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Representações de poder em discursos político-educacionais e educacionais: em questão o ensino de inglês para crianças na internet

Power representations in political-educational and educational discourses: focus on the teaching/learning of english to/by children in the internet

Resumos

Este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa que objetiva mapear, em diversos discursos que abordam a educação a distância, as representações de poder. Aqui tomamos como objeto de análise discursos relacionados ao ensino/aprendizagem de inglês para crianças via Internet, neles buscando as inscrições, as marcas, os significantes que configuram novas práticas de significação que são social e discursivamente constituídas e, assim, permitem construir sentidos que alteram a (as)simetria das relações de poder. Adotamos, portanto, o conceito de discurso proposto em "A Arqueologia do Saber", por Foucault (1969/1987, p.86), para quem o discurso é produtivo: não se limita a nomear coisas, mas também produz coisas, novos sentidos que têm efeito de verdade. Relacionamos, ainda, discurso e representação, pois ambos devem ser analisados enquanto táticas e estratégias de poder, já que é o poder que torna as coisas verdadeiras. Assim, realizamos uma pesquisa de base qualitativa, que inclui análise das condições de produção e da materialidade lingüística de discursos encontrados na Internet que abordam o ensino/aprendizagem de inglês para/ por crianças.

discurso; representação; inglês para crianças; inglês na Internet


This paper presents part of a research which aims at maping power representations in several discourses which deal with Distance Education. Our object of study in this article are discourses which are somehow related to the issue of teaching/ learning English as a Foreign Language to/by children in the Internet, looking for the inscription, the marks, the significants that configure new signifying practices that are socially and discursively constituted and, thus, allow the constructions of meanings which alter the (as)symmetry of power relations. We adopt, therefore, the concept of discourse proposed by Foucault (1969/1987, p.86), for whom discourse is productive: it does not just name things, but also produces things, new meanings which have truth effects. We also relate discourse and representation, since both must be analyzed as power tactics and strategies, considering that it is power that turns things true. Thus, the research is qualitative, including the analysis of production conditions and linguistic materiality of discourses related to the teaching/learning of English for/ by children in the Internet.

discourse; representation; English for children; English in the Internet


ARTIGO ARTICLE

Representações de poder em discursos político-educacionais e educacionais: em questão o ensino de inglês para crianças na internet

Power representations in political-educational and educational discourses: focus on the teaching/learning of english to/by children in the internet

Maria de Fátima Amarante

PUC-Campinas, Campinas (SP), Brasil, E-mail: fatimaamarante@uol.com.br

RESUMO

Este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa que objetiva mapear, em diversos discursos que abordam a educação a distância, as representações de poder. Aqui tomamos como objeto de análise discursos relacionados ao ensino/aprendizagem de inglês para crianças via Internet, neles buscando as inscrições, as marcas, os significantes que configuram novas práticas de significação que são social e discursivamente constituídas e, assim, permitem construir sentidos que alteram a (as)simetria das relações de poder. Adotamos, portanto, o conceito de discurso proposto em "A Arqueologia do Saber", por Foucault (1969/1987, p.86), para quem o discurso é produtivo: não se limita a nomear coisas, mas também produz coisas, novos sentidos que têm efeito de verdade. Relacionamos, ainda, discurso e representação, pois ambos devem ser analisados enquanto táticas e estratégias de poder, já que é o poder que torna as coisas verdadeiras. Assim, realizamos uma pesquisa de base qualitativa, que inclui análise das condições de produção e da materialidade lingüística de discursos encontrados na Internet que abordam o ensino/aprendizagem de inglês para/ por crianças.

Palavras-chave: discurso; representação; inglês para crianças; inglês na Internet.

ABSTRACT

This paper presents part of a research which aims at maping power representations in several discourses which deal with Distance Education. Our object of study in this article are discourses which are somehow related to the issue of teaching/ learning English as a Foreign Language to/by children in the Internet, looking for the inscription, the marks, the significants that configure new signifying practices that are socially and discursively constituted and, thus, allow the constructions of meanings which alter the (as)symmetry of power relations. We adopt, therefore, the concept of discourse proposed by Foucault (1969/1987, p.86), for whom discourse is productive: it does not just name things, but also produces things, new meanings which have truth effects. We also relate discourse and representation, since both must be analyzed as power tactics and strategies, considering that it is power that turns things true. Thus, the research is qualitative, including the analysis of production conditions and linguistic materiality of discourses related to the teaching/learning of English for/ by children in the Internet.

Keywords: discourse; representation; English for children; English in the Internet.

INTRODUÇÃO

Foucault (1970/1996a, p. 10) afirma que o fato de o discurso ser atingido por interdições nos revela sua ligação com o desejo e o poder. Informa o autor que a psicanálise nos mostrou que o discurso não é somente aquilo que manifesta ou oculta o desejo. Mais importante, o discurso

"é também aquilo que é o objeto do desejo; e visto que - isto a história não cessa de ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar."

Neste trabalho1 1 Este artigo apresenta resultados de parte de um trabalho de pesquisa maior que aborda vários tipos de discurso acerca da educação a distância. Assim, algumas das considerações aqui apresentadas, especialmente no que diz respeito às bases teórico-metodológicas e à análise de condições de produção, aparecem em outras publicações de nossa autoria. , são o discurso político-educacional acerca da educação infantil e do ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras e o discurso educacional sobre o ensino/ aprendizagem de inglês como língua estrangeira para crianças (doravante ILEC) divulgado na Internet que constituem nosso objeto de estudo. Conhecê-los é, para o analista de discurso, importante, pois, assim, podemos nos apoderar do discurso acadêmico, nosso objeto de desejo, e de seu poder. De outra parte, há de se apontar que tais discursos constituem condições de produção do discurso pedagógico, e aproximar-se deles genealogicamente pode contribuir para a compreensão das metanarrativas educacionais que, geralmente, propalam a crise, o insucesso dos processos de ensino/aprendizagem de inglês como língua estrangeira em ambiente escolar.

Assim, iremos, neste artigo, analisar as representações que empoderam, ou não, o ensino/aprendizagem de ILEC que afloram, ou são silenciadas, em discursos político-educacionais e educacionais divulgados no portal do Ministério da Educação e em sites da Internet dedicados ao ensino de inglês para crianças.

Nosso objetivo é contribuir para deslindar parte da rede discursiva tecida em torno do ensino/aprendizagem de ILEC, atividade que vem ampliando seu espaço no panorama educacional brasileiro, com reflexos nos estudos empreendidos na área da Lingüística Aplicada.

1. DOS CONCEITOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Tomamos a noção de discurso conforme enunciada por Coracini (1991, p.338): "processo em que o lingüístico e o social se articulam, objeto ao mesmo tempo social e histórico onde se confrontam sujeito e sistema". Relacionamos esta noção ao conceito de representação enquanto marca material, inscrição, traço cuja relação com conceitos é construída na prática histórico-social, tendo, portanto, caráter ativo e criativo. É no jogo discursivo que esse caráter gerativo se revela, já que, por meio de práticas discursivas, travam-se batalhas que visam a impor significados particulares, cujos efeitos de sentido constituem os sujeitos e seus discursos. A representação é, portanto, em nosso trabalho, tomada como campo atravessado por relações de poder (cf. SILVA, 1999, p. 47), relações estas que também são produtivas, genealógicas, operando processualmente em rede. Em suma, o discurso é aqui tratado "como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam" (FOUCAULT, 1969/1987, p.56).

De outra parte, é essencial que consideremos que todo discurso é configurado por condições de produção, ou seja, por condições necessárias para que um conjunto de regularidades enunciativas possa emergir, para que, enquanto alguns saberes sejam esquecidos, silenciados, outros sejam postos em circulação por meio das formulações dos sujeitos.

Devemos considerar que, de uma perspectiva foucaultiana, o dizer do sujeito não tem como resultado o saber de um indivíduo onisciente nem de um indivíduo completamente sem controle sobre o que enuncia: o sujeito diz aquilo que lhe é possível dizer. Contudo, sendo parte do funcionamento discursivo, o sujeito exerce, por meio de práticas discursivas, forças que visam que certos focos de poder se mantenham; na mesma operação, o sujeito resiste a forças contrárias provenientes de outros focos de poder, o que não impede que ocorram mudanças que, nem sempre, são as que planejou ou pretendeu ocasionar.

É importante lembrar que Foucault (1975/1996b) advoga que a ilusão do sujeito de se constituir em indivíduo autônomo leva à individualização do sujeito. Tal individualização é produto do exercício de poder, do funcionamento ideológico; é um dos efeitos do poder. Calligaris (1993/1997, p. 187) aponta, no entanto, que "a autoridade só é mantida na medida em que ela aparece como o fato e a vontade de cada indivíduo". Assim há de existir um mecanismo de internalização de leis que ocorre por meio de um processo de recusa da origem coletiva do que é internalizado e, por isso, a internalização parece ser de um indivíduo. Em outras palavras, a internalização ocorre por meio de uma passagem de algo que é da razão objetiva para a razão subjetiva, produzindo assim, a ilusão de individualidade, de se constituir como um indivíduo autônomo, que é um efeito da ideologia. Por conseguinte, para o sujeito seus atos e seus enunciados aparentam ser autônomos, próprios e exclusivos deles. Contudo, embora particulares, comportam um caráter coletivo, característico de uma determinada cultura.

Assim é que as representações sociais atuam como um intermediário importante entre o que se crê, com base na ciência, que o ensino/aprendizagem ILEC seja e o que a sociedade entende que ele seja. Por outro lado, por dependerem tanto do conhecimento de senso comum, quanto do contexto sociocultural em que os indivíduos se inserem, essas representações não são homogêneas em uma dada sociedade. Finalmente, devemos considerar que o processo de representar o ensino/aprendizagem de ILEC via Internet, enquanto objeto novo ou situação nova apresenta uma seqüência lógica, qual seja: o desconhecido se torna familiar por meio de um duplo mecanismo: amarração ou ancoragem (ligar o novo a algo conhecido) e objetivação (acoplar imagens reais, concretas e compreensíveis, retiradas do cotidiano, aos novos esquemas conceituais que se apresentam e com os quais os indivíduos têm de lidar (com base em OLIVEIRA, 2004).

Como o funcionamento das representações sociais envolve estruturas sociais e cognitivas locais e populares, representar é um processo de produção de conhecimento sociovariável, conforme nos explica Oliveira (2004). Em outras palavras, as representações de poder acerca de ensino/aprendizagem de ILEC e de tal processo via Internet seriam da natureza mesma dos grupos sociais que as produzem, e sua eficácia - tanto prática como simbólica - dependeria dessa inserção. Por conseguinte, as representações sociais não teriam caráter universal.

Sendo assim, tomamos representação como significante - face material, visível e palpável do conhecimento. O que é necessário fazer, então, é nos questionarmos sobre quem está autorizado a dizer o que em que contextos. Dito de outra forma, cabe perguntar, nos discursos acerca do ensino de inglês para crianças mediado por computador, quem está autorizado a representar, o que pode ser representado, e em que contextos tal representação pode se dar. Reconhecemos que há um vínculo entre conhecer e representar e, ainda, as relações de poder que decorrem de tal vínculo. Movemo-nos, então, em busca de estabelecer se, nos discursos acerca de ensino/aprendizagem de ILEC na Internet, há índices que revelem uma "política de identidade" que englobe as duas dimensões do conceito do conceito de representação: delegação e descrição dele decorrentes (cf. JULIEN e MERCER, 1996, p.197, apud SILVA, 1999, p. 33).

Silva (1999, p. 34) afirma que "Quem fala pelo outro controla as formas de falar do outro."(grifos do autor). Assim, se encontramos, no discurso político-educacional e no discurso educacional, enunciadores que têm a delegação de falar ou agir em nome do outro, são esses que dirigem, de certa forma, o processo de apresentação e de descrição do outro.

Em decorrência, partimos do pressuposto de que as representações de poder no discurso político-educacional e educacional acerca de ensino/aprendizagem de ILEC na Internet são constitutivas da subjetividade do enunciador.

2. ANÁLISE DA REDE DISCURSIVA COM FOCO NO ENSINO/ APRENDIZAGEM DE ILEC

Não se observa, no discurso político-educacional enunciado pelas instâncias legislativas de nosso país, o afloramento de uma política de ensino/aprendizagem de língua estrangeira para crianças em idade pré-escolar ou em idade escolar até os 11 anos. A política educacional brasileira, constituída nos e pelos discursos governamentais, propõe que uma língua estrangeira moderna faça parte do currículo escolar a partir da 5ª série do Ensino Fundamental, o que significa, para a maioria das crianças, que o primeiro contato com a LE em contexto escolar formal ocorra por volta dos 11 anos de idade. Propõe, ainda, que este ensino se estenda até o Ensino Médio, configurando um quadro que não contempla o sujeito após os 18 anos de idade. Assim, notamos também a inexistência de uma política de ensino de línguas estrangeiras para adultos2 2 Embora haja Centros de Ensino de Línguas voltados para o ensino de adultos, não podemos considerar que haja uma política brasileira de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras para adultos, uma vez que se trata de iniciativas pontuais de uns poucos governos estaduais. . Em decorrência, não encontramos nos discursos político-educacionais, uma política de formação de professores de línguas estrangeiras que contemple o ensino de crianças ou de adultos.

Portanto, estão a descoberto as faixas etárias localizadas nas extremidades do fio da vida. Assim, nossa política educacional, no que diz respeito ao acesso a processos de ensino/aprendizagem de língua estrangeira, interdita uma visão do aprendiz em sua integridade, permitindo vislumbrar, ao contrário do que apregoa em outras ocasiões, especialmente quando se refere a aprendizagem contínua ou aprendizagem para toda a vida, limites traçados a priori. Excluindo a infância e a idade adulta dos discursos político-educacionais no que se refere a línguas estrangeiras, o poder público empobrece sua (e nossa, porque todos somos constituídos por este discurso) política linguística, no tocante às possibilidades interculturais intrínsecas à aprendizagem de línguas estrangeiras. Wierzbicka (2006, p. 20) diz que, em nosso mundo crescentemente global, a comunicação intercultural é essencial para nações, grupos étnicos e sociais, e indivíduos.

Há de se fazer notar que o discurso político-educacional indica como finalidade da educação infantil "o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social" (LDBEN, Art. 29). Assim, a conjunção do enunciado "desenvolvimento integral da criança" e do silenciamento acerca de ensino/aprendizagem de LE para crianças acaba por inscrever no discurso o caráter facultativo da língua estrangeira para a formação integral do sujeito. Entendemos que isso vem ao encontro das representações que temos sobre as possibilidades de (in)sucesso de se ensinar e aprender língua estrangeira na escola. Uma vez que compartilhamos uma representação de educação infantil como lócus diferenciado do contexto escolar, observamos instaurar-se um processo de naturalização das possibilidades de sucesso da aprendizagem de línguas estrangeiras por crianças que está ancorado neste caráter facultativo. Ademais, para nós, o ensino de língua estrangeira para crianças é empoderado ao se ancorar também em representações que remetem à ludicidade, que encontramos amiúde nos discursos que se referem à educação infantil. Assim, de nosso ponto de vista, os contrapontos "facultativo versus obrigatório", "lúdico versus sério" poderiam ser alocados no rol das representações que concorreriam para constituir discursivamente o sucesso do ensino/ aprendizagem de inglês para crianças até os 11 anos bem como o seu insucesso após esta idade.

De outra parte, a criança se encontra ausente também nos enunciados do discurso político-educacional acerca de Educação a Distância, que encontramos no portal do MEC (www.mec.gov.br). Uma vez mais, nossa hipótese é a de que isto ocorra porque a educação infantil não é representada como lugar de processos de ensino/aprendizagem. Portanto, não é objeto preferencial das preocupações dos órgãos governamentais, que se concentram em fomentar o ensino/aprendizagem nas escolas públicas brasileiras, entendidas como aquelas que se dedicam à educação básica. Isto pode ser observado no seguinte excerto extraído do referido portal:

O Ministério da Educação - MEC, por meio da Secretaria de Educação a Distância - SEED atua como um agente de inovação tecnológica nos processos de ensino e aprendizagem, fomentando a incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e das técnicas de educação a distância aos métodos didático-pedagógicos. Além disso, promove a pesquisa e o desenvolvimento voltados para a introdução de novos conceitos e práticas nas escolas públicas brasileiras.

Note-se que os enunciados contam com uma seleção vocabular que enfatiza a novidade e a tecnologia, isto é, com efeitos de atualidade, modernidade. Estes efeitos são reduplicados, tanto pelo uso do jargão, reafirmado no acrônimo (TICs), quanto pelos efeitos de sentido de cientificidade e progresso trazidos pelos vocábulos 'pesquisa', 'desenvolvimento'. Ademais, note-se que tais efeitos são remetidos especificamente às escolas públicas brasileiras, cabendo lembrar que as instituições públicas que tratam da educação infantil são denominadas creches, mais uma indicação de que não são representadas enquanto contexto escolar e, assim, estariam excluídas do discurso político-educacional acerca de educação a distância que constitui o discurso sobre o ensino/aprendizagem de ILEC na Internet.

Quer-nos parecer que o que se (re)atualiza, também, é a representação de poder do Estado como agente educacional. Isto pode estar ligado ao fato de que as metanarrativas sobre a ineficiência da educação atingem, hoje, tanto as instituições públicas quanto às privadas. Contudo, como o Estado tomou a si o papel de avaliador e, portanto, controlador da qualidade da educação, certamente este fato constituiu-se como um elemento de ancoragem da representação de poder do Estado e, em decorrência, empresta, por meio da enunciação tal representação de poder à própria educação à distância. Entretanto, dado o posicionamento da educação infantil, havemos de apontar que tais representações não lhe são peculiares, o que é corroborado pelo fato de que o Estado não a avalia nos moldes do que faz com a Educação Básica e Superior, por exemplo.

Assim, a educação a distância para crianças e, por extensão, o ensino/aprendizagem de ILEC na Internet não ganha representação de poder no discurso educacional, e o que se acaba encontrando nesse contexto são representações que se referem, em sua maioria, a ensino/aprendizagem de ILEC em contexto presencial, seja ele familiar ou institucional. Em decorrência, a maioria dos discursos que iremos encontrar na Internet irá ancorar o ILEC em seu caráter instrumental, materializado linguisticamente no uso de vocábulos tais como: 'recursos', 'dicas', 'idéias', 'notas'.

Para suportar nossa argumentação, podemos indicar os enunciados encontrados no site "Inglês Online" (http://www.inglesonline.com.br/category/ingles-para-criancas/P5/), um site de indicações anotadas de sites de ensino, na página que contém o arquivo para a categoria Inglês para Crianças. Enunciado como local em que se irá encontrar "sites com dicas de atividades, jogos, worksheets e planos de aula para quem ensina inglês a crianças", observa-se que a representação que empodera o ensino/aprendizagem de ILEC na Internet é a sua instrumentalidade, que se ancora nos valores carismáticos da ludicidade, da performatividade, da praticidade, e, na mesma operação, objetifica o conhecido como novidade.

O mesmo se nota no site mantido pelo Conselho Britânico (http://www.britishcouncil.org/kids-print.htm) em que se enuncia:

Parents will find lots of ideas for using the resources on LearnEnglish Kids on the LearnEnglish Parents website. Teachers will find notes for using resources with learners on the teaching English website.

Evidência adicional apresenta o site "English4Kids" (http://www.english-4kids.com/), em que encontramos os enunciados:

This website offers vital ESL/EFL kids lesson materials. Lots of free stuff for young learners. We also offer you all the tools you need for your EFL/ESL kids lesson plans. Were you wondering where to get some ideas for games in your kids class? Check out the games and tips section. Teachers and Parents can use our kids lab videos to help their kids study by themselves or with minimal guidance. Before I forget to mention, this site is FREE for educators, No Logins, Membership and other time-wasters. Enjoy!! (grifos nossos)

Também nos enunciados do site "The EFL Playhouse" (http://www.esl4kids.net/) encontramos essa representação:

The EFL Playhouse offers a world of resources for teachers of young English Language Learners (ELLs). Browse The EFL Playhouse collections of educational games, songs, fingerplays, action rhymes, craft ideas, printable materials, tongue twisters, and more. Borrow the ideas that meet the needs of your ESL/EFL students. Then, help The EFL Playhouse grow as an ELL resource site and help fellow TESOL teachers the world over by taking time to submit one (or several!) of your best ESL/EFL classroom, small group, or one-on-one activities.

Cabe fazer notar que os enunciados deste site configuram a proximidade entre ensino de inglês como língua estrangeira e ensino de inglês como língua materna, como se pode verificar a seguir:

Although activities featured on The EFL Playhouse are geared toward children learning English as a Second or Foreign Language, songs, games, action rhymes, chants, fingerplays, and the like appeal to almost all young children. Early childhood educators will find much of the content of this site useful in the traditional preschool or kindergarten classroom, while homeschooling parents will find activities suitable for use with beginning learners as well.

Devemos ter em mente que uma das representações sociais acerca da eficiência escolar é a de que novos métodos de ensino, materiais didáticos mais adequados irão dar conta de despertar o interesse do aprendiz. Há de se ter em vista, ainda, que a ausência de motivação tem sido reputada como um dos fatores responsáveis pelo insucesso educacional e que tal falta de motivação é, muitas vezes, relacionada ao fato de que a escola não acompanhou o desenvolvimento tecnológico. Nota-se que, no caso dos enunciados encontrados no portal do MEC, a eficiência calcada na tecnologia se inscreve no discurso, o que a torna, certamente, uma representação de poder da educação a distância.

Entretanto, não é o que se nota na maioria dos sites de ensino/aprendizagem de ILEC. Neles o que se topicaliza é a quantidade ('lots of', 'a world of') e a qualidade ('vital', 'meets the needs of your ESL/EFL students', 'your best ESL/EFL classroom', 'small group, or one-on-one activities').

Podemos considerar que o que vemos funcionar nos enunciados do discurso político-educacional acerca da educação a distância é a aliança entre o poder do Estado (que, pela via legal, atribui a si o papel de árbitro e gerenciador das ações educacionais) em conjunção com a tecnociência, o que torna essa aliança condição de produção para discursos hegemônicos, em que performatividade e eficiência inscrevem no discurso representações de poder, já que são elas o único critério de juízo e de ação (cf. GUALANDI, 2007, p. 76-77, aponta acerca de considerações de Lyotard). No discurso educacional sobre ensino/aprendizagem de ILEC dos sites analisados, esta conjunção não está em funcionamento, pois apenas raramente se enuncia o valor da tecnociência, embora os valores de performatividade e eficiência nele se configurem.

Reporta Gualandi (2007, p. 77), acerca do pensamento de Lyotard, que todo discurso recorre ao ideal do progresso da humanidade pelo conhecimento, bem como à sua transformação que toma a forma de desenvolvimento, reforçando o consenso público. Por sua feita, esse consenso público contribui para o fortalecimento de relações de poder que são configuradas pelo capitalismo sistêmico e imperialista. Bem sabemos que, na contemporaneidade, um dos princípios da ideologia neoliberal que é base para o capitalismo sistêmico e imperialista, a efemeridade temporal e a transitoriedade espacial são valores dominantes, atuando como condições de produção dos discursos dominantes.

Ademais, o neoliberalismo nos trouxe como efeito o individualismo exacerbado que molda novas formas interacionais em que os encontros face-a-face deixam de preponderar. Além disso, a qualidade das interações professor/alunos é condição de produção para os discursos político-educacionais, que vêem na interação à distância, na mediação máquina-aluno, uma alternativa para a solução de problemas de indisciplina, violência, etc. que afetam nossas salas de aula.

Entretanto, se, no discurso político-educacional acerca da educação a distância, as representações de poder, a par de se apoiarem nos valores de cientificidade, também se inscrevem no discurso pela diversidade temporal e espacial e pela autonomia, isto não é verdade em relação ao discurso educacional acerca de ILEC na Internet. Note-se que aqui raramente se encontra espaço para a autonomia, enunciando-se o papel central de pais e professores. Ademais, não se prioriza a diversidade temporal e espacial, pois os sites de ensino/aprendizagem de ILEC se configuram como depósitos de material didático. Veja-se as evidências:

Char Polanosky é a dona do blog "Printables4Kids", cuja especialidade é oferecer a pais e professores worksheets com jogos e atividades para ensinar ou simplesmente se divertir com crianças. É claro que o blog é todo em inglês - e, considerando o público alvo, uma boa parte das worksheets tem só figura para colorir.

O "Yahoo Kids" não é exatamente cheio de ferramentas para aprendizado de inglês, mas quem se sentir à vontade com a língua tem espaço para divertir as crianças e provavelmente ensinar (e aprender) alguma coisa.

O "English Avenue" (a partir de US$ 39,95 por um ano de uso) é um site cheio de recursos para pais e professores de crianças aprendendo inglês. Indicado para crianças de 4 a 13 anos, o site contém centenas de atívidades prontas para imprimir, jogos online, leituras e projetos, tudo visando o desenvolvimento das habilidades na língua.

Um recurso interessante para escolas, professores e pais querendo ensinar crianças: o "Mingoville" é um curso de inglês com imagens, animações, áudio e muita atividade interativa. O curso tem 10 unidades chamadas de missions, cada uma cobrindo um tema diferente como família, cores, comida, etc. É como se fosse um livro de estórias - e os personagens principais são uma família de flamingos que vive em Mingoville.

Ao longo das unidades tem muitas atividades interativas onde os alunos jogam, escrevem, falam e até gravam sua própria voz para poder praticar pronúncia. Os professores também têm ferramentas especiais para planejar e criar novas atividades, além de poderem registrar e avaliar o progresso dos alunos.

(http://www.inglesonline.com.br/category/ingles-para-criancas/P0/)

Portanto, o ensino/aprendizagem de ILEC na Internet é discursivamente construído como um grande arquivo de materiais didáticos do qual pais, professores, leigos e, mais raramente, crianças em autonomia, podem se valer. Isto é também enunciado pelos participantes dos blogs que funcionam a partir destes sites:

• Nayara diz | 16.03.2009 6:04:48

• Preciso de idéias para planejamento de inglês... de educação infantil e 1ª a 4ª série

• Bethânia diz | 18.03.2009 12:29:37

Hi folks! Mais uma vez quero parabenizá-los pelo site! Tem tudo e muito mais que nós professores precisamos. Continuem caprichando pra gente usufruir!!!

Parabéns!

• simone diz | 22.04.2008 4:08:31

Gostaria de parabenizar este site por tanta coisa boa que ele tem, sou professora de jardim a alfabetização na qual ainda não tinha trabalho com lingua inglesa e este site deu muitas idéias legais para que eu pudesse trabalhar com meus alunos . Muito obrigada

• Raquel diz | 29.06.2009 7:44:07

Necessito fazer um trabalho com crianças que nao possuem condições financeiras, e gostaria de trabalhar com elas o inglês. No caso tenho noções do inglês.

Bjus e obrigada antecipadamente

• flavia daniela milanêz diz | 31.03.2009 3:29:25

Olá!Gostaria que me enviassem um material para ensinar inglês a crianças de 4 anos....serei voluntária de uma ong e gostaria de saber como iniciar crianças dessa idade na lingua inglesa! desde já agradeço pela atenção!

• paolla diz | 23.01.2008 5:17:27

esse sit e uma boa bem mais facio aprender assim do que com um professor mandando bronca.

• thais diz | 01.04.2009 12:37:30

vou começa a participa agora tenho 11 anos

• Taís Rodrigues Serra diz | 18.04.2009 6:47:46

Amei tenho 12 anos, e minha irmã 9 ela estava com dificuldades em inglês, mas depois que conheceu o site, suas dúvidas sumiram!!!

adorei!!! Eu dou nota 1.000.000.000 para esse site!!!!!!!!

(http://www.inglesonline.com.br/category/ingles-para-criancas/P0/)

Verifica-se, então, que, na Internet, o ensino/aprendizagem de ILEC ocupa espaço privilegiado. No entanto, aí, sua representação de poder reside na instrumentalidade, apresentada que é na forma concreta de material de ensino/aprendizagem em disponibilidade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do discurso político-educacional informou que dele se encontra ausente o ensino/aprendizagem de ILEC, o que poderia configurar representações de desempoderamento em outros discursos. Entretanto, a análise de discursos educacionais que encontramos na Internet aponta a proliferação de sites de ensino/aprendizagem de ILEC, que revelam representações de empoderamento. Tais representações estão, contudo, ancoradas na instrumentalidade desses sites, que são configurados como depósitos de recursos, idéias, dicas. Ademais, o uso da tecnologia que representaria a inovação não é topicalizada; também não são topicalizados a autonomia e a assincronicidade temporal e espacial, valores intrínsecos aos processos de educação a distância mediados por computador e, portanto, o ensino/aprendizagem de ILEC que se encontra na rede parece assumir caráter diretivo e presencial, que pouco se diferencia dos processos tradicionais, em que o professor é o centro.

De fato, observa-se a hegemonia de um discurso que se ancora no valor carismático do serviço. De nosso ponto de vista, é a concretude do serviço que promete prestar que empodera o ensino/aprendizagem de ILEC na Internet.

Na rede discursiva examinada, o ensino/aprendizagem de ILEC na Internet é índice das contradições internas que caracterizam o momento contemporâneo, com suas descontinuidades e rupturas. No desejo de ser outro, é, no entanto, o discurso do mesmo. No desejo de ser o mesmo, é, contudo, outro. Mas, de qualquer modo, exercendo poder, seja enquanto espaço de luta pela estabilização das relações pessoais e pedagógicas, seja como espaço de prescrição da agência docente ao mesmo tempo que de sua recusa, configurada na miríade de possibilidades de escolha que apresenta.

Em suma, o discurso sobre ensino/aprendizagem de ILEC na Internet configura, antes de tudo, a promessa da completude e da excelência, desejos que nos constituem enquanto atores educacionais.

Recebido: 13/08/2009

Aceito: 11/10/2009

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  • WIREZBICKA, A. (2006). English meaning and culture Oxford: Oxford University Press.
  • 1
    Este artigo apresenta resultados de parte de um trabalho de pesquisa maior que aborda vários tipos de discurso acerca da educação a distância. Assim, algumas das considerações aqui apresentadas, especialmente no que diz respeito às bases teórico-metodológicas e à análise de condições de produção, aparecem em outras publicações de nossa autoria.
  • 2
    Embora haja Centros de Ensino de Línguas voltados para o ensino de adultos, não podemos considerar que haja uma política brasileira de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras para adultos, uma vez que se trata de iniciativas pontuais de uns poucos governos estaduais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      11 Out 2009
    • Recebido
      13 Ago 2009
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