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“FAVELA NÃO SE CALA”: MERCANTILIZAÇÃO, MATERIALIDADE E IDEOLOGIA DA LINGUAGEM NA COOPERAÇÃO TRANSPERIFÉRICA

“FAVELA DOES NOT SHUT UP”: COMMODIFICATION, MATERIALITY, AND IDEOLOGY OF LANGUAGE IN TRANS-PERIPHERAL COOPERATION

RESUMO

Com base em pesquisa de campo no Complexo do Alemão, um conjunto de favelas no Rio de Janeiro, este artigo discute o surgimento de recursos comunicativos que respondem à mercantilização de direitos, bens comuns e serviços, como o direito à cidade, à moradia e à segurança pública. Em interação transperiférica - isto é, em um evento que envolveu movimentos sociais de periferia da África do Sul e de diferentes favelas do Rio de Janeiro - os ativistas que observei, embora não tematizem linguagem como objeto independente, revelaram alta reflexividade sobre mercantilização de recursos comunicativos no capitalismo, particularmente atrelada ao silenciamento de negros, pobres e outras minorias. Linguagem e materialidade (do corpo e da luta contra a mercantilização de direitos) aparecem como elementos híbridos no discurso dos ativistas - ou seja, fazem parte de um todo material, nos termos de Bruno Latour, sendo estratégica e situacionalmente objetificados ou “purificados” em momentos-chave do debate. O conjunto de evidências que apresento nessa análise apontam limites para a divisão que críticos da noção de mercantilização e materialidade da linguagem (dentre eles, David Block, Marnie Holborow, William Simpson e John O’Regan) estabelecem entre discurso e realidade, ou entre epistemologia e ontologia. Para esses autores, a linguagem só pode ser metafórica, mas não literalmente, considerada uma mercadoria (material) no capitalismo, o que é contradito pelos meus dados. O artigo aponta, finalmente, que a separação entre discurso e realidade na crítica marxista dos autores é o produto de uma ideologia semiótica modernista e calvinista, não problematizada pelos autores.

Palavras-chave:
mercantilização da linguagem; materialidade; necropolítica; Complexo do Alemão

ABSTRACT

Based on fieldwork in the Complexo do Alemão, a group of favelas in Rio de Janeiro, this paper discusses the emergence of communicative resources in response to the commodification of rights, common goods and services, such as the right to the city, to housing and to public security. The paper delineates a transperipheral interaction - i.e., an event that gathered participants of social movements from the peripheries of South Africa and Rio de Janeiro - in which activists display an acute reflexivity about the commodification of communicative resources in capitalism. Even though they do not objectify language as an independent phenomenon, these activists portray the commodification of communicative resources as historically intertwined with the silencing of Blacks, the poor and other minorities. Language and materiality (of the body and of the struggle against the commodification of rights) surface as hybrid elements in the activists’ discourse - that is, language and materiality are part of a material whole, in Latour’s terms; activists strategically and situationally objectify or “purify” them in key moments of the debate. The evidences I bring in the analysis point to limits in the division that critics of the notion of language commodification and materiality (especially David Block, Marnie Holborow, William Simpson and John O’Regan) draw between discourse and reality, or between epistemology and ontology. For these critics, language can only be metaphorically, rather than literally, regarded as a (material) commodity in capitalism - which is contradicted by my data. The article finally claims that the separation between discourse and reality in their Marxist critique is the product of a Calvinist modernist semiotic ideology that the authors do not problematize.

Keywords:
language commodification; materiality; necropolitics; Complexo do Alemão

INTRODUÇÃO

Com base em pesquisa de campo no Complexo do Alemão, um grupo de favelas na zona norte do Rio de Janeiro, este artigo visa delinear como ativistas locais, em diálogo com um grupo de ativistas da África do Sul, narram o papel de recursos comunicativos em sua resistência à transformação do direito à cidade em negócios. Mais especificamente, o artigo analisa uma interação transperiférica - isto é, um evento organizado no Complexo do Alemão em 2013 pela ONG local Raízes em Movimento, que promoveu o diálogo de militantes de diferentes favelas no Rio de Janeiro e representantes do movimento social Abahlali, da África do Sul - e constrói uma vinheta enfatizando a reflexividade dos participantes sobre o “valor” de recursos comunicativos em um contexto de militarização, remoções e criminalização da pobreza.

O argumento sobre o valor linguístico que desenvolvo a seguir ecoa um conjunto de proposições já antigas nos estudos da linguagem e encontra uma fricção contemporânea no cerne do debate deste dossiê. Dito de outro modo, ao passo que autores como Saussure (1916) e Bourdieu (1977BOURDIEU, P. (1977). L’économie des échanges linguistiques. Langue Française, v. 34, p. 17-34.) já haviam diversamente percebido uma relação entre o valor linguístico e o valor econômico, nas duas últimas décadas autores nos campos da Sociolinguística, Antropologia Linguística e Linguística Aplicada vêm apontando que a reorganização das economias de mercado das nações capitalistas tem intensificado o tratamento da linguagem como mercadoria. Assim, autoras como Heller (2010HELLER, M. (2010). The commodification of language. Annual Review of Anthropology, v. 39, p. 101-114. ) e Urciuoli (2008URCIUOLI, B. (2008). Skills and selves in the new workplace. American Ethnologist, v. 35, n. 2, p. 211-228.) argumentam que as transformações nas últimas décadas do emprego (do chão de fábrica para as esferas de serviços e conhecimento), da circulação do capital (rumo à intensificação da globalização) e das próprias economias de mercado (em direção à desregulamentação de mercados e à supressão de diretos do trabalho) vêm intensificando a saliência da linguagem “como um recurso com valor de troca, [o que vem aumentando] com a crescente importância da linguagem na nova economia globalizada sob as condições políticas do capitalismo recente” (HELLER, 2010HELLER, M. (2010). The commodification of language. Annual Review of Anthropology, v. 39, p. 101-114. , p. 101). Um exemplo desse processo é fornecido por Urcioli (2008), que delineia uma linguagem sistemática nos Estados Unidos sobre indivíduos vistos não mais como trabalhadores em mercados regulados, mas como pessoas que devem adquirir habilidades - dentre elas a “comunicação” - para vendê-las em condições cada vez mais “flexíveis” (precarizadas) de trabalho.

Conforme detalho na seção 2, essa posição de que as condições atuais do capitalismo - em que indivíduos são cada vez mais empreendedores de si (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. (2008). The birth of biopolitics: lectures at the Collège de France, 1978-79. Translated by G. Burchell. New York: Palgrave Macmillan. ) - intensificam o tratamento da linguagem como mercadoria com valor de troca no mercado tem encontrado críticas, realizadas notadamente por autores como David Block, Marnie Holborow, William Simpson e John O’Regan. O excerto a seguir resume a crítica endereçada à proposição de que a linguagem vem crescentemente sendo mercantilizada no capitalismo recente:

[...] há pouca dúvida de que a linguagem é agora tratada como habilidade que, de fato, pode ser comprada e vendida nos mercados. No entanto, apesar de tudo isso, autores como Block [...], Holborow [...] e McGill [...] têm manifestado um grau de ceticismo com relação ao argumento de que a linguagem tem, como resultado de tais desenvolvimentos, se tornado ‘mercantilizada’, a menos que estejamos usando ‘mercantilização’ no sentido mais prosaico de um processo simples pelo qual um objeto é situado em uma relação de mercado de algum tipo e trocado por dinheiro, e não no sentido marxista de um produto que encarna o trabalho encapsulado dos trabalhadores, o qual, quando vendido, produz mais-valia para capitalistas que controlam os meios de produção. (BLOCK, 2017BLOCK, D. (2017). Political economy in applied linguistics research. Language Teaching, v. 50, n. 1, p. 32-64 , p. 44)1 1 A tradução de excertos de textos consultados em língua estrangeira foi realizada por mim.

Perceba que Block procura especificar o campo referencial do termo “mercantilização da linguagem”. O autor afirma que a expressão não aponta para o funcionamento da economia capitalista - tal como especificado por Karl Marx - mas sim para um campo “mais prosaico”, não necessariamente capitalista, no qual algum objeto é trocado por dinheiro em um mercado. Block e outros autores (p. ex., HOLBOROW, 2015HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. ; SIMPSON; O’REGAN, 2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166.; SIMPSON, 2020) apontam, assim, que “mercantilização da linguagem” é apenas uma metáfora - e que metáforas são discurso sobre a realidade e não a realidade em si. Explicando essa visão bifurcada de visa social - isto é, linguagem de um lado e realidade do outro -, Block (2018a, p. 46) afirma que não se pode “misturar representações da realidade, tal como social ou discursivamente construídas, com a realidade em si, assim reduzindo a ontologia à epistemologia”. O autor propõe, portanto, uma separação entre discurso e realidade - ou entre metáfora e literalidade, ou ainda entre epistemologia e ontologia.

Minha experiência no campo aponta para limitações na leitura de Block e colaboradores sobre o processo de mercantilização na linguagem. Como descrevo a seguir, os participantes na interação que acompanhei em 2013 - muitos dos quais são meus interlocutores até hoje - rejeitam a separação entre ontologia e episteme, ou realidade e discurso, nos termos de Block. Dito de outro modo, a linguagem está imbricada num todo material e corpóreo, de tal modo que sua ontologia (ou o que esses recursos “realmente” são, p. ex., mercadorias) não se separa facilmente de sua episteme (o que se diz que esses recursos são). Nesse sentido, entendo que o caso etnográfico que delineio neste artigo é mais uma evidência sobre os modos como os recursos da linguagem são mercantilizados e sobre como os despossuídos do capitalismo vêm lidando com esse processo. Em um nível metateórico, este caso etnográfico aponta limites e problemas em leituras idealistas como a de Block e seus colaboradores, nos termos específicos a seguir.

A reflexão que se segue está organizada do seguinte modo. A seção 1 oferece especificidade histórica para a tese da mercantilização da linguagem, apresenta brevemente a noção de neoliberalismo e fornece detalhes sobre a visão crítica à mercantilização linguística. A seção 2 situa meu campo de pesquisa, dando ênfase à maneira como a questão da informalidade do trabalho já aponta para uma limitação da posição idealista que detalho na seção 1. A seção também introduz o evento “Circulando”, cuja edição de 2013 contou com ativistas sul-africanos que participaram de um movimento contra remoções forçadas para a Copa do Mundo de 2010. A seção 3 descreve a interação entre os ativistas sul-africanos e os moradores de favelas no Rio de Janeiro. Com base numa análise situada de momentos-chave da interação, procuro discutir a hibridização, nos termos de Latour (1994LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos. São Paulo: Ed. 34. ), de recursos comunicativos, corpo e crítica ao capitalismo; aponto também momentos de purificação ou objetificação situacional desses elementos. A seção final, a partir de uma síntese da evidência empírica apresentada, retoma a crítica à posição idealista de Holborow (2015)HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. , Simpson e O’Regan (2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166.), Simpson (2020) e Block (2017BLOCK, D. (2017). Political economy in applied linguistics research. Language Teaching, v. 50, n. 1, p. 32-64 , 2018a e b), entre outros, destacando a ideologia semiótica que funda sua dicotomização de discurso e realidade, bem como sua rejeição à noção de mercantilização da linguagem.

1. LINGUAGEM, MERCANTILIZAÇÃO E CAPITALISMO

Na década de 1970, Pierre Bourdieu procurou reinterpretar algumas formulações da linguística de então a partir de um enquadre econômico. Assim, Bourdieu (1977) relê tanto conceitos fundacionais da linguística quanto sistematizações sobre diferença linguística da então recém-criada sociolinguística nos termos de um “mercado linguístico”. No excerto a seguir, o autor estabelece relação explícita entre trocas linguísticas e trocas econômicas:

O valor social dos produtos linguísticos só lhes chega na sua relação com o mercado, ou seja, na e através da relação competitiva objetiva que os opõe a todos os outros produtos [...] e em que seu valor distintivo é determinado: o valor social, como o valor linguístico segundo Saussure, está ligado à variação, à lacuna distintiva, à posição da variante considerada no sistema de variantes. No entanto, os produtos de certas competências apenas proporcionam um benefício de distinção na medida em que, devido à relação que une o sistema das diferenças linguísticas e o sistema das diferenças econômicas e sociais, não se trata de um universo relativista das diferenças que se relativiza, mas um universo hierárquico de desvios de uma forma de discurso reconhecida como legítima. Em outras palavras, a competência dominante funciona como capital linguístico, garantindo um lucro de distinção na sua relação com as outras competências [...] apenas na medida em que os grupos que a detêm são capazes de impô-la como a única legítima nos mercados linguísticos legítimos (escolar, administrativo, mercado social, etc.). (BOURDIEU, 1977BOURDIEU, P. (1977). L’économie des échanges linguistiques. Langue Française, v. 34, p. 17-34., p. 24, itálicos do autor)

Para Bourdieu, “o sistema das diferenças linguísticas” encontra-se unido “ao sistema das diferenças econômicas e sociais”, de modo que deter a competência de uma variedade legítima permite que um/a falante tenha “lucro de distinção” no mercado - “escolar, administrativo, mundano etc.”

Obviamente, Bourdieu não foi o primeiro a estabelecer a relação entre valor linguístico e valor econômico. O próprio Saussure demonstra no capítulo “O valor linguístico” de seu Curso de Linguística Geral ter extraído a noção de valor linguístico do conceito de valor monetário em economia (SAUSSURE, 1986SAUSSURE, F. (1986 [1916]). Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix. [1916], p. 134). Além disso, a literatura sobre circulação de dádivas em sociedades pré-capitalistas (MAUSS, 2003MAUSS, M. (2003). Ensaio sobre a dádiva. In: Mauss, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naif, p. 183-314. [1925]) ou sobre o valor distintivo de línguas como o latim no mundo medieval (BURKE, 2004BURKE, P. (2004). Languages and communities in early modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press . ) indica que os processos de atribuição de valor hierárquico e distintivo a determinadas práticas comunicativas são bastante antigos. No entanto, a sistematização que Bourdieu realizou do mercado linguístico - um campo desigual de atribuição de valor simbólico e econômico a um “universo hierarquizado de desvios em relação a uma forma de discurso reconhecida como legítima” - forneceu vocabulário e inspiração teórica a uma série de trabalhos nos estudos da linguagem.

Há duas décadas pelo menos, esses trabalhos vêm buscando entender a importância da linguagem no processo político-econômico conhecido como neoliberalismo. Concebido por intelectuais das universidades de Chicago e Viena - mais significativamente Milton Friedman e Friedrich Hayek -, o neoliberalismo pressupõe uma menor participação do Estado na economia, com a consequente mercantilização de serviços antes vistos como responsabilidade estatal, como pensões, saúde e educação. Autoras como Carvalho (2018CARVALHO, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia. , p. 124) defendem que o neoliberalismo não é somente uma doutrina econômica, mas principalmente “um instrumento de desativação do jogo democrático. Já dizia Margaret Thatcher: ‘A economia é o método. O objetivo é mudar a alma’”.

Um crescente número de cientistas da linguagem tem chamado atenção para os diversos modos em que a linguagem vem se tornando uma mercadoria no neoliberalismo. Partindo explicitamente de Bourdieu, Heller e Duchêne (2016HELLER, M.; DUCHÊNE, A. (2016). Treating language as an economic resource: Discourse, data and debate. In: Coupland, N. (org.), Sociolinguistics: Theoretical debates. Cambridge: Cambridge University Press , p. 139-156., p. 140) afirmam que, embora o autor francês tenha apontado que “a linguagem foi sempre parte de complexos sistemas de trocas entre recursos simbólicos e materiais, [...] as condições do capitalismo recente estendem a mercantilização da linguagem de modos tais que esse funcionamento não encontra eco no passado” (ver também TAN; RUBDY, 2008TAN, P.; RUDBY, R. Orgs. (2008). Language as Commodity: Global Structures and Local Marketplaces. London: Continuum. ; URCIUOLI, 2008URCIUOLI, B. (2008). Skills and selves in the new workplace. American Ethnologist, v. 35, n. 2, p. 211-228.; HELLER, 2010HELLER, M. (2010). The commodification of language. Annual Review of Anthropology, v. 39, p. 101-114. ; DUCHÊNE; HELLER, 2012DUCHÊNE, A.; HELLER, M. Orgs. (2012). Language in Late Capitalism: Pride and Profit. London: Routledge. ; PARK; WEE, 2012PARK, J.; WEE, L. Orgs. (2012). Markets of English: Linguistic Capital and Language Policy in a Globalizing World. London: Routledge . ; SILVA, E., 2013SILVA, E. (2013). Tensões sociolinguísticas na comunidade portuguesa/lusófona de Toronto. In: Moita Lopes, L. P. (org.), O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, p. 169-191.; GARCEZ, 2018GARCEZ, P. (2018). Quem é estudante falante de português em famílias de origem brasileira em Toronto, Canadá? Questões de classe. Linguagem em (Dis)curso, v. 18, n. 3, p. 729-749).

Nesse crescente debate, o termo ‘mercantilização da linguagem’ (language commodification) ocupa um lugar central. Heller e Duchêne (2016HELLER, M.; DUCHÊNE, A. (2016). Treating language as an economic resource: Discourse, data and debate. In: Coupland, N. (org.), Sociolinguistics: Theoretical debates. Cambridge: Cambridge University Press , p. 139-156., p. 141) resumem que a mercantilização da linguagem se refere à “extensão e intensificação do capitalismo, [que] levaram à incorporação dos produtos semióticos do nacionalismo (entre eles a ‘linguagem’) a processos de mercantilização.” Nas últimas décadas, com o avanço do setor terciário da economia (prestação de serviços e comércio de bens), a mercantilização da linguagem tem encontrado terreno fértil, dado que esse setor enfatiza “o valor do intangível (conhecimento, cultura e serviços)” (p. 141).

Como a produção de conhecimento é sempre parte de disputas, algumas críticas a esse conceito de mercantilização da linguagem têm sido levantadas. Já antecipei parte dessas críticas, mas oferecerei abaixo um resumo sistemático delas, para em seguida explicar como pretendo situar etnograficamente meu argumento. As críticas são numerosas e diversas, de modo que, para os propósitos deste artigo, me centrarei nas proposições de Holborow (2015HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. ), Simpson e O’Regan (2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166.), Simpson (2020) e Block (2018aBLOCK, D. (2018a). Political economy and Sociolinguistics: Neoliberalism, inequality and social class. London: Bloomsbury. e b), que dizem respeito ao próprio conceito de linguagem como mercadoria e à materialidade do processo de mercantilização.

Primeiro, em relação à visão de que a linguagem é uma mercadoria, esses críticos argumentam que a proposição parece mais metafórica do que literal. Com base em sua leitura de Marx, Simpson e O’Regan (2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166.) apontam que o termo ‘mercadoria’ perde poder explicativo quando aplicado à linguagem. As línguas e suas unidades não poderiam ser mercadorias em termos marxianos porque “a linguagem em si não pode ser produto do trabalho” (SIMPSON; O’REGAN, 2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166., p. 155). Uma certa dicotomia entre literal e metafórico e entre material e imaterial parece fundar essa crítica. Assim, por exemplo, Simpson e O’Regan afirmam que “entidades abstratas como honra e linguagem” não podem ser mercadorias no sentido marxiano, i.e., “incorporações de trabalho produzido pelo valor” (p. 163); tais entidades abstratas apenas parecem ser mercadorias, mas não são mercadorias reais. Perceba que certa distinção entre realidade e discurso subjaz a essa visão de língua e linguagem como entidades abstratas e discursivas, mas não materiais e moldadas pelo trabalho. Holborow (2015HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. , p. 30) é explícita nessa distinção: “a distinção entre representações discursivas do mundo e o mundo social real precisa ser tornada explícita; do contrário, somos privados de uma ferramenta crítica vital.” Block (2018aBLOCK, D. (2018a). Political economy and Sociolinguistics: Neoliberalism, inequality and social class. London: Bloomsbury. ) faz a mesma distinção. Nesse sentido, os críticos apontam que discutir a mercantilização da linguagem não pode ser dissociado do estudo da produção (real) de mercadorias, em sua relação com o trabalho como esfera produtora de valor. Pesquisadores da mercantilização da linguagem não podem, assim, “negligenciar a importância do trabalho na criação do valor, e a reprodução de relações sociais que definem o capitalismo - a saber, a relação que existe entre capital e trabalho” (SIMPSON; O’REGAN, 2018, p. 9).

Em relação ao segundo ponto - a materialidade da linguagem no debate sobre mercantilização -, os críticos arrolados parecem desencaixar processos ideais do capitalismo de seus processos reais. Block (2018bBLOCK, D. (2018b). What on earth is ‘language commodification’? In: Breidbach, S., Küster, L., Schmenk, B. (orgs.), Sloganizations in Language Education Discourse. Multilingual Matters, Bristol, p. 121-141., p. 12) classifica como “antropomorfismo da linguagem” a visão de que a linguagem tem se tornado um “ente” - uma mercadoria a ser vendida em mercados neoliberais. Em pesquisa com professores de inglês como língua adicional no Japão, Simpson (2020SIMPSON, W. (2020). Producing the Eikaiwa English language lesson: A dialectical approach to the contradictions of commodity production. Journal of Sociolinguistics, v. 24, n. 4, p. 514-531.) diz que apenas tratará um recurso linguístico (por exemplo, uma “aula”) em termos de mercadoria no sentido literal - isto é, “como uma certa proporção de tempo de aula que é vendida e comprada” (p. 10). O autor obviamente está opondo essa noção “estrita” à visão de recursos da linguagem “como coisas [...] que podem ser literalmente produzidas, compradas e vendidas” (SIMPSON, 2020SIMPSON, W. (2020). Producing the Eikaiwa English language lesson: A dialectical approach to the contradictions of commodity production. Journal of Sociolinguistics, v. 24, n. 4, p. 514-531., p. 10). Dois anos antes, em coautoria com O’Regan (SIMPSON; O’REGAN, 2018, p. 164), o autor estabelecera uma distinção nítida entre o processo metafórico ou “ideal” por meio do qual recursos linguísticos são “discursivamente imbuídos de valor e se parecem mercadorias” e o processo “material” por meio do qual produtos e serviços - i.e., as mercadorias reais - são produzidos. O excerto a seguir ilustra bem essa distinção:

É pela justaposição do ideal - o modo como as línguas são imbuídas de valor e parecem ser mercadorias - com o material, por exemplo, a produção de bens e serviços que facilitam a aquisição dessas línguas, que podemos saber mais precisamente sobre a relação entre linguagem e capitalismo e sobre aqueles que produzem e reproduzem essas relações por meio de sua produção e consumo. (SIMPSON; O’REGAN, 2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166., p. 164, itálicos dos autores)

Holborow (2015HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. , p. 31), por sua vez, é enfática ao afirmar que “pensar sobre o relacionamento entre linguagem e economia política não precisa implicar tornar a linguagem uma ‘coisa’ econômica ou ‘materializá-la’ de algum modo”. Reforçando seu ponto de que “a linguagem tal como usada no trabalho nunca pode se transformar em uma mercadoria” (p. 31), a autora aponta que, por exemplo, trabalhadores de call centers, que são chamados de “trabalhadores da linguagem” pela literatura de mercantilização da linguagem (dada a ênfase em suas habilidades da linguagem e na transformação dessas habilidades em mercadoria), não se percebem assim, nem “a linguagem que usam é garantidamente a ferramenta flexível e maximizadora do lucro que os empregadores procuram” (p. 31). Por fim, Holborow, iterando um argumento comum na crítica à mercantilização da linguagem - a saber, de que o paradigma teria sido capturado pela própria ideologia neoliberal que busca criticar -, afirma que “materializar a linguagem [...] também ecoa alguns dos temas da ideologia neoliberal” (p. 31).

Minha proposta neste artigo é confrontar essas posições sobre mercantilização e materialidade da linguagem com evidência etnográfica que extraio de pesquisa que venho realizando no Complexo do Alemão. Na vinheta etnográfica que trago a seguir - em que ativistas de diferentes favelas do Rio de Janeiro interagem com representantes do movimento social Abahlali, da África do Sul, construindo uma perspectiva comum sobre remoções forçadas e contra a privatização do direito à cidade -, argumento que esses sujeitos revelam alta reflexividade sobre a noção de mercantilização (de recursos sociais como o conhecimento, a linguagem e os direitos). Isto é, o tema da mercantilização neoliberal é saliente nessa interação, ainda que este não seja um debate sobre “língua” ou “linguagem”. Para esses ativistas, recursos (linguísticos) e sua mercantilização são elementos materiais - não facilmente extraíveis de outras práticas materiais, como a resistência à dominação que se realiza com o próprio corpo.

2. TRABALHO NA FAVELA E SOBREVIVÊNCIA ÀS REMOÇÕES

Como apontei, Simpson e O’Regan (2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166.) criticam a noção de ‘mercantilização da linguagem’ porque os estudos que empregam essa expressão não levam em consideração a dualidade entre capital e trabalho no capitalismo. Embora o espaço aqui não permita que eu aprofunde o debate sobre a disputa entre trabalho e capitalismo no mundo contemporâneo, gostaria de apontar, em resposta a Simpson e O’Regan, que uma das características marcantes dos últimos 40 anos - que coincidem com o declínio do Estado de bem-estar social no mundo, com o aumento da desigualdade de renda e com o espraiamento do neoliberalismo - é a “redução do poder do trabalho diante do capital” (MILANOVIC, 2020MILANOVIC, B. (2020). Capitalismo sem rivais: O futuro do sistema que domina o mundo. São Paulo: Todavia . , p. 60). Milanovic (2020MILANOVIC, B. (2020). Capitalismo sem rivais: O futuro do sistema que domina o mundo. São Paulo: Todavia . , p. 60) percebe essa tendência globalmente, dada a “virada da manufatura para os serviços”, que implicou também modos diferentes de organização especial dos trabalhadores - mais distantes uns dos outros e do “chão de fábrica” - com consequências negativas para a força dos sindicatos.

Em regiões periféricas do capitalismo, a discussão sobre o conflito entre as forças do trabalho e do capital ganha uma nuance adicional. Kasmir (2018KASMIR, S. (2018). Precarity. The Cambridge Encyclopedia of Anthropology. https://www.anthroencyclopedia.com/entry/precarity
https://www.anthroencyclopedia.com/entry...
, p. 5) nos lembra que Marx já havia teorizado sobre o exército de trabalho reserva no capitalismo: “trabalhadores que ainda não foram introduzidos ou que são episodicamente expulsos da relação salarial, e cuja presença deprime salários e funções para disciplinar as classes trabalhadoras resistentes.” Nos anos 1970, estudos sobre a informalidade do trabalho, como o de Machado da Silva (1971) no Brasil, e de Hart (1973HART, K. (1973). Informal income opportunities and urban employment in Ghana. Journal of Modern African Studies, v. 3, n. 11, p. 61-89. ) em Gana, chamaram atenção para a importância da “informalidade” para entender relações de produção, trabalho e consumo que não se enquadravam no escopo formal do emprego, regulado pelas leis e proteções do trabalho. O Brasil, tendo sido submetido a um dos regimes de escravidão mais longos do colonialismo europeu, tem uma população negra que ainda sofre os efeitos do trabalho forçado, abolido apenas em 1888. Embora o País tenha, desde os anos 1940, legislação do trabalho que reflete conquistas dos movimentos dos trabalhadores, muitos dos moradores de favelas sobrevivem do trabalho informal. Quanto ao trabalho formal, os dados do último censo, em 2010, apontaram que a taxa de desemprego nas favelas do Rio de Janeiro (19,5%) era o dobro da dos bairros de classe média alta (9,9%); à época, os trabalhadores favelados ganhavam, em média, 5,3 vezes menos que os trabalhadores de áreas nobres (NERI, 2010NERI, M. (2010). Desigualdade e favelas cariocas: A Cidade Partida está se Integrando? Rio de Janeiro: FGV. , p. 55). Em razão da pandemia de Covid-19, o censo 2020 não foi realizado, porém levantamentos como o do DATA Favela apontam que 80% dos moradores de favelas perderam mais da metade da renda em razão da pandemia; 66% desses moradores afirmaram não poder se sustentar por uma semana sem sair para trabalhar (INSTITUTO LOCOMOTIVA; CUFA, 2020).

Devido às transformações no emprego desde os anos 1980, a informalidade tem se tornado característica marcante do trabalho na economia neoliberal. O “empreendedorismo de si” incentivado pelos discursos e políticas econômicas do neoliberalismo anda de mãos dadas com contratos cada vez mais precarizados e informais (MACHADO DA SILVA, 2002MACHADO DA SILVA, L. A. (2002) Da informalidade à empregabilidade (reorganizando a dominação no mundo do trabalho). Caderno CRH, v. 37, p. 81-109.; URCIUOLI, 2008URCIUOLI, B. (2008). Skills and selves in the new workplace. American Ethnologist, v. 35, n. 2, p. 211-228.; CARVALHO, 2018CARVALHO, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia. ). No Brasil, a transformação neoliberal da economia tem coincidido, desde a década de 1980, com o aumento do crime violento e do crime organizado (MACHADO DA SILVA, 2002) - este último também uma esfera de trabalho informal.

Em meu trabalho de campo, tenho tratado a informalidade e a precarização mencionada acima como mais amplamente ligadas à cultura de sobrevivência, que, segundo Raphael Calazans, um de meus interlocutores no campo, é uma cultura de solidariedade e de ajuda mútua que tem tornado a vida nas favelas possível (ver LOPES; FACINA; SILVA, 2019LOPES, A.; FACINA, A.; SILVA, D., Orgs. (2019). Nó em pingo d’água: sobrevivência, cultura e linguagem. Rio de Janeiro: Mórula .). Meu argumento é o de que os moradores de favelas, que sentem de maneira mais aguda o lado “penal” e punitivo da reorganização neoliberal do Estado, demonstram estar atentos ao processo em que a linguagem se torna um elemento material para a sobrevivência às desigualdades do capital. Na vinheta que apresento na seção seguinte, os ativistas da favela dão saliência à articulação entre linguagem e economia política. A linguagem é vista como recurso, integrada ao todo de uma luta corpórea e coletiva contra modos de opressão.

Cerca de 80.000 pessoas vivem no Complexo do Alemão, bairro composto por doze favelas, incluindo o Morro do Alemão, que lhe dá o nome. No último censo do IBGE (2010), o Índice de Desenvolvimento Humano do Alemão foi o mais baixo dos bairros da cidade (0,711). É comum que o tropo ‘violência’ emerja em discussões sobre a favela, mas entendo violência como um marcador da vida na cidade de maneira mais ampla. Ao contrário, o marcador que enfatizo aqui é a intensa e pujante produção cultural do Complexo do Alemão.

Dentre as várias iniciativas dos moradores no campo da cultura está o “Circulando - Diálogo e Comunicação na Favela”. Promovido pela ONG Raízes em Movimento, o Circulando é um misto de seminário, feira ao ar livre e festa. O festival ocorre anualmente, em novembro, na sede do Raízes em Movimento e em suas cercanias, tornando ainda mais intensas e pujantes as interações na Avenida Central, a principal via do Morro do Alemão (ver Figura 1). As figuras 2 e 3 ilustram intervenções artísticas nos muros da Avenida Central, por meio de grafite (Figura 2) e do ensino dessa técnica a crianças, por Mariluce Mariá, uma artista do bairro (Figura 3).

Figura 1
Circulando, 2013

Figura 2
Circulando, pintura de grafite, 2013

Figura 3
Circulando, Oficina de pintura com Mariluce Mariá, 2016

Do ponto de vista das ideologias linguísticas, o nome do evento opõe dois modelos de circulação de signos e pessoas na favela. ‘Circulando’ é uma citação do jargão policial ‘circulando!’, normalmente enunciado por policiais, de forma ríspida, para dispersar pessoas aglomeradas no espaço público. O evento ressignifica o termo, dando ênfase à circulação de ideias e pessoas.

O debate entre ativistas que narro na seção seguinte aconteceu no Circulando de 2013. O Brasil se preparava para receber a Copa do Mundo de 2014. O Rio de Janeiro abrigaria também, em 2016, os jogos olímpicos e paraolímpicos. Propagada pelo mercado imobiliário, mídia corporativa e administração pública, a narrativa sobre o “legado olímpico” foi amplamente disseminada como justificação para transformações urbanas profundas no Rio de Janeiro, tais como alterações na malha viária, novos experimentos de policiamento e remoções forçadas de famílias (BARREIRA, 2013BARREIRA, M. (2013). Cidade Olímpica: Sobre o nexo entre reestruturação urbana e violência na cidade do Rio de Janeiro. In: Brito, Felipe & Pedro Rocha Oliveira (orgs.), Até o último homem: Visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo Editorial, p. 129-168.; MAGALHÃES, 2013MAGALHÃES, A. (2013). O “legado” dos megaeventos esportivos: a reatualização da remoção de favelas no Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos. V. 40, p. 89-118.). Dados da Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro indicam que, entre 2009 e 2014, mais de 20.000 famílias foram removidas de suas casas (FAULHABER; AZEVEDO, 2015FAULHABER, L.; AZEVEDO, L. (2015). SMH 2016: Removals in the Olympic City. Rio de Janeiro: Mórula. , p. 11). Diversas favelas foram total ou parcialmente removidas, como a Favela do Metrô e a Vila Autódromo. Faulhaber e Azevedo (2015FAULHABER, L.; AZEVEDO, L. (2015). SMH 2016: Removals in the Olympic City. Rio de Janeiro: Mórula. ) descrevem as cenas recorrentes que viram nas favelas que foram alvo de remoções para os megaeventos:

Para onde quer que você vá em uma favela que foi parcial ou totalmente removida, ou naquelas que estão sob o cerco da administração municipal, a cena é sempre a mesma. Entre os destroços de uma disputa desigual, com o governo e as empresas privadas de um lado, e os residentes do outro, os escombros das casas demolidas sinalizam uma cena de devastação. É possível ver os massacres psicológicos e burocráticos, ligados aos decretos de expropriação, a ordens judiciais muitas vezes questionáveis e a tentativas de dividir os residentes com promessas de compensação, com uma nova vida em uma casa do Minha Casa, Minha Vida. Apresentado como promessa de inclusão social por meio da habitação adequada, o Minha Casa, Minha Vida se tornou uma ferramenta de segregação espacial, especialmente no Rio de Janeiro. (FAULHABER; AZEVEDO, 2015FAULHABER, L.; AZEVEDO, L. (2015). SMH 2016: Removals in the Olympic City. Rio de Janeiro: Mórula. , p. 12)

A literatura que consultei sobre a questão das remoções e de outras transformações da cidade do Rio de Janeiro para os megaeventos é quase unânime em concluir que os investimentos massivos que foram destinados ao Rio de Janeiro na última década “foram guiados de acordo com a lógica de mercado em detrimento das reais necessidades da maioria da população carioca” (GONÇALVES; VALE, 2019GONÇALVES, R.; VALE, J. (2019). Remoções e megaeventos no Rio de Janeiro: a luta de resistência dos moradores da Vila Autódromo. Revista de Políticas Públicas, v. 23, n. 1, p. 441-455., p. 452; ver também BARREIRA, 2013BARREIRA, M. (2013). Cidade Olímpica: Sobre o nexo entre reestruturação urbana e violência na cidade do Rio de Janeiro. In: Brito, Felipe & Pedro Rocha Oliveira (orgs.), Até o último homem: Visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo Editorial, p. 129-168.; MAGALHÃES, 2013MAGALHÃES, A. (2013). O “legado” dos megaeventos esportivos: a reatualização da remoção de favelas no Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos. V. 40, p. 89-118.; FAULHABER; AZEVEDO, 2016). Na seção a seguir, discuto um modo situado de resistir a essa lógica de mercado.

3. LINGUAGEM E MATERIALIDADE DA RESISTÊNCIA NO COMPLEXO DO ALEMÃO

O Circulando de 2013 havia coincidido com a vinda ao Brasil dos ativistas sul-africanos S’bu Zikode, Bandile Mdlalose e Dara Kell. Eles estavam no Brasil para divulgar e debater o documentário “Prezado Mandela”, dirigido por Dara Kell e Christopher Nizza, que trata de uma batalha jurídica travada pelo movimento de favelados Abahlali contra remoções de casas de moradores no contexto dos preparativos para a Copa do Mundo de 2010, realizada no país sul-africano (ver Figura 4). Embora líderes do movimento, como Bandile Mdlalose, tenham sido presos e perseguidos, a causa foi vitoriosa. Os ativistas conseguiram contestar a lei de remoções na Suprema Corte da África do Sul, que decidiu pela inconstitucionalidade das remoções.

Figura 4
Prezado Mandela, dir. Dara Kell e Christopher Nizza, 2013

Uma das exibições seguidas de debate do documentário no Brasil aconteceram no Circulando. No encontro que se seguiu à projeção do documentário, ativistas de favelas do Rio de Janeiro produziram inteligibilidades sobre a situação de precariedade vivida por eles a partir do filme projetado e da interação com Bandile e outros participantes não brasileiros.

Como venho afirmando, esta vinheta etnográfica que narra as interações de que participei diz respeito à mercantilização de recursos e direitos no neoliberalismo e à materialidade desse processo, no qual a linguagem comparece imiscuída. A seguir, discuto quatro momentos do debate, nos quais modelos da circulação de recursos comunicativos emergiam em conjunto com uma perspectiva de resistência a desigualdades do capitalismo.

3.1. “A informação é perigosa”

Depois da projeção na sala de reuniões do Raízes em Movimento e de a diretora, Dara Kell, ter falado do processo de produção do filme, a ativista Bandile Mdlabose elaborou considerações sobre a luta do movimento Abahlali. Em sua fala, Bandile delineou o cenário de dominação política e econômica na África do Sul. Em linhas gerais, esse cenário coincide com o diagnóstico que emerge da releitura que Mbembe (2016MBEMBE, A. (2016). Necropolítica. Arte & Ensaios, v. 32, p. 122-151.) faz do conceito de biopolítica de Foucault. Para o filósofo camaronês, mais do que governar a vida, o Estado-nação contemporâneo, desde a junção dos resultados da revolução industrial com as mortes em larga escala implementadas pelo regime nazista, é fundado numa noção de soberania que reside, “em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer” (MBEMBE, 2016MBEMBE, A. (2016). Necropolítica. Arte & Ensaios, v. 32, p. 122-151., p. 123). Assim, numa interação transidiomática, contando com a tradução consecutiva de Camila Costa, Bandile descreve o cenário necropolítico sul-africano, marcado pela brutalidade policial, pelo desrespeito ao direito dos pobres, bem como por prisões arbitrárias e violência letal contra ativistas de direitos humanos. E é enquanto descreve esse contexto de dominação que Bandile fala da importância dos recursos comunicativos na resistência à necropolítica. No excerto de fala abaixo, Bandile elabora sobre o perigo da “informação”:

Bandile Camila (tradução consecutiva) The struggle of the people in shacksis eviction,unable to get land,and the violation of their rightsMy former president Smutused to say, "information is dangerous."Because once people know how much they didnot know that they did not knowanger emerges.Because the very same reason that people inSouth Africa are very angry,because for too many years we have been livingunder no knowledge,and now because we knowand we are practicing our rights.We are finding ourselves in a dead-end with ourgovernment.Lately activists have been killed, the very same as Mobile Zuza. Our activists have been arrested.Some of them had to leave their homes.It's the challenge that we are facing.And this is the price we have to pay to practiceour human rights. A luta das pessoas que moram em barracosé remoção, despejoincapazes de conseguir terrase a violação de seus direitosMeu antigo presidente Smutscostumava dizer que "informação é perigoso".Porque quando as pessoas descobrem o tantoque elas não sabiamque não sabiam a raiva emergePorque pela mesma razão pela qual as pessoas daÁfrica do Sul estão com raiva,porque durante muitos anos nós estávamosvivendo sob o não saber,e agora porque a gente sabe,e a gente está praticando os nossos direitos.Nós nos encontramos num beco sem saída com nosso governo.Ultimamente ativistas foram mortos.assim como... como Mobile Zuza.Nossos ativistas foram presos.Alguns deles tiveram que deixar suas casas.É o desafio que a gente tá enfrentando.E é o preço que a gente tem de pagar para praticar os nossos direitos humanos.

Para Bandile, o conhecimento é apresentado como valor. Possuir informação é “perigoso” porque a raiva que emerge de “saber que não (se) sabia” é propulsora. Uma vez que o povo passa a conhecer, começa também a praticar seus direitos. Tais práticas de exercício de conhecimento e de exercício de direitos humanos, no entanto, vêm com um alto preço a pagar - “Ultimamente ativistas foram mortos, (...) como Mobile Zuza, nossos ativistas têm sido presos, alguns deles tiveram que deixar suas casas.”

Poder-se-ia argumentar que Bandile, em sua fala, trata do valor da informação e do conhecimento, mas não da linguagem: isto é, não comparece em sua elaboração o construto língua como objeto delimitado, tal como nos ensinou o estruturalismo. Como esse argumento poderia ser aplicado às falas dos outros ativistas a seguir, antecipo que, nessa interação, nem Bandile nem os ativistas do Rio de Janeiro dissociaram língua ou linguagem do todo maior em que diferentes recursos materiais para a luta política estão enredados. Para usar os termos da constituição da modernidade propostos por Latour (1994LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos. São Paulo: Ed. 34. ), Bandile não “purifica” um objeto-língua do todo de práticas semióticas mais amplas, mas sim “hibridiza” linguagem, semiose e corpo. Em Jamais fomos modernos, Latour (1994) explica que a purificação (a criação de zonas distintas e circunscritas, como ‘língua’ e ‘natureza’) e a hibridização (a “mistura entre gêneros de seres inteiramente novos” (p. 16), como a ‘linguagem’ e o ‘corpo’ entendidos como um todo material) são operações típicas da modernidade. Além disso, purificação e hibridização são “dois conjuntos de práticas totalmente diferentes que, para permanecerem eficazes, precisam permanecer distintas, mas que recentemente deixaram de sê-lo” (LATOUR, 1994LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos. São Paulo: Ed. 34. , p. 16)2 2 Em seu estudo sobre a formação histórica da ideologia linguística modernista de língua como objeto separável e separado das práticas situadas e das pessoas que a utilizam, Bauman e Briggs (2003) utilizam os termos de Latour (1994) e explicam que a extração do objeto-língua do todo maior das práticas sociais e corpóreas foi o resultado de uma operação de “purificação”. Ser moderno, nos termos dessa ideologia linguística, significa ser capaz de utilizar esse objeto purificado - em distinção aos pré-modernos, como iletrados ou indígenas, para quem linguagem, corpo e contexto não se dissociam e permanecem práticas híbridas. Assim como Latour e Bauman e Briggs, dou ênfase à purificação e à hibridização como práticas co-ocorrentes que se definem situacionalmente ao se diferenciarem uma da outra. .

Traduzindo a proposta de Latour para a luta semiótica de Bandile e dos ativistas que trago a seguir, práticas como (obter) ‘informação’ e ‘conhecer’/’não conhecer’ são recursos comunicativos e semióticos, hibridizados com outros elementos como “risco” (de perder a vida ou sofrer violência), afeto (coragem, raiva) e ação corpórea e coletiva. Eventualmente, esses híbridos podem ser purificados ou objetificados - o que parece acontecer no momento em que Bandile objetifica a noção de informação e a qualifica como “perigosa”. Porém, na sequência da interação, o perigo da informação é rapidamente hibridizado com outros tropos, como a raiva de descobrir que não se detinha conhecimento e o risco de violência, imolação e despejo como “preço” a pagar por demandar direitos. Retornarei na conclusão ao papel da objetificação no debate mais específico sobre materialidade da linguagem, mas por ora continuemos estudando essa interação transperiférica.

3.2. “Eles não tão fazendo essa escuta”

Lúcia Cabral, moradora e ativista do Complexo do Alemão, foi uma das primeiras a falar depois de Bandile. Como os outros participantes do debate, Lúcia compara a luta do Abahlali com o ativismo nas favelas do Rio. Assim, ela estabelece relações de semelhança entre Brasil e África do Sul: Mandela, por exemplo, emerge como líder exemplar no ativismo da moradora. Lúcia aponta, além disso, que a “palavra-chave” que une as lutas contra remoções nos dois países é “resistência”. Vejamos um excerto em que a ativista fala sobre a “forma” da resistência:

Pra lutar por direitos humanos tem que ter resistência. Eu acho que a palavra-chave é resistência. Mobilizar, fechar rua, para fazer o poder público escutar, porque eles não estão fazendo essa escuta. Eles tão fazendo grupo pra visitar local que a pessoa não quer. E aí não tá tendo resistência (...) E o filme mostra isso. Você dá o seu corpo de escudo praticamente. Alguém vai sair perdendo. Mas um grupo muito maior acaba ganhando. Então (...) a resistência tem essa forma. Mandela resistiu. Resistiu por anos dentro de uma prisão.

Lúcia traz à tona a questão da luta corpórea e do próprio risco de autoimolação envolvido nas mobilizações contra remoções: “você dá o seu corpo de escudo praticamente. Alguém vai sair perdendo.” Comunicar, ou melhor, se fazer escutar pelo poder público é algo que se dá corporalmente para a ativista. Ou seja, é necessário “mobilizar [um coletivo], fechar rua, para fazer o poder público escutar”. Além disso, o sacrifício corpóreo - como o de Mandela, que resistiu “por anos dentro de uma prisão” - é necessário para que o poder público deixe de ignorar as demandas dos favelados (“eles não estão fazendo essa escuta”). Significativamente, Lúcia afirma que “a resistência tem essa forma”. A hibridização entre linguagem e corpo na fala de Lúcia, bem como o delineamento da resistência como algo que tem “forma” material, apontam para a relevância da materialidade semiótica nesse debate sobre mercantilização do direito à moradia. Linguagem, corpo e resistência são híbridos materiais na luta de Lúcia. São também formas citacionais e coletivas, que ecoam não somente o filme recém-projetado e a fala de Bandile, mas também as palavras de Mandela e as de outros líderes antes dele.

3.3. “Favela não se cala”

André é residente da favela da Babilônia, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e um ativista do movimento “Favela não se cala”. Vestia uma camiseta branca na qual o nome do movimento estava disposto abaixo do retrato que Jacques Arago pintou em 1817 da Escrava Anastácia sendo submetida ao uso da Máscara de Flandres (ver Figura 5). Como explica Kilomba (2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. , p. 33), essa “máscara do silenciamento [...] foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos (ênfase da autora).”3 3 Heller e McElhinny (2017, p. 94) discutem o papel de um outro símbolo material de constrangimento à fala, o symbole, utilizado na França ao final do século XIX e início do século XX, “para impedir que crianças usassem bretão, occitano ou outras variedades regionais em sala de aula.” O symbole era um objeto de madeira em tamanho e formato de tamanco, que podia ser envolto em uma corda e pendurado no pescoço da criança infratora (ou segurado por ela). Assim como a Máscara de Flandres, o symbole tinha uma função de censura e “disciplinamento do corpo, mente e língua (tongue)”, sendo também utilizado como instrumento disciplinador colonial pela França na Argélia. Em seu livro, as autoras utilizam o symbole como metáfora do disciplinamento linguístico no colonialismo e nacionalismo. Kilomba explica ainda que, “oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura” (KILOMBA, 2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. , p. 33, ênfase da autora). Ou seja, esse “instrumento real” - “peça muito concreta” - tinha tripla função: dominar, impedir a alimentação e suprimir a fala. Significativamente, a camiseta de André combinava o nome do movimento, Favela não se cala, com essa imagem de dominação e silenciamento, talvez ecoando o antigo ensinamento freudiano de que o trauma, para ser superado, precisa ser narrado, em condições de enunciação adequadas (BUTLER, 1997BUTLER, J. (1997). Excitable speech: a politics of the performative. London and New York: Routledge., p. 102).

Figura 5
Escrava Anastácia, retrato pintado por Jacques Ettiene Arago, séc. XIX

Enquanto falava, André batia com força, de punhos fechados, em seu próprio peito. A força e a frequência das pancadas, de algum modo, citavam o misto de autossacrifício e coragem que já havia emergido nas falas de Bandile e Lúcia. Essa performance corpórea era acompanhada do delineamento de uma perspectiva crítica aos interesses capitalistas na cidade do Rio de Janeiro, que à época haviam tornado algumas áreas urbanas em canteiro de obras para os megaeventos de 2014 e 2016. Assim, o ativista apontou que a “militarização fascista” - isto é, a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora e outras ações militares em favelas, desde 2008 - estava “atreladada ao processo de gentrificação e remoção em favelas”. André criticou, assim, a mercantilização do direito à moradia - vinculada ao fato de o Rio de Janeiro ter virado alvo de grandes negócios imobiliários - bem como a “privatização do sistema penitenciário” e a função estratégica da polícia no capitalismo.

Na perspectiva do ativista, o quadro de mercantilização da cidade é sentido nas favelas por meio da histórica “guerra contra o pobre, o negro, o habitante de senzalas”. Essa guerra é instanciada na “privatização do sistema penitenciário”, o qual, movido por lucro, facilita o encarceramento e fortalece o crime organizado, uma vez que a “mãe desesperada que roubou um litro de leite é colocada numa cela junto de uma gerente do tráfico e uma dona de boca de fumo.” O excerto de fala a seguir, em que o ativista fala da polícia, é significativo:

No capitalismo não tem outra polícia. Ela vai servir aos interesses do grande capital pra reprimir qualquer insurgência popular. É pra isso que serve a polícia. Quem a polícia mata desde a época do Império? Ela foi criada pra defender a coroa e matar os escravos e os negros. Coisa que ela faz muito bem até hoje.

A conexão acima entre polícia, capitalismo e repressão a insurgências populares é, a meu ver, mais uma instanciação da hibridização (LATOUR, 1994LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos. São Paulo: Ed. 34. ) entre recursos comunicativos, corpo e mercantilização que observei na maioria das intervenções dos participantes do debate sobre o documentário “Prezado Mandela”. Assim, na fala de André, a polícia “serv[e] aos interesses do grande capital pra reprimir qualquer insurgência popular”. Tal como a Máscara de Flandres, um híbrido de dominação econômica, impedimento orgânico à saúde alimentar e bloqueio à fala, os artefatos contemporâneos do capitalismo, como a polícia e a prisão, são híbridos da mercantilização da cidade, policiamento e silenciamento dos pobres. Tais híbridos são parte de um todo material - e, como qualquer prática de hibridização, podem ser purificados ou circunscritos situacionalmente.

Em um momento do debate, André realiza uma dessas operações de objetificação ou circunscrição ao tematizar a ideologia de linguagem do Favela não se cala. Nas palavras do ativista:

Me identifiquei muito com aquele jovem [retratado no filme] porque o Favela não se cala tem essa praticidade de ir até as favelas e tentar organizar. Não chegar como uma referência que vai dar luz ou dar as diretrizes, mas tentar consolidar a organização orgânica já existente. Porque o trabalho de base tem que ser bem explicado, bem posto porque senão vira paternalismo.

Segundo André, o Favela não se cala possui um regime de linguagem e educação que opera segundo uma imaginação específica sobre língua e aprendizagem. Iterando o método educativo dialógico de Paulo Freire, o Favela não se cala não vai até as favelas para transmitir conhecimento (“[n]ão [vai] chegar como uma referência que vai dar luz ou dar diretrizes”), mas para construir conhecimento com base em processos dialógicos já em curso, de modo a “tentar consolidar a organização orgânica já existente.” O Favela não se cala, portanto, não visa suprimir, em nome de um ideal iluminista, ideias e mobilizações já em curso nas favelas - o que seria “paternalismo” - mas sim “consolidar” processos dialógicos, coletivos, orgânicos e correntes.

3.4. “Na favela, a morte é muito mais silenciosa”

Raphael Calazans é um jovem MC de funk, assistente social e ativista do Complexo do Alemão. Em outros trabalhos, minhas parceiras de pesquisa Adriana Lopes e Adriana Facina e eu nos dedicamos a delinear a imaginação metapragmática de Calazans (SILVA; FACINA; LOPES, 2015SILVA, D.; FACINA, A.; LOPES, A. (2015). Complex territories, complex circulations: The ‘pacification’ of the Complexo do Alemão in Rio de Janeiro. Pragmatics and Society, v. 6, p. 175-196.; LOPES; FACINA; SILVA, 2019). Para ele, a vida cultural nas favelas pode ser explicada pelo tropo “cultura de sobrevivência”. Essa cultura de sobrevivência é uma racionalização semiótica da distribuição horizontal e coletiva da linguagem e de outros recursos materiais nas favelas. Essa cultura está enredada na própria invenção das favelas pelos escravos libertos e pobres como espaços de sobrevivência em face de desigualdades históricas no direito e acesso a moradia, trabalho e outros recursos.

Em sua fala, Calazans percebeu semelhanças entre os movimentos de favelas no Rio de Janeiro e o Abahlali. No entanto, a grande diferença entre os dois, segundo o jovem compositor, é o alcance da circulação dos signos do movimento sul-africano. Eis um trecho de sua fala:

É muito próxima as críticas da África do Sul com a realidade do Rio de Janeiro. Mas aí a dimensão desse filme de rodar o mundo a gente não tem. O Favela não se cala, né? O que ele tem? Quem dera ele circular assim, né! Ir pro mundo todo e denunciar as coisas. (...) Na favela, a morte é muito mais silenciosa. Que não é só uma morte física, mas é uma morte cultural né? É uma morte do beco, é uma morte da cultura de sobrevivência, de favela. É uma morte da nossa mobilidade. Por exemplo, esse discurso de que mobilidade urbana não existe não é verdade. Os becos! Coloca-se o teleférico acima do morro. Não tem renda, não tem educação.

Mais uma vez, fala, silêncio, corpo e mercantilização comparecem como elementos de um todo material híbrido. Estrategicamente, Calazans objetifica a circulação discursiva do movimento social Abahlali (que consegue “circular o mundo todo e denunciar as coisas”) e do Favela não se cala (“quem dera ele circular assim, né!”). Calazans, assim, compara e quantifica duas ordens de grandeza para, em seguida, apontar que a morte na favela é comparativamente mais silenciada: “Na favela, a morte é muito mais silenciosa.” Logo em seguida, aponta que está tratando da morte como um todo material e simbólico: “Que não é só uma morte física, mas é uma morte cultural né? É uma morte do beco, é uma morte da cultura de sobrevivência, de favela.” Isto é, embora se possa objetificar e purificar elementos como “corpo” e “cultura”, ou ainda elementos como “circulação” e “mercantilismo”, tais unidades, como venho observando, são também partes de um todo hibridizado e material. Nesse sentido, essa morte física e cultural é sequencialmente acoplada à mercantilização da mobilidade na favela: Calazans aponta para o fato de o “teleférico [ter sido colocado] acima do morro”, o que contextualmente se refere à crítica dos movimentos sociais à construção de um teleférico ligando cinco favelas no bairro. Essa obra de mobilidade - que se tornou um dos ícones da novela global Salve Jorge [2012], cuja trama se desenrolava entre o Complexo do Alemão e Istambul - não atendeu a reivindicações locais, que denunciavam o fato de o teleférico não ter integração com o metrô e não se acoplar à mobilidade “por baixo” dos morros, o que se instancia na fala de Calazans pela alusão aos “becos”. Hoje, como símbolo da ruína de muitos dos negócios que beneficiavam apenas uma pequena elite, o teleférico encontra-se desativado.

Calazans aponta, assim, que políticas neoliberais têm silenciado a cultura de sobrevivência - ou, em termos necropolíticos, têm causado a morte de favelados e da cultura de sobrevivência. O tropo “a morte é mais silenciosa”, assim, é tanto referência à necropolítica quanto ao silenciamento de modos coletivos e locais de sobreviver. Adiante, Calazans afirma que é o conjunto das “nossas práticas de vida acumuladas há anos de uma cultura de sobrevivência do saber compartilhado e solidário que vai se perdendo. E é difícil pra caramba você resistir.” No entanto, a despeito de seu pesar, Calazans tem sido ativo e eloquente em sua defesa da cultura de sobrevivência. Nos termos da presente discussão sobre mercantilização da linguagem, essa invocação da cultura de sobrevivência como modelo de circulação da linguagem horizontal e igualitário pode ser entendida como uma reivindicação do commons (HELLER; MCELHINNY, 2017HELLER; M.; MCELHINNY, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: Toward a critical history. University of Toronto Press. , p. 252), isto é, as áreas ou bens comuns do capitalismo, que, embora situados no contexto maior do capitalismo, são de uso coletivo. A cultura de sobrevivência é, nesse sentido, o nome dado a um conjunto de práticas comunicativas e materiais que se situam no capitalismo, mas que resistem à lógica do lucro e da acumulação. Essas práticas se dão no terreno da mercantilização, mas operam com outra lógica de valor. Essa outra lógica encaixa o valor na solidariedade, na socialidade e na ação coletiva. Trata-se de uma lógica que responde, mas que também se distingue, do valor individualista, empreendedor, neoliberal.

CONCLUSÃO

Como argumentei, os ativistas reunidos no Complexo do Alemão, por ocasião do debate sobre remoções, embora não desenvolvam um discurso específico sobre a linguagem, demonstram alta reflexividade sobre recursos comunicativos. Alguns exemplos dessa reflexividade são: o valor do conhecimento e da informação, a não escuta do Estado, o silenciamento causado pelos aparelhos repressivos de Estado, o papel do dialogismo na educação, os limites da circulação de tropos locais, a horizontalidade das práticas comunicativas da favela. Esses índices de reflexividade estão acoplados a outros elementos igualmente reflexivos, tematizando a luta corpórea e coletiva contra desigualdades típicas do capitalismo recente, como o Estado policial e penal, que trata diferencialmente as pessoas negras e faveladas. Além disso, defendi que esses elementos reflexivos, como a Máscara de Flandres, são “peça[s] muito concreta[s] e instrumento[s] rea[is]” (KILOMBA, 2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. , p. 33) tanto das desigualdades no neoliberalismo quanto da resistência que se enunciou naquele debate, a qual venho acompanhando no Rio de Janeiro desde 2012.

Esses argumentos sobre mercantilização e materialidade são uma resposta às críticas direcionadas por Holborow (2015HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. ), Simpson e O’Regan (2018SIMPSON, W.; O’REGAN, J. (2018). Fetichism and the language commodity: a materialist critique. Language Sciences, v. 70, p. 155-166.), Block (2018aBLOCK, D. (2018a). Political economy and Sociolinguistics: Neoliberalism, inequality and social class. London: Bloomsbury. e b) e Simpson (2020) ao conceito de mercantilização da linguagem no neoliberalismo, tal como comparece nos trabalhos realizados ou, ainda que indiretamente, conectados à pesquisa de Heller (URCIUOLI, 2008URCIUOLI, B. (2008). Skills and selves in the new workplace. American Ethnologist, v. 35, n. 2, p. 211-228.; HELLER, 2010HELLER, M. (2010). The commodification of language. Annual Review of Anthropology, v. 39, p. 101-114. ; DUCHÊNE; HELLER, 2012DUCHÊNE, A.; HELLER, M. Orgs. (2012). Language in Late Capitalism: Pride and Profit. London: Routledge. ; PARK; WEE, 2012PARK, J.; WEE, L. Orgs. (2012). Markets of English: Linguistic Capital and Language Policy in a Globalizing World. London: Routledge . ; SILVA, E., 2013SILVA, E. (2013). Tensões sociolinguísticas na comunidade portuguesa/lusófona de Toronto. In: Moita Lopes, L. P. (org.), O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, p. 169-191.; GARCEZ, 2018GARCEZ, P. (2018). Quem é estudante falante de português em famílias de origem brasileira em Toronto, Canadá? Questões de classe. Linguagem em (Dis)curso, v. 18, n. 3, p. 729-749).

Cabe aqui dar um pouco mais de nuance a essa minha resposta, com base não só na evidência etnográfica que trouxe acima, mas também no influente trabalho de “análise social de coisas materiais” de Keane (2003KEANE, W. (2003). Semiotics and the social analysis of material things. Language & Communication, v. 23, p. 409-425.). Com base em sua extensa pesquisa de campo sobre dinâmicas religiosas na ilha de Sumba, na Indonésia, esse autor discute que, em nossa ação comunicativa, tomar os agentes, a referência e as circunstâncias de um determinado enunciado como materiais ou imateriais depende das ideologias semióticas envolvidas e de suas “realizações práticas em economias representacionais” (KEANE, 2003KEANE, W. (2003). Semiotics and the social analysis of material things. Language & Communication, v. 23, p. 409-425., p. 423). Keane define ideologia semiótica como os “pressupostos básicos sobre o que são signos e como eles funcionam no mundo. Ela determina, por exemplo, o que as pessoas consideram ser o papel que intenções desempenham na significação, que tipos de agentes possíveis (apenas humanos? animais? espíritos?) existem para quais atos de significação devem ser imputados, se os signos são arbitrária ou necessariamente ligados aos seus objetos etc.” (KEANE, 2003, p. 419). Assim, por exemplo, o embate religioso sobre imagens de santos serem “meras imagens” ou “incorporações do divino” pressupõe, necessariamente, ideologias semióticas em conflito, que atribuem diferentemente materialidade e concretude ao objeto (o termo que Peirce aplica para “referente”), por exemplo, a mãe de Jesus.

Uma primeira falha da crítica que arrolei nas três primeiras seções é que os críticos não problematizam a própria “economia de representação” que funda sua visão contrária à materialidade e à concretude das mercadorias do mercado linguístico. Esses críticos separam ontologicamente “discurso” de “realidade”: o primeiro visto como “representação” ou campo imaterial e apenas a segunda vista como coisa material e concreta. Essa divisão se baseia numa ideologia linguística ou semiótica modernista, cujas raízes são escolas de pensamento como o platonismo e o calvinismo. O registro etnográfico contém muitos trabalhos que demonstram o “choque cultural” sentido pelos missionários calvinistas, que acreditavam na divisão ontológica entre o mundo imaterial espiritual e o mundo material da experiência sensível, ao encontrarem pela “primeira vez nativos não cristãos que atribuíam agência divina a signos materiais, que muitas vezes consideravam objetos materiais (e sua troca) como extensão ontológica de si mesmos (dissolvendo a distinção entre pessoas e coisas), e para quem as práticas linguísticas não denotavam simplesmente a realidade, mas também ajudavam a criá-la” (MAHMOOD, 2019MAHMOOD, S. (2019). Razão religiosa e afeto secular: uma barreira incomensurável? Debates do NER, v. 19, n. 36, p. 17-56. , p. 27).

Percebo em Holborow, Simpson, O’Regan e Block uma iteração contemporânea do choque cultural desses missionários ao denunciarem o antropomorfismo da noção de materialidade da linguagem, ou ao afirmarem que a linguagem só pode funcionar metaforicamente como mercadoria real no capitalismo recente. Diante dos dados que apresentei, cabe a pergunta: O que dizer da concretude da opressão sentida e narrada pelos ativistas no Circulando? Como dissociar o corpo e a palavra tomados como escudos? É adequado perguntar a André se a Máscara de Flandres é “apenas” uma metáfora do silenciamento de favelados? No uso dessa máscara, é possível discernir com clareza entre dominação econômica real, privação concreta de comida e silenciamento metafórico? A resposta a essas perguntas, obviamente, dependerá das ideologias semióticas que fundam tanto as perguntas quanto as possíveis respostas, bem como dos “modos de objetificação em curso, do potencial para a reflexividade que eles capacitam e do caráter específico das suas vulnerabilidades à contingência” (KEANE, 2003KEANE, W. (2003). Semiotics and the social analysis of material things. Language & Communication, v. 23, p. 409-425., p. 423).

A reflexividade que esses ativistas projetaram durante o Circulando parece se moldar mais na forma de linguagem e discurso entendidos como ação corpórea, performativa e concreta do que como linguagem e discurso sinônimos de “representações discursivas do mundo [distintas do] mundo social real” (HOLBOROW, 2015HOLBOROW, M. Language and neoliberalism. London: Routledge , 2015. , p. 30). Talvez como sucedâneo de sua orientação modernista, os críticos arrolados apresentam pouca evidência empírica para suas proposições teóricas. A preocupação real dos sujeitos com quem dialogo no Rio de Janeiro aponta para a materialidade e concretude da resistência, a qual me tem demandado, como acadêmico, resposta epistêmica condizente. Como insistem Heller e Duchêne (2016HELLER, M.; DUCHÊNE, A. (2016). Treating language as an economic resource: Discourse, data and debate. In: Coupland, N. (org.), Sociolinguistics: Theoretical debates. Cambridge: Cambridge University Press , p. 139-156., p. 144), é “seguindo os dados” que se podem observar com mais concretude “processos em nossa pesquisa de campo que [se relevam] desigualmente distribuídos, contestados e não lineares, mas, nem por isso, puramente locais ou efêmeros.”

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a Pedro Garcez e Neiva Jung, pelo estímulo à redação deste artigo e pelos comentários a diferentes versões dele. Agradeço também aos participantes do simpósio “Linguagem, capitalismo e colonialismo: diversidade e mobilidade”, durante o III Simpósio de Variação Linguística e Ensino (SIMVALE), em Maringá, 2019. Aquela ocasião de debate, fundamentada em nossa leitura coletiva do trabalho de Monica Heller, foi um momento crucial para que eu ruminasse as ideias deste artigo. Agradeço também pelas críticas dos pareceres anônimos de Trabalhos em Linguística Aplicada. Todas as imperfeições remanescentes são de minha responsabilidade.

  • 1
    A tradução de excertos de textos consultados em língua estrangeira foi realizada por mim.
  • 2
    Em seu estudo sobre a formação histórica da ideologia linguística modernista de língua como objeto separável e separado das práticas situadas e das pessoas que a utilizam, Bauman e Briggs (2003) utilizam os termos de Latour (1994) e explicam que a extração do objeto-língua do todo maior das práticas sociais e corpóreas foi o resultado de uma operação de “purificação”. Ser moderno, nos termos dessa ideologia linguística, significa ser capaz de utilizar esse objeto purificado - em distinção aos pré-modernos, como iletrados ou indígenas, para quem linguagem, corpo e contexto não se dissociam e permanecem práticas híbridas. Assim como Latour e Bauman e Briggs, dou ênfase à purificação e à hibridização como práticas co-ocorrentes que se definem situacionalmente ao se diferenciarem uma da outra.
  • 3
    Heller e McElhinny (2017, p. 94) discutem o papel de um outro símbolo material de constrangimento à fala, o symbole, utilizado na França ao final do século XIX e início do século XX, “para impedir que crianças usassem bretão, occitano ou outras variedades regionais em sala de aula.” O symbole era um objeto de madeira em tamanho e formato de tamanco, que podia ser envolto em uma corda e pendurado no pescoço da criança infratora (ou segurado por ela). Assim como a Máscara de Flandres, o symbole tinha uma função de censura e “disciplinamento do corpo, mente e língua (tongue)”, sendo também utilizado como instrumento disciplinador colonial pela França na Argélia. Em seu livro, as autoras utilizam o symbole como metáfora do disciplinamento linguístico no colonialismo e nacionalismo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2021
  • Aceito
    31 Maio 2021
  • Aceito
    17 Jun 2021
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