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O livro didático na perspectiva da formação de professores

The textbook in the perspective of teacher education

Resumos

Há provavelmente tanto razões a favor quanto contra a utilização do livro didático no ensino de língua estrangeira, mas o fato é que, no Brasil, poucos são os contextos educacionais em que não se adota um livro didático. A relação entre essa ampla adoção do livro didático e os modelos tradicionais de formação profissional, nos quais os professores aprendem a aplicar em suas práticas pedagógicas teorias produzidas por agentes externos, parece bastante óbvia. No entanto, nos modelos atuais de formação, que objetivam principalmente que os professores construam conhecimento sobre ensino e aprendizagem, será que há espaço para o livro didático ou deveria o professor criar os seus próprios materiais? Neste texto, abordaremos esse tópico, levando em consideração a percepção de alunos do curso de graduação em Letras da UFG sobre a utilização do livro didático no ensino de inglês.

livro didático; formação de professores; ensino de língua estrangeira


There may be as many reasons in favour of the use of commercial textbooks in foreign language teaching as against it, but in Brazil there are few contexts in which a textbook is not used. The relationship between this broad adoption of textbooks and the traditional models of teacher education - in which teachers learn how to apply, in their teaching practice, theories developed by researchers - is rather obvious. However, in recent models of teacher education, which aim for teachers to build knowledge about teaching and learning, is there room for textbooks or should teachers develop their own material? In this text, this topic will be dealt with, taking into consideration the perception of undergraduate students of Letras (UFG) about the use of textbooks in English teaching.

commercial textbook; teacher education; foreign language teaching


ARTIGO ARTICLE

O livro didático na perspectiva da formação de professores

The textbook in the perspective of teacher education

Rosane Rocha Pessoa

UFG, Goiânia (GO), Brasil, <pessoarosane@gmail.com>

RESUMO

Há provavelmente tanto razões a favor quanto contra a utilização do livro didático no ensino de língua estrangeira, mas o fato é que, no Brasil, poucos são os contextos educacionais em que não se adota um livro didático. A relação entre essa ampla adoção do livro didático e os modelos tradicionais de formação profissional, nos quais os professores aprendem a aplicar em suas práticas pedagógicas teorias produzidas por agentes externos, parece bastante óbvia. No entanto, nos modelos atuais de formação, que objetivam principalmente que os professores construam conhecimento sobre ensino e aprendizagem, será que há espaço para o livro didático ou deveria o professor criar os seus próprios materiais? Neste texto, abordaremos esse tópico, levando em consideração a percepção de alunos do curso de graduação em Letras da UFG sobre a utilização do livro didático no ensino de inglês.

Palavras-chave: livro didático; formação de professores; ensino de língua estrangeira.

ABSTRACT

There may be as many reasons in favour of the use of commercial textbooks in foreign language teaching as against it, but in Brazil there are few contexts in which a textbook is not used. The relationship between this broad adoption of textbooks and the traditional models of teacher education - in which teachers learn how to apply, in their teaching practice, theories developed by researchers - is rather obvious. However, in recent models of teacher education, which aim for teachers to build knowledge about teaching and learning, is there room for textbooks or should teachers develop their own material? In this text, this topic will be dealt with, taking into consideration the perception of undergraduate students of Letras (UFG) about the use of textbooks in English teaching.

Keywords: commercial textbook; teacher education; foreign language teaching.

1. LIVRO DIDÁTICO

Um dos elementos mais característicos do contexto educacional é o livro didático e, por isso, já se institucionalizou, ou seja, apresenta-se como algo natural, que "constitui" o processo de educação: "não é à toa que a imagem estilizada do professor apresenta-o com um livro nas mãos, dando a entender que o ensino, o livro e o conhecimento são elementos inseparáveis, indicotomizáveis" (SILVA, 1996, p. 8). E sua importância é mais acentuada em países como o Brasil, onde uma precária situação educacional "faz com que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina" (LAJOLO, 1996, p. 4). No entanto, a perspectiva do modelo de formação de professores como intelectuais críticos sugere que os professores devem participar "ativamente do esforço para desentranhar a origem histórica e social do que se apresenta como 'natural', para conseguir captar e mostrar os processos pelos quais a prática de ensino fica presa em pretensões, relações e experiências de duvidoso valor educativo" (CONTRERAS, 2002, p. 185).

A nosso ver, o uso do livro didático no ensino de línguas estrangeiras - sobretudo nos cursos de licenciatura - é uma das práticas que merecem ser analisadas, pois pode não só limitar as possibilidades de ação do professor, como também comprometer as próprias perspectivas de análise e compreensão do ensino, de suas finalidades educativas e de sua função social. Além disso, um

apego cego ou inocente a livros didáticos pode significar uma perda crescente de autonomia por parte dos professores. A intermediação desses livros, na forma de costume, dependência e/ou vício, caracteriza-se como um fator mais importante do que o próprio diálogo pedagógico, que é ou deveria ser a base da existência da escola (SILVA, 1996, p. 8).

Com base nesse ponto de vista, analisaremos o livro didático na perspectiva da formação do professor e de uma visão sociointeracionista de linguagem e utilizaremos dados de um questionário aberto aplicado a 38 alunos do curso de Letras - 21 dos quais são também professores -, que tiveram, no ensino de inglês da graduação, experiências com e sem a utilização de livro didático. O questionário se constituiu de quatro itens:

1) O que você acha do livro didático no ensino de língua inglesa?

2) Compare essas duas experiências de ensino de inglês no curso de graduação: a utilização e a não-utilização do livro didático.

3) Como você vê a utilização e a não-utilização do livro didático na sua experiência como professor de língua inglesa?

4) Que outras considerações você gostaria de fazer sobre o uso do livro didático?

Algumas das razões para a utilização do livro didático em contexto de segunda língua e língua estrangeira, apresentadas por Richards (1998), são: exige um tempo menor de preparação; a qualidade do material produzido pelo professor é bem inferior a dos livros didáticos comerciais, para os quais há grandes orçamentos para desenvolvimento e produção; é baseado em teorias, abordagens e pesquisas recentes e desenvolvido por especialistas da área de ensino e aprendizagem; apresenta um plano sequencial e bem organizado; e dá segurança ao professor e uma maior autonomia ao aluno.

Implícita nessas razões está a imagem de um professor que não tem tempo de preparar suas aulas, que não tem capacidade de produzir material utilizado em sala de aula, não conhece teorias, abordagens e pesquisas recentes da área de ensino e aprendizagem e precisa de segurança. De fato, como afirma Silva (1996, p. 8),

para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua falta ou ausência, não se caminha cognitivamente na medida em que não há substância para ensinar. Coxos por formação e/ou mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério, resta a esses professores engolir e reproduzir a idéia de que sem a adoção do livro didático não há como orientar a aprendizagem.

Ora, esse professor pode até ser o professor de língua estrangeira que temos hoje no Brasil, mas certamente não é o profissional que os modelos de formação que rompem com o modelo da racionalidade técnica pretendem formar e tampouco o profissional que queremos, se o nosso objetivo é uma educação emancipatória. Mas que professor é esse então? É aquele que conhece teorias, abordagens e pesquisas sobre ensino e aprendizagem de língua estrangeira, ou seja, um especialista dessa área, que vê a linguagem como constitutiva da vida social e que, se quer transformá-la, deve engajar-se em questões políticas e sociais. É para esses dois pontos que voltaremos o nosso olhar, abordando o primeiro com base na tese da proletarização docente de Apple (1995) e o segundo alicerçado no conceito de "nova ordem mundial" (MAGNOLI, 1993).

2. FORMAÇÃO DO PROFESSOR

A tese básica da proletarização docente, de Apple (1995), é que os professores perderam as qualidades que os permitiam dar sentido ao próprio trabalho e ter controle sobre ele e, ao mesmo tempo, presenciaram a deterioração das condições de trabalho que os permitiam alcançar o status de profissional, aproximando-os cada vez mais da situação socioeconômica da classe operária. A racionalização do trabalho levou a uma racionalização do ensino, caracterizada pela separação entre concepção e execução, ou seja, entre o planejamento de ensino e a prática pedagógica; pela desqualificação ou a perda dos conhecimentos e das habilidades para planejar, compreender e agir sobre a prática pedagógica; e, finalmente, pela perda de controle sobre essa prática.

A racionalização do ensino tornou os professores, então, meros aplicadores de programas e pacotes curriculares desenvolvidos por agentes externos. E o que são os livros didáticos nas aulas de língua estrangeira? Eles "são o currículo" (RICHARDS, 1998, p. 125), isto é, contêm um programa e as habilidades a serem trabalhadas, e servem não apenas como fonte de conteúdo, mas também como fonte de procedimentos, inclusive com manuais que detalham todos os passos do professor. Assim, o ensino deixa de ser autorregulado e passa a ser "completamente regulamentado e cheio de tarefas" (RIZVI, 1989, apud CONTRERAS, 2002), provocando a rotinização, a repetição dessas tarefas e a consequente acomodação do professor.

O modelo de formação que tem contribuído para esse processo de proletarização docente é o da "racionalidade técnica" (SCHÖN, 1983). Nesse modelo, "a atividade profissional consiste na resolução instrumental de problemas, cujo rigor advém da aplicação da teoria e da técnica científica" (SCHÖN, 1983, p. 21). Tal "aplicação leva a uma visão do conhecimento profissional como uma hierarquia na qual princípios gerais ocupam o nível mais alto e a solução de problemas concretos, o mais baixo" (SCHÖN, 1983, p. 24), sendo os pesquisadores encarregados da elaboração dos princípios gerais e os professores, da realização desses princípios. A nosso ver, o livro didático, no contexto de ensino de língua estrangeira, é um ícone desse modelo de formação, modelo esse que vem sendo questionado por linguistas aplicados brasileiros desde a década de 1990 (GERALDI, 1991; VIEIRA-ABRAHÃO, 1996; GIMENEZ, 1999; LEFFA, 2001; CELANI, 2001; MATEUS, 2002; MAGALHÃES, 2004; LIBERALI, 2004).

O modelo que se opõe ao da racionalidade técnica é o reflexivo, proposto por Schön (1983), segundo quem há um tipo de conhecimento subjacente à ação inteligente que se desenvolve por meio da reflexão e dá conta das situações imprevisíveis e conflituosas que não se resolvem por meio de repertórios técnicos. A despeito da grande contribuição de Schön no sentido de resgatar a base reflexiva da atuação profissional, alguns autores criticam em sua obra o fato de a reflexão ser individual ou, no máximo, entre um formador e um formando, e ignorar o contexto institucional (ZEICHNER e LISTON, 1996), além de se inclinar a uma epistemologia da prática que desconsidera a teoria como cultura objetivada (PIMENTA, 2002). Daí, a tendência recente na área de formação de professores à defesa de uma reflexão que seja não apenas realizada coletivamente, mas também informada teoricamente.

Apesar de concordarmos com Zeichner e Liston (1996) quando dizem que o professor também desenvolve teorias sobre ensino e aprendizagem ao atuar em sala de aula, acreditamos que as fontes dessas teorias não advêm apenas da prática, mas também de teorias acadêmicas ou formais. Nesse sentido, defendemos que o repertório de conhecimento dos professores de língua estrangeira vá além do conhecimento da língua, de técnicas de ensino e do contexto e inclua teorias de ensino e aprendizagem (tanto gerais quanto específicas de segunda língua e língua estrangeira), conhecimento do conteúdo (como fonética e fonologia, sintaxe, currículo e desenvolvimento de programa, métodos de ensino de língua estrangeira, avaliação, dentre outros) e capacidade de reflexão e tomada de decisão.

A formação voltada para o desenvolvimento teórico - entendendo tal desenvolvimento não como algo imposto, mas como uma escolha que pode partir de um processo reflexivo baseado nas teorias pessoais dos professores ou em sua própria prática (DAMIOVIC et al., 2003; MAGALHÃES, 2004; LIBERALI, 2004; HORIKAWA, 2004; PESSOA e SEBBA, 2006) - é fundamental para que esses professores se tornem especialistas do processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira e também pesquisadores de suas salas de aula. Assumindo esses novos papéis, é bem provável que eles comecem a desconfiar dos livros didáticos e das teorias formais e, consequentemente, a romper com o processo de proletarização rumo à profissionalização docente. Em poucas palavras, sem qualificação docente não há profissionalização.

A qualificação do professor é defendida por Consolo, Lajolo, Assis e Assis e Xavier e Urio, que, apesar de não descartarem a utilização do livro didático, são unânimes em asseverar a importância do papel do professor: o professor desenvolve alta dependência do livro didático devido à sua "formação insuficiente e inadequada" (CONSOLO, 1990, p. 102); "o melhor dos livros didáticos não pode competir com o professor: ele, mais do que qualquer livro, sabe quais os aspectos do conhecimento falam mais de perto a seus alunos, que modalidades de exercício e que tipos de atividade respondem mais fundo em sua classe" e, ainda, "o caso é que não há livro que seja à prova de professor: o pior livro pode ficar bom na sala de um bom professor e o melhor livro desanda na sala de um mau professor" (LAJOLO, 1996, p. 6); não importa quão bom pareça um livro didático, ele nunca prescindirá do professor, que deve "adaptá-lo, modificá-lo e sumplementá-lo às suas circunstâncias de ensino" (ASSIS e ASSIS, 2003, p. 314); e, paralelamente "à qualidade do livro didático, existe a preocupação com a formação do professor, pois é ele quem dá vida a esse material, o responsável por didatizar o conteúdo apresentado, transformando-o em conhecimento" (XAVIER e URIO, 2006, p. 30).

Estudos como o de Allwright (1990), (LAJOLO, 1996), Assis e Assis (2003), Xavier e Urio (2006) apontam para uma relativização do livro didático, ou seja, advogam em favor de sua utilização apenas como fonte de atividades e ideias, cabendo ao professor a decisão do que utilizar. Silva, ao contrário desses autores, é bastante contundente na defesa da "ultrapassagem" do livro didático, colocando-o, em vários momentos de seu texto, em detrimento do professor, como se pode ver nestes dois excertos: "o vigor do livro didático advém da anemia cognitiva do professor" (1996, p. 8) e "só a reinserção do professor na condição de sujeito insubstituível do ato de ensinar poderá varrer a barbárie pedagógica das escolas, higienizando os ambientes e pondo para fora dali os badulaques que, por força das circunstâncias e dos costumes, insistem em permanecer na categoria dos didáticos (1996, p. 9). A essa perspectiva se alinha Faria (2000), para quem o livro didático é um veículo de informações que não faz uma leitura integral da realidade, sendo sua visão ideológica e, por isso, fragmentada e alienante. Essa autora ressalta que o professor deve saber desenvolver os conteúdos com uma linguagem que seja adequada às capacidades cognitivas e linguísticas dos estudantes, além de fomentar sua reflexão, seu espírito crítico e sua criatividade (FARIA, 2000).

Desse profissional qualificado e sujeito do ato de ensinar, espera-se também uma atuação política e uma melhor compreensão do mundo em que vive, já que, "gostem ou não, os professores de inglês estão no âmago dos temas educacionais, culturais e políticos mais cruciais de nossos tempos" (GEE, 1994, apud MOITA LOPES, 2003, p. 33). É esse tema que focalizaremos a seguir.

3. LINGUAGEM COMO PRÁTICA SOCIAL

Com o fim da guerra fria no final da década de 1980, estabeleceu-se o que se chama de "nova ordem mundial", provocando o deslocamento da natureza do poder dos arsenais nucleares e convencionais para a eficácia, a produtividade e a influência das economias (MAGNOLI, 1993). A base dessa nova ordem mundial é a globalização, que significa a unidade, a integração e a complementarização capitalista no âmbito mundial, e seus polos de poder passam a se organizar em megablocos econômicos organizados em torno das grandes potências do fim do século.

Segundo Hernández (1998), nesse novo contexto: a economia depende mais de fluxos especulativos do que da economia produtiva; os governos passam a ser administradores das políticas estabelecidas pelo Fundo Monetário ou pelo Banco Mundial, os quais servem às grandes corporações representadas pelo Grupo dos Sete (G7); os valores e símbolos culturais se transnacionalizam e se transculturalizam devido à mundialização dos meios de informação e comunicação; os empregos deixam de ser estáveis e exigem flexibilidade, capacidade de adaptação e atitude de colaboração; o desenvolvimento tecnológico se apresenta como fator determinante e essencial da evolução da humanidade; e, finalmente, há um excesso de informação que exige uma nova postura de seus consumidores.

Essa nova ordem mundial exige mudanças radicais na escola, na forma como entendemos ensino e aprendizagem. Para Hernández (1998, p. 27), o caminho é a noção de educação para a compreensão,

concepção que supõe que a educação escolar possa possibilitar a aquisição de estratégias de conhecimento que permitam ir além do mundo tal como estamos acostumados a representá-lo, por meio de códigos lingüísticos e sinais culturais estabelecidos e dados pelas matérias escolares e pela bagagem outorgada pelo grupo social ao qual pertence.

O desafio é ensinar os alunos a compreender as interpretações dos fenômenos da realidade, a tratar de compreender os lugares a partir dos quais se constroem e assim compreender a si mesmos. Com isso, tenta-se evitar as visões fundamentalistas de um e outro signo que se impõem como formas legítimas de interpretação da realidade. Trata-se de uma perspectiva crítica que deve combater a realidade do pensamento único nessa sociedade determinada pelos valores do mercado especulativo.

Se quisermos que os alunos aprendam a interpretar os fenômenos da realidade para combater esse discurso único e caminhar no sentido de transformar essa realidade, é fundamental que todo professor busque entender os processos econômicos, sociais, políticos, tecnológicos e culturais do mundo em que vive (MOITA LOPES, 2003). Para esse autor, o professor de línguas é peça importante nesse cenário, pois vivemos em um mundo "no qual nada importante se faz sem discurso" (SANTOS, 2000, apud MOITA LOPES, 2003, p. 33). Isso significa dizer que o discurso constitui a vida social e, desse modo, não é neutro ou natural, mas sim o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. Por isso, precisamos atentar para o fato de que, na nova ordem mundial, os discursos que circulam internacionalmente são construídos primordialmente em inglês e afetam nossa identidade e nossas práticas sociais (MOITA LOPES, 2003). Assim, cabe a nós, professores de línguas em geral, construir discursos alternativos que colaborem na luta política contra a hegemonia e a favor da diversidade e da igualdade de oportunidades.

Mas que embates discursivos são possíveis se um dos critérios de construção dos livros didáticos de língua inglesa é que eles devem atender a um mercado extremamente diversificado - com culturas as mais variadas - e, por isso, conter temas "estéreis" que não levantem controvérsia (RICHARDS, 1998, p. 134)? Como afirma Ariew (1982, apud RICHARDS, 1998, p. 135), a exclusão de tópicos controversos e tabus faz com que "os textos se tornem um clone etnocêntrico da expressão mais conservadora de nossa própria cultura". Essa é uma das razões pelas quais Richards (1998, p. 135) sugere que o professor deva "desconstruir" ou "reconstruir" os livros didáticos para que eles contemplem melhor as necessidades dos alunos ou os estilos de ensinar desse professor. Todavia, sob a ótica da formação do professor como intelectual crítico e reflexivo, esse professor artista deveria ser capaz não de descontruir ou reconstruir os livros didáticos, mas sim de construir o seu próprio material didático. Mas qual é a percepção de professores em formação sobre o uso do livro didático no ensino de língua estrangeira? Tentaremos obter tal resposta com a análise dos dados do questionário que foi respondido, como já dito, por 38 alunos do curso de Letras da UFG.

4. O ESTUDO

Os participantes são alunos de inglês de diferentes períodos do curso de Letras, a maioria dos quais tendo feito a opção pela Licenciatura em Inglês, que tem a duração de quatro anos e no qual é adotado um livro didático apenas nas disciplinas Inglês 1 a 4. Nas outras disciplinas de Inglês 5 a 8, Prática Oral 1 e 2 e Prática Escrita 1 e 2, os professores têm buscado construir, com os alunos, um currículo que esteja de acordo com as suas necessidades e os seus interesses. Todos esses cursos são ministrados na língua-alvo e, apesar de recebermos alunos com pouca proficiência comunicativa, a maioria que opta pela Licenciatura em Inglês atinge níveis entre intermediário e avançado, e mais de 50% se tornam professores antes do término do curso. Os participantes que ainda não atuam como professores, 17 no total, serão chamados de A1, A2, A3 etc., e os 21 já em exercício profissional serão referidos como AP1, AP2, AP3 etc.

O procedimento de análise do questionário foi o seguinte: as respostas de cada item foram lidas e organizadas em quadros com categorias gerais. Em seguida, os argumentos de cada categoria foram categorizados conforme a ocorrência. Na apresentação dos dados, o número de argumentos apresentados nem sempre coincide com o número de participantes, uma vez que eles não se limitaram a apenas um argumento e julgamos importante considerar todos eles. Na maioria dos casos, as respostas foram resumidas ou parafraseadas para torná-las mais objetivas e claras. As aspas foram usadas quando os excertos foram transcritos verbatim. Os dados referentes ao último item do questionário foram descartados por três razões: 11 não responderam, 4 respostas não se encaixavam nas categorias utilizadas, e as outras respostas reafirmavam o que já havia sido dito no primeiro e terceiro itens.

5. PERCEPÇÃO GERAL SOBRE O LIVRO DIDÁTICO

As respostas ao primeiro item do questionário - O que você acha do livro didático no ensino de língua inglesa? - evidenciam que 25 dos 38 participantes apontaram pontos positivos e negativos, 7 mencionaram apenas aspectos positivos e 6 consideram irrelevante o uso do livro didático.

Ressaltamos que, dos 25 que veem o livro didático de forma positiva e negativa, 18 afirmam que ele é positivo quando é usado como um guia ou um material de apoio para o professor e/ou para os alunos e que é negativo quando seu uso é excessivo, ou seja, é "seguido rigidamente" (A4), "uma 'muleta'" (AP6), "a mola mestra" (AP7), "usado exclusivamente" (AP10) etc. Outros argumentos negativos são: o livro é ruim porque os temas nele abordados são distantes da nossa realidade (A2, A16, AP8, AP13, AP15 e AP16), limita professor e/ou alunos (A10, A16 e AP9), "prende um pouco o andamento da aula" (AP3), "prejudica a criatividade dos alunos" (AP7), não permite a diversificação de temas (A10), focaliza muito o ensino de gramática (AP13), "privilegia apenas uma variedade do inglês (britânico ou americano), o que perpetua o preconceito contra as demais variedades e o mito do falante nativo como modelo a ser seguido" (AP14) e "se estamos tratando de uma língua franca não podemos reduzi-la aos Estados Unidos" (AP19).

Já como adendo ao fato de que o livro deve ser usado como guia, temos que o uso do livro didático é positivo porque organiza o conteúdo e/ou os pontos gramaticais (A2, A9, A10, AP9 e AP13), é "confortável" para o professor e/ou aluno (AP6 e AP9), facilita o estudo em casa (A6), "facilita a fixação do conteúdo" (A8), "pode auxiliar no desenvolvimento da autonomia do aluno" (A13) e é "fonte de dados, pontos gramaticais e exercícios" (AP18).

Os sete participantes que mencionaram apenas pontos positivos apresentaram as seguintes razões: é um guia (A7, A11, AP18 e AP20), organiza o conteúdo (A5 e AP5) e "oferece uma prática maior das estruturas gramaticais" (AP4).

Quanto aos seis participantes que se contrapõem ao uso do livro didático, eles se manifestaram da seguinte forma: "a eficácia do ensino de língua depende principalmente da competência do professor e do/a interesse/necessidade do aluno" (A1), "o livro didático funciona melhor como um suporte para estudo em casa, pois na sala se deve priorizar a conversação" (A12), "as aulas ministradas sem o livro proporcionam um melhor aprendizado e uma melhor motivação" (A14), "o livro fornece um conhecimento superficial da língua, pois não focaliza a realidade do aluno" (A15), o livro traz textos e atividades que nada tem a ver com a realidade dos alunos e do professor (AP1), o livro é restrito e reduzido (AP1) e "há outros meios para ensinar inglês" (AP21).

Nove participantes do total mencionaram níveis de ensino, e os nove concordam que o livro deve ser utilizado em níveis iniciantes (A3, A16, AP2, AP4, AP10, AP12, AP14, AP19 e AP20), alguns dos quais justificaram: é uma base/um apoio para o professor (A3, A16, AP14 e AP20), leva o aluno a praticar determinadas estruturas que são de grande relevância para o domínio da língua-alvo (AP4 e AP20), "é um guia" (AP2) "dá segurança" (AP10) e "desperta o prazer do aluno para o aprendizado" (AP20). Quatro desses nove também concordam que o livro deve ser descartado nos níveis mais avançados (A3, AP2, AP12 e AP19) e três explicaram o porquê: "é cansativo" (A3), torna as aulas "improdutivas e desinteressantes" (AP2) e "deve ser substituído por materiais confeccionados pelo próprio professor, visto que apenas ele conhece o que o seus alunos querem e são capazes de produzir" (AP19).

Ressaltamos que essa última resposta vem somar-se a outras cinco, que mencionam a importância do professor no processo de ensino-aprendizagem em detrimento da relevância do livro didático. Uma frase pode resumir as afirmações de A1, A4, A16, AP1, AP9 e AP19: se o professor é competente, ele pode dar uma boa aula com ou sem a utilização de um livro didático, ou seja, do professor depende a aula.

A seguir, apresentamos um quadro com os argumentos positivos e negativos:

Somados os argumentos positivos, há 51 favoráveis ao uso do livro didático e 44 desfavoráveis. No entanto, devemos considerar que, dos 51, 20 dizem respeito ao fato de o livro ser usado apenas como guia e6, ao fato de ser utilizado apenas em níveis iniciantes, configurando uma situação de afirmação relativa desse recurso didático.

6. EXPERIÊNCIA COM/SEM O LIVRO DIDÁTICO NO CURSO DE GRADUAÇÃO

As respostas ao segundo item do questionário - Compare estas duas experiências de ensino de inglês no curso de graduação: a utilização e a não-utilização do livro didático - levaram à apresentação dos dados em dois momentos: primeiramente, serão focalizadas as experiências sem o livro didático e, em seguida, as experiências com a sua utilização. Sobre as experiências sem o livro didático no curso de graduação, 29 participantes se manifestaram positivamente, 3 fizeram afirmações desfavoráveis e 3 apresentaram um argumento positivo e um negativo. Os outros 3 não fizeram afirmações sobre a não-utilização do livro, e por isso suas respostas foram desconsideradas.

Os argumentos favoráveis à não-utilização do livro didático são os seguintes: temas/discussões/tópicos gramaticais mais relevantes/variados/as e coerentes com a necessidade dos alunos (A2, A3, A6, A7, A10, A14, A15, A16, AP2, AP3, AP5, AP7, AP8, AP9, AP10, AP11, AP12, AP15 e AP19), aulas mais interessantes/livres/variadas (A1, A4, A8, A17, AP2, AP4, AP10, AP11, AP12, AP17, AP19, AP20 e AP21), maior aprendizagem, criticidade e prática da língua (A1, A9, A10, AP1, AP2, AP4, AP8, AP16 e AP18), "o professor fica mais responsável" (A5) e "experiência satisfatória" (AP6). Apenas 6 participantes citaram argumentos negativos sobre a não-utilização do livro didático no curso de graduação: o aluno fica perdido (A7, A11 e AP13) e requer mais organização do professor e do aluno (A16 e AP10). Ao todo, temos 43 argumentos positivos e apenas 5 negativos.

Já com relação às experiências com o livro didático na graduação, nove participantes se manifestaram positivamente, quatro deram depoimentos negativos e dois apresentaram um argumento positivo e um negativo, como se percebe a seguir:

Os depoimentos favoráveis ao uso do livro didático são os seguintes: o livro foi importante nos níveis iniciantes (A3, AP2, AP8, AP9 e AP19), o livro foi utilizado como guia (A4, A16, AP2 e AP9), "a experiência foi satisfatória" (AP6 e AP20), "houve mais diálogos e trabalho em pares" (A2) e "o livro é um meio de consulta" (A5). Como argumentos desfavoráveis temos: limita a aula/o conteúdo/o trabalho do professor (AP7, AP10 e AP11), temas distantes da realidade do aluno (AP1 e AP19), temas irrelevantes para a formação de professores (AP1) e "sensação de enfado e perda de tempo em níveis avançados" (AP8). No total, há 13 argumentos favoráveis ao uso do livro didático no curso de graduação e 7 contra.

Analisando os dois quadros, podemos dizer que, no cômputo geral, a experiência sem o livro didático na graduação é vista como mais positiva do que a experiência com a sua utilização, por duas razões que se sobressaem: as aulas contemplam melhor as necessidades dos alunos e são mais interessantes, variadas e livres. Tais razões são reafirmadas nos argumentos desfavoráveis à experiência com o livro didático do segundo quadro. Quanto aos argumentos positivos, vemos a recorrência da ideia - apresentada na seção anterior - de que o livro é importante em níveis iniciantes e deve ser utilizado como um guia.

7. PERCEPÇÃO DA UTILIZAÇÃO E DA NÃO-UTILIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO NA EXPERIÊNCIA COMO PROFESSOR

A4, A11 e A16 não responderam ao terceiro item do questionário: Como você vê a utilização e a não-utilização do livro didático na sua experiência como professor de língua inglesa? Dos 35 respondentes, 20 apresentam argumentos positivos em relação ao uso do livro didático, 6 apresentam argumentos positivos e negativos e 4 veem a sua utilização como negativa. Além disso, A1, AP3 e AP15 só se referiram à não-utilização desse recurso didático, A14 afirmou que o uso do livro deve ser baseado na necessidade do grupo, e AP18 disse que não respondeu ao referido item por não ter tido a oportunidade de lecionar sem o livro didático. Assim, as respostas desses 5 participantes não foram computadas no quadro seguinte:

Os argumentos favoráveis ao uso do livro didático mais recorrentes são dois: o livro é um guia para professor/alunos (A2, A3, A7, A8, A9, A10, A12, A15, AP2, AP4, AP6, AP7, AP8, AP9, AP10, AP11, AP12, AP13, AP17, AP19), o livro deve ser usado em níveis iniciantes (A6, AP1, AP2, AP8, AP9 e AP10) e é muito útil para professores inexperientes (AP14 e AP20). Outras razões apresentadas é que o livro permite um maior enfoque na gramática (AP5), deve ser usado com liberdade e autonomia (A13) e é uma prática positiva quando atende às necessidades dos alunos (AP7). Já os argumentos contrários são os seguintes: em níveis avançados, é reduzido e limitado (A6 e AP1), prefiro trabalhar com outros materiais (A17 e AP21), "para o professor despreparado, o livro pode ser uma forma de descanso, já que possui todo o conteúdo e, por isso, o professor fica mais tranqüilo e não prepara a aula"1 (A5), "se o professor só segue o livro, as aulas tornam-se monótonas e previsíveis" (A8), "eu não gastaria muito tempo da minha aula respondendo ou corrigindo exercícios do livro" (A12), o livro não focaliza o contexto do aluno e é muito voltado para a gramática (AP13), "os resultados foram piores com a utilização do livro" (AP16) e "o livro não tem tudo que eu quero ensinar" (AP17). Ao todo, são 31 argumentos positivos e 10 negativos.

Sobre a não-utilização do livro didático, 11 participantes falaram especificamente sobre essa experiência. Por isso, só eles serão considerados no quadro a seguir. Desses 11, 10 apresentaram argumentos positivos e 1 apontou um fator positivo e um negativo:

Os argumentos positivos sobre a não-utilização do livro didático apresentados pelos participantes são os seguintes: maior liberdade de ação para o professor (A7 e AP14), as aulas são mais dinâmicas, podendo suprir mais a necessidade particular de cada aluno (A7), "não tenho experiência como professora de língua inglesa, porém creio que o melhor caminho é me preparar profissionalmente para estar hábil para ministrar aulas sem o uso do livro didático" (A1), "a não-utilização torna o professor mais responsável pela disciplina e pela aula" (A5), "se o nível for mais avançado, não usarei o livro, pois podemos trabalhar todas as habilidades sem o livro" (A6), "está sendo uma experiência maravilhosa, visto que fico mais livre para levar diferentes tipos de materiais, [...] o que torna as aulas mais interessantes e adaptáveis à realidade do aluno" (AP3), há um maior enfoque em temas, discussões e interpretação textual (AP5), "nos níveis mais avançados, trabalhar sem o livro é mais produtivo" (AP10), "posso realmente fazer uso do inglês como língua internacional" (AP14), "os alunos ficam mais empolgados e comunicativos" (AP15), "obtive melhores resultados" (AP16), "a grande maioria se sente mais motivada a discutir assuntos mais críticos, que na maioria das vezes não são sugeridos pelos livros didáticos" (AP19) e "como professor, eu aprendo mais confeccionando os meus próprios materiais" (AP19). Já para AP5, trabalhar sem o livro é negativo, porque, pelo fato de se enfatizarem temas, "os alunos têm muita dificuldade de se expressar, pois a gramática é pouco trabalhada, e eles cometem vários erros gramaticais de acordo com a norma-padrão".

Salientamos que AP3, AP5 e AP19 declararam estar vivenciando experiências docentes sem o livro didático: AP3, num contexto em que o livro foi utilizado nos níveis iniciantes, e AP5 e AP19, num contexto em que o livro nunca foi utilizado. A opinião de AP3 e AP19, como se vê no parágrafo anterior, é divergente de AP5, pois os dois primeiros se mostram bem mais satisfeitos com a experiência do que AP5.

Ressaltamos também que cinco participantes relacionaram a desqualificação do professor com a utilização do livro ou a qualificação com a não-utilização: "creio que o melhor caminho é me preparar profissionalmente para estar hábil para ministrar aulas sem o uso do livro didático" (A1), "para o professor despreparado, o livro é um descanso" (A5) e somente professores que tenham um conhecimento aprofundado sobre o que precisa ser trabalhado devem optar pela não-utilização do livro" (AP10, AP14 e AP20). Além disso, AP1, AP3 e AP9 mostraram perceber a importância das teorias acadêmicas, ao afirmar que os livros didáticos não tratam de temas relevantes para a profissão, ou seja, temas da área de Linguística Aplicada.

Em suma, o olhar docente, como se percebe, ratifica os dados apresentados na seção "Percepção geral sobre o livro didático", havendo também uma confirmação das duas principais razões pelas quais eles se colocam favoravelmente à utilização do livro didático: o livro deve ser um guia e deve ser utilizado em níveis iniciantes.

8. DISCUSSÃO E REFLEXÕES FINAIS

Os resultados evidenciam que a percepção geral sobre o livro didático é confirmada nos argumentos concernentes à experiência como professor. Nessas duas análises, a utilização do livro didático é vista como positiva, e os argumentos mais recorrentes são: ele deve ser um guia e deve ser usado em níveis iniciantes. Quando os participantes assumem o lugar de professor, esses argumentos são ainda mais frequentes. Já na análise sobre a experiência no curso de graduação, os resultados se invertem, pois a experiência sem o livro é vista como mais positiva do que a experiência com ele, e os argumentos mais comuns são: conteúdo mais relevante para os alunos, aulas mais interessantes e maior aprendizagem e prática da língua. Apesar de esses dados, em princípio, sugerirem uma inconsistência, eles são bastante coerentes se considerarmos que os participantes são ou falam do lugar de professores iniciantes e inexperientes e, assim, precisam de um guia para ministrar suas aulas e, ao mesmo tempo, são alunos de níveis intermediário ou avançado, podendo, por isso, prescindir desse recurso didático.

Ressalvamos que a maioria dos participantes tinha tido no máximo dois anos de experiência sem livro didático no curso de graduação, e três professores apenas (AP3, AP5 e AP19) tinham vivenciado experiências profissionais sem o livro. Assim, acreditamos que, pelo fato de o livro ter sido usado na maioria de suas experiências discentes e docentes, eles o veem como constitutivo do processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, como afirmamos no início deste artigo, o que de certo modo compromete as suas perspectivas de análise. De qualquer modo, os dois argumentos favoráveis à utilização do livro, como já dito, configuram uma afirmação relativa, pois usá-lo como guia significa que ele "não deve ser a única fonte de ensino e aprendizagem" (AP2) - argumento que vai ao encontro dos estudos de Allwright (1990), Assis e Assis (2003) e Xavier e Urio (2006) - e adotá-lo em níveis iniciantes significa, no caso de um curso de quatro anos, como é o dos participantes deste estudo, utilizá-lo apenas nos dois primeiros anos.

Sob a ótica da formação do professor, apesar de as tendências atuais defenderem um rompimento com a técnica, os resultados obtidos neste estudo apontam para o reconhecimento de sua importância, na medida em que o livro, a nosso ver, faz parte desse repertório técnico que o professor precisa dominar e que pode ser útil no início de sua atuação profissional. Do mesmo modo, nos primeiros anos de estudo de uma língua estrangeira, os alunos precisam adquirir estruturas gramaticais, funções e itens lexicais básicos da língua - os quais são apresentados nos livros didáticos de forma sequencial e bem organizada - que vão prepará-los para construir significado nessa língua. Com isso, não queremos dizer que os professores devem limitar-se a executar currículos desenvolvidos por agentes externos, mas sim que talvez seja a partir da utilização de currículos já prontos e da reflexão sobre eles que eles serão capazes de elaborá-los por si próprios, fundamentados nas próprias teorias, nas teorias acadêmicas, nos resultados de pesquisas e nas necessidades dos alunos.

Todavia, devemos admitir que poucos foram os participantes que abordaram as questões de uma perspectiva mais abrangente, no sentido de reconhecer a importância da qualificação do professor (cf. análise do primeiro e terceiro itens do questionário) e da assunção de um maior controle sobre a prática pedagógica que realizam, condições indispensáveis para o resgate da profissionalização docente (APPLE, 1995). Soma-se a isso o fato de que, embora vários participantes tenham ressaltado que os temas dos livros são distantes da nossa realidade, apenas alguns mencionaram explicitamente o caráter estéril dos textos que compõem os livros didáticos ou a necessidade de se abordarem temas que permitam que eles façam sentido de si mesmos e do mundo e possam imaginar e avaliar possibilidades alternativas, como propõe Moita Lopes (2003).

Resta-nos, para concluir, responder a uma pergunta: Esses alunos em formação se tornarão profissionais qualificados, reflexivos e críticos? Ou seja, eles serão os professores dos quais precisamos nessa nova ordem mundial? Os dados nos permitem afirmar que eles ainda estão muito presos à concepção técnica de ensino de línguas e, em nosso entendimento, a utilização do livro didático contribui para isso. Mas a experiência sem o livro no curso de graduação, como também evidenciam os dados, apresenta-se como positiva e pode vir a alterar essa concepção, contanto que seja bem planejada, responsável e efetiva, e trabalhe a linguagem como um sistema de significação de ideias que desempenha um papel fundamental na forma como significamos o mundo e a nós mesmos.

Sabemos da limitação de um estudo que considera apenas uma fonte de dados, mas a intenção inicial era apenas analisar o livro didático na perspectiva da formação de professores, ou seja, fazer uma reflexão somente teórica. No entanto, optamos por levar em conta a percepção de professores em formação, muitos dos quais já em exercício profissional, na certeza de que este artigo se tornaria mais rico com uma terceira voz, que viria somar-se à voz de teóricos da área de formação e à minha própria, possibilitando, nesse sentido, uma diversidade discursiva. Além disso, os três itens do questionário permitiram que as ideias desses professores em formação fossem retomadas e reafirmadas, o que, em nosso entendimento, contribuiu para a validade dos dados. Ressaltamos a importância dessa terceira voz, uma vez que é ela que começa a se qualificar e pode fazer a diferença no ensino de língua estrangeira no Brasil.

Recebido: 4/8/2006

Aceito: 13/6/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    13 Jun 2008
  • Recebido
    04 Ago 2006
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