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APRESENTAÇÃO

O número 51 (1), ora publicado, se constitui de treze artigos, dois dos quais escritos em inglês, abordando questões de língua estrangeira (inglês e espanhol), discurso em língua materna, letramento crítico, leitura e representações sociais. Como sempre ocorre em nossa revista, as linhas teóricas em que estão fundamentados os artigos são amplas, assim como são variados os lugares e instituições em que se encontram alocados os autores, abrangendo os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Tocantins.

Em "L2 production of English word-final consonants: the role of orthography and learner profile variables", Rosane Silveira, da Universidade Federal de Santa Catarina, expõe os resultados de uma pesquisa realizada com trinta e um brasileiros que residem nos Estados Unidos. São dois seus objetivos: a) investigar a frequência com que os participantes - ao produzirem consoantes da língua inglesa em posição final de palavra - utilizam processos fonológicos que resultam da transferência da correspondência entre ortografia e som do português para o inglês; e b) examinar a relação entre índice de transferência grafo-fonológica e fatores ligados ao perfil do aprendiz, tais como nível de proficiência, entre outros. Com base nos dados coletados, a autora concluiu que, mesmo em um contexto de L2, é frequente a transferência da correspondência entre ortografia e som da L1. No entanto, o contato com insumo de qualidade, combinado com conhecimento gramatical sólido quando da entrada desses brasileiros nos Estados Unido, está diretamente relacionado com o desenvolvimento da proficiência e com a melhora da produção das consoantes nos finais de palavras em inglês.

Adail Sebastião Rodrigues-Júnior, da Universidade Federal de Outro Preto, no artigo intitulado "Ethnography: method only or logic of inquiry in EFL research in Brazil?" aborda questões teórico-metodológicas, ou mais especificamente, como a etnografia tem sido tratada no âmbito das pesquisas brasileiras sobre inglês como língua estrangeira (ILE). Baseado em um corpus de trinta e sete resumos de dissertações de mestrado, o autor conclui que essas pesquisas têm se servido da etnografia como instrumento para análise e não como lógica de investigação, mostrando, portanto, desconhecimento e desvalorização dessa perspectiva. Corroborado por outros autores, propõe um tratamento mais sistemático dos usos da etnografia em um contexto de ensino de língua estrangeira.

Lívia Chaves de Melo do Centro de Cultura Anglo Americana de Araguaína, Karylleila dos Santos Andrade e Wagner Rodrigues Silva, da Universidade Federal do Tocantins, em um artigo intitulado "Trabalho escolar com vocabulário em relatórios de estágios supervisionados em ensino de língua inglesa", destacam a importância do conhecimento lexical para o desenvolvimento da habilidade comunicativa. Para isso, investigam, no âmbito da teoria lexical, exercícios didáticos que focalizam o aprendizado de vocábulos em LE, presentes nos relatórios de estágio supervisionado. Seus dados mostraram que o ensino do vocabulário tem ocorrido de forma isolada, a partir de listas de palavras a serem memorizadas pelos alunos, sem levar em conta o contexto de leitura de textos autênticos. O autor recomenda, portanto, que o professor realize atividades em que o aluno possa fazer associação com o que já sabe, complementando o ensino com mídias de material de apoio, que socializam o conhecimento de forma prazerosa. O ensino, dessa maneira, estaria centrado em formas autênticas de comunicação, de forma a proporcionar uma interação real e dinâmica, em um ambiente em que os alunos possam aprender as palavras que realmente lhes interessam.

O artigo de Marco Túlio de Urzêda Freitas da Universidade Federal de Goiás, intitulado '"Educando para transgredir: reflexões sobre o ensino crítico de línguas estrangeiras/Inglês" propõe-se a relacionar o construto Pedagogia como transgressão com o ensino crítico de língua estrangeira, através de questões como: O que significa educar para transgredir? Qual o lugar da transgressão no campo de estudos críticos em Linguística Aplicada? Como as teorias transgressivas colaboram com a promoção de uma abordagem mais holística e politizada para o ensino de línguas estrangeiras/inglês? Levando seus alunos a utilizar a língua alvo para discutir e refletir sobre temas de caráter político-social através de leitura e problematização de textos, vídeos e figuras, o autor mostra que, apesar de esse tipo de ensino desencadear muitos conflitos em sala de aula, é evidente sua relevância para o desenvolvimento crítico, linguístico e comunicativo dos alunos, bem como para a formação crítica de professores.

Ainda tendo como foco a LE, desta vez, o espanhol, Marília Vasques Callegari, doutora pela Faculdade de Educação da USP apresenta, em seu artigo intitulado "Motivação e ensino de espanhol na escola pública paulista: dados quantitativos e qualitativos de um estudo de caso", resultados de uma pesquisa que tem como informantes 161 alunos de um Centro de Línguas no Estado de São Paulo e cujo objetivo é mensurar o nível de motivação desses alunos na aprendizagem de espanhol como língua estrangeira. A autora conclui que, em geral, os alunos encontram-se motivados, sendo "a figura do professor, o esforço por ele depreendido, o conteúdo, a autonomia de escolha do idioma estudado e o prazer que têm em aprender a LE", as principais causas dessa motivação. Dentre os aspectos desmotivadores salientou-se a falta de conhecimento da cultura da língua alvo.

Crisciene Lara Barbosa-Paiva, da Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho', de Araraquara, no artigo "A correção como procedimento de reformulação em chat educacional escrito em espanhol por brasileiros: tipos de operacionalização e marcas" aborda, num primeiro momento, os diferentes tipos de correção (auto e hetero), próprios da oralidade, para, num segundo momento, apresentar resultados da análise de chats escolares com relação às correções efetivamente realizadas. Faz, assim, um levantamento minucioso de autocorreções (autoiniciada e heteroiniciada) e hetrocorreções (autoiniciadas e heteroiniciadas), tanto no que diz respeito aos aspectos morfossintáticos, que possibilitam a elaboração de padrões de reformulação com ou sem marcadores, quanto no que concerne à relação professor-aluno e às atitudes dos alunos, que utilizam frequentemente autocorreções autoiniciadas, o que parece revelar uma tendência a certa autonomia com relação à correção do professor. Baseado na perspectiva textual-interativa, este artigo se mostra útil para professores e pesquisadores da linguagem oral em uso, seja através da internet, seja em conversas presenciais.

Os dois textos que se seguem abordam questões relacionas ao discurso em língua materna, visto sob perspectivas teóricas distintas.

Regina Maria Freire e Maria Cristina Pascalicchio Passos, ambas da Pontifícia Universidade de São Paulo, no artigo "Gagueira: uma questão discursiva" fazem uma proposta de teorização da gagueira como processo discursivo, a partir das marcas do discurso de mães de quatro crianças gagas. A hipótese das autoras é que a gagueira teria sua origem na terceira posição do processo de aquisição da linguagem, tal como proposta por De Lemos. A posição discursiva que indicia o deslocamento da criança em relação a sua fala e à fala do outro é marcada pela ocorrência de pausas, autocorreções e reformulações, levando a criança a colocar-se na posição de falante, em que é interpretada. Se esses "erros", ao invés de serem reconhecidos como tentativas da criança de assemelhar sua fala à do Outro, forem interpretados como "estranhos" pelo Outro poderão gerar efeitos de identificação que poderão cristalizar esse discurso. O artigo destaca, portanto, as consequências da submissão da criança ao discurso autoritário do Outro.

De autoria de Fernanda Correa Silveira Galli, pós-doutora pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, o artigo "Discursos sobre a leitura na contemporaneidade: entre o texto-papel e o texto-tela" propõe-se a entender, a partir de excertos de relatos escritos por alunos de três cursos de graduação do Ensino Superior - Matemática, Ciências Biológicas e Pedagogia - a transformação ou manutenção dos gestos de leitura tanto no texto-papel quanto no texto-tela. Na confluência de uma visão discursiva apoiada na filosofia e nas ciências sociais, a autora aponta para a existência de uma imbricação entre o texto-tela e o texto-papel, no sentido de que hábitos de leitura do primeiro são transferidos para a leitura do segundo, que, por sua vez, assimila noções de organização do texto-papel. O hipertexto é, assim, considerado em sua dimensão inovadora e tradicional, situando-se na tensão do "entre-lugares". Trata-se de um artigo que questiona a novidade do hipertexto, ao mesmo tempo em que estabelece o que de novo ele apresenta para o leitor.

O cinco textos que se seguem abordam questões variadas relacionadas ao letramento crítico, leitura e representações sociais.

O artigo "Identidades sociais, letramento visual e letramento crítico: imagens na mídia acerca de raça/etnia", de Aparecida de Jesus Ferreira, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, tem por objetivo levar o leitor a refletir sobre a questão racial e étnica como um dos fatores que constituem identidades sociais. Depois de fazer considerações teóricas advindas da Sociologia e de outras disciplinas na área das Ciências Humanas, a autora apresenta sugestões de atividades de letramento crítico. Inicialmente, analisa imagens da mídia que apontam para a constituição de identidades sociais e, sobretudo, para a segmentação cor/raça/etnia. A seguir, propõe atividades didáticas a serem utilizadas nos três níveis de escolaridade, com as devidas adequações. A pertinência do tema se coaduna com a atitude da autora de questionamento de estereótipos, no sentido de colaborar para uma educação inclusiva, preocupada, portanto, com questões sociais.

O artigo de Cláudia Strey, doutoranda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, intitulado "O objetivo de leitura em uma interface psicolinguística-pragmática" quer entender por que os estudantes preferem ler resumos a obras originais. A autora parte dos seguintes pressupostos para construir seu trabalho: o objetivo da leitura e o tipo de avaliação parecem guiar a leitura realizada pelos alunos; o princípio de relevância ajuda a explicar a escolha de qual forma de leitura é mais importante de acordo com seu objetivo; a leitura é determinada pelo menor custo cognitivo, e não pelo maior benefício. Para explicar os processos inferenciais envolvidos na leitura, a autora propõe uma interface entre a Psicolinguística e a Pragmática, e lança a hipótese de que se a escolha do leitor se baseia no menor custo cognitivo e não no maior benefício, isto se deve ao objetivo de leitura e ao tipo de avaliação a que o leitor está submetido.

Isaura Santana Costa Carvalho e Maria Veracy Moreira de Souza, ambas da União Metropolitana de Educação e Cultura de Itabuna, Bahia, são as autoras do texto "A representação social de alunos de escolas da rede particular de ensino acerca do papel do psicólogo escolar". Como indica o título, trata-se de uma investigação junto a nove alunos a respeito do que entendem por psicólogo escolar, quais as suas funções na escola e qual a sua utilidade. Os alunos entrevistados, cursando o 7º, 8º e 9º anos, consideram o psicólogo escolar apenas como aquele que soluciona conflitos, não apontando para aspectos mais funcionais e relevantes da atuação do profissional na escola. A autora conclui que é preciso transformar as representações dos alunos com relação à função do profissional para que não se construa, dele e para ele, uma identidade deturpada e desprestigiosa. Tal pesquisa faz conhecer as representações dos alunos, que podem se encaminhar para estereotipias, e levar a escola e professores a tomadas de posição mais condizentes com a meritocracia do psicólogo.

Em "As diferentes versões de uma história única: a polêmica a respeito do livro didático Por uma vida melhor e os estudos do(s) letramento(s)", Fabiana Poças Biondo, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Inspirada na lição sobre "história única", da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, desenvolve uma leitura em que questões de variação linguística, de representação de língua, de relacionamento entre escrita e oralidade podem ser compreendidos como arestas de um debate imerso em questões de letramentos e de relações sociais de poder. No caminho empreendido pela autora em sua releitura da referida polêmica, a autora mostra como os veículos da imprensa acabaram por sustentar uma história única sobre a proposta do livro didático em questão. Foi possível perceber o desenvolvimento de uma história sobre a obra didática que não considera, mas interdita a responsabilidade e a possibilidade de um diálogo "multicultural", desconsiderando as culturas locais e populares, excluindo-as como vozes de um diálogo e objetos de estudo e de reflexão.

Fechando este número da revista, temos o artigo "O twitter de Renê Silva e a ocupação da tecnologia: o morro (do alemão) tem vez", de Junot de Oliveira Maia, mestrando em Linguística Aplicada da Unicamp, que faz uma reflexão sobre como sujeitos pertencentes aos grupos periféricos são capazes de se apropriar dos novos recursos das tecnologias da informação e comunicação para promover uma coligação contra-hegemônica, subvertendo a ordem vigente, valorizada e estabilizada pelas relações de poder. O autor enfatiza que, inusitadamente, embora esse homem ordinário esteja submetido a jogos de poder e a discursos da razão que buscam excluí-lo das práticas sociais valorizadas, suas ações inventivas e transgressoras ocorrem justamente no campo da hegemonia, do poder, da ordem técnica, que acredita dominar os meios de organizar funções e pessoas. Esse sujeito, em sua resistência, democratiza os objetos sociais dominantes, propõe novos usos para os produtos que lhe são impostos, entre eles as práticas de letramento.

Antes de encerrar este número, chamamos a atenção de nossos leitores para as alterações feitas nas normas para submissão de artigos, a vigorar a partir da próxima publicação da revista., assim como no corpo editorial.

Uma excelente leitura a todos!

A Comissão Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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