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"CULTURA DE PAZ": GÊNESE DE UMA FÓRMULA ENTRE DISCURSOS DE GUERRA E VIOLÊNCIA

"CULTURE OF PEACE": GENESIS OF A FORMULA BETWEEN WAR AND VIOLENCE DISCOURSES

RESUMO

Neste trabalho, buscamos rastrear o percurso do sintagma "cultura de paz" no espaço público brasileiro desde sua gênese institucional até o ano de 2012, verificando sua consolidação durante a Década Internacional de uma Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo (2001-2010 - ONU) e seu funcionamento como fórmula discursiva (KRIEG-PLANQUE, 2010). Mostramos como é produzido um efeito de consenso na superfície linguística de um sintagma que, ao circular, é convocado por interpretações diversas que partem majoritariamente do sema central "convivência". Teremos como foco a relação entre a gênese de "cultura de paz" e a circulação de "discursos de guerra e de violência" materializados em práticas e objetos técnicos cotidianos.

Palavras-chave:
cultura de paz; fórmula discursiva; circulação de discursos

ABSTRACT

In this work, we follow the development of the syntagma "culture of peace" in the Brazilian public space from its institutional genesis to the year of 2012, by verifying its consolidation during the International Decade of a Culture of Peace and Non-Violence for the Children of the World (2001-2010 - UN) and its functioning as a discursive formula (KRIEG-PLANQUE, 2010). We show how a consensus effect is produced on the linguistic surface of this syntagma that, when circulating, is summoned by diverse interpretations that depart mainly from the central sema "coexistence". We will focus on the relationship between the "culture of peace" genesis and the circulation of "discourses of war and violence" which are materialized in everyday practices and technical objects.

Keywords:
culture of peace; discoursive formula; circulation of discourse

INTRODUÇÃO

O elemento disparador desta pesquisa foi o Encontro Internacional "En Pie de Paz - Cultura de paz, políticas públicas e desenvolvimento cultural", realizado nos dias 25 a 27 de abril de 2011 pelo Centro Cultural da Espanha em parceria com o Instituto Pólis, em São Paulo. Pudemos constatar nesse evento a pluralidade das instituições que trabalham com a supostamente definida "cultura de paz" e, consequentemente, das práticas daí advindas: Associação Palas Athena, Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SP), Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (SP), Comitê Paulista para da Década da Cultura de Paz (SP), Umapaz (Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz), Instituto Sou da Paz, União de Mulheres, Rede de Artistas da Cidade Tiradentes, ONG Se Essa Rua Fosse Minha...

O ponto de convergência, como se pode notar, estava na superfície linguística do sintagma "cultura de paz", recorrentemente retomado no emaranhado de enunciados em circulação. As relações parafrásticas estabelecidas entre as comunicações realizadas no evento, chamadas "falas inspiradoras", tecem uma rede - já dada no interdiscurso, de cujas memórias o evento é apenas uma materialização - em que esse sintagma "cola" em outros: "direitos humanos e políticas públicas", "desenvolvimento cultural e sustentável", "gênero", "diversidade cultural", "arte", "segurança" e "educação de crianças em risco social".

A efervescência sob a unicidade da etiqueta "cultura de paz" evidencia as diferentes leituras dos enunciados, condicionadas pelas grades semânticas de cada instituição - estabelecidas, como sabido, pela circulação dos discursos nas comunidades discursivas às quais pertencem, efeito e causa de posicionamentos e práticas que compartilham ou rejeitam.

Além disso, a aglutinação de "cultura" com a locução adjetiva "de/da paz" intensifica a deriva semântica na medida em que ambos os substantivos são conceitos "universais", que fazem parte do mundo partilhado - todos temos uma ideia mais ou menos definida do que sejam "cultura" e "paz" -, e é essa sensação de estabilidade e de consenso que permite a circulação do sintagma nos espaços sociais os mais diversos, como se pode notar em entrevista concedida pela diretora do Centro Cultural da Espanha:

Eu sei que Cultura de Paz é um termo carimbado, que já possui um significado internacional. Mas eu diria de Cultura de Paz o mesmo que de Cultura: dependendo de quem fala tem um significado, uma orientação. Por exemplo, eu acho que Cultura também significa educação e valores, e em valores que tem a ver com direitos humanos. A cultura e os direitos culturais são direitos humanos. Obviamente a Cultura de Paz é o principal direito humano, o direito a vida, não é? Sendo Cultura um termo transversal, que a gente pode usar em muitas circunstâncias que às vezes não tem muito a ver entre si, levar este conceito transversal a tudo que fazemos, é vital: através da prática e da discussão, dos produtos culturais, mas também na mudança de ideologia e de mentalidade.

Para abordar essa questão, a noção de fórmula discursiva conforme proposta por Krieg-Planque (2010)KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial. mostrou-se, então, bastante produtiva. Segundo a pesquisadora, para funcionar como fórmula, um sintagma deve manifestar, em maior ou menor grau, quatro propriedades, que resumidamente são: ter uma superfície linguística cristalizada, que permita sua circulação e seu rastreamento no espaço público; se inscrever em uma dimensão discursiva, sendo ponto de convergência de questões sociais em um dado momento histórico; funcionar como um referente social, de maneira que seu uso se torne imperativo num determinado meio e objeto de avaliação (positiva ou negativa) dos atores sociais; e ter uma dimensão polêmica, de forma que o sintagma seja também um lugar de tensão, manifestada nos usos que se fazem dele.

Das quatro propriedades, somente a última não se concretizava de maneira mais evidente em nosso córpus. Notamos que o discurso (os discursos, se se quiser) sobre "cultura de paz" não encontrava opositor direto no espaço público. Mais que uma polêmica, pudemos constatar um largo espaço de deslizamento semântico ligado a esse sintagma, consequência tanto da diversidade de leituras decorrentes quando da abrangência dos temas convocados nos primeiros documentos emitidos por órgãos internacionais. A esse respeito, destacamos em trabalho anterior (SALGADO; SILVA, 2014SALGADO, L. S.; SILVA, H. M. B. (2014). Gênese discursiva da formula 'cultura de paz'. Acta Scientarum, Maringá, v. 36, n. 2, p. 131-137, Apr./June.) a definição construída por Adams (2005a)ADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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por meio da combinação de duas resoluções das Nações Unidas, o "Programa de Ação" e a "Resolução das Nações Unidas de 1998 sobre a Cultura de Paz":

Uma cultura de paz é uma abordagem integral para prevenir a violência e os conflitos violentos, e uma alternativa à cultura da guerra e da violência, baseada na educação para a paz, na promoção da economia sustentável e do desenvolvimento social, no respeito pelos direitos humanos, na igualdade entre mulheres e homens, na participação democrática, na tolerância, no livre fluxo de informações e no desarmamento. (ADAMS, 2005aADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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, tradução nossa)

Para cada um dos oito pontos estabelecidos por Adams, havia, na versão inicial do programa de ação e da resolução enviados pela UNESCO para as Nações Unidas, um contraponto para a "Cultura da Guerra e da Violência", os quais foram eliminados da versão final, juntamente com essa expressão, por pressão da União Europeia - indiciando a disputa pelos sentidos atribuíveis e/ou atribuídos ao sintagma que aqui nos interessa. Segundo notas de Adams (2005a)ADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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sobre encontro informal em maio de 1999,

O representante alemão, em nome da União Europeia ... explicou o porquê de ele ter deletado a frase "rápida transição de uma cultura de guerra e de violência para uma cultura de paz". Segundo ele, não existe uma cultura de guerra e de violência no mundo. (ADAMS, 2005aADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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, tradução nossa)

Como vemos, o apagamento do contradiscurso fica evidente na própria história da gênese do sintagma "cultura de paz", e evidencia os esforços para que o discurso "de paz" se tornasse hegemônico nos órgãos internacionais. Mas, ainda que o discurso "de guerra e de violência" não fizesse parte daquilo que não era verbalmente enunciável, como vemos nas palavras do porta-voz da Alemanha, a tensão é facilmente observável quando analisamos as práticas cotidianas: câmeras de segurança, muros altos e cercas elétricas que materializam no próprio espaço urbano a psicosfera do medo e da violência que domina o espaço público (cf. MELGAÇO, 2010MELGAÇO, L. (2010). Securização urbana: da psicoesfera do medo à tecnoesfera da segurança. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo.), desocupações e "pacificações" altamente militarizadas, notícias contínuas de crimes violentos e de confrontos da polícia militar brasileira, ou, em nível internacional, intervenções que, sob a designação do "direito de ingerência"/"dever de ingerência" (cf., por exemplo, KRIEG-PLANQUE, 2011KRIEG-PLANQUE, A. (2011). "Fórmulas" e "lugares discursivos": propostas para a análise do discurso político. In: Motta, Ana Raquel; Salgado, Luciana Salazar. Fórmulas discursivas. São Paulo: Contexto. p.11-40., p.37), se desdobram em guerras cujo resultado é um número elevado de morte de civis.

Tudo isso faz com que a busca por "paz" se mostre, então, como um ponto imperioso de aparente consenso e aprovação na sociedade, e os discursos "de paz", cuja materialização nevrálgica é a fórmula "cultura de paz" - que, como outras fórmulas, representa cabalmente a opacidade da linguagem -, tornam-se necessários como neutralizadores de conflitos. Configura-se o que consideramos, na esteira de Milton Santos (1994)SANTOS, M. (1994). Técnica, Espaço, Tempo - globalização e meio técnico-científico informacional. 5ª ed. Edusp: São Paulo., uma das "fábulas" do mundo globalizado:

Vivemos em um mundo exigente de um discurso, necessário à inteligência das coisas e das ações. É um discurso dos objetos, indispensável ao seu uso, e um discurso das ações, indispensável à sua legitimação. (...) diante de nós, temos, hoje, possível (e frequente), com a falsificação do evento, o triunfo da apresentação sobre a significação, ainda que reclamando uma ancoragem. (santos, 1994SANTOS, M. (1994). Técnica, Espaço, Tempo - globalização e meio técnico-científico informacional. 5ª ed. Edusp: São Paulo., p.21, grifo nosso)

Como indícios maiores da construção discursiva em torno da fórmula em questão, podemos citar a proclamação do ano 2000 como "Ano Internacional por uma Cultura de Paz" e da década 2001-2010 como a "Década Internacional para uma Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo" pela Assembleia Geral das Nações Unidas - ONU (Resolução de 20 de novembro de 1997 e Resolução de 10 de novembro de 1998, respectivamente). No que diz respeito especificamente ao Brasil, o relatório de 2011 sobre a Década (ADAMS et al, 2011ADAMS, D. et al (2011). Report on the Decade for a Culture of Peace: Final Civil Society Report on the United Nations International Decade for a Culture of Peace and Non-violence for the Children of the World (2001-2010). Disponível em: http://www.fund-culturadepaz.org/spa/DOCUMENTOS/Report_on_the_Decade_for_a_Culture_of_Peace.pdf. Acesso em 3 de julho de 2017.
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) mostrava que era o país da América Latina com maior número de entidades que realizavam atividades em nome desse "lema" , promovendo fóruns nacionais e internacionais e produzindo inclusive regulações e políticas baseadas na construção semântica dada por esses encontros de caráter institucionalizante.

As questões levantadas e os dados analisados nos fizeram considerar o funcionamento de "cultura de paz" enquanto fórmula discursiva nos discursos institucionais brasileiros como um acontecimento discursivo de interesse que, como vimos no decorrer da pesquisa, não surgiu como "aerólito miraculoso" , mas devido a uma conjuntura específica e a atores sociais cujo papel na sociedade é, também, resultado de injunções históricas.

Para realizar essa pesquisa, a coleta de dados partiu inicialmente do levantamento de ocorrências dos sintagmas "cultura de paz", "cultura da paz" e "cultura para a paz" nos dois jornais de maior circulação no Brasil, Folha de S. Paulo e O Estado de S.Paulo até 2012; posteriormente, nos demos conta de que a restrição a documentos e jornais impressos na composição do córpus não seria suficiente para abranger a efetiva circulação da fórmula, que tem como característica intrínseca a dispersão por diferentes dispositivos e posicionamentos, além de uma farta frequentação em documentos digitais bastante variados.

Dada a imensidade de possibilidades de difusão da informação no atual período, definido pelo geógrafo Milton Santos como período técnico-científico informacional (2000), e considerando que "o mundo globalizado se funda numa 'imprescindibilidade do discurso', da qual o ciberespaço é uma materialização expressiva" (SALGADO; ANTAS JR., 2011SALGADO, L. S. (2011). A leitura como um bem: slogans e consenso. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. S. (org.). Fórmulas discursivas. São Paulo: Contexto., p.259), sentimos a necessidade de realizar pesquisas também no âmbito da Web 2.0, que permitiu, desde sua instauração em 2004, uma maior inserção de pessoas e instituições como produtoras e difusoras de informações na rede. O fato de esse ambiente virtual interativo estar cada vez mais naturalizado como parte do cotidiano de grande parte da população brasileira torna, a nosso ver, cada vez mais premente que os estudos acadêmicos o levem em consideração.

Para dar cabo de preencher essa lacuna em nosso córpus, decidimos realizar pesquisas por meio do buscador Google Search, considerando outras ocorrências que não somente as entidades e projetos indicados pela obra Cultura de paz: da reflexão à ação - Balanço da Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo (DISKIN; NOLETO, 2010DISKIN, L.; NOLETO, M. J. (2010) (coord.). Cultura de paz: da reflexão à ação - Balanço da Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo. UNESCO.), buscando assim contemplar mobilizações da fórmula nas situações mais diversas. Também foram usadas ferramentas auxiliares, como o campo de buscas por "projetos de leis e outras proposições" no site da Câmara dos Deputados . Essa decisão implicou questionamentos principalmente de ordem metodológica, tratadas de forma detida na pesquisa da qual esse artigo se originou (Cf. BOSCHI, 2014BOSCHI, H. (2014). A constituição da fórmula discursiva "cultura de paz": circulação e produção dos sentidos. Dissertação (Mestrado em Linguística). Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). As páginas foram salvas no formato pdf. e foram feitos screenshots, a fim de se preservar a disposição dos componentes verbovisuais e do layout do site, consideradas essenciais à análise.

1. SUBSTRATOS DA GÊNESE DO SINTAGMA

As considerações sobre as condições de produção da fórmula que tecemos aqui nascem de uma interrogação sobre os suportes materiais e imateriais que dão existência a um discurso aparentemente único sobre a "necessidade de paz" que se manifesta em diversas esferas - individual, social, religiosa, ecológica, mundial... -, como veremos quando tratarmos da circulação e da produção de sentidos de "cultura de paz". Sabendo que a disseminação de um discurso nunca se dá autonomamente, mas em uma relação constitutiva com seu Outro, tornou-se imperativo observar o avesso dos discursos "de paz", que chamaremos, em consonância com os documentos que originam o sintagma estudado (como mencionamos anteriormente), discursos "de guerra e de violência".

Em Gênese dos discursos, Maingueneau (1984)MAINGUENEAU, D. (1984). Gênese dos discursos. Trad. Sírio Possenti . São Paulo: Parábola Editorial, 2008., dialogando com a tradição estabelecida pela AD, afirma que "[...] todo enunciado do discurso rejeita um enunciado, atestado ou virtual, de seu Outro do espaço discursivo". Entretanto, enquanto discursos "de paz" são cada vez mais bem-vindos, materializados em paráfrases de "cultura de paz" - como "vamos cultivar a paz" - fartamente encontradas em nosso córpus, enunciados verbalmente atestados de "guerra" e de "violência" praticamente não existem na alusão direta a "fazer a guerra" como prática aceita e socialmente desejada.

Para resolver esse aparente impasse, tornou-se necessário estender o olhar para além das práticas que já havíamos mapeado como práticas de "cultura de paz", altamente institucionalizadas, e observar o banal (melhor seria dizer banalizado) das práticas cotidianas como materializações do contradiscurso, partindo, para isso, dos objetos técnicos em que se apoiam - igualmente interessantes do ponto de vista discursivo porque constituídos por injunções históricas e determinantes de nossa maneira de sentir, pensar e viver o mundo. Conforme Santos (1994, p.42, grifo nosso)SANTOS, M. (1994). Técnica, Espaço, Tempo - globalização e meio técnico-científico informacional. 5ª ed. Edusp: São Paulo.,

Em qualquer momento, o ponto de partida é a sociedade humana realizando-se. Essa realização dá-se sobre uma base material: o espaço e seu uso, o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas, as ações e suas diversas feições. [...] A técnica entra aqui como um traço-de-união, historicamente e epistemologicamente.

As técnicas, de um lado, nos dão a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham.

É desse ponto de vista que Melgaço (2010)MELGAÇO, L. (2010). Securização urbana: da psicoesfera do medo à tecnoesfera da segurança. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo., por exemplo, analisa o processo de "securização urbana" brasileiro, que se materializa em formas variadas de racionalização do território por meio de estruturas arquitetônicas, objetos técnicos e condomínios fechados. Focando a investigação na cidade de Campinas, o pesquisador mostra como a busca crescente por "segurança" se materializa na paisagem da cidade por meio da criação de "espaços exclusivos", delimitados por muros, cercas elétricas, alarmes, câmeras de segurança e vigilância constante. A esse respeito, gostaríamos de destacar e relacionar dois dados: o infográfico desenvolvido pelo Estado de S.Paulo com base no documento "Mapa da violência de 2010", que se apoia no índice de homicídios em cidades brasileiras, e o mapa de vigilantes privados particulares, indicador do processo de securização, elaborado por Melgaço (2010)MELGAÇO, L. (2010). Securização urbana: da psicoesfera do medo à tecnoesfera da segurança. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo..

Figura 1
Mapa da violência com base em índice de homicídios das (ESP, 2010)

Como se pode observar, a maior concentração de homicídios violentos se dá nas regiões Centro-oeste e Norte do Brasil, enquanto o processo de "securização" conforme detectado por Melgaço (2010, p.85)MELGAÇO, L. (2010). Securização urbana: da psicoesfera do medo à tecnoesfera da segurança. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo., por sua vez, se concentra muito destacadamente na região Sudeste:

Figura 2
Mapa de "vigilantes" por região brasileira.

Esses dados importam porque indiciam o fato de que a região Sudeste, embora com índice menor de homicídios, lança mão de forma muito mais intensa de instrumentais de "securização" como forma de manutenção da ordem estabelecida e proteção dos bens materiais, sendo mais rica e desigual. É interessante observar que, conforme os dados do mapa de 2010, a cidade de São Paulo, por exemplo, tinha uma taxa média de 17.4 homicídios por 100.000 habitantes, número relativamente baixo que causa espanto quando confrontado com a crença generalizada de "extrema violência" da cidade. As regiões do Norte e do Centro-oeste, por sua vez, embora com menor impregnação das práticas de "securização", caracterizam-se pelo alto índice de homicídios - fortemente atrelado aos resquícios do coronelismo como forma de manutenção dos privilégios de uma determinada elite. Como consequência, a violência se impõe de diversas formas como "realidade" aos indivíduos: no cotidiano de populações marginalizadas, reduzidas a números e estatísticas que, por sua vez, são estrategicamente generalizadas e amplificadas em nível nacional pela mídia, nas técnicas decorrentes aplicadas a objetos de consumo que servem de "proteção" para aqueles que se sentem ameaçados e que têm condições de pagar por eles , nos espaços urbanos cada vez mais monitorados.

Entendidas aqui como constitutivas das condições de produção da fórmula "cultura de paz", essas materialidades do "discurso de guerra e de violência" se associam, por vezes, diretamente ao sintagma "de/da paz". É o que pudemos constatar em visita ao "Mirante da Paz", no Rio de Janeiro, edificação inaugurada em 2010 que dá acesso ao Morro do Cantagalo, "pacificado" em 2009:

Figura 3
"Mirante da Paz", Morro do Cantagalo (RJ).

Além da construção linguística "da paz", a imagem da pomba opera também como ativadora das redes de memória associadas à fórmula "cultura de paz". A edificação, cujo elevador integra o metrô da Praça General Osório à favela (hoje chamada "comunidade"), se destaca por sua estrutura colossal rodeada de vidros blindados, pela abundância de grades e de estruturas metálicas. Para Ana Luiza Nobre, arquiteta carioca doutora em História,

[...] ao criar uma bolha suspensa e isolada, de estrutura truculenta e hostil à realidade em que se insere, a arquitetura mais alimenta que reduz a desigualdade, e faz com que a espetacularização da miséria se sobreponha ao enfrentamento efetivo dos problemas fundamentais da cidade. Materializada na bolha-mirante-panóptico, a incomunicabilidade permanece. E o paradoxo da paz armada, enfim, encontra na arquitetura sua mais perfeita tradução. (NOBRE, 2012NOBRE, A. L. (2012). Guerra e paz. In: BATISTA, V. M. (org.). Paz armada. Rio de Janeiro: Revan / ICC. p.9-13. (Cadernos de criminologia, 1), p.13)

Essa "paz armada" pode ser constatada também na esfera internacional, nos ostensivos gastos governamentais com armamentos de diversos tipos - materializações cabais do discurso "de guerra e de violência" - destinados a manter cada país em pé de igualdade em relação às outras nações e, desse modo, assegurar "a paz" e a soberania nacional. Assim, embora não sejam alardeados como "remédio" para os males da sociedade, caso de "cultura de paz", esses discursos se institucionalizam e se presentificam no cotidiano de todas as camadas da sociedade por meio de práticas discursivas, e atuarão como substrato fértil para a idealização de paz preconizada por instituições internacionais como a ONU e a UNESCO.

2. ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E SEU PAPEL COMO PRODUTORAS DE DOCUMENTOS

Passando por um apanhado de acontecimentos que deram início às grandes organizações mundiais, Mattelart (2005)MATTELART, A. (2005). Diversidade Cultural e mundialização. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola. narra as mudanças das relações entre os países com as possibilidades cada vez maiores de interação ao redor do mundo instauradas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Retomando a origem e as diversas significações dos termos "mundialismo", "internacionalização", "internacionalismo", "globalização" e "mundialização", cunhados e mobilizados em diferentes conjunturas do debate acerca dos "vínculos transfonteiras" sócio-econômico-culturais entre os Estados-nação, o autor mostra como a noção de interdependência, oriunda do campo da biologia celular - e, por conseguinte, também as ideias de "ajuda mútua" e de "segurança comum", por exemplo -, encontra-se imbricada em uma rede de disputa de poder que paira acima de qualquer representação utópica de unidade harmônica em nível mundial.

Segundo o autor (2005, p.54-57), é materializando esse ideal de "comunhão universal", reforçado pela atmosfera pós-Segunda Guerra Mundial de busca pela paz, que representantes de alguns países (nomeadamente, França, Índia, México, Polônia, Reino Unido e Estados Unidos) se debruçam sobre a redação do ato constitutivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco em 1945. Parece-nos que é com base nessa noção de interdependência, também, traduzida posteriormente em desdobramentos do sema "convivência", como veremos, que se desenvolverá a ideia inicial de "cultura de paz" como pilar de uma "nova forma" de estar no mundo, num movimento que partiria dos atos individuais de cada pessoa até a agenda política dos países.

No que nos concerne aqui, a ONU e a UNESCO, como outras instituições, se caracterizam por seu papel como "produtoras de documentos", que lhes confere um lugar privilegiado no poder ligado à produção e à distribuição dos discursos. Como afirma Krieg-Planque,

[...] a produção de textos é constitutiva da Assembleia Nacional ou da Onu (mas também de uma comunidade ou de uma universidade) como instituições. A esse respeito, pode-se dizer "comunidades discursivas" para designar os grupos sociais que não existem de maneira independente da enunciação dos textos que produzem e distribuem segundo regras muitas vezes altamente codificadas. (KRIEG-PLANQUE, 2012KRIEG-PLANQUE, A. (2012). Analyser les discours institutionnels. Paris: Armand Colin, 2012., p.23, tradução nossa)

Os textos que elas produzem são documentos destinados a circular, a serem retomados e utilizados como referência por atores sociais variados, representando a instituição (e aqueles que aderem ao seu discurso) aos olhos da sociedade; é possível imaginar, portanto, o alto grau de preparação e de constrições a que são submetidos, produtos da comunicação concebida como "conjunto de saberes e habilidades relativos à antecipação das práticas de retomada, de transformação e de reformulação dos enunciados e de seus conteúdos" (KRIEG-PLANQUE, 2011KRIEG-PLANQUE, A. (2011). "Fórmulas" e "lugares discursivos": propostas para a análise do discurso político. In: Motta, Ana Raquel; Salgado, Luciana Salazar. Fórmulas discursivas. São Paulo: Contexto. p.11-40., p.26). Pensamos, aqui, nas práticas profissionais de comunicação, que são constituintes do funcionamento da instituição e de seu estabelecimento (portanto, também, de suas práticas) como referente social no espaço público.

Essa questão é tratada no texto "Construction institutionnelle des discours : idéologies et pratiques dans une organisation supranationale" (DUCHENE, 2004DUCHENE, A. (2004). "Construction institutionnelle des discours : idéologies et pratiques dans une organisation supranationale", TRANEL. Travaux neuchâtelois de linguistique, Université de Neuchâtel, n°40, pp.93-115.), em que o pesquisador mostra, por meio da análise de atas de assembleias da Onu, como a maneira de escrever os documentos e transcrever as falas dos debates constroem uma "ideologia de objetividade" ("idéologie d'objectivité") utilizando como recursos a homogeneização da linguagem, o apagamento dos atores políticos e a eliminação dos componentes emocionais do discurso. Segundo ele,

Trata-se de uma concepção objetivadora do pensamento e do sentido que se mostra fundamental para uma instituição burocrática que busca decidir de forma categórica sobre questões que emergem de perspectivas múltiplas e que são essencialmente polifônicas e heteroglóssicas (direitos das minorias, direitos do homem etc...) (DUCHÊNE, 2004DUCHENE, A. (2004). "Construction institutionnelle des discours : idéologies et pratiques dans une organisation supranationale", TRANEL. Travaux neuchâtelois de linguistique, Université de Neuchâtel, n°40, pp.93-115., p.113, tradução nossa)

Essa "ideologia de objetividade" é característica dos discursos institucionais na medida em que eles se situam no domínio do "mundo estabelecido": tendo como locutores atores sociais os mais diversos e ocupando um lugar de destaque no espaço público, esses discursos têm como estratégia produzir um "efeito de transparência" (oposto à concepção da língua como constitutivamente opaca e polissêmica) e de consenso que facilitem sua aceitação, circulação e legitimação o mais largamente possível na sociedade.

É nessa mesma direção que Krieg-Planque e Oger (2010)KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial. estabelecem o princípio duplo de formação dos discursos de autoridade: a estabilização dos enunciados e o apagamento da conflitualidade. O primeiro aspecto deriva de regularidades linguísticas que restringem o leque de enunciados possíveis que circulam no espaço público, tanto no nível lexical, por meio de slogans, cristalizações, co-ocorrências e, principalmente, de fórmulas (como, em nosso caso, "cultura de paz", e também outros sintagmas formulaicos que a ela se associam, nutrindo sua carga semântica: desenvolvimento social, desenvolvimento sustentável, segurança pública etc.), quanto no nível textual, nos modos específicos e regrados de organização do discurso, nas modalidades de argumentação consideradas legítimas e nos formatos redacionais (tal como estudado por Duchêne, 2004) (KRIEG-PLANQUE; OGER, 2010KRIEG-PLANQUE, A.; OGER, C. (2010). "Discours institutionnels : perspectives pour les sciences de la communication", Mots. Les langages du politique, Lyon, ENS Editions, n°94, pp. 91-96., p.92-93). O segundo, constitutivamente ligado ao anterior, deve-se a essa necessidade de produzir o consenso - onde inextricavelmente existem conflitos - em nome de um certo "universalismo" (KRIEG-PLANQUE; OGER, 2010KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial.; DUCHENE, 2004DUCHENE, A. (2004). "Construction institutionnelle des discours : idéologies et pratiques dans une organisation supranationale", TRANEL. Travaux neuchâtelois de linguistique, Université de Neuchâtel, n°40, pp.93-115.) que permita o máximo possível de adesão ao discurso da instituição.

A gênese do sintagma "cultura de paz" se dá, justamente, no imbricamento dos pontos estudados por esses autores: trata-se do resultado de um esforço coletivo na produção de documentos altamente institucionalizados emitidos por uma organização que funciona, essencialmente, como produtora de discursos de autoridade sobre os diversos assuntos que pautam a comunidade internacional.

Segundo a cartilha Cultura de Paz: redes de convivência (DISKIN, 2009DISKIN, Lia (2009). Cultura de paz: redes de convivência. SENAC São Paulo. Versão digital disponível em: http://www1.sp.senac.br/hotsites/gd4/culturadepaz/. Acesso em 24 de junho de 2017.
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), sua primeira aparição acontece em 1989, na Congresso Internacional sobre a Paz na Mente dos Homens, realizado pela UNESCO em Yamoussoukro, na Costa do Marfim, no documento que resultou do encontro: a "Declaração sobre a paz na mente dos homens" (CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE A PAZ NA MENTE DOS HOMENS, 1989). Este, para Diskin (2009, p.19)DISKIN, Lia (2009). Cultura de paz: redes de convivência. SENAC São Paulo. Versão digital disponível em: http://www1.sp.senac.br/hotsites/gd4/culturadepaz/. Acesso em 24 de junho de 2017.
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, é "um dos primeiros documentos internacionais a salientar a mudança conceitual da Paz e as implicações disso na formulação das agendas e prioridades dos governos".

É no "Programa de paz" descrito nele que aparece a sequência "cultura de paz", logo no primeiro tópico:

O Congresso convida os Estados, organizações intergovernamentais e não-governamentais, as comunidades científica, educacional e cultural do mundo e ainda todos os indivíduos a:

- Ajudar na construção de uma nova visão de paz, desenvolvendo uma cultura de paz baseada nos valores universais de respeito à vida, liberdade, justiça, solidariedade, tolerância, direitos humanos e igualdade entre mulheres e homens.

(CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE A PAZ NA MENTE DOS HOMENS, 1989, grifo nosso)

A partir de então, começaram a surgir iniciativas que adotaram o sintagma "Cultura de Paz" como lema de suas atividades. Os marcos internacionais que consideramos como mais importantes são:

  1. sua adoção pelo Programa da Unesco, em 1995. Segundo a publicação Unesco and a Culture of Peace: promoting a global movement (UNESCO, 1995UNESCO (1995). Unesco and a Culture of Peace: promoting a global movement (Unesco Culture of Peace Programme). Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/monograph/page1.html. Acesso em 24 de julho de 2011.
    http://www.culture-of-peace.info/monogra...
    , p.39), que traz o programa de ação de cultura de paz da entidade, os "princípios fundamentais de uma 'cultura de paz'" seriam:

    • não-violência e respeito pelos direitos humanos;

    • diversidade cultural, tolerância e solidariedade;

    • compartilhamento e livre fluxo de informações;

    • participação plena e empoderamento das mulheres.

  2. a proclamação do ano 2000 como "Ano Internacional por uma Cultura de Paz" e da década 2001-2010 como a "Década Internacional para uma Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo" pela Assembleia Geral das Nações Unidas - ONU (Resolução de 20 de novembro de 1997 e Resolução de 10 de novembro de 1998, respectivamente);

  3. o lançamento do "Manifesto 2000", elaborado por ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, tendo como mote a frase "A Paz está em Nossas Mãos".

Para Adams (2005a)ADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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, no entanto, o significado de "cultura de paz" já estaria na combinação do "Programa de Ação" e da "Resolução das Nações Unidas de 1998 sobre a Cultura de Paz" , documentos a partir dos quais propõe as oito premissas citadas mais acima. A gênese do sintagma "cultura de paz" teria se baseado, portanto, em uma oposição a "cultura da guerra e da violência", que, como vimos, se radica nas práticas, nas técnicas e nos espaços. Mas cabe notar que, embora David Adams coloque o desarmamento como ponto da "Cultura de Paz", no Programa de Ação elaborado pela UNESCO (para o qual ele também colaborou) e no Programa da Década da Cultura de Paz, baseado naquele, este tópico é substituído por outro, paz e segurança internacional, sendo o desarmamento deixado como um dos vários subitens.

Esse acontecimento não causa surpresa se pensarmos que todas as ações promovidas em prol da supostamente definida "cultura de paz" e suas prerrogativas seguem o fluxo da mundialização, tal como abordada por Mattelart (2005)MATTELART, A. (2005). Diversidade Cultural e mundialização. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola., que tem permitido, por exemplo, às (auto)eleitas "nações civilizadoras" estender globalmente seu poder e seu entendimento do que sejam essas premissas, fato que pode ser constatado visivelmente, por exemplo,

(...) nas novas práticas de intervenção territorial, que, em nome da liberdade e da democracia, transitarão pelo globo como forças expedicionárias que visam garantir o bom funcionamento local onde supostamente falham a liberdade e a democracia celebradas globalmente. (SALGADO; ANTAS JÚNIOR, 2011SALGADO, L. S.; ANTAS JÚNIOR, R. M. (2011). Criação num mundo sem fronteiras: paratopia no período técnico-científico informacional. In: Acta Scientarum: language and culture. Maringá, v. 33, n. 2, p.259-270, 2011., p.262)

Mas essa questão é interessante por uma conjuntura mais ampla, ou seja, em termos discursivos, por ser parte de uma conjuntura que trata das diversas interpretações reivindicadas em cada ocorrência do sintagma "cultura de paz".

Essas alterações nos documentos expõem, na gênese da fórmula, as disputas ideológicas que se dão na redação dos textos institucionais, na medida em que ela torna obrigatório o apagamento da conflitualidade, intrínseco a toda atividade humana, em nome da unidade do posicionamento institucional. Conforme Krieg-Planque (2012, p.41, tradução nossa), "nas instituições, o discurso não exprime o consenso, ele se esforça para produzi-lo".

Uma das dimensões da materialização desse apaziguamento se dá na criação de um código linguageiro associado a "cultura de paz", como se pôde constatar nas ocorrências diversas que atestam a circulação do sintagma como fórmula discursiva no espaço público e na análise de objetos editoriais que a ele se referem; dentre suas consequências, pode-se elencar a diversidade de práticas decorrentes das interpretações que esse linguajar possibilita e, numa via de mão dupla, os custos políticos decorrentes.

3. FUNCIONAMENTO DO SINTAGMA "CULTURA DE PAZ" COMO FÓRMULA DISCURSIVA

Nos primeiros documentos em que se mobiliza o sintagma "cultura de paz", ele é associado a nomes comuns conceituais como os ditos valores universais de "liberdade", "justiça", "tolerância", "segurança" etc. Podemos considerar que ocorrem ali os textos primeiros (fontes) (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. (2006). Cenas da enunciação. Org. Sírio Possenti e Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva. São Paulo: Parábola Editorial, 2008., p.48-9) a respeito de "cultura de paz", "os discursos que supostamente produzem os conteúdos em sua 'pureza'".

Pouco a pouco, conforme surgem iniciativas que adotam "cultura de paz" como tema de suas atividades, esse sintagma nominal adquire o funcionamento do que Pêcheux estudou em determinado período de sua trajetória acadêmica como um pré-construído (PÊCHEUX, 1988PÊCHEUX, M. (1988). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi et al. Campinas: Ed. da Unicamp.): a expressão entra para o "universo das coisas" e ganha maior evidência no interdiscurso, adquirindo um sentido supostamente estável e compartilhado socialmente, e integrando o enunciado muitas vezes "como se esse elemento já se encontrasse aí"; tratava-se, para esse autor, da

(...) separação fundamental entre o pensamento e o objeto de pensamento, com a pré-existência deste último, marcado pelo que chamamos uma discrepância entre dois domínios de pensamento, de tal modo que o sujeito encontra um desses domínios como o impensado de seu pensamento, impensado este que, necessariamente, pré-existe ao sujeito. (PÊCHEUX, 1988PÊCHEUX, M. (1988). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi et al. Campinas: Ed. da Unicamp., p.102)

Esse "impensado preexistente" está diretamente ligado à memória discursiva, retomada e reconstruída nos diversos enunciados a cada vez que fazem uso do termo em questão. Como Courtine (2009, p.104)COURTINE, J. J (2009). Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos, SP: EdUFSCar. afirma, recuperando Foucault, "toda formulação apresenta em seu 'domínio associado' outras formulações que ela repete, refuta, transforma, denega...", dependendo da formação discursiva em que se encontra. Isso reforça a postulação do "primado do interdiscurso" de Maingueneau (2006, p.31)MAINGUENEAU, D. (2006). Cenas da enunciação. Org. Sírio Possenti e Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva. São Paulo: Parábola Editorial, 2008., segundo o qual existe uma "heterogeneidade constitutiva, que amarra, em uma relação inextricável, o Mesmo do discurso e seu Outro".

Com o aumento da circulação desse pré-construído e o aprofundamento de sua heterogeneidade semântica, verificável na memória discursiva estabelecida pelo interdiscurso e acionada/construída pelos usos que se fazem dele, ele passa a uma categoria que materializa, em seus usos, um grau mais complexo de funcionamento discursivo - a "fórmula discursiva", conforme concebida por Alice Krieg-Planque (2010)KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial.:

um objeto descritível nas categorias da língua e cujo destino - ao mesmo tempo invasivo e continuamente questionado - no interior dos discursos é determinado pelas práticas linguageiras e pelo estado das relações de opinião e de poder em um momento dado no seio do espaço público (KRIEG-PLANQUE, 2011KRIEG-PLANQUE, A. (2011). "Fórmulas" e "lugares discursivos": propostas para a análise do discurso político. In: Motta, Ana Raquel; Salgado, Luciana Salazar. Fórmulas discursivas. São Paulo: Contexto. p.11-40., p.12)

Esse "objeto" é descrito como uma sequência linguística que deve manifestar quatro propriedades interdependentes que podem ocorrer em diferentes graus de intensidade. É importante notar que essas propriedades são condições sine qua non para o funcionamento do sintagma linguístico como fórmula, sobrepondo-se a possíveis características específicas que cada fórmula possa vir a manifestar. São elas:

  1. assumir um caráter cristalizado;

  2. se inscrever em uma dimensão discursiva;

  3. funcionar como um referente social;

  4. comportar um aspecto polêmico.

O caráter cristalizado da fórmula diz respeito a ela se materializar em "uma forma significante relativamente estável" (KRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A.; OGER, C. (2010). "Discours institutionnels : perspectives pour les sciences de la communication", Mots. Les langages du politique, Lyon, ENS Editions, n°94, pp. 91-96., p.61), seja ela um sintagma básico ou um sintagma derivado . Essa sequência cristalizada é necessária para tornar possível tanto a circulação da fórmula quando o seu rastreamento pelo analista - o que não quer dizer que não possa condensar formas menos estáveis, na forma de paráfrases ou variantes dessa sequência mais cristalizada. Segundo a autora (KRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial., p.71),

é a concisão que permite à fórmula circular, no sentido material do termo, é ela que permite à sequência ser integrada a enunciados que a sustentam, a incluem, a retomam, a reforçam, a reiteram ou a recusam.

O caso do sintagma "cultura de paz" (com as variantes "cultura da paz", "cultura para a paz", menos utilizadas à época da coleta de dados), por exemplo, é de uma unidade lexical complexa que se cristalizou desde seu surgimento em 1989, tendo, portanto, uma forma identificável e possível de rastrear.

O lançamento da cartilha Cultura de paz: redes de convivência (DISKIN, 2009DISKIN, Lia (2009). Cultura de paz: redes de convivência. SENAC São Paulo. Versão digital disponível em: http://www1.sp.senac.br/hotsites/gd4/culturadepaz/. Acesso em 24 de junho de 2017.
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) pelo Senac comprova também essa cristalização, pois evidencia uma necessidade de "ensinar" o que significaria essa sequência linguística "cultura de paz" - mas que, devido ao caráter de heterogeneidade semântica da fórmula, acaba por extrapolar a rigidez conceitual típica de uma cartilha (cf. SALGADO; SILVA, 2014SALGADO, L. S.; SILVA, H. M. B. (2014). Gênese discursiva da formula 'cultura de paz'. Acta Scientarum, Maringá, v. 36, n. 2, p. 131-137, Apr./June.).

No entanto, a estabilidade "relativa" da superfície linguística dá margem justamente a possíveis variações que a fórmula possa vir a incorporar nos usos que se fazem dela. No caso de "cultura de paz", localizamos a variante "cultura da paz", que tem sua origem na tradução do inglês "culture of peace" acrescida do artigo definido antes de paz, e "cultura para a paz", que se mostrou como a menos produtiva em termos de quantidade de ocorrências no córpus.

A segunda propriedade da fórmula, a dimensão discursiva, deve-se ao fato de ela ser uma materialidade linguística que "não existe sem os usos que a tornam uma fórmula" (KRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A.; OGER, C. (2010). "Discours institutionnels : perspectives pour les sciences de la communication", Mots. Les langages du politique, Lyon, ENS Editions, n°94, pp. 91-96., p.81). Dessa maneira, nenhum sintagma verbal está destinado a ser formulaico, sendo necessária a análise de sua circulação em um determinado recorte temporal para se verificar se alcança essa condição. Cabe notar que a sequência pode tanto surgir já com o status de fórmula, como é o caso de "cultura de paz", quanto desenvolver esse caráter em meio a sua trajetória, devido a algum uso particular (ou uma série de usos), como ocorre na maioria das vezes (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.82).

A potencialidade do sintagma "cultura de paz" como fórmula discursiva deve-se, em primeiro lugar, ao próprio campo discursivo em que surge, tendo sido cunhado em documentos institucionais com um poder elevado de irradiância, como vimos. Em segundo lugar, ao fato de ser constituído pela aglutinação de dois substantivos que, diferentemente, por exemplo, de "árvore" ou "lápis", não têm referentes diretos no mundo real, de modo que seu significado passa, necessariamente, por construções discursivas. Soma-se a isso o grande número e, ao mesmo tempo, a opacidade dos temas aos quais ele se associa já em sua gênese, fazendo com que ele esteja, necessariamente, sujeito às disputas pelos sentidos atribuídos ao que seriam, por exemplo, a "sustentabilidade", o "desenvolvimento social", o "livre fluxo de informações" para os diversos posicionamentos discursivos. É o que fica evidente quando, ao passar para o Programa de Ação da Unesco, o "desarmamento", que estava entre os oito temas definidos por David Adams (2005a)ADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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, seja substituído por "paz e segurança internacional", o que abre espaço para as diversas reivindicações discursivas do que sejam essa "paz" e essa "segurança" (militarizadas, desarmadas, etc.).

O funcionamento como um referente social, terceira condição para que um sintagma cristalizado seja classificado como fórmula, deve-se, segundo Pierre Fiala e Marianne Ebel (apudKRIEG-PLANQUE, 2011KRIEG-PLANQUE, A. (2011). "Fórmulas" e "lugares discursivos": propostas para a análise do discurso político. In: Motta, Ana Raquel; Salgado, Luciana Salazar. Fórmulas discursivas. São Paulo: Contexto. p.11-40., p.18), ao fato de que

(...) surgem fórmulas na linguagem em relação às quais o conjunto de forças sociais e o conjunto dos locutores são obrigados a tomar posições, a defini-las, a combatê-las ou a aprová-las, mas, em qualquer caso, a fazê-las circular de uma maneira ou de outra.

Em outras palavras, isso acontece quando a sequência se torna presença obrigatória para além dos contextos sociais em que surge, transcendendo o lugar discursivo de origem e podendo, inclusive, "(...) funcionar como índice de reconhecimento que permite 'estigmatizar' - positivamente ou negativamente - seus usuários" (KRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A.; OGER, C. (2010). "Discours institutionnels : perspectives pour les sciences de la communication", Mots. Les langages du politique, Lyon, ENS Editions, n°94, pp. 91-96., p.74). É exatamente o que Bonnafous (apudKRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial., p.25-6) expressa ao dizer que a "palavra" "torna-se um slogan", "uma palavra de ordem".

A instauração e a mobilização de uma fórmula estão diretamente ligadas, então, à definição proposta por Krieg-Planque (2009, p.14)KRIEG-PLANQUE, A. (2009). Por uma análise discursiva da comunicação: a comunicação como antecipação de práticas de retomadas e de transformação dos enunciados. In: Linguasagem: revista eletrônica de divulgação científica. 16ª. edição. São Carlos: DL-UFSCar. Disponível em: HTTP://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao16/index.php. Acesso em 20 de abril de 2018.
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para a comunicação no âmbito dos discursos institucionais de que já lançamos mão, que tem como foco o "conjunto de saberes e habilidades relativos à antecipação das práticas de retomada, de transformação e de reformulação dos enunciados e de seus conteúdos". Assim como no caso de pequenas frases e slogans, para que a transformação do sintagma em um referente social possa ocorrer, a fórmula deve ser constituída por uma estrutura linguística pregnante, que favoreça sua circulação e a constituição de uma memória discursiva. Não é casual que boa parte das potenciais fórmulas sejam constituídas por sintagmas complexos, cadenciados e, como notamos, geralmente compostos por um determinante e um determinado, que potencializam a possibilidade da instauração de uma polêmica discursiva pela interpretação da "qualidade" atribuída ao núcleo da sequência (como, por exemplo, o que seja "desenvolvimento sustentável", ou "cultura de paz").

Um indício forte desse acontecimento e do funcionamento como um referente social no caso da fórmula em questão é sua extensa adoção por Universidades, Associações e ONGs, além de sua presença em regras de concursos e em instâncias legislativas, muitas vezes devido ao reconhecimento e à visibilidade que seu uso confere às instituições - já que atitudes que se encaixariam perfeitamente dentro das concepções da "cultura de paz" tal como delineadas por Adams (2005a)ADAMS, D. (2005) Definition of Culture of Peace, in Global Movement for a Culture of Peace. Disponível em: http://www.culture-of-peace.info/copoj/definition.html. Acesso em 28 de julho de 2017.
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e citadas anteriormente, muitas vezes não são vistas e reconhecidas como tal, se não utilizarem explicitamente essa denominação.

O fato de a fórmula se tornar "passagem obrigatória" nos discursos se materializa também no âmbito legislativo com a mobilização de "cultura de paz" em projetos de lei, requerimentos e sugestões, refletindo a importância e ao mesmo tempo a diversidade que ela assume no espaço público, passando pelas áreas da educação, da religião e do "bem-estar", como podemos ver em ementas diversas:

PL 1477/2011 - trata da "disseminação da 'cultura de paz' no ambiente escolar", por meio de adição de um parágrafo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (PL 1477/2011) [...]

SUG 119/2008 CLP - "Sugere a realização de uma Semana por ocasião do centenário da Umbanda no Brasil. Constam da programação a realização de Sessão Solene 'Homenagem à Matriz Religiosa Brasileira; de um Seminário 'Matriz Religiosa Brasileira: Espiritualidade, Diversidade e Cultura de Paz'; e de uma exposição 'Centenário da Matriz Religiosa Brasileira: Por Dentro do seu Imaginário'."

Pl 4228/2004 - "Dispõe sobre as diretrizes gerais da política pública para promoção da cultura de paz e dá outras providências. NOVA EMENTA: Dispõe sobre as diretrizes gerais da política pública para promoção da cultura de paz e dá outras providências - Estatuto da Paz."

(BRASIL, 2013BRASIL (2013). Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Projeto de lei e outras proposições. Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/sileg/. Acesso em 17 de abril de 2016. Resultados de pesquisa realizada com a entrada "cultura de paz".
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, destaques nossos)

Assim como no caso do estudo do "desenvolvimento sustentável" por Krieg-Planque (2010)KRIEG-PLANQUE, A. (2010). A noção de "fórmula" em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. Luciana Salazar Salgado, Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial., aqui fica evidente a debilidade jurídica de "cultura de paz" enquanto noção aplicada em leis e, por outro lado, sua importância política enquanto legitimadora de práticas.

Outro índice do funcionamento de "cultura de paz" como índice de reconhecimento social é o fato de instituições a utilizarem como slogan, como a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação da Prefeitura de São Paulo, que estabeleceu "cultura de paz" como "política pública deste governo", ação divulgada por meio do mote "Cultura de Paz: passe esta bola para frente!" . Na mesma forma de funcionamento, pudemos atestar a fórmula em faixa afixada no Estádio do Pacaembu no dia 7 de junho de 2011, durante o jogo de despedida do jogador Ronaldinho, acompanhada, em faixa idêntica ao lado, pelo brasão da Prefeitura de São Paulo e pelo dizer: "Segurança que a gente vê":

Figura 4
Slogan da Prefeitura de São Paulo em jogo de despedida do Ronaldinho, 7 de junho de 2011.

Aqui temos um exemplo claro do extrapolamento da fórmula para além da conjuntura de sua gênese. De convenções e acordos entre os países, a fórmula passa a circular no espaço público como algo "positivo" a que se quer atrelar o nome da instituição. Nesse caso específico, o entendimento que se evidencia no uso de "cultura de paz" está ligado diretamente às questões de violência entre as torcidas nos estádios e ao policiamento intensivo, abonado pelo Estado, que garantiria a "segurança" em grandes jogos.

No rol de enunciados que colocam "cultura de paz" como algo a ser realizado, promovido, disseminado, encontramos a seguinte postagem na página de Facebook de uma associação de surfistas que "busca empoderar os surfistas para a atuação em causas públicas, proteção das praias, ondas, rios e oceanos":

Figura 5
Página de Facebook da Ong Ecosurfi: "entre nessa onda: surf pela cultura de paz".

Nesse cartum se condensam as condições de produção da fórmula, materializadas na imagem do tanque de guerra, seu espraiamento semântico, que perpassa a prática de esporte (o "surf"), a ideia de que mudanças desejadas só acontecem por meio da ação dos indivíduos, correntemente atrelada a "cultura de paz" (ilustrada nas pessoas que se "manifestam") e os símbolos que historicamente foram associados a "paz" (as pombas brancas, que guiam a "crista da onda", e o símbolo adotado pelo movimento hippie na década de 1960).

Por fim, como uma indicação bastante contundente de sua condição de referente social, "cultura de paz" aparece efetivamente como "remédio" para os males da (falta de) segurança e da relação entre as pessoas, remetendo-nos a Krieg-Planque (2010, p.26) nos termos que utilizamos como epígrafe da "apresentação do problema":

Impulsionada por um evento, uma palavra se impõe. E se impõe a todos como um remédio [...]. Ela simboliza uma solução. Mas, paralelamente a essa retomada massiva na superfície dos enunciados, a palavra vê seu sentido se dispersar. (KRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A.; OGER, C. (2010). "Discours institutionnels : perspectives pour les sciences de la communication", Mots. Les langages du politique, Lyon, ENS Editions, n°94, pp. 91-96., p.26)

Figura 6
"Cultura da paz é o remédio", notícia sobre a influência da amizade entre vizinhos na segurança pública (Gazeta do Povo).

A possibilidade de outra realidade é projetada nas crianças vestidas de "flores" multicoloridas, que dialoga com a ação de "cultivar a paz", que também constatamos em outras ocorrências (BOSCHI, 2014BOSCHI, H. (2014). A constituição da fórmula discursiva "cultura de paz": circulação e produção dos sentidos. Dissertação (Mestrado em Linguística). Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Tudo isso nos leva ao caráter polêmico da fórmula, que está intimamente ligado à propriedade anterior (e também às demais) pelo fato de a expressão constituir "um suposto denominador comum", mas comportar diversos sentidos, reivindicados por institucionalidades distintas. É a "generalização do termo" acompanhada de "uma semantização bastante heterogênea", nas palavras de Bonnafous (apudKRIEG-PLANQUE, 2010KRIEG-PLANQUE, A.; OGER, C. (2010). "Discours institutionnels : perspectives pour les sciences de la communication", Mots. Les langages du politique, Lyon, ENS Editions, n°94, pp. 91-96., p.25).

A leitura de nosso córpus nos levou a perceber que a relação estabelecida entre os diferentes usos de "cultura de paz" é, em sua grande maioria, de aliança e polissemia, e não de disputa direta e polêmica. As diversas interpretações de "cultura de paz" mostraram uma regularidade em torno do sema central da "convivência", que se materializa nos diferentes campos discursivos de formas variadas: convivência entre as pessoas (programas locais de desenvolvimento social / "segurança" / "direitos humanos" / "perdão"), convivência com a natureza ("sustentabilidade", direitos animais), convivência entre as religiões ("tolerância religiosa"), convivência entre os países ("segurança internacional"). A imagem das mãos unidas, recorrentemente convocada nos lugares em que a fórmula aparece, materializa também esse sema, metonimizando a união das pessoas por meio da relação de contiguidade estabelecida entre essa parte do corpo humano e o conjunto de pessoas que se propõem a "promover cultura de paz".

A relação de polêmica não se estabelece, portanto, de forma expressiva entre as mobilizações do sintagma, mas nas condições de produção dos discursos "de paz", que se põem como necessários frente às práticas cotidianas "de guerra e de violência".

Mostraremos um recorte dos dados coletados, com ênfase na questão da "segurança" e da violência, que, como vimos, está presente desde a gênese do sintagma "cultura de paz". Esse entrecruzamento discursivo se manifesta em diversas ocorrências da fórmula:

Figura 7
Eixo "Equidade, Justiça Social e Cultura de Paz" do Programa Cidades Sustentáveis1 1 Segundo o site, “O Programa Cidades Sustentáveis oferece aos gestores públicos uma agenda completa de sustentabilidade urbana, um conjunto de indicadores associados a esta agenda e um banco de práticas com casos exemplares nacionais e internacionais como referências a serem perseguidas pelos municípios. O objetivo é sensibilizar e mobilizar as cidades brasileiras para que se desenvolvam de forma econômica, social e ambientalmente sustentável.” Disponível em: http://www.cidadessustentaveis.org.br/institucional/apresentacao. Último acesso em 25 de maio de 2017. .

Figura 8
Matéria sobre o programa federal "Brasil diz não à violência - Plano Nacional de Segurança Pública", realizado entre os anos 2000 a 2003 (ESP)2 2 Teixeira, Ariosto. Plano do governo lançará ofensiva ao tráfico. O Estado de S. Paulo, 1 de junho de 2000. Política, Segurança, A5 (destaque em vermelho feito pela autora). .

No primeiro caso, vemos, pelo título, que "cultura de paz" se dissocia dos pilares de sua definição inicial, sendo colocado também como um "valor", tal como "equidade" e "justiça social", a ser seguido nos eixos do Programa Cidades Sustentáveis (não os englobando, portanto). Enquanto "equidade" e "justiça social" se manifestam nas ações de outros tópicos, "cultura de paz" é vinculada à "segurança da comunidade".

No segundo caso, "cultura de paz" é citada pela matéria de O Estado de S.Paulo como parte dos capítulos 3 e 4 do programa "Brasil diz não à violência":

Paz - Os capítulos n.o 3 e 4 do programa "Brasil Diz Não à Violência" definem mais três compromissos com adoção de medidas para "apoiar uma cultura de paz e de respeito aos direitos humanos" e com a criação de uma comissão técnica, na esfera federal, de execução e acompanhamento do plano nacional de segurança. [...] (transcrição do trecho destacado na Figura 8)

O Plano Nacional de Segurança Pública em questão propõe, dentre outras medidas, "a capacitação, o aperfeiçoamento e o reaparelhamento das polícias federal e estaduais", "a melhoria do sistema penitenciário e a criação de 46.219 novas vagas no sistema prisional com a construção de penitenciárias (...)" e a "criação de um sistema de inteligência denominado Sistema de Informações de Conflitos Agrários (SICA)".

Ambos os casos são materializações das condições de produção da fórmula, que se liga às questões de "violência" e, consequentemente, de "segurança".

O questionamento do sintagma é levado ao extremo no cartum "Por uma cultura de paz" de Latuff, que ressignifica a fórmula ao associá-la escancaradamente à legitimação da violência policial3 3 “A ideologia da segurança nacional, enquanto última lógica punitiva do neoliberalismo, abre os caminhos para a ideologia da segurança cidadã, primeira etapa do poder no mundo globalizado. A remilitarização da segurança pública é tão somente um efeito imediato do novo modelo de controle social, entendendo-se como agências policiais militarizadas não somente a Polícia Militar, bem como as Polícias Civis (estaduais e federal), por tratar-se da militarização de um modelo e não somente de uma farda. Como resultado desse processo em marcha, temos o uso rotineiro da violência letal pelas polícias, transformando em técnica de governabilidade a eliminação de inimigos” (SERRA; ZACCONE, 2012, p.29-30). contra a população majoritariamente negra (representada pelo "Jesus" que não ostenta os traços europeus tradicionais) nas periferias das cidades, uma das materializações dos "discursos de guerra e de violência" nas práticas cotidianas.

Figura 9
charge "Por uma cultura de paz", de Carlos Latuff, agosto de 20134 4 Disponível em: http://www.viomundo.com.br/denuncias/rejeitada-por-15-a-6-representacaocontra- juiz-que-pendurou-quadro-que-retrata-violencia-do-estado.html. Último acesso em 6 de maio de 2017. .

Essa ilustração causou polêmica em 2013 por ter sido pendurada no gabinete de um juiz, atitude que foi objeto de representação judicial por parte de policiais militares com o incentivo do deputado estadual Flávio Bolsonaro (Partido Progressista), conhecido pelo posicionamento conservador em relação a temas variados debatidos no espaço público brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CULTURA DE PAZ, CONSENSO E FÁBULA

O interesse em estudar o funcionamento de "cultura de paz" como fórmula, para além de uma resposta final afirmativa ou negativa sobre sua adequação nessa categoria discursiva, residiu no fato de essa hipótese ter obrigado a um método: a observação de seu funcionamento no espaço público, do jogo de implicações dos posicionamentos que convoca e das identidades discursivas que, em meio às flutuações - ou deveríamos dizer, por causa delas -, colabora para construir.

Como vimos, a imprescindibilidade de um "discurso único" (SANTOS, 2000SANTOS, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro, Record, 2012.) de instauração de paz planetária só pode ter eco em um mundo em que o "discurso da guerra" se presentifica massivamente nos objetos, nos espaços e nas práticas cotidianas. São testemunhas do medo generalizado da violência, por exemplo, as formas variadas de militarização do espaço público, que atestam a busca cada vez maior por "segurança", tema que se mostrou recorrente nos enunciados de "cultura de paz".

Segundo Santos (1994, p.23)SANTOS, M. (1994). Técnica, Espaço, Tempo - globalização e meio técnico-científico informacional. 5ª ed. Edusp: São Paulo.,

o que, em nosso tempo, seja talvez o traço mais dramático é o papel que passaram a obter, na vida quotidiana, o medo e a fantasia. Sempre houve épocas de medo. Mas esta é uma época de medo permanente e generalizado. A fantasia sempre povoou o espírito dos homens. Mas agora, industrializada, ela invade todos os momentos e todos os recantos da existência ao serviço do mercado e do poder e constitui, juntamente com o medo, um dado essencial de nosso modelo de vida. (SANTOS, 1994SANTOS, M. (1994). Técnica, Espaço, Tempo - globalização e meio técnico-científico informacional. 5ª ed. Edusp: São Paulo., p.23).

É nessa conjuntura que as instituições atuam com um papel importante no apaziguamento social. A análise dos enunciados primeiros de "cultura de paz" nos documentos da ONU e da UNESCO mostraram como o efeito de consenso produzido por esse tipo de discurso é, consequentemente, projetado na fórmula, instaurando uma ideia utópica de paz mundial porque apagadora dos conflitos políticos, sociais e econômicos existentes nas relações entre os países.

Mas se o apagamento da conflitualidade constitutivo do "falar neutro" institucional permite, por um lado, seu estabelecimento como referente social no espaço público, cabe notar que essa prática discursiva não se estabelece sem reflexos na organização da sociedade, uma vez que " [...] o consenso apaziguado tem um custo social e político inerente: esforços coletivos permanentes para administração do dissenso, o que implica reconhecer a heterogeneidade de posicionamentos que configura toda atividade humana" (SALGADO, 2011SALGADO, L. S.; ANTAS JÚNIOR, R. M. (2011). Criação num mundo sem fronteiras: paratopia no período técnico-científico informacional. In: Acta Scientarum: language and culture. Maringá, v. 33, n. 2, p.259-270, 2011., p.155).

De fato, o largo espaço de deriva semântica que constatamos nos usos da fórmula, nutrido pelos temas altamente opacos a que foi associada em sua gênese, mostra a heterogeneidade irredutível de movimentos que se pretendem amplos e democráticos5 5 O exemplo cabal da complexidade de tudo que se pretende “hegemônico” é o acontecimento que ficou conhecido como “manifestações de junho” em 2013: tendo, inicialmente, como objetivo a redução das passagens de ônibus em São Paulo, os protestos espalharam-se pelo país e tornaram-se lugar de reivindicações não só as mais diversas como, muitas vezes, opostas, culminando inclusive em atos de violência contra movimentos históricos de militância nas ruas. . Assim é que "cultura de paz" passa a funcionar como argumento legitimador de práticas diversas, que podem ir desde o campo da educação, por exemplo, nas propostas de "educação para a paz", como a inserção da disciplina "cultura de paz" nos ensinos fundamental e médio, as atividades práticas de "tolerância" e "convivência" ou a substituição do recreio pela prática de meditação nas escolas, até o campo da "segurança pública", em seus mais distintos desdobramentos.

Registramos enfim que, pensando no mundo globalizado enquanto fábula, cuja "máquina ideológica [...] é feita de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema" (SANTOS, 2000SANTOS, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro, Record, 2012., p.18), faz sentido que a maior parte dos discursos de "cultura de paz" tenha nas relações de aliança o principal mecanismo discursivo, de forma que, ao preconizar um "encantamento do mundo", permanecem na superfície de problemas que na verdade se constituem nas bases do sistema socioeconômico vigente na maior parte do mundo.

  • 1
    Segundo o site, “O Programa Cidades Sustentáveis oferece aos gestores públicos uma agenda completa de sustentabilidade urbana, um conjunto de indicadores associados a esta agenda e um banco de práticas com casos exemplares nacionais e internacionais como referências a serem perseguidas pelos municípios. O objetivo é sensibilizar e mobilizar as cidades brasileiras para que se desenvolvam de forma econômica, social e ambientalmente sustentável.” Disponível em: http://www.cidadessustentaveis.org.br/institucional/apresentacao. Último acesso em 25 de maio de 2017.
  • 2
    Teixeira, Ariosto. Plano do governo lançará ofensiva ao tráfico. O Estado de S. Paulo, 1 de junho de 2000. Política, Segurança, A5 (destaque em vermelho feito pela autora).
  • 3
    “A ideologia da segurança nacional, enquanto última lógica punitiva do neoliberalismo, abre os caminhos para a ideologia da segurança cidadã, primeira etapa do poder no mundo globalizado. A remilitarização da segurança pública é tão somente um efeito imediato do novo modelo de controle social, entendendo-se como agências policiais militarizadas não somente a Polícia Militar, bem como as Polícias Civis (estaduais e federal), por tratar-se da militarização de um modelo e não somente de uma farda. Como resultado desse processo em marcha, temos o uso rotineiro da violência letal pelas polícias, transformando em técnica de governabilidade a eliminação de inimigos” (SERRA; ZACCONE, 2012SERRA, C. A.; ZACCONE, O. (2012). Guerra é paz: os paradoxos da política de segurança de confronto humanitário. In: BATISTA, Vera Malaguti (org.). Paz armada. Rio de Janeiro: Revan / ICC. p.23-46. (Cadernos de criminologia, 1), p.29-30).
  • 4
  • 5
    O exemplo cabal da complexidade de tudo que se pretende “hegemônico” é o acontecimento que ficou conhecido como “manifestações de junho” em 2013: tendo, inicialmente, como objetivo a redução das passagens de ônibus em São Paulo, os protestos espalharam-se pelo país e tornaram-se lugar de reivindicações não só as mais diversas como, muitas vezes, opostas, culminando inclusive em atos de violência contra movimentos históricos de militância nas ruas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2018
  • Aceito
    06 Jun 2018
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