Acessibilidade / Reportar erro

O PÓS-HUMANO É AGORA: UMA APRESENTAÇÃO

THE POST-HUMAN IS RIGHT NOW: AN INTRODUCTION

A chamada que trouxe a este dossiê os doze trabalhos aqui reunidos - vindos do Brasil, de Portugal, da Austrália e da Índia e oriundos não só dos estudos literários e da linguagem, mas também das áreas de comunicação social, educação, ciência política e antropologia - partia da constatação de que vivemos um ponto de inflexão nas ciências humanas e sociais: a falência da crença na excepcionalidade da espécie humana, que acarreta a fé do humanismo liberal na racionalidade e autodeterminação humanas como fundamento ético, estético e político da relação do homo sapiens com os seus outros “naturais” e “artificiais”.

A face mais evidente da relação entre pós-humanismo e Linguística Aplicada talvez seja, justamente, a ameaça à ideia de que a língua(gem) seja o fiel da balança do autojuízo que fazemos acerca do que somos, tema abordado nesta coletânea. Mas também interessa ao linguista aplicado interpretar, a seu modo, os sinais crescentes de esgotamento de todas as dicotomias sobre as quais fundamentamos, e pelas quais justificamos, a arrogância que nos tornou reféns de nossa própria insensatez, “cientificamente comprovada” pela nossa inscrição na historicidade do planeta, decretada como Antropoceno, e constantemente renovada pelo negacionismo de nossas faltas com uma natureza que nos cobra, materialmente, um compromisso ético que não somos capazes de estabelecer e talvez já não adiante intentar (LATOUR, 2015LATOUR, B. (2015). Waiting for Gaia. Composing the common world through arts and politics. In: YANEVA, A.; ZAERA-POLO, A. (Eds.). What is Cosmopolitical Design? Farmham: Ashgate, p. 21-33.). Tudo isso pretendemos abarcar com o conceito de “pós-humano”, sem que saibamos, assim como no caso dos outros “pós-” (moderno, social, colonial etc.), o que está por vir exatamente, se é que o que há agora já é, de fato, o pós do que aí estava e ainda não havíamos admitido.

De um lado, uma biopolítica (FOUCAULT, 1978FOUCAULT, M. (1978) A governamentalidade. In: FOUCAULT, M. (Ed.). Microfísica do poder. Rio de Janeiro (RJ): Graal, p. 277-293.) que se ocupa não mais apenas da normalização, do controle, do ajustamento e da gestão da sexualidade, saúde, higiene, natalidade e alimentação, mas também dos potenciais biológicos, afetivos e comportamentais humanos registrados em textos que não podemos ler a olho nu, tais como sequências genômicas extraídas por amadores que se pretendem coautores de sua própria biologia, ou árvores probabilísticas que permitem às máquinas aprender a fazer, tão bem como nós, coisas que nós mesmos não conseguimos descrever com palavras e, por isso, não nos podem ser ensinadas de volta pela máquina (PONTIN, 2018PONTIN, J. (2018). AI Won’t Be Quite the Revolution You Expect. Wired, 2 fev. 2018. Disponível em: <https://www.wired.com/story/greedy-brittle-opaque-and-shallow-the-downsides-to-deep-learning/> Acesso em: 01 ago. 2019
https://www.wired.com/story/greedy-britt...
). Isso para não mencionar as formas de punição e de morte que se implementam por agências metafísicas a distância - drones operados por IAs (BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, R. (2013). The posthuman. Cambridge, UK; Malden, MA, USA: Polity Press.), por exemplo - e o hackeamento dos sistemas neurofisiológicos humanos por algoritmos que nos operam como parte de sistemas cibernéticos que nós julgamos estar operando (MACHADO, 2018MACHADO, D. F. (2018). Mediações algorítmicas: o poder de modulação dos algoritmos do Facebook. Parágrafo, v. 6, n. 1, p. 43-55.).

A ascensão dos bots e das IAs1 1 Respectivamente, robôs virtuais e inteligências artificiais computacionais. que agem como cabos eleitorais ou poderes públicos (SILVEIRA, 2017SILVEIRA, S. A. (2017). Governo dos Algoritmos. Revista de Políticas Públicas, v. 21, n. 1, p. 267-285.), autores de patentes (CELLAN-JONES, 2019CELLAN-JONES, L. K. R. (2019) . AI system “should be recognised as inventor”. BBC News. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/technology-49191645> Acesso en: 01 ago. 2019
https://www.bbc.com/news/technology-4919...
) e jornalistas (MARTIN, 2019MARTIN, N. (2019). Did A Robot Write This? How AI Is Impacting Journalism. Forbes On-line, 8 fev. 2019. Disponível em <https://www.forbes.com/sites/nicolemartin1/2019/02/08/did-a-robot-write-this-how-ai-is-impacting-journalism/#cd5f0eb77957> Acesso en: 01 ago. 2019
https://www.forbes.com/sites/nicolemarti...
) à condição de nossos parceiros pós-sociais (KNORR-CETINA, 2001KNORR-CETINA, K. (2001).Post-social Relations: Theorizing Sociality in a Post-social Environment. In: Handbook of Social Theory. London: Sage Publications, p. 521-535.) vem na esteira da quantificação e “dadificação” de todas as dimensões das práticas sociais e da subjetividade humana (DIJCK, 2014DIJCK, J. VAN. (2014).Datafication, dataism and dataveillance: Big data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society, v. 12, n. 2, p. 197-208.), enquanto as proezas da engenharia biológica, da geoengenharia e da bionanotecnologia agem nos alimentos que ingerimos, no clima que nos espanta e nos fármacos que se tornam mais bem compreendidos por nossas células do que o são, para nós, os nossos médicos. Tudo isso alimenta nossas eternas aspirações (repulsões) à eugenia, à imortalidade, à escravização de tudo o que é não humano (além do que o é, muitas vezes) e ao desvendamento da natureza como um estoque à nossa disposição (HEIDEGGER, 1977HEIDEGGER, M. (1977) The question concerning technology, and other essays. New York: Garland Pub.) - incluída aí a assim chamada «natureza humana».

Essas ambições, antes facilmente deslocadas do embate político acerca da «realidade dos fatos» para os campos da ficção artística e da metafísica, agora se pretendem realizáveis materialmente em curto prazo, pela via de um tecnodeterminismo corporativo, que mescla ideais contraculturais, trabalho imaterial (AMORIM, 2014AMORIM, H. (2014). O trabalho imaterial em discussão: teoria e política. Caderno CRH, v. 27, n. 70, p. 9-12.), governo por algoritmos e neoliberalismo econômico - reunidos no conceito de «ideologia californiana» (BARBROOK; CAMERON, 1996BARBROOK, R.; CAMERON, A. (1996). The Californian ideology. Science as Culture, v. 6, n. 1, p. 44-72.). Embora insuficientemente regulamentado (SILVEIRA, 2017SILVEIRA, S. A. (2017). Governo dos Algoritmos. Revista de Políticas Públicas, v. 21, n. 1, p. 267-285.) e muito pouco compreendido pelo cidadão comum, o processo pelo qual o humano vai paulatinamente se convertendo em mescla de presença material e padrão informacional (HAYLES, 1999HAYLES, K. (1999) How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago, Ill: University of Chicago Press.) está totalmente imiscuído nas agências, sentidos e afetos humanos e, portanto, torna-se constitutivo das dinâmicas materiais-discursivas que configuram o ambiente cognitivo, sociológico, estético e ético com que as ciências humanas - há tempos sob forte ataque (STOVER, 2018STOVER, J. (2018) There Is No Case for the Humanities. The Chronicle of Higher Education. 04 mar. 2018. Disponível em <https://www.chronicle.com/article/There-Is-No-Case-for-the/242724>. Acesso em 04 jan. 2019
https://www.chronicle.com/article/There-...
) - precisam se engajar não só criticamente, mas também como forma de renovação (BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, R. (2013). The posthuman. Cambridge, UK; Malden, MA, USA: Polity Press.).

Não apenas o pós-humanismo já existia como campo filosófico, antes de a relação entre humano e tecnologia se tornar uma questão de grande envergadura nas ciências humanas e sociais, como não é sequer necessário atribuir protagonismo a esse eixo da des-re-construção do humano no processo de revisão das insuficiências do humanismo iluminista e liberal para o estudo do padecimento humano no século XXI. Em verdade, o pós-humanismo também é feito de uma série de outras correntes, classificáveis como anti-humanistas, na medida em que questionam o universalismo, o racionalismo, a soberania do sujeito humano sobre seus outros não-humanos, correntes que se nutrem do universo conceitual de Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Michel Foucault e Jean-François Lyotard, entre outros nomes, alguns dos quais citados pelos autores aqui reunidos.

Em especial, no caso de uma relação da LA com o pós-humanismo, o pensamento pós-colonial e decolonial é tão ou mais influente do que o são os estudos sobre ecologia humana, a filosofia da tecnologia e a sociologia da tecnociência, como também atestam as discussões presentes em alguns dos artigos deste dossiê. Isso porque a desconstrução do humanismo iluminista-liberal, mesmo que disparada pela urgência da dissolução do binário humano-tecnologia, favorece a valorização dos saberes subalternos e do pensamento liminar, assim como o combate ao ocidentalismo e às ontologias e epistemologias dos modernos, fundadas no iluminismo, e assim por diante.

A literatura pós-humanista em geral, assim como este modesto dossiê, mostram que talvez seja mais correto considerar pós-humanismo um “verbo”, parafraseando a formulação de Street (1991)STREET, B. V. et al. (1993). Culture is a verb: anthropological aspects of language and cultural process. In: Language and culture : papers from the annual meeting of the British Association of Applied Linguistics...1991. Clevendo: British Association for Applied Linguistics. sobre a cultura. Isso porque o pós-humanismo não funciona como área ou disciplina, mas como uma frente heterogênea, por vezes contraditória, de debate filosófico, prática cultural, inovação tecnocientífica e militância política. Nele se enredam argumentos, objetos, teorias, métodos e, principalmente, indagações e provocações que emergem da ruptura de binários constitutivos do humanismo, como: sujeito vs. objeto, cultura vs. natureza, humano vs. não-humano (máquina, animal, objeto) ou mente vs. corpo etc. Entre esses, destaca-se a separação ontológica radical matéria vs. discurso/linguagem, já teorizada por Latour (1999)LATOUR, B. (1999). Pandora’s hope : essays on the reality of science studies. Cambridge, Mass.: Harvard University Press., entre outros teóricos dos assim chamados “novos materialismos” e, em especial, nos textos aqui agregados, o de Karen Barad (2006)BARAD, K. (2006). Meeting the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entanglement of Matter and Meaning. Raleigh: Duke University Press..

Por mais que essa multiplicidade de focos, caminhos e posições seja desafiadora, o fato de que o pós-humanismo é menos uma teoria do que uma revisão da relação entre teoria e prática em todos os cantos das ciências humanas torna indispensável que um campo de pesquisa como a Linguística Aplicada aí se embrenhe para se repensar. A LA é convocada a isso, em especial porque, ao tomar como sua missão “criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central” (MOITA LOPES, 2009MOITA LOPES, L. P. M. (2009). Da aplicação da linguística à Linguística Aplicada indisciplinar. In: PEREIRA, R. C.; ROCCA. P. (Org.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto., p. 19) e, como sua vocação, construir seus próprios objetos a partir de percursos inter e transdisciplinares de investigação (SIGNORINI, 2008SIGNORINI, I.(2008). A questão da língua legítima na sociedade democrática: umdesafio para a Linguística Aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P.(Org.). Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, p. 169-190), tudo o que abrange a relação do humano com seus outros-constitutivos no seio de práticas materiais, sociais e discursivas, a ela importa.

Embora alguns linguistas aplicados brasileiros já viessem se interessando pelo pós-humanismo nos últimos anos (BUZATO, 2014BUZATO, M. E. K. (2014). Por um enfoque pós-social fundamentado na Teoria Ator-Rede para os novos letramentos e para a inclusão digital. Linguagem & Ensino, v. 17, n. 1, p. 25-60., 2016bBUZATO, M. E. K. (2016b). Cidadania pós-social e encontros pós-humanos: integrando sentido, informação e emoção. In: BUZATO, M. E. K. (Ed.). Cultura Digital e Linguística Aplicada: travessias en linguagem, tecnologia e sociedade. Campinas, SP: Pontes Editores. p.173-204., 2017BUZATO, M. E. K. (2017). Towards a theoretical mashup for studying posthuman/postsocial ethics. Journal of Information, Communication and Ethics in Society, v. 15, n. 1, p. 74-89., 2018BUZATO, M. E. K. (2018). Ética e linguagem nos encontros pós-humanos. Anais do I Congresso Internacional em Humanidades Digitais. Anais... In: I CONGRESSO INTERNACIONAL EM HUMANIDADES DIGITAIS. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 11 abr. 2018. Disponível em: <https://eventos.fgv.br/hdrio2018/anais-do-evento> Acesso en: 01 fev. 2019
https://eventos.fgv.br/hdrio2018/anais-d...
, 2018BUZATO, M. E. K. (2018). Ética e linguagem nos encontros pós-humanos. Anais do I Congresso Internacional em Humanidades Digitais. Anais... In: I CONGRESSO INTERNACIONAL EM HUMANIDADES DIGITAIS. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 11 abr. 2018. Disponível em: <https://eventos.fgv.br/hdrio2018/anais-do-evento> Acesso en: 01 fev. 2019
https://eventos.fgv.br/hdrio2018/anais-d...
; RIBAS, 2018RIBAS, M. M. G. (2018). Em busca de uma concepção pós-humanista de gênero: relações com espaço e agência compartilhada. In: LIMA-LOPES, R. E. DE; BUZATO, M. E. K. (Eds.). Gênero Reloading. Campinas, SP: Potes Editores, p. 43-65.), foi, sem dúvida, a partir do investimento recente do renomado linguista aplicado Alastair Pennycook (PENNYCOOK, 2016PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics, p. 445-461., 2018PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.), da Universidade de Tecnologia de Sidney, no delineamento de sua proposta de “Linguística Aplicada pós-humanista», que esse debate ganhou força por aqui. O trabalho de Pennycook, apesar de constituir mais um convite à reflexão do que, de fato, uma proposta acabada de ação, tem sido útil, sobretudo, no sentido de fixar alguns marcos de reflexão e desfazer alguns «preconceitos» que uma LA calcada firmemente em princípios humanistas, como o próprio Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. a descreve, precisaria descartar.

Uma LA pós-humanista, para Pennycook (2018, p. 8, minha tradução)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., deve, essencialmente, questionar o que chama de «mito linguístico da história humana», do qual não só se derivaria o excepcionalismo humano, como a noção de um humano universal calcado na figura do Homem Vitruviano de Da Vinci, ou, mais concretamente, no europeu, branco, heterossexual, falante de uma língua ocidental de prestígio. Ademais, seria consequência do mesmo mito o uso das diferentes modalidades das línguas como denominador comum de estágios de evolução e civilização entre as populações. Mais do que isso, Pennycook critica certa parte da LA que delimita seu objeto àquela parcela da produção de sentido vinculada ao verbal, o que, forçosamente, exclui não apenas a riqueza da comunicação humana como um todo, mas também a possibilidade de admitirmos que os não-humanos (animais) também têm linguagem, ou seja, que não há entre nós e eles uma dicotomia, mas graus de complexidade e alcance no uso situado da linguagem em seus próprios mundos vividos.

O fio do pós-humanismo que mais interessa a Pennycook, como se vê, não é o da relação entre humano e tecnologia. Como não podia deixar de ser, são as questões do colonialismo, do racismo, da subalternidade entre as línguas e assim por diante, mas também as concepções de linguagem, contexto, cognição e mesmo de realidade do humanismo clássico que já lhe interessavam e que conectam, na sua visão, pós-humanismo e LA.

É importante registrar que, no que tange ao apelo por visões de linguagem que abarquem modos semióticos outros que não apenas o verbal e o desapego ao universalismo linguístico, além do combate às dicotomias entre oralidade e escrita, a Linguística Aplicada brasileira não precisou esperar pelo apelo do pós-humanismo para abraçar o modelo sociocultural do letramento e a multimodalidade nos estudos da linguagem, assim como não se absteve de assumir-se um campo inter e transdisciplinar (SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998SIGNORINI, I.(2008). A questão da língua legítima na sociedade democrática: umdesafio para a Linguística Aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P.(Org.). Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, p. 169-190) , ou, mais ousadamente, indisciplinar (MOITA LOPES, 1998MOITA LOPES, L. P. (1998) A transdisciplinaridade é possível em Linguística Aplicada? In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. DO C. (Eds.). Linguística aplicada e transdisciplinaridade: questões e perspectivas. Campinas: Mercado de Letras, p. 113-128.), que, ademais, busca estabelecer uma relação mais simétrica entre pesquisador e pesquisado, tomando posição política e ideológica sobre os problemas que estuda. Da mesma forma, embora com menor expressão e repercussão, a partir, sobretudo, do estudo dos assim chamados letramentos digitais, a LA brasileira já vem, há muito, buscando formas de romper as dicotomias entre matéria e linguagem e entre tecnologia e sociedade, por exemplo, pela via do materialismo relacional ou semiótica material de Bruno Latour (LATOUR, 2005; BUZATO, 2012).

A faceta do pós-humanismo que pode ser acessada pelo estudo da relação entre linguagem, tecnologia e subjetividade recebe menos atenção na LA pós-humanista de Pennycook do que algumas outras facetas, mas o autor também reconhece a importância de uma LA engajada com os processos de ciborguizacão dos sujeitos e da desmaterialização dos significantes (HAYLES, 1999HAYLES, K. (1999) How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago, Ill: University of Chicago Press.). Adverte, contudo, que construtos como “classe”, “gênero” e “etnia” não podem ser abandonados, e, por isso, refuta algumas teses do materialismo relacional, reivindicando a garantia de um certo «realismo social», a nosso ver, desnecessariamente. Não porque não seja importante proteger essas categorias humanistas, sem as quais não há como resistir politicamente, até o momento, ao pós-humanismo corporativo, mas porque há agências políticas para além das vinculadas a essas categorias, cuja língua não pode ser examinada sem a transformação dos enunciados concretos em padrões informacionais. É justamente a relacionalidade dessa concretude, por assim dizer, que permite ao linguista aplicado «visualizar o corpo da linguagem», por exemplo, nas grandes conversações em rede, que têm como contexto as mídias sociais (LIMA LOPES, 2018LIMA LOPES, R. E. de (2018). O Conservadorismo como ideologia: Contribuições da ciência das redes para a linguística sistêmico funcional. Letras, n. 56, p. 42-59., entre outros).

Finalmente, não há muito futuro para um projeto de LA pós-humanista sem que achemos um «footing» adequado para negociar sentidos em diálogos inter e transdisciplinares que reúnam as ciências humanas com as, assim chamadas, ciências duras. E isso não será possível sem um esforço coletivo das ciências humanas e das exatas, como um todo, para estabelecer diálogos inter e transdisciplinares em torno de uma ética do pós-humano (BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, R. (2013). The posthuman. Cambridge, UK; Malden, MA, USA: Polity Press.), uma ética que contemple tanto os sensores como a senciência, tanto o biológico como o metafísico, tanto o qualitativo quanto o quantitativo (BUZATO, 2016aBUZATO, M. E. K. (2016a). Towards an interdisciplinary ICT applied ethics: language matters. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 16, n. 3, p. 493-519., 2017BUZATO, M. E. K. (2017). Towards a theoretical mashup for studying posthuman/postsocial ethics. Journal of Information, Communication and Ethics in Society, v. 15, n. 1, p. 74-89.). Isso não se fará, contudo, sem que os dois campos se abram para os seres que habitam as cosmologias uns dos outros, isto é, sem o respeito e a apreciação mútua para com os modos de existência (LATOUR, 2013LATOUR, B. (2013) An inquiry into modes of existence: an anthropology of the moderns. Cambridge, Mass: Harvard University Press.) que constituem o real nas duas culturas.

O tecido estabelecido pelos doze textos aqui reunidos é feito dessa variedade de fios que constituem o pós-humanismo e a proposta de uma LA pós-humanista. Os pontos de encontro desses fios são, basicamente, os conceitos ou temas-chave do pós-humanismo, grande parte dos quais abordados nesta apresentação: corpo e mente, vida e morte, humano e máquina, natureza e cultura, organismo e sistema cibernético etc.

Os autores adotam estratégias diversas para abordar tais temas, mas, em geral, o que o leitor encontrará são, de um lado, provocações e indagações sobre o que o pós-humanismo significa para os objetos, princípios e concepções tradicionais nos estudos da linguagem (a língua, a escrita, o texto, o letramento etc.), ou nas ciências humanas em geral; por outro, a busca de propostas, modelos, e experiências (de subjetividade, de ensino, de inclusão) voltados para momentos ou elementos que tornam a condição pós-humana palpável ou realista, como quer Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.: alunos que leem a rua, autores que convocam os não-humanos como seus pares ou suas penas, portadores de HIV, deficientes usuários de tecnologias assistivas ou os jovens que se dedicam a hackear a biologia dos seres vivos como quem “destrava” o DRM de um videogame.

Qualquer forma de ordenar esses trabalhos numa lógica sequencial ou de blocos temáticos, como nos obriga, de certa forma, a natureza material de um periódico científico, é, por certo, uma violência contra a organicidade reticular desses temas e o dialogismo latente entre esses autores. Contudo, é mister adequar o conteúdo à forma, para a conveniência do leitor, se não por outro motivo. Assim, o dossiê está organizado de modo a tentar conciliar linearidade e diálogo, numa sequência de seis “pares temáticos”, que vão do questionamento do usual/estabelecido à indagação sobre o que está por vir, passando pela modelização do que já está sendo, a saber: língua, escrita, letramento e educação, subjetividade, ciborguismo e ficção.

Eduardo Espindola Braud Martins, Rodrigo Ferreira Viana, doutorandos do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro abrem o dossiê com seu “Por uma Visão de Linguagem Ciborgue e Coletiva”, propondo uma reformulação da concepção tradicional de lingua(gem) pelo deslocamento de seu centro gravitacional modernista e antropocêntrico na era do “capitalismo de plataforma”. Os dois jovens pesquisadores reivindicam um conceito não antropocêntrico, coletivo e participativo de linguagem, em que agentes não humanos sejam ratificados como produtores dos discursos, e os referentes do discurso, como fluxos e intensidades, propondo como condicionantes desse processo, entre outros, a quebra do paradigma referencial em favor de uma visão performativa de linguagem na construção sociodiscursiva do “ser humano”, sendo que essa performatividade é estendida a esquemas de materialidade que não se restringem ao corpo humano.

Laryssa Paulino de Queiroz Sousa e Rosane Rocha Pessoa, doutoranda e professora titular, respectivamente, do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás, retomam o problema de como pensar sobre a língua(gem) numa perspectiva pós-humanista com seu «Humans, Nonhuman Others, Matter and Language: a discussion from posthumanist and decolonial perspectives». Aqui temos o pós-humanismo de inspiração pós-colonialista a dialogar com a proposta do texto anterior, não a partir da constatação de que nos tornamos sujeitos-plataforma, mas voltando-se, inicialmente, para os saberes indígenas, nos quais humanos e não-humanos sempre foram ratificados como participantes ativos da cultura.

A discussão que as autoras fazem acerca das concepções tradicionais de língua está centrada no entrelaçamento (ou «emaranhamento», para seguir (BARAD, 2006BARAD, K. (2006). Meeting the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entanglement of Matter and Meaning. Raleigh: Duke University Press.) entre linguagem e materialidade. Trata-se de investigar um conceito de língua que descarte os processos de essencializacão, totalização, universalização e dicotomização sabidamente envolvidos na gênese das concepções de linguagem vigentes nas versões mais «duras» dos estudos da linguagem. Isso vai desembocar no mesmo «curto-circuito» do esquema saussuriano proposto por Martins & Viana, mas, neste caso, a ênfase sobre o descentramento e a des-hierarquizacao da língua como estabelecida pelo discurso humanista é sugerida pela via do materialismo agencial, mais do que pelo ciborguismo, e dirige-se, mais especificamente, ao enfrentamento da arrogância humana - tão constitutiva dos colonialismos - pelo desligamento da pesquisa em LA das narrativas excludentes das agências não humanas, por exemplo, para a investigação dos sujeitos da educação linguística e da formação de professores.

Se o conceito de linguagem carece de revisão, para que a LA se engaje produtivamente com o pós-humano, o que dizer da escrita - a tecnologia da linguagem por excelência, que de tão naturalizada no ocidente, tantas vezes hipotetizada, nos discursos deterministas da tecnologia, como causa do sujeito racional, autônomo e domesticador da natureza que o pós-humanismo agora coloca sob suspeita? Por muito tempo, no imaginário humanista, o outro da escrita foi a oralidade, tal como o outro do ocidente foi o selvagem; mas, desfeita essa dicotomia pelos assim chamados novos estudos do letramento (GEE, 2015GEE, J. P. (2015).The New Literacy Studies. In: The Routledge Handbook of Literacy Studies. London: Routledge.), em tempos de newsbots, mineração de textos e agentes conversacionais feminilizadas com nomes cativantes - como Siri, Alexa ou Cortana - qual seria, agora, o outro radical da escrita? E em que tipo de prática material-discursiva ela estaria se reinventando? São essas as perguntas que Inês Signorini, docente do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas, se propõe a responder com seu “Escritas Humanas, mas Não Humanísticas”. A autora parte da noção de “outros estruturais” do humano (em BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, R. (2013). The posthuman. Cambridge, UK; Malden, MA, USA: Polity Press., entre outros), para investigar o outro da escrita humanista nas práticas de dois artistas contemporâneos cujas obras encarnam o contínuo discurso-matéria de que falaram vários outros autores deste dossiê, convidando as agências da natureza e da tecnologia a participarem da tessitura dessas obras. Signorini faz uma extensa arqueologia da escrita humanista para contrapô-la, com propriedade, às escritas «de devires», inventadas pelos artistas que investigou. Tais outras escritas - aposta - vão necessariamente constituir os processos de subjetivação do sujeito pós-humano em suas práticas cotidianas.

Tendo Signorini mostrado que o outro das escritas humanistas está nascendo nas artes, e proposto que a escrita pós-humana é uma escrita de invenção de mundos, Ana Marques da Silva, pesquisadora da Universidade de Coimbra, Portugal, nos brinda com o texto “Poesia Ciborgue e Pós-Humanização da Linguagem: da externalização tecnológica à recuperação da autonomia humana”, em que a questão é saber se, nas escritas pós-humanas, o computador se constitui como autor. Situada na interseção entre cibernética, linguagem e literatura, a questão central do trabalho é, no fundo, a mesma de Signorini; porém, aqui, se trata de pensar não o outro da escrita, mas se o computador pode ser, de fato, o outro do escritor. Para a autora, a pós-humanização da linguagem, que inclui a sua automação computacional para diversos fins, inclusive literários, não só ajuda a corroer a relação entre língua e excepcionalismo humano - se, de fato, for possível a um computador “falar” ou “escrever” autonomamente, e não apenas se comportar de modo a dar essa impressão - como também coloca a questão da tensão trazida, pelas escritas cibernéticas, entre autoria e automação. Na poesia feita “pelo-no-com-a-partir-do” computador, a máquina é uma prótese para a imaginação aumentada do escrevente, explica. Mas isso contaria como autoria? Se a resposta das ciências da computação para a pergunta sobre se máquinas podem realmente pensar ainda aguarda, talvez em vão, o momento em que algum chatbot consiga passar no “Teste de Turing”, a poesia, para Silva, ilumina o desfasamento entre autor e rede neuronal, ou entre a organicidade e a digitalidade, não podendo ser reduzida ao processamento maquínico.

«Thought-provoking ‘Contamination’: Applied Linguistics, literacies and posthumanism» é o trabalho com que Nara Hiroko Takaki, docente do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul contribui para o dossiê. Avançando da discussão sobre escrita para o problema dos letramentos pós-humanos, entramos agora numa miríade de indagações provocativas sobre o que e como considerar os (ensinos de) letramentos quando não só a escrita pós-humana vai se estabelecendo de forma tensa, como mostram Signorini e Silva, como também o conceito de prática social torna-se aberto para novas formulações sobre a relação entre matéria e discurso, e sobre as agências humanas e não humanas. Para a autora, o conceito de assemblagem torna-se um pilar para pensarmos no futuro (ou presente) da pesquisa, ensino e aprendizagem de/em línguas/linguagens, pois permite pensar na ampla gama de complexidades semióticas, espaciais e éticas que se abrem a partir da ruptura das dicotomias clássicas do humanismo em condições de transculturalidade. Trazendo para o escopo mais restrito do letramento boa parte das discussões mais amplas que constituem a proposta de uma Linguística Aplicada pós-humanista, a autora argumenta que é preciso que se faça uma revisão de ontologias que influenciam epistemologias e metodologias de pesquisa e ensino nesse campo, ilustrando alguns de seus argumentos com exemplos de atividades experimentadas em sua prática docente universitária.

Também docente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, e doutorando do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Unicamp, Mario Marcio Godoy Ribas apresenta seu «Repensando os Letramentos pela Perspectiva Pós-humanista», cujo mote é o questionamento do que passa a contar como prática social, quando se avança na formulação de uma concepção pós-humanista de letramento voltada para a educação. Conclui o autor que, de um ponto de vista pós-humanista, as práticas de letramento devem ser encaradas como práticas materiais-discursivas. Central na discussão de Ribas é o conceito de intra-ação, emprestado do materialismo agencial de Karen Barad, que lhe permite propor que os significados constitutivos dos letramentos escolares e não escolares não são isolados em unidades, como palavras ou ideias de significantes, mas constituídos por cortes agenciais de quem observa uma rede material-discursiva.

Das práticas de letramento, passamos para o problema do poder na condição pós-humana e, portanto, dos dispositivos em que o sujeito pós-humano é constituído e sustentado. «O HIV, o Ciborgue, o Tecnobiodiscursivo”, de autoria de Atílio Butturi Júnior, docente do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina, apesenta como seu «modelo provocativo» para essa investigação o dispositivo crônico da Aids, tendo como base a noção de tecnobiodiscursivo, e trazendo à baila, mais uma vez, a sutura da clivagem humanista entre vida, matéria e linguagem. Analisando os discursos sobre a soropositividade, o autor projeta a figura do ciborgue sobre a do doente de AIDS, mostrando como a doença faz enredarem-se tecnologia, corpo e discurso para produzir sujeitos controlados, esquadrinhados, assujeitados e racializados por técnicas de produção de subjetividade em que a relação com a tecnologia é uma condição de sobrevivência. Além disso, o artigo nos deixa a importante pergunta sobre como é possível resistir a esses biopoderes, um tema que os discursos pós-humanistas nos estudos da linguagem pouco exploram no momento, talvez porque ainda estejamos demasiadamente entusiasmados com as possibilidades criativas e aparentemente libertárias que se abrem quando nos livramos de certas amarras humanistas.

Se o modelo de assujeitamento proposto por Butturi Júnior encontra na soropositividade um paradigma e, na continuidade entre o biológico, o técnico e o discurso, uma nova política do corpo, ampliada para formas híbridas de vida, o que dizer sobre essa política quando tomada pelos sujeitos como modo de intervir nos regimes do corpo para resistir à «dominação da natureza» sobre si - intervindo na aleatoriedade informacional-genética que regula a evolução da espécie e experimentando novos regimes de disciplina corporal autoimpostos para romper a retenção dos saberes sobre o funcionamento desses padrões informacionais instalados no wetware pela Ciência e pelo Estado? É desse tipo de prática tecnobiodiscursiva, que resiste ao biopoder probabilístico (digamos assim) instalado na trajetória evolucionária da espécie, ao mesmo tempo em que se adequa a certas «tecnologias de aprimoramento», em que melhorar o humano é concebido como ir ao encontro da lógica neoliberal do individualismo, do empreendedorismo sobre si mesmo, e do aumento da produtividade aplicada à vida biológica que trata o trabalho de Paulo Noboru de Paula Kawanishi, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas e Gil Vicente Nagai Lourenção, doutor em Antropologia Social, pesquisador do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas e do Departamento de História e Antropologia da Universidade de Tsukuba, Japão. A partir da fala pública de um praticante de biohacking de performance recolhida por Kawanishi em seu trabalho de campo, os autores examinam essa modalidade de biohacking voltada para “otimizar a máquina do corpo”, nas palavras do praticante. Isso é feito pela alteração planejada, medida e precisamente parametrizada dos regimes corporais de alimentação, sono, locomoção entre outros, que são dadificados e estudados pelo próprio praticante com a ajuda de gadgets e metadados extraídos de seus smartphones, além de exames laboratoriais e anotações sobre o próprio comportamento feitas pelo praticante.

Kawanishi & Nagao Lourenção caracterizam o biohacking de performance como modo de subjetivação atrelado a uma tecnologia de si, que, ao mesmo tempo em que gera um compromisso ético do sujeito consigo mesmo, volta-se para a lógica dos processos de produção capitalista, e, portanto, inscreve-se, sutilmente, num projeto trans-humanista no qual o corpo é tratado como problema que, eventualmente, deveria ser descartado, com a instalação da consciência humana em outro substrato material. A esse movimento, os autores contrapõem o pós-humanismo crítico, aquele em que o corpo não é um problema, mas parte de um modo de subjetivar a si mesmo pela relação ética com nossos outros não humanos, sejam eles máquinas e animais, ou o próprio planeta em seus próprios regimes vitais.

Enquanto o biohacker de performance é um tipo de ciborgue “por escolha” - escolhas limitadas, é claro, às opções disponíveis na sociedade do controle, sob um véu de prazer gerado pelo autocuidado que transforma o trabalho físico em trabalho semiótico não remunerado (LAZZARATO, 2006LAZZARATO, M. (2006). The concepts of life and the living in the societies of control. In: Deleuze Connections EUP: Deleuze and the Social (1). Edinburgh, GB: Edinburgh University Press, p. 171-190.) -, Elizabeth Kath, docente do Programa de Pós-Graduação em Global, Urban and Social Studies da RMIT University, Austrália; Osório Coelho Guimarães Neto, doutorando do mesmo Programa, coordenador substituto de ambientes inovadores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, e Marcelo El Khouri Buzato, docente do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas e organizador do presente dossiê, trazem para exame, em seu «Posthumanism and Assistive Technologies: on the social inclusion/exclusion of low-tech cyborgs», a situação dos ciborgues «por necessidade», na figura (extrema) da pessoa deficiente que depende de tecnologias assistivas (TAs).

Tal como iletrados num mundo grafocêntrico e/ou surdos não ratificados como participantes do discurso, porque muitos sequer conseguem reconhecer sua língua como tal, o deficiente não é um incapaz, um tipo «malsucedido» de ser humano, mas alguém que é incapacitado pela falta de ética dos outros humanos e pela configuração dada por estes aos não-humanos (por exemplo, edificações ou textos desprovidos de «acessibilidade»). Sua conexão vital com as referidas tecnologias permite ao deficiente, como ciborgue low-tech, superar a incompetência do seu entorno social para incluir-se socialmente mediante duas estratégias identificadas pelos autores: a desincorporação do Self e a virtualidade corporificada. Tais estratégias, contudo, expõem o ciborgue «por necessidade» a novas formas exploração e exclusão, porque o vínculo entre biológico e maquínico que os constitui, não sendo eletivo, os obriga - para que tenham direito a se comunicar ou se locomover - a produzir os mesmos insumos informacionais que geram valor para o capitalismo cognitivo e que os ciborgues «por escolha» produzem em troca de prestígio ou aprimoramento pessoal.

Desse ponto em diante, o dossiê adentra o terreno mais tradicional e fértil, por assim dizer, da reflexão sobre o pós-humano: a ficção artística. O pós-humano se estabeleceu primeiramente aí, provavelmente, porque a liberdade artística permitiu que se tocasse em pilares do humanismo sem, necessariamente, chamar as suas raízes iluministas e liberais explicitamente ao debate político sobre o quotidiano. Ademais, as narrativas literárias e cinematográficas, e mesmo os videogames, que retratam o pós-humano, quer utópicas ou distópicas, trazem a catarse e o conforto existencial que nos é dado por boas narrativas: sabe-se o que está em jogo e quem e por que quer destruir ou construir, impedir ou ajudar. Principalmente, chega-se ao embate e, depois dele, a um fechamento, mesmo que provisório e contestado, sobre o que somos, o que poderíamos ser e onde estamos no momento.

Contrapondo o extremo high-tech da reconfiguração do homo sapiens (sua volta à vida como “após-humano”) aos ciborgues low-tech “normalizados” pela tecnologia focalizados pelo trabalho que os antecede, e colocando explicitamente um dos temas mais instigantes do pós-humanismo, a relação entre corpo e consciência, “(Dis)Abling Body and Consciousness: technological afterness and after-humans in Realive and Upgrade”, de Asijit Datta, docente do Departamento de Artes da Performance da Herritage College, Índia, aborda duas obras cinematográficas cuja temática podemos situar na interface entre o pós-humanismo cultural e o trans-humanismo de mercado: a superação da morte pela conversão da consciência em padrão informacional e sua reinstalação no mesmo ou em outro corpo. Nos espaços da pós-vida tecnológica aí ficcionalizados, explica o autor, a ruptura na relação entre consciência e corpo divide a própria vida em duas partes, uma humana, em dissolução, e outra cibernética, em emergência. O «novo humano», que encarna essa dialética, torna difusos os significantes que nos permitem significar a morte e a mortalidade, abrindo-se aí um novo espaço intersticial, utópico/distópico, que Datta procura descrever. Buscando recuperar a perda da reciprocidade corporificada com os humanos e não-humanos efetivamente vivos e a dissipação do mistério incognoscível da vida pelo excedente informacional, as personagens dos filmes abordados tentam retornar às suas posições originais, como mortos ou como vivos deficientes. Ou se restaura a consciência de um corpo carente de restauro, ou se permite a morte de uma consciência que já não sabe onde vive. A narrativa fecha sugerindo cuidado como o que desejamos, pois a vida após-humana pode ser tanto uma libertação como um sofrimento insuportável.

Ânderson Martins Pereira, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dá continuidade ao binômio utopia-distopia nas produções ficcionais sobre o pós-humano com seu “The Hunger Games is a Utopia? The feminine as a bridge to the return to nature in contemporary dystopia», agregando a esse tema, no dossiê, dois significados da palavra «gênero»: de um lado, o tratamento dado ao sujeito feminino na ficção sobre o pós-humano e, de outro, a atualização no gênero distópico trazido pela inserção de um subtexto utópico nessas narrativas. O objeto do artigo é a série de romances, transpostos também para o cinema, «Jogos Vorazes», que dispensa apresentação. A tese defendida por Pereira é a de que, diferentemente de narrativas como a estudada por Datta, ou do Cyberpunk, entre outras formas mais canônicas desse gênero, a referida obra promete um fechamento da agonia pós-humano por um retorno à natureza, estabelecido pelo feminino, que funciona como ponte entre a vida projetada em laboratório e as espécies não humanas naturais. Nem tudo é tão simples, porém, como mostra Pereira, porque a obra sustenta o velho tropo do feminino como ausência do masculino, e a natureza, como falta da cultura. Distópica ou utópica, portanto, a obra não chega a romper as dicotomias que os estudos pós-humanistas, ao longo de todo o dossiê, colocam na berlinda. Talvez por isso tenha se tornado tão popular entre adolescentes que «perdem o chão» quando o sinal do wi-fi é interrompido.

A velocidade com que certos elementos-chave do imaginário sobre o pós-humano nos gêneros ficcionais - da ficção cientifica ao cyberpunk; de Frankenstein aos mutantes alvejados em videogames de tiro em primeira pessoa e aos filmes baseados em quadrinhos que trazem personagens inspirados em magnatas do vale do silício - vem sendo plasmados em produtos de consumo e processos de produção do conhecimento e exercício do poder reais e concretos, aqui e agora, está epitomizada no bordão «Isso é muito Black Mirror»!, sinal de que essa mesma ficção tem um papel pedagógico e crítico sobre os elementos éticos e políticos envolvidos na instalação da condição pós-humano como «fato da vida»; porém é preciso que se estabeleça uma zona de negociação entre ficção e quotidiano, de tal modo que o espectador da trama televisiva se perceba capaz de interferir nas tramas de algoritmos e manipulações corporativas que cibernetizam a esfera pública e se imiscuem em sua vida privada. Em outras palavras, o cidadão ciborgue precisa estabelecer os contornos de uma «ética aumentada» na mesma medida em que sua realidade se virtualiza (BUZATO, 2016bBUZATO, M. E. K. (2016b). Cidadania pós-social e encontros pós-humanos: integrando sentido, informação e emoção. In: BUZATO, M. E. K. (Ed.). Cultura Digital e Linguística Aplicada: travessias en linguagem, tecnologia e sociedade. Campinas, SP: Pontes Editores. p.173-204.).

É no sentido de estabelecer esse espaço intersticial, pedagógico e crítico que Lynn Rosalina Gama Alves, docente do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História da Ciência da Universidade Federal da Bahia, e Maria Carmem Jacob de Souza Romano, docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da mesma Universidade, contribuem para o dossiê com seu «Anfitriões: delineando o conceito de pós-humano na série televisiva Westworld». Partindo das performances estéticas, cognitivas, sociais, políticas e culturais que nos identificam como pós-humanos aqui e agora, o trabalho dialoga com diversas produções audiovisuais de audiência massiva, com destaque para a série Westworld, visando instaurar uma discussão sobre questões do quotidiano contemporâneo que aparecem ficcionalizadas e ampliadas na série - isso para tematizar a vigilância e a manipulação algorítmica, o acesso indevido e antiético aos dados do cidadão, a exploração das funções cognitivas humanas por tecnologias invasivas, a violência permanente e pervasiva que imobiliza o cidadão pelo medo, entre outras questões.

A finalidade do trabalho é fundamentar a necessidade de práticas criativas e inovadoras, especialmente no cenário escolar e acadêmico, em que se traga tais questões à mesa, como realidade corporificada: «sim, somos ciborgues, mas queremos ter o direito de decidir o que deve dialogar com o nosso corpo», escrevem as autoras. O universo das séries televisivas, tão próximo dos jovens brasileiros contemporâneos - ao menos dos que podem consumi-las - deve, para as autoras, ser aproveitado pelos educadores para abrir espaço para discussões sobre o que é ético ou não em nossa relação com as tecnologias, sobre como preservar nossa liberdade de ir e vir e, enfim, sobre como escolher o que queremos e podemos ser.

Com o trabalho de Alves & Romano, chega ao fim o percurso sugerido de leitura deste dossiê. Ao encerrar esta apresentação, convém lembrarmos que este é o primeiro dossiê sobre o assunto ancorado especificamente na Linguística Aplicada, razão pela qual as contribuições interdisciplinares aqui reunidas tornam-se ainda mais valiosas. Não é, contudo, a primeira coleção de trabalhos sobre o pós-humanismo preparada por um periódico da área de Linguística e Literatura no Brasil. Vale citar, em especial, o número temático intitulado «Posthumanism», editado por Claudia de Lima Costa, Ildney de Fátima Souza Cavalcanti e Joan Haran para o periódico Ilha do Desterro2 2 Florianópolis, v. 70, n. 2, p. 001-132, mai/ago 2017, ISSN 2175-8026 , em 2017, assim como os diversos trabalhos dispersos em periódicos, anais de eventos e capítulos de livros que aparecem, inclusive, citados por nossos autores.

No texto de apresentação de seu número, Costa, Cavalanti & Haran, concluem apontando o desafio que se nos apresenta a partir do estabelecimento -ou melhor, da maior divulgação - dessa frente de pesquisa e debate voltada para nos dar cada vez mais consciência sobre o funcionamento e os efeitos “da ‘arrogância humana’, que subjaz tão grande parte de nossas práticas e textos” (COSTA; CAVALCANTI; HARAN, 2017, p. 14, minha tradução). Trata-se, na visão dos autores, de construir um pós-humanismo que nos permita visualizar possibilidades utópicas num horizonte distópico.

Os autores, os temas e o caráter interdisciplinar desses e de outros volumes dedicados ao pós-humanismo parecem convergir, a despeito de podermos notar, como já ressaltado, vertentes que se ocupam mais atentamente de facetas específicas do movimento, tais como as hibridações humano-máquina, a decolonialidade, a educação, as subjetividades pós-humanas, a ética do Antropoceno, as implicações do neoliberalismo hipertecnologizado, o resgate dos conhecimentos de povos tradicionais e assim por diante.

O engajamento de um campo como a Linguística Aplicada nessa frente não pode ser, por conseguinte, definido por este ou aquele recorte disciplinar, ou objeto, ou autor. Trata-se, em verdade, da constituição do que a sociologia da tecnociência chamaria de um ator-rede (LATOUR, 2000LATOUR, B. (2000). Ciência em ação : como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. Traducao Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Editora UNESP.), que só se define conforme atrai novos vínculos (ou é afetado por algo novo), e que, com isso, tem aquilo que inicialmente vislumbrava deslocado para outro futuro.

Se nos estudos literários «utopia» e «distopia» servem de horizontes provisórios para que se trabalhe por um pós-humano benigno, como cabe a quem, mesmo se desprendendo das ilusões do humanismo, não renuncia à sua responsabilidade ética, ao menos para com as criaturas vivas, humanas ou não, que as cercam, à Linguística Aplicada talvez sirvam melhor as ideias de «situado» e «circulado»: o circulado que devemos investigar como o percurso do sentido nas idas e vindas entre corpo-consciência-emoção e código-processo-informação; o situado como todo momento das práticas discursivas-materiais em que nosso olhar faça um corte agencial desnudando um pós-humano que se insinue desumano ou anti-humano. Isso porque haverá um humano pós-humanista, assim como haverá pós-humanismos arrogantes em seus próprios termos.

  • 1
    Respectivamente, robôs virtuais e inteligências artificiais computacionais.
  • 2
    Florianópolis, v. 70, n. 2, p. 001-132, mai/ago 2017, ISSN 2175-8026

REFERÊNCIAS

  • AMORIM, H. (2014). O trabalho imaterial em discussão: teoria e política. Caderno CRH, v. 27, n. 70, p. 9-12.
  • BARAD, K. (2006). Meeting the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entanglement of Matter and Meaning Raleigh: Duke University Press.
  • BARBROOK, R.; CAMERON, A. (1996). The Californian ideology. Science as Culture, v. 6, n. 1, p. 44-72.
  • BRAIDOTTI, R. (2013). The posthuman Cambridge, UK; Malden, MA, USA: Polity Press.
  • BUZATO, M. E. K. (2014). Por um enfoque pós-social fundamentado na Teoria Ator-Rede para os novos letramentos e para a inclusão digital. Linguagem & Ensino, v. 17, n. 1, p. 25-60.
  • BUZATO, M. E. K. (2016a). Towards an interdisciplinary ICT applied ethics: language matters. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 16, n. 3, p. 493-519.
  • BUZATO, M. E. K. (2016b). Cidadania pós-social e encontros pós-humanos: integrando sentido, informação e emoção. In: BUZATO, M. E. K. (Ed.). Cultura Digital e Linguística Aplicada: travessias en linguagem, tecnologia e sociedade Campinas, SP: Pontes Editores. p.173-204.
  • BUZATO, M. E. K. (2017). Towards a theoretical mashup for studying posthuman/postsocial ethics. Journal of Information, Communication and Ethics in Society, v. 15, n. 1, p. 74-89.
  • BUZATO, M. E. K. (2018). Ética e linguagem nos encontros pós-humanos Anais do I Congresso Internacional em Humanidades Digitais. Anais.. In: I CONGRESSO INTERNACIONAL EM HUMANIDADES DIGITAIS. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 11 abr. 2018. Disponível em: <https://eventos.fgv.br/hdrio2018/anais-do-evento> Acesso en: 01 fev. 2019
    » https://eventos.fgv.br/hdrio2018/anais-do-evento
  • CELLAN-JONES, L. K. R. (2019) . AI system “should be recognised as inventor”. BBC News Disponível em: <https://www.bbc.com/news/technology-49191645> Acesso en: 01 ago. 2019
    » https://www.bbc.com/news/technology-49191645
  • DIJCK, J. VAN. (2014).Datafication, dataism and dataveillance: Big data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society, v. 12, n. 2, p. 197-208.
  • FOUCAULT, M. (1978) A governamentalidade. In: FOUCAULT, M. (Ed.). Microfísica do poder Rio de Janeiro (RJ): Graal, p. 277-293.
  • GEE, J. P. (2015).The New Literacy Studies. In: The Routledge Handbook of Literacy Studies London: Routledge.
  • HAYLES, K. (1999) How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics Chicago, Ill: University of Chicago Press.
  • HEIDEGGER, M. (1977) The question concerning technology, and other essays New York: Garland Pub.
  • KNORR-CETINA, K. (2001).Post-social Relations: Theorizing Sociality in a Post-social Environment. In: Handbook of Social Theory London: Sage Publications, p. 521-535.
  • LATOUR, B. (1999). Pandora’s hope : essays on the reality of science studies Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
  • LATOUR, B. (2000). Ciência em ação : como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora Traducao Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Editora UNESP.
  • LATOUR, B. (2013) An inquiry into modes of existence: an anthropology of the moderns Cambridge, Mass: Harvard University Press.
  • LATOUR, B. (2015). Waiting for Gaia. Composing the common world through arts and politics. In: YANEVA, A.; ZAERA-POLO, A. (Eds.). What is Cosmopolitical Design? Farmham: Ashgate, p. 21-33.
  • LAZZARATO, M. (2006). The concepts of life and the living in the societies of control. In: Deleuze Connections EUP: Deleuze and the Social (1) Edinburgh, GB: Edinburgh University Press, p. 171-190.
  • LIMA LOPES, R. E. de (2018). O Conservadorismo como ideologia: Contribuições da ciência das redes para a linguística sistêmico funcional. Letras, n. 56, p. 42-59.
  • MACHADO, D. F. (2018). Mediações algorítmicas: o poder de modulação dos algoritmos do Facebook. Parágrafo, v. 6, n. 1, p. 43-55.
  • MARTIN, N. (2019). Did A Robot Write This? How AI Is Impacting Journalism. Forbes On-line, 8 fev. 2019. Disponível em <https://www.forbes.com/sites/nicolemartin1/2019/02/08/did-a-robot-write-this-how-ai-is-impacting-journalism/#cd5f0eb77957> Acesso en: 01 ago. 2019
    » https://www.forbes.com/sites/nicolemartin1/2019/02/08/did-a-robot-write-this-how-ai-is-impacting-journalism/#cd5f0eb77957
  • MOITA LOPES, L. P. (1998) A transdisciplinaridade é possível em Linguística Aplicada? In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. DO C. (Eds.). Linguística aplicada e transdisciplinaridade: questões e perspectivas Campinas: Mercado de Letras, p. 113-128.
  • MOITA LOPES, L. P. M. (2009). Da aplicação da linguística à Linguística Aplicada indisciplinar. In: PEREIRA, R. C.; ROCCA. P. (Org.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto.
  • PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics, p. 445-461.
  • PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics New York: Routledge.
  • PONTIN, J. (2018). AI Won’t Be Quite the Revolution You Expect. Wired, 2 fev. 2018. Disponível em: <https://www.wired.com/story/greedy-brittle-opaque-and-shallow-the-downsides-to-deep-learning/> Acesso em: 01 ago. 2019
    » https://www.wired.com/story/greedy-brittle-opaque-and-shallow-the-downsides-to-deep-learning/
  • RIBAS, M. M. G. (2018). Em busca de uma concepção pós-humanista de gênero: relações com espaço e agência compartilhada. In: LIMA-LOPES, R. E. DE; BUZATO, M. E. K. (Eds.). Gênero Reloading Campinas, SP: Potes Editores, p. 43-65.
  • SIGNORINI, I.(2008). A questão da língua legítima na sociedade democrática: umdesafio para a Linguística Aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P.(Org.). Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. 2. ed. São Paulo: Parábola, p. 169-190
  • SILVEIRA, S. A. (2017). Governo dos Algoritmos. Revista de Políticas Públicas, v. 21, n. 1, p. 267-285.
  • STOVER, J. (2018) There Is No Case for the Humanities. The Chronicle of Higher Education 04 mar. 2018. Disponível em <https://www.chronicle.com/article/There-Is-No-Case-for-the/242724>. Acesso em 04 jan. 2019
    » https://www.chronicle.com/article/There-Is-No-Case-for-the/242724
  • STREET, B. V. et al. (1993). Culture is a verb: anthropological aspects of language and cultural process. In: Language and culture : papers from the annual meeting of the British Association of Applied Linguistics...1991 Clevendo: British Association for Applied Linguistics.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2019
  • Aceito
    12 Ago 2019
  • Publicado
    14 Ago 2019
UNICAMP. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Unicamp/IEL/Setor de Publicações, Caixa Postal 6045, 13083-970 Campinas SP Brasil, Tel./Fax: (55 19) 3521-1527 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: spublic@iel.unicamp.br