aluno "brasiguaio" no contexto escolar como, por exemplo, a diferença de conteúdos em algumas disciplinas como história e geografia dos dois países, a questão da linguagem, na sua forma escrita tanto na escrita realizada pelo aluno, como na leitura de textos é que torna o aluno "brasiguaio" mais visível no contexto escolar.

No texto 1, embora possa ser percebido como sendo escrito em língua castelhana, não deixa de apresentar a presença da língua portuguesa como, por exemplo, em aluno por alumno; e por y. Nos textos 2 e 3 percebe-se a complexidade das identidades brasileiro/ "brasiguaio"/xiru15 15 "Xiru/xirua" são simplificações da palavra guarani correspondente que significa "amigo/amiga". No entanto, na fronteira, é utilizada com conotação pejorativa para fazer referência ao paraguaio e, em extensão, também ao "brasiguaio". /nem brasileiro/nem "brasiguaio". No texto 4 se acentua a transitoriedade em direção à língua portuguesa. É interessante observar que, neste texto, há uma semelhança com a escrita dos alunos brasileiros nesta fase de escolaridade como, por exemplo, em arumou/arrumou; denoite/de noite; vãoum/vão, sendo possível observar também a presença de voceis/vocês e daí, em seu usopróprio do texto oral.

Uma das questões que se evidenciou como mais preocupante para os professores em relação ao desempenho escolar dos alunos "brasiguaios", durante as entrevistas, foi justamente em relação à língua(gem) híbrida que quase sempre estes apresentam. Acostumados a uma política lingüística voltada para o monolingüismo, ou seja, para uma língua homogênea, pura uma língua para um povo, para uma nação os usos linguísticos dos alunos são vistos como um erro que deve ser eliminado, sendo muitas vezes atribuído à incapacidade cognitiva do aluno. Essa atitude quase sempre contribui para a construção de uma imagem negativa do aluno em relação ao seu próprio desempenho, resultando em uma grande insegurança quanto à capacidade de escrita e ao sucesso escolar.

Submetidos a um processo educacional que podemos chamar de Modelo Assimilacionista de Submersão (Maher, 2007), o qual se caracteriza pela prática de se colocar alunos bilíngües em turmas monolíngues, espera-se que eles passem a usar imediatamente a língua majoritária, neste caso a língua portuguesa, em sua variedade de prestígio. O que se torna mais preocupante é que as crianças não têm escolha porque esta é a única alternativa para freqüentarem a escola.

É importante lembrar que, como filhos de agricultores e habitantes da zona rural ou de pequenas cidades, esses alunos não têm como parte de seu repertório lingüístico a variedade prestigiada da língua portuguesa, embora o português seja a língua de uso na família e nas comunidades em que vivem no país vizinho. Conforme pôde ser observado durante todas as entrevistas e convivência com esses alunos "brasiguaios", não se percebeu, na oralidade, nenhum traço da língua castelhana nos usos da língua portuguesa, tanto pelos alunos como por seus familiares. As dificuldades dos alunos "brasiguaios" na escola brasileira, então, não se limitam apenas ao bilingüismo estigmatizado pela escola, mas se estendem aos usos das variedades desprestigiadas da língua portuguesa.

Esta atitude evidencia uma concepção idealizada do sujeito bilíngue/bilidaletal, tomado como o resultado de uma somatória de duas línguas estanques, com fronteiras nítidas e delimitadas, como se isto fosse possível. Argumentando em direção contrária, Maher (2007, p. 79) propõe uma concepção de bilinguismo que, entendido como "uma condição humana muito comum, refere-se à capacidade de fazer uso de mais de uma língua".

Assumimos aqui a noção de bilinguismo na perspectiva apresentada pela autora e a inserimos dentro de uma concepção de língua como "caleidoscópio" (César e Cavalcanti, 2007, p. 61), no sentido de se focalizar a língua como constituída por "um conjunto de variáveis, interseções, conflitos, contradições, socialmente constituídos ao longo da trajetória de qualquer falante". Desta maneira, distancia-se de uma percepção de língua enquanto homogênea, monolítica e imutável em direção a uma língua multifacetada, parte de processo de hibridação. Ao delinear esta trajetória, as autoras propõem que se considere também como multilinguismo o que comumente se trata como "língua e variedade, língua e norma, língua e dialeto" (p. 62, grifos das autoras). Esta perspectiva desvia o olhar da língua do aluno "brasiguaio" em práticas de letramento como errada, ruim, para uma perspectiva de se considerar a "pluralidade dos contextos multiculturais" e suas "línguas multiformes".

Assim, a concepção de bilinguismo deixa de se ancorar na visão idealizada do bilíngüe perfeito, para dar lugar à compreensão de que existem vários tipos de sujeitos bilíngües, o que dá ao bilinguismo uma característica muldimensional (Maher, 2007), não sendo possível atribuir características comuns e partilhadas a todos, o que evidencia a complexidade, contradição e fluidez também das identidades. Como explica Maher (op. cit., 79), nas práticas discursivas dos sujeitos bilíngües pode-se observar não só

(...) a fluidez na distribuição funcional entre as línguas do repertório verbal do aluno bilíngüe e dos diferentes graus de competências que exibe, mas também considerar os processos de mudança e reestruturação no interior desse repertório e ao longo do tempo.

Como se pode ver nos textos do aluno, há uma fluidez que faz com que ora se aproxime mais da língua castelhana, ora se aproxime mais da língua portuguesa, ora se distancie de uma e de outra, constituindo-se o que Bhabha (2001, p. 292) caracteriza como "entre-lugares" no sentido de uma diferença que é quase nada, mas não exatamente e uma diferença que é quase total, mas não exatamente.

Como se observa no texto 4, para escapar à estigmatização e ao fracasso, o aluno pode redimensionar uma identidade como aluno "brasiguaio" e construir uma outra identificação com o aluno "brasileiro". Assim ele busca cruzar as fronteiras, escapar aos saberes constituídos e aos poderes dominantes, romper a lógica da identidade nos processos de subjetivação e construir novos modos de vida em direção à única possibilidade de sucesso que lhe é imposta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões apresentadas neste texto sobre as construções das identidades "brasiguaias", visibilizadas a partir de uma perspectiva essencialista em busca do 'puro', do homogêneo, dão margem à criação de um estereótipo caracterizado pela deficiência, pela falta, pela incompetência. Mas, como construção, esta perspectiva é passível de desconstrução em direção à perspectiva da complexidade do multifacetado, do provisório, da hibridização, do cruzamento das linhas de fronteira. Desta maneira, ampliam-se as possibilidades para a visão de processos de hibridação, o que contribui para que se arquitetem novos poderes e novos saberes, tornando possível aproveitar os momentos de suspensão, quando se abrem brechas para a insubmissão ao controle, fazendo da escola contexto para criar novos espaços/tempos com condição de possibilidades para novos acontecimentos.

Esse olhar diferenciado sobre a construção de identidades "brasiguaias" pode, portanto, tornar-se uma contribuição potencial para o setor educacional, principalmente em seu segmento público onde se encontram esses alunos focalizados. Tal construção está relacionada ao distanciamento do estereótipo do aluno fraco e à aproximação de uma reconstrução desse aluno em direção ao sucesso escolar e recuperação da auto-estima. Isso passa pelas língua(gens) provisórias decorrentes de processos de hibridação. Essas língua(gens) podem mostrar possibilidades/estratégias para "entrar e sair da hibridação" a depender do interlocutor, a depender da situação, sem necessidade de problemas com a auto-estima, com o apagamento da vida anterior no país vizinho...

O que nos parece mais preocupante é que o uso de mais de uma língua deveria ser visto sempre como enriquecedor, principalmente em região de fronteira. Como ressalta Maher (2007, p.71), os esforços para a supressão de uma língua minoritária se ancoram na crença de que esta vai de alguma maneira prejudicar a aquisição da língua majoritária ou até mesmo poderia provocar confusão mental e dificuldade de comunicação, por sobrecarregar o cérebro. No entanto, como argumenta a autora,

(...) parece haver uma relação positiva entre bilingüismo, funcionamento cognitivo e competência comunicativa. Aumento do pensamento divergente/criativo, maior predisposição ao pensamento abstrato, maior consciência metalingüística, maior sensibilidade para o contexto de comunicação são apenas algumas das vantagens freqüentemente associadas ao bilingüismo na literatura especializada.

Desta maneira, se, por um lado, os alunos "brasiguaios" focalizados se colocam em conformidade com a estabilidade e a homogeneidade esperadas, por outro, a escola perde a oportunidade de possibilitar ao aluno a ampliação do domínio da língua portuguesa de prestígio e também da língua castelhana, tão importante, não só no contexto do Mercosul, mas como uma possibilidade a mais tanto de criação como de inserção em contextos sociais mais amplos.

Recebido: 28/05/2008

Aceito: 16/09/2008

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  • 1
    O conceito de identidade será mais detalhadamente discutido na seqüência. Antecipando o sentido em que está sendo aqui tomado, as identidades são construídas socialmente nas interações, resultando em identidades complexas, incompletas, fragmentadas, híbridas e em permanente fluxo (Maher, 1998; Signorini, 1998; Cavalcanti, 1999, 2003; Moita Lopes, 2002, 2003; Sarup, 1996; Bhabha, 1990, 2001 [1994], entre outros).
  • 2
    O termo "brasiguaio", embora seja uma denominação quase sempre utilizada com finalidade discriminatória para fazer referência tanto aos brasileiros que migraram para o Paraguai e ainda continuam naquele país, como aos que fizeram o caminho de volta, será aqui mantido justamente para que possa ser polemizado.
  • 3
    A escolha do uso da denominação 'língua castelhana' no lugar de 'língua espanhola' deve-se ao fato de ter sido percebido, durante a realização da pesquisa, um certo estranhamento por parte do alunos "brasiguaios" quanto ao emprego de 'língua espanhola': quando lhes era perguntado se falavam espanhol, eles imediatamente faziam a correção para castelhano.
  • 4
    A expressão língua(gem) híbrida está empregada a partir do conceito de hibridismo de Bhabha (1999, 2001 [1994]) no sentido contrário à linguagem monolítica, homogênea e imutável.
  • 5
    " A perspectiva pós-colonial parte da idéia de que, a partir das margens ou das periferias, as estruturas de poder e de saber são mais visíveis. Daí o interesse desta perspectiva pela geopolítica do conhecimento, ou seja, por problematizar quem produz conhecimento, em que contexto o produz e para quem o produz." Sousa Santos (2004).
  • 6
    Informações levantadas dos seguintes textos: Laino (1979), Menezes (1987), Sprandel (1992) e Santos (1999).
  • 7
    Tanto a denominação euro-brasileiro como brasileiro-nativo são construções ideológicas, mas que serão aqui mantidas, como a denominação "brasiguaio", para fins de problematização.
  • 8
    A Pastoral da Migração, instituição organizada e mantida pela Igreja Católica no Brasil, tem como finalidade acolher os imigrantes e reivindicar políticas públicas para estes cidadãos.
  • 9
    A denominação farmer (em língua inglesa) é usada no Paraguai para fazer referência aos donos de terras em grandes extensões, cuja produção visa principalmente à exportação, e aos quais não se aplica, pelo menos por enquanto, a denominação "brasiguaio".
  • 10
    Desalojo: retirada sob violência do sem-terra brasileiro das terras paraguaias.
  • 11
    No Oeste do Paraná, basicamente colonizado por italianos e alemães, ser chamado de 'negrinho' não significa necessariamente ter a pele negra, basta não ter uma ascendência européia próxima.
  • 12
    Sobre essa questão, ver também Cavalcanti (1999, 2006).
  • 13
    Todos os nomes são fictícios, para garantir a anonimidade.
  • 14
    Para simplificar a apresentação, somente sinalizamos através de transcrição fonética (broad transcription, base: IPA) as palavras, e em especial os fonemas, que identificavam/"traíam" o aluno como "estrangeiro" em seu próprio país.
  • 15
    "Xiru/xirua" são simplificações da palavra guarani correspondente que significa "amigo/amiga". No entanto, na fronteira, é utilizada com conotação pejorativa para fazer referência ao paraguaio e, em extensão, também ao "brasiguaio".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      16 Set 2008
    • Recebido
      28 Maio 2008
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