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A LITERATURA DE MULHERES NEGRAS COMO DIREITO HUMANO: REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA NO CONTEXTO DE UM PROJETO DE EXTENSÃO PARA MULHERES EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

LITERATURE AUTHORED BY BLACK WOMEN AS A HUMAN RIGHT: REFLECTIONS ABOUT CRITICAL CONSCIOUSNESS DEVELOPMENT IN THE CONTEXT OF AN OUTREACH PROJECT FOR FREEDOM-DEPRIVED WOMEN

RESUMO

Este artigo objetiva investigar os possíveis efeitos das ações de um projeto de extensão no desenvolvimento da consciência crítica (FREIRE, 2005FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum.), em especial no que diz respeito a questões de gênero e raça. Mais especificamente, o estudo tem como foco principal as atividades de leitura realizadas por uma equipe multidisciplinar com mulheres em privação de liberdade, que incluíram a apresentação e discussão de três obras de escritoras negras: Olhos D’Água (Conceição Evaristo), Quarto de Despejo (Carolina Maria de Jesus), e Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis (Jarid Arraes). Neste estudo, investigamos o diário reflexivo de uma das discentes extensionistas da equipe executora bem como os questionários com as percepções das mediadoras do projeto - professoras, técnicas administrativas e discentes - acerca das obras de autoras mulheres negras selecionadas e das atividades propostas a partir delas. A partir da visão das mediadoras do projeto, destaca-se não apenas o papel da literatura na reflexão acerca de questões de gênero, classe e raça, mas também a importância de que as atividades considerem as subjetividades de todos os sujeitos deste processo para que o diálogo crítico ocorra em uma atmosfera segura e acolhedora. Por fim, as percepções apontam a relevância de atividades culturais e literárias no processo de humanização - tanto da equipe proponente quanto das mulheres em privação de liberdade -, evidenciando a importância de políticas públicas que compreendam a arte e a cultura enquanto direito humano no contexto de privação de liberdade.

Palavras-chave:
escritoras negras; consciência crítica; mulheres em privação de liberdade

ABSTRACT

This article aims at investigating the possible effects of an outreach project in the process of critical consciousness development (FREIRE, 2005FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum.), especially in relation to gender and race issues. More specifically, the study focuses on the reading activities designed by a multidisciplinary team for freedom-deprived women, which included the presentation and discussion of three books written by black women: Olhos D’Água (Conceição Evaristo), Quarto de Despejo (Carolina Maria de Jesus), and Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis (Jarid Arraes). To do so, we investigate the reflexive diary of one of the students who is part of the multidisciplinary team as well as the questionnaires containing the perceptions of the project mediators - teachers, administrative technicians in education and undergraduate students - regarding their experience of reading the selected books and of participating in and mediating the proposed activities. The views of the project mediators highlight not only the role of literature in promoting reflection regarding gender, class and race, but also the importance of taking into consideration the subjectivities of those involved in the process so that critical dialogue may happen in a safe and welcoming environment. At last, perceptions point out the relevance of cultural and literary activities in the process of humanization - of both mediators and incarcerated women -, showing thus the importance of public policies that conceive art and culture as human rights in the context of freedom deprivation.

Keywords:
black female writers; critical consciousness; freedom-deprived women

INTRODUÇÃO

Antônio Candido (1994), em seu artigo-manifesto “O direito à literatura”, afirma que a defesa dos direitos humanos envolve a compreensão de que aquilo que é indispensável para mim precisa ser reconhecido como indispensável para os demais. Nesse sentido, o autor explica que é comum concebermos moradia, educação, saúde e trabalho como itens fundamentais, mas que raramente pensamos que todos deveriam ter “o direito a ler Dostoievski ou ouvir os quartetos de Beethoven” (p. 172). A cultura não é, portanto, comumente vista como item indispensável ao ser humano. Ainda assim, Candido argumenta que os bens fundamentais não são apenas aqueles que garantem a sobrevivência dos indivíduos, mas também os que asseguram a integridade espiritual destes, ou seja: “o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura” (p. 174). Desta perspectiva, reconhecemos que a literatura tem papel fundamental no processo de humanização:

Entendo aqui por humanização o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, afinamento das emoções, capacidade de penetrar nos problemas da vida, senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a cota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO, 1994, p. 180).

Candido (1994) destaca, ainda, o papel do que chama de literatura empenhada - ou seja, a literatura com um posicionamento frente aos problemas/questões apresentados -, uma vez que ela pode contribuir com o processo de luta pela garantia dos direitos humanos ao apontar e questionar problemas de relevância social. Além disso, o autor reforça que para que a literatura seja assegurada enquanto direito inalienável, faz-se necessário romper com a dicotomia de cultura popular e erudita, uma vez que esta distinção contribui com um processo de marginalização e de desigualdade ao hierarquizar a compreensão e o acesso à cultura (CANDIDO, 1994, p. 191).

Décadas após a publicação de Candido (1994), os argumentos trazidos pelo autor continuam atuais, já que a análise sobre o lugar da literatura no Brasil contemporâneo revela que esta ainda não é considerada um direito de todos. A reforma tributária apresentada em 2020 pelo ministro da economia Paulo Guedes, por exemplo, propõe uma taxação de 12% dos livros em todo o país (ILHÉU, 2020). Sob o pretexto de que a classe privilegiada poderia continuar comprando livros mesmo com este aumento, o ministro parece sugerir não somente que classes menos favorecidas não compram livros e/ou os leem, mas também que elas não precisam ter acesso aos livros.

Tendo como base o entendimento de que literatura é um direito humano que ainda precisa ser assegurado no país, este artigo tem como objetivo principal investigar os efeitos de um projeto de leitura de livros de autoria feminina visando o desenvolvimento da consciência crítica (FREIRE, 2005FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum.) entre mulheres em privação de liberdade. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2018), o número de mulheres em situação de privação de liberdade cresceu 656% entre 2000 e 2016, principalmente em função de crimes mais brandos relacionados ao tráfico de drogas. Os dados deste departamento apontam ainda para a precariedade dos presídios femininos (que muitas vezes não são adaptados para as suas necessidades) e destacam o alto índice de adoecimento psíquico decorrente do abandono, da quebra de vínculos e dificuldades econômicas e sociais (DEPEN, 2018).

É importante destacar, neste sentido, que o discurso social de que “bandido bom é bandido morto” ainda permeia o imaginário coletivo e, de forma geral, o sistema prisional não é compreendido como um espaço de ressocialização e de aprendizagem. Argumentamos, ainda, que a privação de liberdade pode promover um processo de marginalização dos marginalizados, aumentando assim as desigualdades. Um olhar interseccional (CRENSHAW, 1991CRENSHAW, K. (1991). Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review, v. 43, n. 6, p. 1241-1299.) também aponta que as mulheres em privação de liberdade são, em sua maioria, negras e pertencentes a camadas sociais mais vulneráveis, o que evidencia um processo maior de exclusão e de violência com este público. Isso fica evidente nos dados apresentados pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania que, ao investigar mulheres no contexto de prisão em flagrante e em contato com o Judiciário, conclui que “o sistema [prisional] não se volta simplesmente de forma privilegiada para mulheres negras e pobres, mas participa de processos de generificação, racialização e empobrecimento, colaborando para assinalar o lugar social desses corpos” (ALMEIDA et al, 2019ALMEIDA, M. C. D.; FELIPPE, M. B.; SOUZA, R. C. B.; CANHEO, R. O. (2019). Mulheres em Prisão: Enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal. São Paulo: Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Disponível em: http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2019/05/mulheresemprisao-enfrentando-invisibilidade-mulheres-submetidas-a-justica-criminal.pdf Acesso em: 25 out 2020.
http://ittc.org.br/wp-content/uploads/20...
, p. 169-170). Há, da mesma forma, outras identidades sociais que são (ainda mais) marginalizadas no contexto de privação de liberdade: é o caso das mulheres grávidas ou mães, das mulheres trans, das mulheres lésbicas ou bissexuais, entre outras.

É a partir da compreensão destas exclusões e violências para com as mulheres em privação de liberdade que o projeto de extensão «Nas Entrelinhas», desenvolvido pelo Instituto Federal de Santa Catarina, buscou, partindo da perspectiva da Pedagogia Crítica, promover o desenvolvimento da consciência crítica (FREIRE, 2005FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum.) por meio da leitura, discussão e realização de atividades culturais relacionadas a obras literárias de autoria feminina. De forma a melhor compreender os possíveis efeitos deste projeto, apresentamos primeiramente uma discussão teórica sobre a Pedagogia Crítica e a literatura como propulsora de reflexões acerca de gênero e raça. Em seguida, descrevemos o projeto de extensão bem como a metodologia deste estudo para então analisar e discutir os dados aqui investigados. Por fim, apresentamos as considerações finais e refletimos sobre as possibilidades de desenvolvimento crítico e de promoção da literatura em espaços não tradicionais de ensino.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este estudo - bem como o projeto de extensão sob análise - parte do princípio de que o processo de ensino e aprendizagem, que pode ocorrer em espaços formais ou informais, deve ter como objetivo principal a promoção da justiça social. Trata-se, portanto, da perspectiva da Pedagogia Crítica freireana (2005) que se opõe ao ensino bancário e defende um processo de ensino democrático e não-hierárquico em que oportuniza-se a construção do conhecimento de forma colaborativa. Para Crookes e Lehner (1998)CROOKES, G. V.; LEHNER, A. (1998). Aspects of process in an ESL critical pedagogy teacher education course. TESOL Quarterly, 32, 319-328. , a Pedagogia Crítica defende uma educação transformadora em que, por meio do diálogo - entre professores e alunos - envolvendo questões do mundo real e, mais especificamente, relacionadas aos contextos dos alunos, busca-se agir no mundo de forma a contribuir com sua melhoria (p. 320). Desta forma, o desenvolvimento pessoal e político dos alunos engloba não apenas refletir criticamente sobre a sociedade, mas também agir frente à esta realidade. A este processo de reflexão e ação (e ação e reflexão), que acontece de forma constante e não necessariamente linear, Freire denomina desenvolvimento da consciência crítica (2005)FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum..

O desenvolvimento da consciência crítica que é defendida por Freire (1973)FREIRE, P. (1973). Education for Critical Consciousness. Continuum. Seabury Press: New York. tem como base a concepção de que os seres humanos não tem apenas papel passivo no mundo. Neste sentido, somos parte da esfera criativa, que intervém na realidade, podendo então transformá-la (p. 4). De acordo com Freire (1973), a adaptação é um comportamento característico da esfera animal - quando observado no ser humano, ele é característico de um processo de desumanização (p. 4). O sistema tradicional de educação - ou o ensino bancário -, ao entender o ensino como processo de transmissão de informações, torna o educando um espectador. Freire (1973)FREIRE, P. (1973). Education for Critical Consciousness. Continuum. Seabury Press: New York. defende que esse tipo de alienação acontece em várias esferas da sociedade, em que diferentes mitos criados pelas forças estruturantes da sociedade (ou seja: pela instituição da igreja, do Estado, sistema de justiça, mídia, etc) são promovidos e assimilados socialmente. Estes mitos, por sua vez, acabam por trabalhar contra a existência plena dos próprios indivíduos que os assimilam, uma vez que os oprimidos são roubados da possibilidade de reflexão crítica acerca do contexto em que estão inseridos (p. 6).

Para que o desenvolvimento da consciência crítica aconteça (oportunizando, assim, um ensino humanizador), é importante ressignificar as relações entre os diferentes atores do processo de ensino e aprendizagem. Se o sistema tradicional de ensino tem focado não na troca de ideias, mas em sua transmissão; não no debate e discussão, mas na palestra; não no trabalho com o aluno, mas para o aluno; não na construção, mas na imposição (FREIRE, 1973FREIRE, P. (1973). Education for Critical Consciousness. Continuum. Seabury Press: New York., p. 38); um conceito chave para viabilizar esta mudança de paradigma é o do diálogo crítico. Dialogar criticamente implica um processo de construção de conhecimento que vai além da exposição de diferentes ideias, trata-se de um movimento de justaposição de opiniões e argumentos que, ao se complementarem ou mesmo se contradizerem (na interação do eu com o[s] outro[s]), possibilitam que novas visões sejam concebidas (SHIN e CROOKES, 2005SHIN, H.; CROOKES, G. (2005). Exploring the Possibilities for EFL Critical Pedagogy in Korea: A Two-Part Case Study, Critical Inquiry in Language Studies, 2:2, p. 113-136/ DOI: 10.1207/s15427595cils0202_3
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). O diálogo crítico acontece, portanto, em um verdadeiro processo de troca não-hierárquica e multilateral, em que saberes formais e não formais se relacionam e contribuem para a compreensão da realidade.

Outro princípio importante de uma perspectiva freireana de educação diz respeito à valorização da realidade dos alunos. Na verdade, mais do que valorizar os contextos dos estudantes, o processo de ensino e aprendizagem deve partir das necessidades e das vivências destes, para que então seja significativo e conectado com suas realidades. Conforme explica Haddad (2020)HADDAD, S. (2020). Paulo Freire e bell hooks: um encontro permanente. In: Hooks, B. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Elefante, p. 10-21., “partir da realidade não é só identificar os temas de interesse de cada coletividade, é ir além, saber como elas são vividas, partir da interpretação delas sobre os fatos, que é a base para qualquer processo de diálogo e construção coletiva de conhecimentos por meio dos círculos de cultura” (p. 15). Se buscamos compreender e transformar a realidade, ela deve ser o foco de todo o processo de desenvolvimento crítico. Assim, é importante destacar que as experiências de Freire com os círculos de leitura no início dos anos 60 - que embasam suas teorizações da Pedagogia Crítica - aconteceram em ambientes não formais de aprendizagem e envolviam elementos pertencentes à realidade dos camponeses/educandos.

A educadora e teórica bell hooks (1994) defende que uma educação transgressora (como ela prefere nomear) ou crítica precisa envolver o reconhecimento das subjetividades de todos aqueles envolvidos no processo de ensino e aprendizagem (p. 139). Embora historicamente os discursos da ciência (e da educação) tem buscado promover a ideia de um conhecimento neutro e objetivo, faz-se necessário entender que este conhecimento é produzido por sujeitos - sujeitos estes que possuem histórias e vivências que impactam a maneira como enxergam o mundo e agem nele (p. 139). De forma similar, Giroux (1992)GIROUX, H. (1992). The hope of radical education. In K. Weiler & C. Mitchell. (Eds.). What schools can do. Critical pedagogy and practice. (pp. 13-26). Albany: State University of New York. argumenta que é inegável que estudantes possuem experiências que são relevantes para o seu aprendizado, mesmo quando estas experiências parecem incoerentes ou limitadas: “os alunos têm memórias, famílias, religiões, sentimentos, línguas e culturas que os conferem uma voz distinta” (p. 23, nossa tradução). Ao invés de negar tais experiências, portanto, é importante engajá-las criticamente - por meio do diálogo crítico - para então expandi-las.

Ao refletir sobre suas experiências enquanto educadora que busca promover / ensinar o pensamento crítico, hooks (2020) destaca o papel que o contar histórias tem em um projeto de educação com vistas à promoção da justiça social:

[...] Ao descobrir que histórias ajudavam estudantes a pensar criticamente, compartilhei as minhas e incentivei estudantes a compartilharem as suas [...]. Esse exercício nos permite ouvir cada história individual e também nos dá oportunidade de ouvir a voz de cada um. [...] Uma das formas de nos tornarmos uma comunidade de aprendizagem é compartilhar e receber as histórias uns dos outros; é um ritual de comunhão que abre nossas mentes e nossos corações (p. 92).

hooks aponta, ainda, que as histórias podem, ao conectar os indivíduos no nível das ideias e de suas subjetividades, ter caráter terapêutico. Embora hooks não se refira especificamente à literatura - mas sim de forma mais ampla às histórias narradas e às experiências individuais -, entendemos que a ficção também pode oportunizar a contação de histórias que promove conexão e entendimento mútuo (ou a humanização, conforme defende Candido [1994]).

hooks (2020)HOOKS, b. (2020). Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática . São Paulo: Elefante, 288 p. também descreve suas vivências enquanto estudante ao buscar construir sua “sabedoria prática”, trazendo reflexões sobre gênero e raça para sua compreensão da Pedagogia Crítica. Ela destaca como, ao longo da história, a educação nos Estados Unidos tem sido moldada por uma “política patriarcal imperialista, capitalista e supremacista branca [..] afetando a forma como o conhecimento é apresentado aos estudantes, assim como a natureza das informações” (p. 61). Ela, enquanto estudante negra, se recorda de questionar seus professores por que não liam autores negros, ao passo que estes respondiam que eles não existiam ou não mereciam espaço no currículo.

Uma perspectiva interseccional (CRENSHAW, 1991CRENSHAW, K. (1991). Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color. Stanford Law Review, v. 43, n. 6, p. 1241-1299.) permite compreender como opressões de raça se somam a outras formas de opressão direcionadas a outras identidades sociais que podem se somar a essa. hooks (2020)HOOKS, b. (2020). Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática . São Paulo: Elefante, 288 p. destaca, desta forma, como a opressão de gênero também esteve presente no seu processo de educação enquanto estudante:

[...] ensinaram-me durante os alunos de graduação, em uma faculdade de elite, que mulheres não poderiam ser ‘grandes’ escritoras. Felizmente, tive uma professora branca que nos ensinou a reconhecer os preconceitos do patriarcado e desafiá-los. Sem esse ensinamento contra-hegemônico, quantas mulheres teriam o desejo de escrever esmagado, quantas se formariam pensando: por que tentar, se você jamais poderá ser boa o suficiente? (p. 63).

A propósito desta questão, a escritora Virginia Woolf (1929, 2014)WOOLF, V. (2014). Um teto todo seu. Trad.: Bia Nunes de Sousa, Glauco Mattoso. 1. ed. São Paulo: Tordesilhas., em seu livro “Um Teto todo seu”, discute como o campo da literatura ou mesmo da produção de conhecimento excluiu (e exclui) as mulheres, relacionando inclusive esta falta de inserção das escritoras femininas à falta de oportunidades e de acesso a questões materiais. Apesar de Woolf não discutir a questão racial, uma vez que suas reflexões parecem se concentrar na posição ocupada por mulheres brancas (e aristocráticas), podemos inferir que mulheres negras e pobres tinham condições materiais ainda mais desfavoráveis para o desenvolvimento da escrita e da leitura.

Embora Woolf tenha escrito sobre a invisibilidade das mulheres na literatura na primeira metade do século passado, um olhar atento para o contexto de publicação no Brasil contemporâneo revela que ainda há pouca representatividade em termos de gênero, raça e classe. Dalcastagné (2012) apresenta em “Literatura brasileira contemporânea: um território contestado” uma pesquisa que revelou que “de todos os romances publicados pelas principais editoras brasileiras, em um período de 15 anos (entre 1990 a 2004), 120 em 165 autores eram homens, ou seja, 72,7%” (p. 2). A autora também destaca a homogeneidade racial: 93,4% são autores brancos que ocupam posições de prestígio e privilégio no campo da produção de discursos (são jornalistas, acadêmicos, entre outros). Isso não quer dizer que não há produções literárias de mulheres/negras/pobres, mas sim que suas escritas ocupam a marginalidade, de forma que não são consideradas parte do cânone. Para Dalcastagné (2012), estas escritoras marginalizadas precisam lidar com muitos obstáculos para que possam efetivamente escrever e publicar suas obras (em especial quando suas escritas tratam de suas realidades).

Neste sentido, assim como hooks (2020)HOOKS, b. (2020). Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática . São Paulo: Elefante, 288 p. , compreendemos que a literatura produzida por mulheres negras têm um papel importante no desenvolvimento da consciência crítica, em especial no que tange a questões de raça, gênero e suas intersecções. Um projeto baseado em uma perspectiva crítica não pode, desta forma, deixar de questionar (e subverter) o cânone, uma vez que a própria distinção hierárquica entre o erudito e o não erudito contribui para um processo de (re)produção de discursos patriarcais, brancos e/ou racistas.

O entendimento de que a literatura produzida por mulheres negras - invisibilizadas social e historicamente - pode contribuir com o processo de desenvolvimento da consciência crítica (de mulheres também invisibilizadas e que sofrem diversos processos de exclusão em função de questões de classe, gênero, raça, como é o caso do público alvo do projeto de extensão analisado neste trabalho) está alinhado a uma proposta do que Ferreira (2015)FERREIRA, A. J. (2015). Narrativas Autobiográcas de Professoras/es de Línguas na Universidade: Letramento Racial Crítico e Teoria Racial Crítica. In: Ferreira, A. J. Narrativas Autobiográcas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos da Linguagem. Campinas, SP: Pontes Editora, p. 127-160. define como letramento racial crítico:

Letramento racial crítico é refletir sobre raça e racismo e nos possibilita ver o nosso próprio entendimento de como raça e racimo são tratados no nosso dia a dia, e o quanto raça e racismo têm impacto em nossas identidades sociais e em nossas vidas, seja no trabalho, seja no ambiente escolar, universitário, seja em nossas famílias, seja nas nossas relações sociais. [...] o letramento racial crítico na minha prática pedagógica é de extrema relevância para que assim possa também colaborar para que tenhamos uma sociedade mais justa, com igualdade e com equidade (FERREIRA, 2015FERREIRA, A. J. (2015). Narrativas Autobiográcas de Professoras/es de Línguas na Universidade: Letramento Racial Crítico e Teoria Racial Crítica. In: Ferreira, A. J. Narrativas Autobiográcas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos da Linguagem. Campinas, SP: Pontes Editora, p. 127-160., p. 138).

Desta perspectiva, entende-se que promover uma educação linguística crítica perpassa a compreensão de que todos nós, enquanto seres racializados, fazemos parte de uma sociedade estruturada pela desigualdade racial (e suas intersecções de gênero, classe, sexualidade e outras identidades sociais). Para que reflexões sobre raça e racismo aconteçam, faz-se necessário, portanto, que estas questões estejam refletidas nos livros didáticos, no currículo escolar e também na literatura. Destacamos, portanto, a relevância de lermos autoras negras: suas histórias não devem ser apenas apêndices ou complementos ao currículo tradicional, uma vez que essas vozes precisam também fazer parte do processo estruturante de construção do pensamento e reflexão crítica, funcionando assim como força motriz de questionamento do status quo.

Como veremos, é a partir da compreensão de que necessitamos uma educação crítica que promova a desenvolvimento da conscientização crítica, em especial sobre as questões de gênero e raça e suas intersecções, que realizamos este estudo. Desta forma, os conceitos de diálogo crítico, de literatura socialmente engajada (produzidas por mulheres negras) e de letramento racial crítico não apenas guiaram o desenvolvimento do projeto de extensão aqui analisado, mas também servirão como base teórica para a análise dos possíveis efeitos de atividades de leitura de autoria feminina negra com mulheres em contexto de privação de liberdade.

2. METODOLOGIA

Nesta seção apresentamos, primeiramente, o projeto de extensão “Nas Entrelinhas”, fazendo referência ao contexto de investigação e aos processos de concepção e implementação das ações do projeto. Em seguida, descrevemos mais especificamente os instrumentos de pesquisa bem como os procedimentos metodológicos utilizados na coleta e análise de dados.

O projeto de extensão “Nas Entrelinhas: mulheres, literatura e igualdade de gênero no presídio menino de Itajaí”, do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), foi proposto com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (PNUD, 2020PNUD (2020). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/sustainable-development-goals.html Acesso em: 25 Out 2020.
https://www.br.undp.org/content/brazil/p...
) estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que juntos representam uma agenda de temas a serem enfrentados em todo o globo até 2030. Mais especificamente, a concepção do projeto foi alicerçada nos objetivos globais de: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; e alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. O desenho do projeto também justifica-se não apenas pelo contexto brasileiro de encarceramento feminino, mas também pelo contexto de violência contra a mulher no município de Itajaí e pelas demandas identificadas no presídio feminino em questão. Isso porque Itajaí foi a cidade de Santa Catarina que mais registrou denúncias de violência contra mulher em 2017. Segundo dados da Polícia Civil, foram mais de 800 casos registrados entre Janeiro e Agosto em 2017 (G1, 2017), o que demonstra a importância de se trabalhar essas questões em diversas esferas.

O presídio feminino de Itajaí fica localizado próximo a um dos campi do IFSC e tem projetos de remição de pena, em que a apenada tem o direito de diminuir o tempo imposto em sua sentença através do trabalho, estudo ou leitura. Dentre as possibilidades de remição, o presídio já contava anteriormente com um projeto de leitura com a participação de cerca de 150 internas. Neste projeto, intitulado “Despertar pela Leitura” - realizado em Santa Catarina em parceria da Secretaria de Administração Prisional com a Secretaria Estadual de Educação -, as mulheres podem ler até uma obra por mês e, por meio de cada avaliação (que consiste na produção de uma resenha sobre o livro lido), tem o direito à remição de quatro dias da sua pena. Um dos principais desafios deste projeto é a falta de livros, visto que há um alto número de participação de detentas e o acervo da biblioteca, com cerca de mil livros - em geral doações - , não atende à demanda do presídio. Ainda, há pouca variedade de obras disponíveis em termos de temática, gêneros literários e representatividade. Dentro deste contexto, o presídio apresentou a demanda de ampliação do acervo de sua biblioteca, apontando também para a necessidade de abordar a temática de gênero com mulheres em situação de privação de liberdade para contribuir para o seu empoderamento e sua ressocialização. O projeto “Nas Entrelinhas” surge, neste sentido, na tentativa de qualificar o projeto já existente e de contribuir com a necessidade de incorporação da temática de gênero nos presídios femininos para a garantia dos direitos humanos das mulheres. O contexto da população carcerária feminina revela a importância de se promover o letramento crítico para este tema, de forma que essas mulheres tenham oportunidades de desenvolvimento da consciência crítica, tendo como foco a justiça social e a equidade de gênero.

No entanto, se considerarmos que da perspectiva da Pedagogia Crítica e do Letramento Racial Crítico objetiva-se contribuir com o desenvolvimento da consciência crítica, faz-se necessário também criar espaços para a promoção do diálogo crítico. Neste sentido, as ações realizadas pelo projeto consistiram não apenas na ampliação do acervo da biblioteca no presídio, mas também na realização de rodas de conversa ou oficinas para discussão e reflexão acerca de questões de gênero e suas intersecções. Assim, para cada uma das 5 obras selecionadas para o desenvolvimento do projeto no ano de 2019, foram realizadas duas atividades: uma de introdução à obra (quando os livros eram apresentados e entregues às mulheres) e outra de discussão da obra (depois de cerca de um mês da primeira atividade, quando as mulheres já haviam concluído a leitura da obra). Os livros foram selecionados pela equipe multidisciplinar do projeto (formada por professores, técnicos administrativos e discentes extensionistas), tendo como critério de escolha a possibilidade de discussão acerca da intersecção de questões de gênero, raça e etnia. As mulheres participantes do projeto foram divididas em cinco grupos (organizados de acordo com as divisões internas do presídio) e, para cada grupo, uma obra diferente foi selecionada1 1 Cada grupo de mulheres participou das atividades relacionadas a uma das obras (tendo em vista a necessidade de grupos menores para oportunizar a discussão e o diálogo crítico e também a disponibilidade da equipe do projeto para realização das ações). No entanto, é importante destacar que todos os livros passaram a compor o acervo da biblioteca, possibilitando assim que todas as obras pudessem ser lidas por todas as mulheres. . A tabela abaixo apresenta, em ordem cronológica, as obras selecionadas para o projeto bem como as atividades de apresentação e discussão realizadas:

Quadro 1
Atividades realizadas a partir das obras selecionadas para o projeto

Como podemos observar, as atividades de apresentação de cada obra tiveram o objetivo principal de incentivar o interesse das mulheres pela leitura ou pelo tema da obra. Para tanto, buscou-se utilizar diferentes expressões artísticas (leitura dramática, monólogo, teatro, escrita de cartas e música) para introduzir cada uma das obras. Estas atividades puderam ser realizadas em parceria com servidores e alunos integrantes de outros projetos artísticos desenvolvidos pelo IFSC. Já as discussões das obras foram organizadas pela equipe multidisciplinar proponente do projeto, equipe formada por servidores (professores e técnicos administrativos em educação), estudantes extensionistas (como bolsistas ou voluntários) e pela professora da Secretaria Estadual de Educação (SED-SC), responsável pelo projeto de remição de pena no presídio. A partir da leitura e discussão da obra pelos membros da equipe, perguntas-guia eram elaboradas de forma a nortear a discussão em roda de conversa. Como o objetivo era promover o diálogo crítico a partir da obra, buscou-se criar um espaço em que todas pudessem se sentir confortáveis (e tivessem tempo e espaço) para compartilhar suas ideias.

Foram realizados, portanto, 10 encontros de apresentação e discussão das obras. No total, cerca de 70 mulheres participaram das atividades propostas, lendo os livros adquiridos pelo projeto, discutindo-os e depois realizando a prova escrita para remição de pena. Neste sentido, foram cerca de 90 livros comprados para o projeto com os recursos disponíveis, sendo que todos foram doados, após sua utilização nos encontros, para a biblioteca do presídio. O projeto também realizou uma campanha de arrecadação de livros, que reuniu mais de 300 obras que posteriormente passaram a compor o acervo da biblioteca do presídio.

Neste artigo, buscamos investigar os possíveis efeitos das atividades de leitura e discussão de livros escritos por mulheres negras no processo de desenvolvimento da consciência crítica de mulheres em privação de liberdade. Para tanto, focamos na análise do diário reflexivo de uma das alunas da equipe executora do projeto e da percepção de integrantes da equipe executora acerca das três obras escritas por mulheres negras que foram selecionadas para o projeto: Olhos D’Água (EVARISTO, 2014EVARISTO, C. (2014). Olhos d’água. Editora Pallas.), Quarto de Despejo (JESUS, 1963JESUS, C. M. de. (1963). Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, (Edição Popular).) e Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis (ARRAES, 2017ARRAES, J. (2017). Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. São Paulo: Pólen.). O diário reflexivo foi escrito de forma livre e espontânea pela discente extensionista, que cedeu e autorizou a análise deste documento para fins de pesquisa. Julgamos relevante analisar a percepção discente sobre seu processo de reflexão crítica acerca das atividades realizadas uma vez que compreendemos o protagonismo discente como princípio importante de um projeto de extensão, em especial na tentativa de aproximar escola e sociedade. Ainda, de forma a investigar a percepção da equipe executora do projeto acerca das obras selecionadas bem como das atividades realizadas (e seus possíveis impactos no processo de desenvolvimento da consciência crítica tanto da equipe executora do projeto quanto das mulheres em privação de liberdade), questionários foram implementados. Tendo aceito participar do estudo, as integrantes da equipe executora responderam ao questionário (em formato online via Google forms) composto por perguntas abertas em que deveriam descrever, para cada uma das três obras investigadas: 1) sua familiaridade com a obra antes do projeto e sua experiência enquanto leitora da obra e 2) suas percepções acerca das atividades desenvolvidas de apresentação e discussão das obras e seus possíveis impactos para as mulheres em privação de liberdade e para a equipe executora. Elas poderiam, ainda, utilizar um espaço final para tecer outros comentários acerca do projeto que considerassem pertinentes.

Participaram deste estudo seis mulheres integrantes da equipe do projeto: uma professora do ensino básico, técnico e tecnológico; duas técnicas administrativas em educação; a professora orientadora do projeto de remição de pena da Secretaria de Educação (SED-SC); e duas alunas de graduação (uma bolsista e outra voluntária do projeto2 2 O diário reflexivo foi escrito por uma das discentes extensionistas aqui referida como Participante 3. ).

Os dados coletados foram analisados a luz dos princípios da Pedagogia Crítica (em especial a partir dos conceitos de consciência crítica e diálogo crítico) e da perspectiva do Letramento Racial Crítico. As participantes também foram apresentadas às interpretações de suas percepções pelos pesquisadores, podendo então trazer contribuições para a análise. Entendemos este estudo como uma tentativa de promoção da práxis, uma vez que buscamos refletir sobre teoria e prática de forma a melhor compreender as ações das extensionistas, objetivando contribuir com ações futuras similares e refletir sobre o desenvolvimento de ações de ensino crítico, em especial em ambientes não formais de aprendizagem. Como explica Tagata (2018)TAGATA, W. M. (2018). Post-critique in contemporary ELT praxis. Revista Brasileira de Linguística Aplicada,18(2), p. 255-280. DOI: https://dx.doi.org/10.1590/1984-6398201812025
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, “a simbiose entre teoria e prática implícita no conceito freireano de práxis sugere que a prática sem a teoria é ativismo impensado; por outro lado, teoria sem a prática pode levar ao verbalismo idealizado e vazio” (p. 257). É com este objetivo - de trazer um olhar teoricamente informado para as ações do projeto - que apresentamos e discutimos os resultados obtidos na próxima seção.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Iniciamos nossa análise primeiramente focando no diário reflexivo escrito por uma das discentes extensionistas participante do projeto, uma vez que nele a aluna apresenta reflexões sobre sua participação no projeto como um todo. Então, em um segundo momento, analisamos as percepções das mulheres da equipe executora do projeto (a partir daqui referidas como ‘participantes’) acerca: a) dos livros escritos por mulheres negras selecionados para o projeto e b) das atividades realizadas a partir deles durante a execução do projeto.

A análise do diário reflexivo a luz dos conceitos da Pedagogia Crítica e do Letramento Racial Crítico permite identificar, por meio dos relatos apresentados pela discente, aspectos que apontam para: o 1) desenvolvimento da consciência crítica (promovido pelo diálogo crítico oportunizado pelo projeto) e, mais especificamente, para 2) reflexões acerca de questões de privilégio e de desigualdades (em termos de raça e classe, em especial). A discente relata, nesse sentido, que antes da participação no projeto várias perguntas a inquietavam:

Que tipo de roupa se usa pra visitar um presídio? Será que elas vão ficar algemadas? Como funciona uma revista? Vão ter policiais armados? Senti muita curiosidade, estava nervosa e ansiosa. E se essas mulheres não gostarem da nossa presença? Se se sentirem ofendidas com alguma coisa que eu disser? Melhor ficar calada. Se eu sorrir pra elas, elas podem pensar que é deboche? Pelo amor de Deus, não quero ofender ninguém, e nem que pensem que sou só uma branquela indo conhecer o presídio como se fosse um zoológico. Imaginei mil situações, e nenhuma, nem de longe, chegou perto de todos os encontros que tivemos lá... (Participante 3)

Tais questionamentos parecem demonstrar uma preocupação (e até mesmo uma abertura/empatia) em relação ao outro (neste caso, as mulheres em privação de liberdade). Ao mesmo tempo, também demonstram um olhar crítico para o contexto, uma vez que ela parece ter consciência de seus privilégios e se preocupa em não reproduzir uma relação hierárquica e de poder. A participante 3 relata, nesse sentido, que ao conhecer as mulheres em privação de liberdade pôde se sentir menos nervosa e que foi muito bem acolhida. Ao longo do projeto, ela explica ter compreendido que “elas não esperavam nada demais, apenas alguém que as tratassem com respeito e humanidade” e que é preciso conhecer os vários lados de uma história antes de julgá-la.

Conforme podemos observar nos excertos, as reflexões da discente neste primeiro registro do diário demonstram um olhar crítico para o contexto do presídio antes de sua efetiva participação no projeto. Ainda assim, é possível afirmar que seu diário revela que as atividades da quais participou não somente trouxeram reflexões sobre o contexto de privação de liberdade e questões sociais mais amplas, mas que possibilitaram que ela refletisse sobre e agisse em outras esferas de sua vida:

“Você se parece com a minha filha”, “Você é igual a minha neta, posso te dar um abraço?”, “Acho que a minha filha é parecida com você, ela cresceu longe de mim mas era loirinha assim, então acho que pareceria com você” (...) Todo final de encontro eu mandava mensagens pra minha mãe, contava como havia sido, me sentia grata por ter a possibilidade de conversar com as pessoas que eu amo no momento que me desse vontade, e, ao mesmo tempo pensava em como para aquelas mulheres a saudade das pessoas que amam é tão difícil. Ninguém lá poderia fazer uma ligação pra família na hora que quisesse. As cartas e visitas eram limitadas. Muitas estavam longe de casa e nem visitas recebiam (Participante 3).

É importante destacar, dessa forma, que a participação da discente nas atividades do projeto parece ter oportunizado seu engajamento em um processo de ação e reflexão - ou seja, parece ter contribuído com o seu processo de desenvolvimento da consciência crítica. Tal desenvolvimento parece ter sido possível por meio da interação com o outro e através do acesso às histórias de vida e das realidades partilhadas pelas mulheres em privação de liberdade. Ou seja, conforme destaca Freire (2005)FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum., é através de oportunidades de diálogo crítico que melhor compreendemos as diferentes realidades do outro, transformando nossas percepções e pré-conceitos. Ela destaca, ainda, que por meio dos relatos sobre o contexto prisional pôde refletir mais profundamente sobre seus privilégios sociais:

Depois eu soube também da fome, dos banhos frios, do chão duro, da falta de higiene e junto com tudo isso a falta de consideração com a população carcerária. Estava ali, na minha cara, escancarada. Uma realidade que eu sempre ouvi falar, mas nunca havia presenciado. Sempre voltava bem abalada dos encontros e até hoje penso muito nisso, me sentindo impotente demais e decepcionada por não poder mudar isso. Participando do projeto vi que por mais que eu passe por algumas situações difíceis, ainda assim, sou muito privilegiada e grata por tudo que eu tenho (Participante 3).

Mais do que conhecer a história “do outro”, a vivência e o diálogo com as mulheres em privação em liberdade parecem ter feito com que a discente pudesse também se colocar no lugar destas mulheres, em um exercício de empatia. Isso porque ela relata que, ao refletir sobre as histórias destas mulheres, percebe que ela e outras mulheres que conhece (como sua mãe) poderiam estar vivenciando um contexto semelhante: “Poderia ser a minha mãe ou eu. Não somos nós pois tivemos oportunidades diferentes, educação, meio social, até nossa cor de pele... tudo isso é um amontoado de circunstâncias que fizeram com que aquelas mulheres percorressem um caminho que as levou até a prisão”. A discente destaca, portanto, que pôde refletir sobre como desigualdades de classe e raça tem um papel fundamental no processo de exclusão e marginalização social, fomentando assim um processo de desconstrução de mitos (FREIRE, 1973FREIRE, P. (1973). Education for Critical Consciousness. Continuum. Seabury Press: New York.) que são construídos e sustentados socialmente acerca da população carcerária:

Sempre pensei que era muito fácil para as pessoas dizerem que: se não quer ser preso é só não praticar um crime, quando você não vive nas mesmas circunstâncias da outra pessoa. Participando do projeto, mais do que nunca, entendo quando minha mãe dizia para não medir os outros com a minha régua (Participante 3).

Conforme destaca hooks (2013), “a prática do diálogo é um dos meios mais simples com que nós (...) podemos começar a cruzar as fronteiras, as barreiras que podem ser ou não erguidas pela raça, pelo gênero, pela classe social, pela reputação profissional e por um sem-número de outras diferenças” (p. 174). Embora os relatos da participante não façam referência específica às obras abordadas no projeto, eles parecem evidenciar que as atividades desenvolvidas oportunizaram o diálogo crítico entre todos os participantes (equipe executora e mulheres em privação de liberdade). Ela menciona, por exemplo, a importância atribuída pelas mulheres para as atividades realizadas:

Vi como aqueles monólogos, leituras dramáticas e teatros eram a coisa mais extraordinária do mundo para elas, e mesmo para a maioria das pessoas sendo algo simples, muitas ali nunca tinham presenciado nada assim. Vi como cartas de desconhecidos as fizeram chorar e ficarem tão empolgadas, num mundo onde não se escreve mais cartas fora da prisão (Participante 3).

Além disso, a discente destaca, ainda, que o seu aprendizado (que entendemos aqui como o seu desenvolvimento da consciência crítica) foi para além do que poderia ter aprendido somente com os livros, já que se deu por meio da interação e do movimento dialógico e empático:

A aluna que iniciou este projeto se tornou uma pessoa muito diferente ao final dele, e, por isso, tenho muita gratidão ao projeto e, principalmente, à cada mulher que me acolheu como amiga, me abraçou, me lançou um sorriso e se sentiu confortável ao ponto de compartilhar as suas histórias mais íntimas. Mulheres que pensaram que estávamos indo ao presídio para ensiná-las alguma coisa e, no final, acabaram nos ensinando coisas que nenhum livro seria capaz de ensinar (Participante 3).

Por fim, o relato da discente parece demonstrar que o projeto contribuiu para um processo não-hierárquico (e multidimensional) de ensino-aprendizagem, em que a discente - enquanto mediadora das atividades - também pôde se engajar em um processo de reflexão e possivelmente de transformação pessoal.

Já a análise das percepções das integrantes da equipe executora do projeto foi dividida em dois eixos: 1) reflexões acerca da experiência individual de leitura de três obras e 2) reflexões sobre as atividades de leitura e discussão realizadas durante a execução do projeto e seus possíveis impactos. Conforme apontamos na seção de metodologia deste artigo, investigamos aqui as percepções das integrantes da equipe executora do projeto acerca de três obras (escritas por mulheres negras) selecionadas para o projeto e suas respectivas atividades de apresentação e discussão.

A primeira das três obras, Olhos D’Água (EVARISTO, 2014EVARISTO, C. (2014). Olhos d’água. Editora Pallas.), reúne contos que retratam a história de diversas personagens mulheres, evidenciando desigualdades de gênero, raça e classe social:

Sem sentimentalismos facilitadores, mas sempre incorporando a tessitura poética à ficção, os contos de Conceição Evaristo apresentam uma significativa galeria de mulheres [...] Ou serão todas a mesma mulher, captada e recriada no caleidoscópio da literatura em variados instantâneos da vida? [...] Na verdade, essa mulher de muitas faces é emblemática de milhões de brasileiras na sociedade de exclusões que é a nossa (GOMES, 2011, p. 9-10).

Com relação à experiência de leitura da obra, as participantes deste estudo destacam, por meio de suas respostas, que puderam refletir sobre questões sociais e inclusive refletir sobre questões de privilégio (como os de ordem econômica e racial, por exemplo):

Lembro que passei muitos dias pensando na bolha social que eu vivia e que infelizmente a boa parte do povo brasileiro tem histórias muito parecidas com os contos do livro e muito diferentes da minha vida. O livro mudou muito minha percepção sobre meus privilégios e sobre os brasileiros (Participante 1).

Minha experiência com a obra foi primeiro a de identificação com a autora, depois a emoção à flor da pele a cada história narrada que tanto aproxima-se da realidade de tantas pessoas que vivem à margem da sociedade, sobretudo as mulheres pretas pobres (Participante 5).

Esse texto e a escrita da Conceição Evaristo, através dos seus contos e da sua escrevivência, tem a capacidade de me teletransportar para a vivência da personagem. Para mim, enquanto mulher branca, é uma realidade tão distante, a vivida nos contos, que lê-los e minimamente estar empática ao contexto de violência e opressão que mulheres negras sofrem, me conecta muito ao enfrentamento ao racismo (Participante 6).

Muito embora as participantes não necessariamente se reconheçam nas histórias, uma vez que ocupam lugares de privilégio (como no caso da participante 6, que afirma que a realidade dos contos lhe parece distante por ser uma mulher branca), elas relatam que a leitura suscitou reflexões sobre realidades diferentes daquelas vivenciadas por elas. Pode-se afirmar, neste sentido, que a leitura da obra parece ter propiciado a reflexão sobre questões de classe, gênero e raça a partir de diferentes histórias que, apesar de ficcionais, representam as vivências de muitas mulheres brasileiras.

Já no que diz respeito às percepções acerca das atividades realizadas no presídio como forma de discutir a obra, é interessante observar que todas as participantes deste estudo que estiveram presentes no dia da execução da atividade relataram terem ficado surpresas com a reação e o feedback das mulheres em privação de liberdade. Isto porque, conforme as participantes destacam em seus relatos, após a leitura da obra e durante a roda de conversa, as mulheres em privação de liberdade demonstraram insatisfação com as histórias do livro uma vez que, por se tratar de histórias de realidades duras de mulheres em situações de vulnerabilidade e violência, elas as fizeram rememorar situações difíceis de suas próprias vidas:

Na ocasião, essas mulheres demonstraram não gostar da escolha desse livro justamente por ele fazê-las relembrar suas histórias e vivências, o que, de certa forma foi negativo para elas, pois causou sofrimento (Participante 2).

As alunas afirmaram que a leitura da obra não trouxe boas reflexões para elas, uma vez que elas conheciam a realidade apresentada nos textos e viveram por muito tempo. Enquanto a equipe executora pôde conhecer uma realidade que não foi vivida por muitos deles, as estudantes reviveram essa realidade em um momento triste e dura das suas vidas, o cárcere (Participante 3).

Não me esqueço das mulheres entrando na sala, (...) das falas delas com relação a como o livro mexeu com elas. Lembro de uma das mulheres dizer: ‘que era fácil ler aquele livro, no ar condicionado, comendo sushi. Mas não na realidade em que elas estavam, porque os contos traziam lembranças que elas queriam esquecer (Participante 6).

Se por um lado estes relatos destacam a importância de reconhecermos e considerarmos as diversas subjetividades de sujeitos no processo de desenvolvimento da consciência crítica (HOOKS, 1994HOOKS, b. (1994). Teaching to transgress: Education as the practice of freedom. New York: Routledge .) - já que estes indivíduos têm histórias e vivências que não podem ser ignoradas -, essas narrativas também indicam um posicionamento das mulheres em privação de liberdade para com a obra. Nesse sentido, conforme as participantes recontam, as histórias do livro pareceram dialogar com as realidades das mulheres em privação de liberdade - realidades estas que geram incômodo, frustração, etc. De certa forma, conforme os relatos mencionados, as mulheres privadas de liberdade parecem destacar que suas condições de vida são diferentes daquelas da equipe executora do projeto - a participante 6, por exemplo, diz que uma das mulheres afirmou durante a roda de conversa que é fácil ler sobre uma realidade dura quando não se faz parte dela.

Neste sentido, percebemos este processo de reconhecimento das diferentes realidades da equipe executora e das mulheres privadas de liberdade como uma etapa importante para a promoção do diálogo crítico. Conforme destacado pelas participantes deste estudo, as mulheres em privação de liberdade parecem ter se sentido confortáveis para compartilhar sua insatisfação acerca da obra, inclusive demonstrando que suas vivências e realidades também poderiam gerar reflexão e aprendizagem por meio de um processo horizontal e não-hierárquico.

Assim, para as mulheres integrantes da equipe executora do projeto, as atividades relacionadas ao livro “Olhos D›Água” - primeiro livro abordado pelo projeto no presídio - parecem ter gerado reflexões acerca dos seus lugares de fala bem como dos seus papéis de mediadoras durante as conversas:

Para mim, em especial, essa roda foi bem importante porque me “colocou de volta no meu lugar”, em perceber que a minha vivência com a obra, enquanto leitora que não vive realidades como as retratadas é completamente diferente, de quem se reconhece nos contos ou se reconhece em outros. Na roda de conversa, elas estavam muito resistentes, demorou para construirmos um consenso de que por mais difícil, como era importante ter vozes e letras como a da Evaristo, contando histórias “marginais”, sobre a importância de que mais pessoas em um lugar de privilégio possam conhecer essa realidade, se (in)conformar diante dela e possam agir para transformar (Participante 6).

[...] de forma geral, penso que o saldo final da atividade foi positivo, pois fez com que nós, participantes e colaboradores, repensássemos esse nosso “lugar de fala” e organizássemos melhor as próximas atividades. Lembrando também que as participantes e colaboradoras souberam muito bem intervir na atividade de forma a não deixar as mulheres privadas de liberdade sem uma escuta qualificada, sem o manejo e fechamento necessário da atividade (Participante 2).

Pode-se perceber, desta forma, que para as participantes deste estudo as reações das mulheres em privação de liberdade causou não apenas surpresa mas também momentos de reflexão. Os sentimentos de surpresa parecem surgir exatamente por conta das posicionalidades sociais e identitárias distintas de dois grupos de mulheres: para as participantes deste estudo, a obra escolhida traria inicialmente reflexões e reações positivas relacionadas à representatividade; contudo, a reação das mulheres em privação de liberdade (em geral, incômodo e tristeza) revela para as mulheres da equipe executora outras faces do processo reflexivo causado pela leitura, dando a elas a oportunidade de melhor compreender a complexidade do local que essas mulheres ocupam na sociedade. Conforme ressaltam Shin e Crookes (2005)SHIN, H.; CROOKES, G. (2005). Exploring the Possibilities for EFL Critical Pedagogy in Korea: A Two-Part Case Study, Critical Inquiry in Language Studies, 2:2, p. 113-136/ DOI: 10.1207/s15427595cils0202_3
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, o diálogo crítico torna-se um espaço para experiências transformadoras em que, através das colocações do outro, torna-se possível reconfigurar percepções e repensar crenças.

A segunda obra cujas atividades de leitura e discussão analisamos neste trabalho é “O Quarto de Despejo” (JESUS, 1963JESUS, C. M. de. (1963). Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, (Edição Popular).), que consiste nos diários de Carolina Maria de Jesus. Nele, conhecemos as dificuldades e a resiliência de uma mulher negra, pobre, moradora da favela e mãe de três filhos. Apesar de não ter tido a oportunidade de estudar, é através da sua escrita que ela consegue se expressar e fazer sua história ser ouvida. Para Coronel (2014)CORONEL, L. P. (2014). A censura ao direito de sonhar em Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. Estud. Lit. Bras. Contemp., Brasília , n. 44, p. 271-288, Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-40182014000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 out 2020. https://doi.org/10.1590/2316-40184412.
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, os relatos de Carolina “revelam o talento da autora na reconstrução textual da rotina de privações sofridas na favela do Canindé, em São Paulo, entre as quais se encontra com frequência a experiência da fome” (p. 272).

Ao analisarmos as percepções das participantes deste estudo acerca da leitura dessa obra, é possível perceber que a temática de desigualdade social parece ter oportunizado reflexões sobre as configurações das intersecções de gênero, raça e classe:

Esse livro virou minha cabeça de novo e fez eu pensar mais uma vez na minha bolha social e intelectual que eu vivia. De ler livros com a gramática correta, escritos (na maioria) por homens brancos, livros sem significado cultural nenhum, sem raiz nenhuma com o país que eu vivo. Essa obra é cheia de significado, o jeito que ela é contada, a escrita, a história, o que acontece depois. Dói a leitura, dói a fome das crianças, dói ver tudo que ela passou (Participante 1).

Enquanto leitora, o que mais me chamou a atenção foram os relatos reais da vida na favela, do preconceito vivido, da pobreza, da fome e da necessidade do desenvolvimento de políticas públicas para atender a essa população (Participante 2).

A segunda leitura foi mais analítica e, assim como Olhos D’água, me gerou um certo incômodo pela realidade e ao mesmo tempo pela impotência de realizar mudanças quanto à isso em grande escala. Todos os livros e encontros me fizeram mais empática e mais consciente sobre as realidades alheias. Por mais que eu já soubesse de toda a desigualdade social e tudo mais, às vezes não tinha consciência do quão próximo e ao mesmo tempo tão distante eu estou disso (Participante 3).

De forma semelhante às percepções acerca de Olhos D’Água, a obra de Carolina parece ter feito com que as mulheres da equipe executora refletissem sobre realidades diferentes das suas, possivelmente reconhecendo assim seu lugar de privilégio. Para a Participante 5, por exemplo, o livro “continua sendo o retrato social do nosso país”. Ao mesmo tempo, algumas de suas respostas ao questionário apontam que o livro, mesmo apresentando a dura realidade de Carolina Maria de Jesus, traz inspiração e/ou motivação:

Mas apesar disso é muito bom poder apreciar essa obra e saber da onde ela [Carolina Maria de Jesus] veio e pra onde ela foi (Participante 1).

É confortante e traz uma esperança imensa saber que o sonho da autora, que era escrever um livro, se tornou realidade (Participante 2).

Essa obra me emociona, mexe comigo e me inspira (Participante 5).

Quanto às percepções das participantes acerca das atividades de apresentação e discussão da obra (que consistiram em uma apresentação de teatro realizada pelos alunos do IFSC e por uma roda de conversa, conforme detalhamos na seção anterior), em geral as participantes destacam que as atividades - em especial a peça teatral - promoveram a identificação das mulheres com a história, que se emocionaram e se sentiram acolhidas pelos alunos e pela equipe executora:

Foi apresentado um teatro do livro “Quarto de despejo” de Carolina Maria de Jesus, pelo alunos do clube de teatro e logo depois oferecemos um café da manhã para as mulheres em privação de liberdade. Esse dia foi triste e lindo. Triste de ver toda a dor e o choro delas com a apresentação da peça, e lindo de ver elas no palco cantando e dançando com a alma. Muitas delas nunca haviam visto um teatro. Foi um momento incrível de interação com elas (Participante 1).

Um grande impacto foi levar as detentas para assistir à representação da história do livro pelos alunos do IFSC, ver muitas das mulheres se identificando com a história, falando como era a primeira vez que tinham contato com esse tipo de arte, e, em seguida, tendo uma conversa mais íntima com as mulheres durante o café que oferecemos. Foi muito impactante ver a tristeza de identificação das mulheres e ao mesmo tempo a gratidão por um gesto considerado, pela maioria das pessoas, simples (Participante 3).

Foi impressionante ver o quanto os alunos do IFSC se dedicaram a acolher, receber e cuidar das mulheres durante o momento em que elas estiveram ali. Também a conexão das mulheres com a obra. (Participante 6).

Os relatos apontam para a importância não somente da literatura, mas também da arte e da cultura como um todo para o processo de humanização, conforme defende Candido (1994). Além disso, eles parecem indicar que a identificação das mulheres em privação de liberdade com a obra foi possível por conta de um contexto maior de acolhimento, uma vez que elas puderam ocupar o espaço da instituição escolar - distanciando-se, de certa forma, do ambiente físico do presídio e quiçá da própria identidade de “mulher em privação de liberdade”.

Como alguns dos relatos mencionam, muitas das mulheres não haviam sequer visto uma peça de teatro antes da atividade. Da mesma forma, como a Participante 1 descreve, as mulheres em privação de liberdade inclusive cantaram e dançaram com os alunos. A partir dos excertos, é importante destacar o impacto que a atividade pode ter tido para os alunos que propuseram a atividade: embora este estudo não investigue especificamente a percepção dos estudantes, as participantes deste estudo relatam o engajamento e dedicação destes no processo de acolhimento das mulheres em privação de liberdade. Argumentamos, nesse sentido, que este tipo de ação em que diferentes realidades dialogam (e possivelmente se conectam) pode ter papel importante para o processo de humanização e de desenvolvimento da consciência crítica.

As participantes enfatizam, ainda, que a equipe executora pôde, ao longo do desenvolvimento destas atividades, refletir e aprender sobre como oportunizar a reflexão crítica e, ao mesmo tempo, reconhecer e acolher todas as participantes e suas subjetividades:

Penso que a atividade foi riquíssima, pois, além da discussão com a obra em si, que proporcionou a identificação por parte de algumas participantes, também foi possível conhecer um pouco mais da vida após a publicação do diário e demais obras de Carolina Maria de Jesus (...) (Participante 2).

(...) já estávamos mais preparados para mediar questões profundas como as que o livro trouxe e também a peça termina com uma música e celebrando a jornada da Carolina e do povo negro. Foi uma catarse coletiva esse espetáculo. As discussões na roda de conversa, depois no retorno também foram bem produtivas (Participante 6).

Destacamos, portanto, a importância de promover atividades sensíveis às realidades de todos aquele envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Isso porque, para que efetivamente tenhamos o desenvolvimento de consciência crítica (FREIRE, 2005FREIRE, P. (2005). Pedagogy of the Oppressed. New York: Continuum.) não basta que percebamos as injustiças sociais. É preciso, nesse sentido, que as atividades também apontem alternativas e/ou gerem reflexões sobre como as desigualdades de gênero, classe e raça possam ser combatidas. Entendemos que o próprio movimento de engajamento das participantes com a leitura - seja por meio da contestação ou da identificação com as obras - são exemplos de ação a partir da reflexão crítica.

Finalmente, a terceira obra cujas atividades de leitura e discussão são aqui investigadas intitula-se “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis”, de autoria de Jarid Arraes (2017)ARRAES, J. (2017). Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. São Paulo: Pólen.. Nessa obra, a autora resgata as histórias de mulheres negras importantes na História do Brasil, mas que muito raramente aparecem como protagonistas nas páginas de livros escolares e acadêmicos. De acordo com Oliveira (2019), “a cordelista apresenta uma nova versão para a história de mulheres negras, como Antonieta de Barros, Carolina Maria de Jesus, Dandara dos Palmares, Maria Firmina dos Reis, dentre outras, evidenciando os silenciamentos dos discursos oficiais” (p. 142).

A análise da percepção das participantes deste estudo acerca da leitura desta obra parece reforçar este silenciamento, uma vez que de forma geral as participantes destacam que puderam refletir sobre a importância de dar visibilidade às histórias que, embora muito importantes, não fazem parte da “história oficial” - ou seja, do discurso hegemônico sobre a construção histórica do Brasil:

Você relembra e conhece mulheres da história brasileira de um jeito singular e sentimental. Esse livro me fez refletir como as mulheres são ignoradas na história brasileira, principalmente mulheres negras (Participante 1).

Minha experiência como mulher branca lendo o livro, com certeza, foi totalmente diferente de uma mulher negra. A reflexão gerada foi a de como a história de mulheres negras são esquecidas e sem relevância, substituídas por milhares de histórias de homens e, em segundo lugar, mulheres brancas. Mostrou a importância da representatividade negra na literatura, e como foi importante para as participantes negras terem alguém como elas para admirar (Participante 3).

De forma semelhante às percepções relacionadas às obras de Evaristo (2014)EVARISTO, C. (2014). Olhos d’água. Editora Pallas. e Jesus (1963)JESUS, C. M. de. (1963). Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9. ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, (Edição Popular)., as participantes do estudo relatam terem refletido sobre questões de desigualdade, em especial em termos de raça, a partir da obra de Arraes (2017)ARRAES, J. (2017). Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. São Paulo: Pólen.. O relato da Participante 3, por exemplo, enfatiza uma compreensão interseccional das desigualdades de gênero e raça, ao mencionar que os homens ocupam lugar de destaque na história oficial, e que quando há espaço para mulheres elas são, em geral, mulheres brancas. As participantes demonstram também que consideram importante que histórias de mulheres negras sejam conhecidas pelas mulheres em privação de liberdade.

No que diz respeito às atividades de apresentação e discussão da obra realizadas no presídio, as participantes deram destaque ao fato de as mulheres em privação de liberdade terem apresentado reações positivas à obra e à importância do uso da música e de vídeos para apresentar e discutir os cordéis de Arraes (2017)ARRAES, J. (2017). Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. São Paulo: Pólen.:

Pude perceber que as mulheres adoraram escutar a música tocando “ao vivo”, especialmente para elas! (...) Entendo que a arte nesse projeto tem papel essencial: demonstrar emoção a partir do que não é óbvio, do que não é esperado (Participante 2).

Fizemos uma atividade bem legal, com o professor de Artes (...), em que ele trouxe o pandeiro e cantou cordéis, trouxe uma explicação do que eram e o que significavam. Foi bem alegre e rico! Elas gostaram bastante do livro, apresentaram as heroínas que mais gostaram (Participante 6).

Na visão das participantes, as atividades culturais envolvendo teatro (como no caso do “Quarto de Despejo”) e música (como no caso de “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis) parecem ter tido papel importante não apenas no processo de sensibilização e mobilização acerca de questões de gênero e raça, mas também na construção de uma relação afetiva de acolhimento e de abertura para o diálogo. Neste sentido, o relato das participantes parece reforçar a ideia de que é também através da arte e da cultura que o processo de humanização acontece, podendo assim contribuir para a construção de vínculos e, neste sentido, possibilitar a construção de conhecimento crítico e coletivo.

Neste projeto, portanto, as obras trabalhadas bem como as atividades desenvolvidas para apresentação e/ou discussão das mesmas parecem ter funcionado como os símbolos sugeridos por Freire em seu trabalho de alfabetização na década de 60. Conforme explica Crookes (2013)CROOKES, G. V. (2013). Critical ELT in action: Foundations, promises, praxis. New York: Routledge., estes símbolos (que podem ser imagens, músicas, vídeos, leituras, ou no caso deste projeto, as diferentes atividades realizadas na apresentação e discussão das obras), funcionam como um “recurso projetor que permite ao aprendiz articular sua própria - de certa forma imprevisível - interpretação de uma situação potencialmente relevante para sua vida” (p. 61, nossa tradução). O autor ressalta que o uso de símbolos permite o estabelecimento de identificação emocional, servindo como instigador e facilitador do processo de desenvolvimento da reflexão crítica.

Por fim, ao refletir sobre o projeto como um todo, as participantes destacaram a importância das ações desenvolvidas para o aumento do acervo da biblioteca e para a promoção do desenvolvimento da consciência crítica das mulheres e da própria equipe executora do projeto:

O projeto “Nas entrelinhas” proporciona o aumento do acervo da biblioteca do presídio, que é formada apenas por doações e na maioria das vezes recebe livros que não proporciona reflexões, críticas e que não dialogam com a vida das leitoras. É uma ação muito importante do projeto pois mantém as ações reverberantes por mais tempo (Participante 4).

Creio que um ponto diferencial do projeto de leitura foi a integração com as artes! Acho que trouxe um aprofundamento nas obras muito intenso e para várias delas, era a primeira vez por exemplo, que assistiam a uma leitura dramática, a uma peça de teatro, que ouviam um cordel. Para mim, foi a extensão realmente como deve ser, um relação dialética e dialógica. Foi uma experiência transformadora na minha vida, não só de conhecer mulheres em privação de liberdade, mas poder aprender com elas através da escuta, do apoio e do acolhimento (Participante 6).

De forma geral, as percepções da equipe executora do projeto enfatizam não apenas a potencialidade da literatura (e das artes de forma geral) como instigadora do processo de desenvolvimento da consciência crítica, mas também a necessidade do reconhecimento (e atenção) para com as diversas subjetividades de todas as mulheres envolvidas nas atividades:

Ficou evidente que as mulheres gostavam bastante quando “alguém de fora” participava das atividades. Elas abraçavam, agradeciam, demonstravam essa identificação e pertencimento com a atividade, com o momento (...) A escuta qualificada é necessária pois há sofrimento psíquico nas falas (culpa, saudade dos familiares, raiva, apatia, medo...). Além disso, questiono-me de que forma essas mulheres estarão (psicologicamente falando) ao “retornarem à sociedade”. Há um preparo para tal? Questiono-me também a respeito da formação e do preparo dos agentes para lidar no dia-a-dia com essas mulheres e essa realidade… (Participante 1).

Como aponta a Participante 1, embora o projeto tenha possibilitado a escuta e a troca (envolvendo as mulheres em privação de liberdade e a equipe executora do projeto) por meio do diálogo crítico, as ações desenvolvidas são pontuais e, por isso, apontam para a necessidade de políticas estruturantes que levem em consideração as necessidades das mulheres em privação de liberdade, em especial no que diz respeito à questão psicológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados aqui analisados parecem apontar para a possibilidade de promoção da consciência crítica por meio da literatura (em especial aquela produzida por mulheres negras). Nesse sentido, a literatura engajada, conforme postula Candido (1994), parece ter oportunizado - na visão das mulheres da equipe executora - a reflexão acerca de questões de gênero, classe e raça. Ao mesmo tempo, fica evidente a importância de considerarmos todos os sujeitos e suas subjetividades no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que o diálogo crítico envolve reflexão, abertura e empatia. Embora a literatura possa ser um instrumento útil, a maneira como as atividades foram conduzidas parece ter sido fundamental para criar uma atmosfera em que todas as participantes pudessem se sentir seguras e acolhidas. As atividades culturais (teatro, música, e leitura dramática) também parecem ter contribuído para o processo de humanização e de acolhimento das participantes.

Fica evidente, portanto, a relevância de projetos educacionais - formais ou não formais - que tenham em mente não apenas o papel da literatura no processo de desenvolvimento da consciência crítica e cidadã (ou seja, no desenvolvimento de agência a partir de uma compreensão da sociedade e de suas forças estruturantes), mas também as especificidades do trabalho com um público para o qual a literatura ainda não é assegurada enquanto direito humano (CANDIDO, 1994).

  • 1
    Cada grupo de mulheres participou das atividades relacionadas a uma das obras (tendo em vista a necessidade de grupos menores para oportunizar a discussão e o diálogo crítico e também a disponibilidade da equipe do projeto para realização das ações). No entanto, é importante destacar que todos os livros passaram a compor o acervo da biblioteca, possibilitando assim que todas as obras pudessem ser lidas por todas as mulheres.
  • 2
    O diário reflexivo foi escrito por uma das discentes extensionistas aqui referida como Participante 3.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2020
  • Aceito
    03 Mar 2021
  • Publicado
    22 Mar 2021
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