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CORES, TEXTURAS E TIPOGRAFIA: DESENVOLVENDO A COMPETÊNCIA LEITORA POR MEIO DE RECURSOS MULTIMODAIS

COLORS, TEXTURES AND TYPOGRAPHY: DEVELOPING READING COMPETENCE THROUGH MULTIMODAL RESOURCES

RESUMO

Este artigo tem como objetivo evidenciar a potencialidade de cores, texturas e tipografia nas atividades de leitura, apresentando estratégias que contribuam para a viabilização da aprendizagem multimodal em contexto escolar. Para tanto, a partir de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, de base interpretativista e de natureza aplicada, busca demonstrar como os recursos semióticos empregados na construção dos gêneros textuais são indispensáveis no processo de apreensão de sentidos pelo leitor, ressaltando ainda a relevância da mediação docente nesse processo cognitivo mediante intervenção didática realizada no Ensino Médio. Desse modo, em termos de fundamentação teórica, baseia-se nos pressupostos da Semiótica Social e da multimodalidade em diálogo com a formação de professores na perspectiva da Linguística Aplicada. Os resultados revelam que a problematização dos recursos semióticos pelo professor possibilita o desenvolvimento da competência leitora do sujeito escolar, ampliando a noção de linguagem e viabilizando o contato com aspectos pouco explorados em sala de aula.

Palavras-chave:
semiótica social; leitura; aprendizagem multimodal

ABSTRACT

This article aims at highlighting the potentiality of colors, textures and typography in reading activities, presenting strategies which contribute to the viability of multimodal learning in the school context. For this purpose, from a qualitative research of ethnographic type, of interpretative basis and of applied nature, it seeks to demonstrate how semiotic resources used in the construction of textual genres are indispensable in the process of apprehension of meanings by the reader, and it also emphasizes the relevance of teacher mediation in this cognitive process through didactic intervention held in High School. In terms of theoretical foundation, it is based on the assumptions of Social Semiotics and of multimodality in dialogue with the teacher formation in Applied Linguistics perspective. The results reveal that the problematization of semiotic resources by the teacher facilitates the development of the student reading competence, expanding the notion of language and enabling contact with less explored aspects in the classroom.

Keywords:
social semiotics; reading; multimodal learning

INTRODUÇÃO

Para comunicar-se socialmente os sujeitos se utilizam de diferentes modos e recursos de linguagem que, muitas vezes, atrelados às tecnologias da informação, permitem a construção de significados sociais diversos. Esse quadro situa o papel da linguagem nas interações cotidianas e, em se tratando de educação, conduz-nos a pensar em um ensino-aprendizagem em consonância com as demandas da sociedade moderna.

As discussões em torno do ensino-aprendizagem de Linguagens defendem que o aluno precisa ter contato com a diversidade de textos que circulam socialmente (BRASIL, 2006BRASIL. 2006. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB.; 2013BRASIL. 2013. Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica. Brasília: MEC/SEB.; 2018BRASIL. 2018. Base Nacional Comum Curricular: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEB.). E uma vez que a complexidade textual contemporânea tem sido evidenciada pela articulação/combinação de linguagens, a concepção de texto é assim ampliada para além da tecnologia da escrita e/ou da linguagem oral; haja vista que, na atualidade, ler um texto significa observar simultaneamente as estruturas, os modos e os recursos semióticos que o constituem. Importa ressaltar que, embora os modos e os recursos semióticos, muitas vezes, sejam tidos como sinônimos, o fato é que todo modo de comunicação (escrito, sonoro, gestual, visual etc.) constitui-se de vários recursos semióticos (tom de voz, realces, cor etc.).

Partindo da premissa de que todos esses modos e recursos devem ser considerados para que a totalidade de sentidos seja alcançada pelo leitor, situamos a teoria responsável pelo embasamento deste trabalho, seus desdobramentos e possibilidades de aplicabilidade em contexto escolar mediante relatos de uma pesquisa desenvolvida no 2º ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública estadual da Paraíba, com alunos entre 14 e 17 anos de idade, que buscou promover um estudo mais aprofundado da linguagem por parte dos sujeitos participantes da pesquisa. Desse modo, a Semiótica Social se impõe relevante em nosso estudo, no sentido de que “concebe os textos a partir de uma perspectiva multimodal, que contempla a análise dos diferentes recursos semióticos através dos quais a linguagem é realizada” (CARVALHO, 2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., p. 85).

Ao focalizar experiências de leitura multimodal em sala de aula também dialogamos com a formação de professores, ressaltando a relevância de estudos aplicados ao ensino e da mediação docente nesse processo cognitivo. Partindo de tais pressupostos, este artigo busca evidenciar a potencialidade de cores, texturas e tipografia nas atividades de leitura, apresentando estratégias que contribuam para a viabilização da aprendizagem multimodal em contexto escolar. Consideramos que os aspectos evidenciados neste estudo ainda são pouco explorados na aula de Linguagens, sendo, na maioria das vezes, associados a outras áreas de conhecimento e a profissionais como designers, comunicadores sociais, publicitários etc. Um dos intuitos da pesquisa realizada foi, justamente, contribuir para a ampliação dos conhecimentos dos sujeitos escolares que, embora imersos em uma sociedade visual e múltipla, ainda possuem uma visão limitada de leitura, de linguagem e dos conteúdos a serem estudados em cada disciplina.

Nessa direção, e para melhor compreensão de nossas ideias, buscamos organizar este artigo em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção, situamos a Semiótica Social e a multimodalidade; na segunda, destacamos os aspectos principais da Gramática do Design Visual, tendo em vista terem influenciado na confecção das atividades desenvolvidas na pesquisa; na terceira, evidenciamos algumas particularidades dos recursos semióticos ressaltados neste estudo, sinalizando suas contribuições no processo de apreensão de sentidos pelo aluno/ leitor. Na quarta seção, apresentamos a metodologia que subsidiou a pesquisa, a fim de adentrar, na seção cinco, nas experiências de leitura multimodal vivenciadas no Ensino Médio.

Esperamos que, a partir deste estudo, outras pesquisas possam ser suscitadas na busca pela viabilização de práticas de multiletramentos em âmbito escolar, entendidas como formas de lidar com a leitura e a escrita em contextos sócio-histórico-culturais e tecnológicos, mediadas ou não por textos multimodais.

1. SEMIÓTICA SOCIAL E MULTIMODALIDADE

A Semiótica Social tem sua base teórica na Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), proposta por Michael Halliday, segundo a qual o uso da língua depende das escolhas que fazemos em contextos específicos de comunicação e interação; ou seja, a LSF preocupa-se em compreender e descrever a linguagem em funcionamento. De acordo com Carvalho (2013)CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., a Semiótica Social teve início no final dos anos 1980, e assentando-se nas perspectivas de Halliday, busca sistematizar métodos de análise dos recursos semióticos empregados na comunicação, ultrapassando as materialidades verbais da língua. Logo, “a Semiótica Social tem como prisma para análise e entendimento do signo a perspectiva funcionalista da linguagem” (SILVA; ALMEIDA, 2018SILVA, Monica Maria Pereira da; ALMEIDA, Danielle Barbosa Lins de. 2018. Linguagem Verbal, Linguagem Visual: Reflexões teóricas sobre a perspectiva Sócio-Semiótica da Linguística Sistêmico-Funcional. Odisseia, v. 3, n. 1, jan./jun., p. 36-56., p. 38).

No que concerne à concepção de signo para a Semiótica Social, Carvalho (2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., p. 09) discorre que, diferentemente da visão dicotômica postulada pela Semiologia, e para além da Semiótica tradicional, o signo resulta

[...] de um processo de produção sígnica, no qual os estratos do significante e do significado são relativamente independentes um do outro. Isso porque o significado é construído a partir do interesse do produtor do signo, que seleciona o modo semiótico que julga ser mais apto e plausível para um contexto social específico.

Nesse sentido, pode-se dizer que a Semiótica Social investiga os sentidos de signos verbais e não verbais em contextos sociais específicos, buscando entender as escolhas dos diferentes modos e recursos semióticos utilizados para fins de comunicação social. E são esses muitos modos de representação do pensamento que resultam naquilo que chamamos de multimodalidade (SILVA; ALMEIDA, 2018SILVA, Monica Maria Pereira da; ALMEIDA, Danielle Barbosa Lins de. 2018. Linguagem Verbal, Linguagem Visual: Reflexões teóricas sobre a perspectiva Sócio-Semiótica da Linguística Sistêmico-Funcional. Odisseia, v. 3, n. 1, jan./jun., p. 36-56.), teoria que emerge da Semiótica Social, tendo como precursores os autores Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Robert Hodge. Assim,

[...] os estudos em multimodalidade visam investigar os principais modos de representação em função dos quais um determinado texto é produzido e realizado, bem como compreender o potencial de origem histórica e cultural utilizado para produzir o significado de qualquer modo semiótico. Dessa maneira, busca-se abordar as particularidades de cada modo semiótico, as regularidades de suas combinações e seus valores em contextos sociais específicos (CARVALHO, 2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., p. 10).

Dentro dessa perspectiva de compreensão textual, e para auxiliar no processo de leitura multimodal, Kress e van Leeuwen (1996)KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. 1996. Reading Images: The Grammar of Visual Design. New York: Routledge. propuseram a Gramática do Design Visual, a fim de verificar como os modos e os recursos semióticos empregados no texto são notados socialmente em prol da significação. Com esse pensamento, e entrecruzando o imagético e o linguístico, Silva e Almeida (2018SILVA, Monica Maria Pereira da; ALMEIDA, Danielle Barbosa Lins de. 2018. Linguagem Verbal, Linguagem Visual: Reflexões teóricas sobre a perspectiva Sócio-Semiótica da Linguística Sistêmico-Funcional. Odisseia, v. 3, n. 1, jan./jun., p. 36-56., p. 40) esclarecem:

O que é expresso na linguagem verbal, produzido por meio de textos, por meio da escolha entre diferentes classes de palavras numa estrutura sintática é, na composição visual, expresso por meio da escolha entre diferentes usos, imagens, cores, layouts, ou diferentes estruturas de composição. Isso comprova que os significados atribuídos aos textos são resultantes da leitura do conjunto dos modos semióticos e da compreensão das modalidades verbal e visual neles presentes.

Diante do exposto, a partir da multimodalidade, a Semiótica Social não busca questionar a veracidade informacional dos textos, mas reflete como os modos e os recursos semióticos são usados para que essa verdade seja expressa socialmente (SILVA; ALMEIDA, 2018SILVA, Monica Maria Pereira da; ALMEIDA, Danielle Barbosa Lins de. 2018. Linguagem Verbal, Linguagem Visual: Reflexões teóricas sobre a perspectiva Sócio-Semiótica da Linguística Sistêmico-Funcional. Odisseia, v. 3, n. 1, jan./jun., p. 36-56.). É sobre isso que tratamos na seção seguinte, ao trazer uma síntese das categorias da Gramática do Design Visual, buscando demonstrar como se dá a apreensão de sentidos em textos multimodais a partir dessa perspectiva.

2. GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL: SÍNTESE DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS

Para os propositores da Gramática do Design Visual, a apreensão de sentidos em textos multimodais se dá a partir de significados representacionais, interativos e composicionais. Referente aos significados representacionais, observam-se os participantes, não necessariamente humanos, em processos de ação, direta ou indiretamente. Quanto aos significados interativos, há uma inter-relação entre a imagem, os participantes e o leitor, podendo ser percebidos por meio de aspectos específicos, tais como: contato; distância social/enquadramento; e atitude/perspectiva (NASCIMENTO; BEZERRA; HERBELE, 2011NASCIMENTO, Roseli Gonçalves do; BEZERRA, Fabio Alexandre Silva; HERBELE, Viviane Maria. 2011. Multiletramentos: iniciação à análise de imagens. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 14, n. 2, p. 529-552, jul./dez.).

O contato está diretamente ligado à “linha do olhar”, que permite a relação entre os participantes e o leitor através da demanda (quando os participantes da imagem estão em contato direto com o leitor, como se estivessem “falando” diretamente para ele) e da oferta (quando, numa relação de impessoalidade, os participantes não olham diretamente para o leitor, servindo apenas como objeto de contemplação) (CARVALHO, 2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p.). A distância social é responsável pelo enquadramento da imagem, revelando relações de intimidade ou distanciamento entre os participantes e o leitor (CARVALHO, 2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p.), o que pode ser percebido mediante as técnicas de close, em que os participantes e os elementos da imagem são colocados em planos distintos.

A atitude ou perspectiva diz respeito ao posicionamento do corpo dos participantes representados em relação ao leitor, mostrando atitudes mais ou menos subjetivas e, em ambos os casos, socialmente determinadas (SILVA, 2016SILVA, Maria Zenaide Valdivino da. 2016. O letramento multimodal crítico no ensino fundamental: investigando a relação entre a abordagem do livro didático de língua inglesa e a prática docente. Fortaleza, CE. Tese de doutorado. Universidade Estadual do Ceará, 327 p.). De acordo com Carvalho (2013)CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., a partir de Kress e van Leeuwen (1996)KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. 1996. Reading Images: The Grammar of Visual Design. New York: Routledge., as imagens subjetivas são colocadas estrategicamente a partir do ponto de vista do seu produtor, de um ângulo específico, estando assim relacionadas à intencionalidade do produtor. Já as imagens objetivas, são dispostas como realmente são, sem considerar o observador. A atitude é realizada por meio de três ângulos/posicionamentos: frontal (o participante e o leitor apresentam-se de frente, no mesmo ângulo); oblíquo (quando o participante - que está de perfil - e o leitor encontram-se em ângulos diferentes); e vertical (quando relações de poder são estabelecidas entre os participantes e o leitor mediante ângulo elevado, baixo ou igual).

No tocante aos significados composicionais, estes são responsáveis pela descrição/organização de todos os elementos contidos na imagem e no texto multimodal, em uma relação interna (com os elementos) e externa (com o leitor). Para tanto, alguns aspectos devem ser observados, tais como: valor de informação; enquadramento; e saliência.

O valor de informação diz respeito à maneira como os elementos dispostos na imagem são distribuídos, conferindo-lhes valores particulares. Esse posicionamento pode ser da esquerda para a direita, do centro para a margem, do topo para a base. Segundo Nascimento, Bezerra e Herbele (2011)NASCIMENTO, Roseli Gonçalves do; BEZERRA, Fabio Alexandre Silva; HERBELE, Viviane Maria. 2011. Multiletramentos: iniciação à análise de imagens. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 14, n. 2, p. 529-552, jul./dez., na cultura ocidental, as posições esquerda/direita correspondem às informações dadas e novas: o dado, aquela informação já familiar ao leitor, costuma ficar à esquerda; já o novo, relativo aos elementos até então desconhecidos pelo leitor, costuma ficar à direita. As posições centro/margem, revelam as informações principais (centro) e secundárias (margem), sendo postas intencionalmente no texto. Já as posições topo/base, referem-se aos valores de informação ideais e reais.

No tocante ao enquadramento, verifica-se a conexão ou desconexão entre os elementos do texto, os quais podem estar interligados, separados e/ou segregados (NASCIMENTO; BEZERRA; HERBELE, 2011NASCIMENTO, Roseli Gonçalves do; BEZERRA, Fabio Alexandre Silva; HERBELE, Viviane Maria. 2011. Multiletramentos: iniciação à análise de imagens. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 14, n. 2, p. 529-552, jul./dez.). A saliência se utiliza de técnicas/recursos/estratégias com vistas a destacar os elementos visuais. Assim, de acordo com a relevância que tais elementos assumem dentro da imagem terão uma atenção maior por parte do leitor/observador (SILVA, 2016SILVA, Maria Zenaide Valdivino da. 2016. O letramento multimodal crítico no ensino fundamental: investigando a relação entre a abordagem do livro didático de língua inglesa e a prática docente. Fortaleza, CE. Tese de doutorado. Universidade Estadual do Ceará, 327 p.), por estarem mais destacados.

Em síntese, tais categorias organizam-se, basicamente, da seguinte forma, conforme a Figura 1:

Figura 1
Síntese das categorias da Gramática do Design Visual

Considerando as contribuições da Semiótica Social e, por conseguinte, da multimodalidade e da Gramática do Design Visual na compreensão de imagens e de configurações textuais diversas, torna-se fundamental ao professor de Língua Portuguesa, e não somente ele, (re)conhecer as potencialidades metodológicas da multimodalidade em seu fazer docente, posto que o ato de ler e produzir linguagens é também ato social, sendo uma condição imposta pela sociedade. Para o leitor, entender os sentidos que estão por trás do emprego de diferentes linguagens em um mesmo texto, permite-lhe agir como um sujeito socialmente ativo, capaz de perceber as intencionalidades veiculadas em contextos culturais e sociais distintos.

A fim de entender como as diferentes linguagens se articulam no texto multimodal a partir da intencionalidade do seu produtor, no tópico a seguir, trazemos algumas particularidades dos recursos semióticos destacados neste artigo - cores, texturas e tipografia -, por desempenharem um papel relevante em nosso estudo, além de serem pouco explorados nas atividades escolares.

3. CORES, TEXTURAS E TIPOGRAFIA: ALGUMAS PARTICULARIDADES

Como vimos, os recursos semióticos empregados nas diferentes configurações textuais são indispensáveis à compreensão leitora, sobretudo, quando analisados os efeitos de sentidos decorrentes da articulação entre esses recursos e modos de linguagem. Nesta seção, ressaltamos algumas particularidades das cores, texturas e tipografia, recursos semióticos potenciais que contribuem para a significação textual em contextos específicos de comunicação.

Segundo Carvalho (2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., p. 50), van Leeuwen (2011)VAN LEEUWEN, T. 2011. The Language of Colour. New York: Routledge., na Semiótica Social, aborda “a cor com propósitos de expressão e comunicação”, a fim de expressar sentimentos, comunicar ideias e promover a interação social. Assim, no que se refere ao trabalho com as cores, e considerando os níveis de brilho, pureza, saturação, modulação, diferenciação e temperatura, postulados por van Leeuwen (2011)VAN LEEUWEN, T. 2011. The Language of Colour. New York: Routledge., é preciso ter em mente que elas estão impregnadas de informação e que também representam a cultura de uma sociedade (DONDIS, 2003DONDIS, Dondis A. 2003. Sintaxe da linguagem visual. Tradução de Jefherson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes.).

Portanto, uma abordagem multimodal das cores pressupõe buscar entender o motivo pelo qual foram utilizadas cores quentes e frias; quais as tonalidades empregadas para atingir determinado efeito de sentido; bem como quais os significados, crenças e ideologias que podem suscitar no texto. Ao lado das cores, as texturas também desempenham papel relevante nos textos imagéticos e multimodais, sendo um dos elementos básicos da comunicação visual1 1 Para Dondis (2003) são: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala ou proporção, a dimensão e o movimento. . De acordo com Dondis (2003)DONDIS, Dondis A. 2003. Sintaxe da linguagem visual. Tradução de Jefherson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes., as texturas mobilizam nossos sentidos táteis e, ao mesmo tempo, óticos, sendo usadas para fins comunicativos e, neste sentido, enquanto elemento visual, podem ser perfeitamente manipuláveis pelas técnicas de comunicação.

Os aspectos tipográficos, referentes ao estilo, tamanho e posicionamento das letras, intensificam o caráter persuasivo das mensagens, em conjunto com cores e texturas. A forma como a fonte está organizada no texto, principalmente, quando se tratam de textos salientemente2 2 Em conformidade com Dionísio (2008), partimos da premissa de que não existem textos unimodais, no sentido de que a informatividade visual também se faz presente em textos/gêneros escritos, por meio de realces, tipografia, disposição gráfica etc. Assim, o que existem são textos salientemente multimodais ou não. multimodais, faz a diferença no processo cognitivo de leitura. Desse modo, é importante que o professor conheça a classificação básica das letras, bem como algumas famílias tipográficas (nome dado ao conjunto de fontes semelhantes), a fim de respaldar-se quanto à importância da fonte na construção do texto. De um modo geral,

[...] a tipografia moderna tem realizado a seguinte distinção: de um lado, aspectos tradicionais modelados pela impressão clássica romana, caracterizada por suas linhas decorativas ou serifas; de outro, a impressão simples, geométrica e sem serifas, típica da era industrial (CARVALHO, 2013CARVALHO, Flaviane Faria. 2013. Temas Contemporâneos em Semiótica Visual. Brasília: CEPADIC. 93 p., p. 53).

Diante do exposto, depreendemos que os níveis de organização tipográfica em um texto sugerem diferentes sentidos, a depender da intencionalidade do seu produtor. Em uma perspectiva sociossemiótica, podemos dizer que os recursos semióticos aqui elencados tendem a influenciar o posicionamento do leitor frente a determinados textos e contextos. Desse modo, em gêneros multimodais, o professor poderá refletir com os alunos sobre quais signos se destacam mais; se as letras aparecem mais reservadas no texto ou elas próprias assumem-se como imagem principal; se a apresentação visual das letras é reforçada qualitativamente por cores e texturas; dentre outros questionamentos cabíveis.

Todos esses aspectos, pouco explorados nas atividades de leitura, podem e devem ser problematizados pelo professor em sala de aula. É o que procuramos demonstrar nas linhas seguintes, após situarmos a metodologia adotada em nosso estudo.

4. METODOLOGIA

As experiências apresentadas neste estudo são frutos de uma pesquisa desenvolvida em contexto escolar mediante relatos de uma pesquisa aplicada no 2º ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública estadual da Paraíba, com alunos entre 14 e 17 anos de idade. Partindo da perspectiva da Linguística Aplicada, ciência que se preocupa com os usos sociais da linguagem nos mais variados contextos e que, na contemporaneidade, assume um caráter interdisciplinar (MOITA LOPES, 2009MOITA LOPES, L. P. 2009. Da aplicação da Linguística à Linguística Aplicada Indisciplinar. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. (Orgs.). Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, p. 11-24.), buscamos realizar uma pesquisa aplicada ao ensino de Linguagens, cujas atividades tornassem evidente uma abordagem multimodal em sala de aula, a partir do texto publicitário, e que, ao mesmo tempo, dialogasse com a formação de professores em tempos de múltiplas linguagens.

Entendemos que, diante de múltiplas possibilidades pedagógicas, o professor precisa adequar-se às diferentes realidades, (re)pensando atividades que visem a mobilização das capacidades discentes e que os levem à produção de sentidos/significados, independentemente das bases teóricas em que tais atividades estejam subsidiadas. Para tanto, é preciso o empreendimento de uma mentalidade autorreflexiva por parte dos professores, sendo a prática de pesquisa uma oportunidade para a efetivação de tal pensamento. Em defesa desse ponto de vista, Aguiar e Fischer (2012)AGUIAR, Marcia Juliana Dias; FISCHER, Adriana. 2012. A pedagogia dos multiletramentos: uma proposta para a formação continuada de professores. Leia Escola, v. 12, n. 02, p. 106-130. reconhecem a atividade de pesquisa como sendo indispensável para o aperfeiçoamento docente e, por conseguinte, discente, inferindo que “para a formação continuada de um professor, são necessários, além do uso de novos conjuntos teóricos, uma abordagem [...] que o oriente e organize o seu pensar e agir na busca do aprimoramento” (AGUIAR; FISCHER, 2012AGUIAR, Marcia Juliana Dias; FISCHER, Adriana. 2012. A pedagogia dos multiletramentos: uma proposta para a formação continuada de professores. Leia Escola, v. 12, n. 02, p. 106-130., p. 108).

Quanto à forma de abordagem, trata-se de um estudo qualitativo de cunho etnográfico de base interpretativista (BORTONI-RICARDO, 2008BORTONI-RICARDO, Stella Maris. 2008. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola. 135 p.). O interpretativismo está ligado aos métodos de pesquisa que têm em comum o interesse em interpretar a realidade, considerando que “não há como observar o mundo independentemente das práticas sociais e significados vigentes” (BORTONI-RICARDO, 2008BORTONI-RICARDO, Stella Maris. 2008. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola. 135 p., p. 32). Nesse sentido, a base da pesquisa qualitativa é o interpretativismo, buscando-se analisar fenômenos sociais em contextos específicos. Dentro desse viés qualitativo, destacamos a pesquisa do tipo etnográfico, que se volta para o microcosmo da sala de aula e, no caso desta pesquisa, para o processo de aprendizagem multimodal.

Na próxima seção, apresentamos algumas experiências de leitura multimodal vivenciadas com os alunos participantes durante a realização da pesquisa. A princípio, de modo geral, situamos a proposta de pesquisa que embasou o nosso pensar metodológico, seguindo com a descrição das atividades escolhidas para compor o corpus deste artigo, um total de três atividades. À medida em que tais atividades vão sendo descritas, também procuramos relacionar os resultados da interação discente aos aspectos analíticos da multimodalidade, atentando para a compreensão dos alunos quanto aos recursos semióticos que constituem o texto multimodal, bem como em relação às categorias da Gramática do Design Visual, apresentadas indiretamente durante as atividades da pesquisa, mediante transposição didática. Mais especificamente, buscamos evidenciar a compreensão dos alunos quanto aos significados composicionais da Gramática do Design Visual, tendo em vista que “a metafunção composicional tem como papel organizar/combinar os elementos visuais de uma imagem, ou seja, integrar os elementos representacionais e interativos em uma composição para que ela faça sentido” (SILVA, 2016SILVA, Maria Zenaide Valdivino da. 2016. O letramento multimodal crítico no ensino fundamental: investigando a relação entre a abordagem do livro didático de língua inglesa e a prática docente. Fortaleza, CE. Tese de doutorado. Universidade Estadual do Ceará, 327 p., p. 75).

Esquematizando, a análise do corpus buscou contemplar os seguintes aspectos, dispostos no Quadro 1:

Quadro 1
Aspectos contemplados na análise do corpus

5. EXPERIÊNCIAS DE LEITURA MULTIMODAL NO ENSINO MÉDIO

Neste artigo, a ênfase recai sobre as experiências de leitura vivenciadas durante a pesquisa, valendo-se dos recursos semióticos elencados anteriormente (tais como: cor, textura e tipografia), para demonstrar os efeitos dessa abordagem na construção de significados sociais pelo sujeito escolar. Para esse momento, consideramos relevante destacar três atividades de leitura com foco na multimodalidade e, mais especificamente, nos significados composicionais da Gramática do Design Visual. Essas atividades foram realizadas com a mediação do anúncio publicitário, após uma contextualização acerca de como as diferentes linguagens se articulam na tessitura textual para obter os mais variados efeitos de sentidos, atentando para as estratégias utilizadas na construção do texto publicitário em estudo.

A partir do anúncio, os discentes foram direcionados à percepção das estratégias persuasivas utilizadas pela publicidade por meio da linguagem multimodal. Com isso, ressaltamos que, além de saber que a linguagem publicitária se caracteriza pela persuasão, o aluno também precisa entender os processos de produção da estrutura publicitária, assim como as escolhas de ordem verbal e não verbal que são feitas com o intuito de seduzir, impactar e emocionar o consumidor, despertando-lhe o desejo de compra (de produtos ou de ideias).

A primeira atividade consistiu em uma dinâmica realizada para introduzir a aula referente à leitura multimodal com ênfase nas cores, texturas e tipografia empregadas no anúncio publicitário, considerando a influência de tais recursos na sociedade e até que ponto isso é levado em conta pelos produtores das mensagens publicitárias. Para o desenvolvimento da dinâmica, foram mostradas, através de data show, imagens de anúncios em escala de cinza, para que os alunos pensassem quais cores melhor se adequariam à situação visual proposta no texto. Ou seja, eram dadas situações visuais para que os discentes propusessem soluções visuais, tendo em vista que os elementos visuais são manipulados pelas técnicas de comunicação na busca de tornar visíveis os objetivos de comunicação (DONDIS, 2003DONDIS, Dondis A. 2003. Sintaxe da linguagem visual. Tradução de Jefherson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes.).

A título de exemplo, destacamos a Figura 2, que apresenta um dos anúncios trabalhados na dinâmica, da marca Heinz, em escala de cinza e em sua apresentação original. Os alunos ficaram na expectativa para visualizar o anúncio original a fim de confirmar ou não as decisões tomadas. Foi possível perceber o esforço cognitivo deles ao tentar estabelecer decisões visuais condizentes com a imagem, de modo que, a um só tempo, as texturas também foram sendo pensadas.

Figura 2
Anúncio Heinz

Observando a imagem em escala de cinza, localizada à esquerda (Figura 2), os alunos perceberam que as texturas utilizadas no anúncio têm o objetivo de tornar a imagem o mais real possível, pois a ideia de utilizar tomates na construção da embalagem de ketchup da Heinz sugere a naturalidade dos ingredientes utilizados na sua preparação. Identificar a textura dos tomates no anúncio apresentado facilitou os alunos na proposição de soluções visuais condizentes com o contexto visual. É relevante destacar que os alunos identificaram primeiro as texturas, para, em seguida, escolher as cores - vermelho, azul, verde etc. - que julgavam mais adequadas ao contexto apresentado no anúncio.

Quanto aos aspectos composicionais do anúncio, os alunos conseguiram perceber o destaque dado à embalagem de Ketchup e, consequentemente, à marca Heinz. Ou seja, para os alunos, o posicionamento da embalagem, elemento principal do anúncio, não se deu por acaso. Eles também consideraram relevante a forma de abordagem do assunto, algo diferente do que estavam habituados a fazer na aula de Língua Portuguesa. Ao final, destacaram a criatividade dos produtores dos anúncios trabalhados, bem como as possibilidades visuais que as tecnologias nos permitem criar.

A segunda atividade contemplou, de forma mais sistematizada, os aspectos composicionais do gênero, que, segundo a Gramática do Design Visual, referem-se ao valor de informação, enquadre e saliência. Nessa atividade, embora tenhamos privilegiado os significados composicionais, as demais categorias analíticas da Gramática do Design Visual também puderam ser exploradas, mesmo que indiretamente.

Através de um anúncio da empresa Carlsberg (Ver Figura 3), marca dinamarquesa de cervejaria, solicitamos que os alunos registrassem suas impressões particulares sobre o anúncio, com base nas discussões realizadas anteriormente em sala, com o objetivo de sondar a percepção dos discentes quanto à localização dos elementos no texto (valor de informação), a intenção do posicionamento dos elementos no texto (enquadre), bem como a conexão entre os elementos do texto (saliência).

Figura 3
Anúncio Carlsberg

Na Figura 4, destacamos a resposta da aluna Suzana5 5 Por questões éticas, e para melhor fluidez do texto, optamos por dar nomes fictícios aos sujeitos da pesquisa. para a referida atividade.

Figura 4
Resposta da atividade - Suzana

A Figura 4 revela a preocupação da aluna Suzana para os aspectos trabalhados na aula, em relação ao posicionamento dos elementos na imagem e uso de cores e tipografia. Embora não tenha mencionado, a discente conseguiu visualizar a metáfora visual presente no anúncio, ao destacar que as tampas da cerveja estão em formato de concha e fazer alusão da gota de cerveja a uma pérola ou joia preciosa, percebendo os efeitos de sentidos denotados no texto e buscando estabelecer relações com as estratégias dos produtores da referida mensagem publicitária. Ao destacar os diferentes planos visuais no anúncio, Suzana reconhece a importância da posição dos elementos no texto, ou seja, o valor de informação a que se refere a Gramática do Design Visual. Como visto, esse posicionamento pode ser da esquerda para a direita, do centro para a margem e do topo para a base. No caso do anúncio, o movimento esquerda/direita parece fazer mais sentido, considerando a familiaridade da metáfora visual ao leitor/consumidor (duas tampas de cerveja representando uma concha do mar - à esquerda) e a revelação do nome da cerveja Calsberg juntamente com o slogan (informação nova - à direita).

Outro aspecto levantado pela aluna Suzana, e que dialoga com a Gramática do Design Visual, diz respeito ao uso das cores no anúncio estudado, assim como as técnicas utilizadas para destacar visualmente determinados elementos. As colocações de Suzana confirmam a ideia de que os elementos são destacados conforme a relevância que assumem no texto. Desse modo, para Suzana, o degradê entre as cores verde-escuro e verde-claro foi fundamental para colocar a imagem principal em primeiro plano. Ou seja, as cores foram importantes para que o recurso da saliência (Gramática do Design Visual) tivesse o efeito desejado.

A terceira atividade consistiu na leitura coletiva de uma campanha do Programa Dedica - Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, acolhido na Associação dos Amigos do Hospital de Clínicas, de Curitiba-PR, que tem como slogan: Conecte-se ao que importa. Ao apresentar a Figura 5, foi solicitado que os alunos destacassem os aspectos de ordem verbal e não verbal que mais lhes chamaram atenção.

Figura 5
Campanha Conecte-se ao que importa

De início, os discentes começaram a descrever a situação narrada. A primeira informação visualizada foi o fato de o sujeito representado na imagem estar segurando um celular, os alunos disseram se tratar do pai da menina. Em segundo lugar, destacaram a figura da menina vestida com roupa de balé e com um troféu na mão. Quando questionados sobre o que a cena poderia representar, disseram que a menina obteve o primeiro lugar no balé e estava tentando contar ao pai, o qual estava mais preocupado com o celular. Na sequência, ao serem indagados sobre o texto em destaque e o que ele tinha a ver com as descobertas anteriores, qual era o slogan, e se tinha algum elemento visual que reforçava tal ideia, um aluno logo falou: ah, professora, o joinha tem a ver. A partir disso, eles começaram a fazer relação entre o slogan e os demais elementos presentes na imagem, dizendo que a propaganda faz um apelo para que as pessoas deixem de lado o celular e deem atenção a quem realmente importa.

Essa atividade cognitiva centraliza o papel mediador do professor. Pelas colocações dos alunos, em relação à Figura 5, foi possível perceber que, embora o texto esteja grafado em letras grandes, o que primeiro chamou a atenção dos alunos foi a imagem do pai e da filha. Os direcionamentos foram importantes para a percepção de detalhes micros de compreensão. É interessante destacar que, a princípio, não houve menção dos alunos quanto ao uso das cores no texto escrito, eles identificaram apenas a cor rosa na roupa de balé da menina. No entanto, quando solicitados que observassem a cor do texto verbal e verificassem se havia outra parte na imagem com a mesma cor, de imediato a aluna Beatriz apontou que a cor do texto era verde, assim como a camisa do pai da menina. Quando questionados sobre o porquê de ter havido isso, todos ficaram observando a imagem por um tempo, até que o aluno Henrique percebe que, na verdade, é um recado para o pai da menina largar o celular e dar mais atenção para sua filha, relacionando-se ainda à vida propriamente dita. Tal interpretação confirma o caráter cultural das cores, sinalizado por Dondis (2003)DONDIS, Dondis A. 2003. Sintaxe da linguagem visual. Tradução de Jefherson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes., posto que o verde é comumente associado à vida, à esperança, à natureza etc.

Essa troca coletiva de hipóteses de leitura entre os alunos foi algo bastante positivo. Nessa atividade, mais uma vez, chamamos a atenção para a composição multimodal do anúncio, isto é, para os significados composicionais do texto. A dificuldade inicial dos alunos em perceber o papel determinante das cores para a compreensão do sentido pretendido pela mensagem publicitária revela a necessidade de mais experiências de leitura multimodal em contexto escolar. A reação do aluno Henrique ao desvendar o sentido das cores utilizadas no anúncio só demonstra o quanto o letramento multimodal pode contribuir para o desenvolvimento dos sujeitos escolares/sociais. Agora, a escrita incorpora-se a outras formas de expressão do pensamento e os sujeitos precisam aprender a lidar com isso.

Na Figura 5, é nítido observar o diálogo entre linguagens, tendo em vista que as imagens dos personagens dialogam com as cores e com o texto escrito. Esse diálogo sugere que todos os elementos estão conectados entre si, ocorrendo, assim, o enquadre característico dos significados composicionais. Com essa atividade, os alunos foram levados a perceber os sentidos decorrentes desse enquadramento, sendo as cores rosa e verde as maiores responsáveis por essa interligação, afinal, tal como sinalizaram os alunos, a frase Curta a vida dela como você curte a dos outros, na cor verde e em caixa alta, liga-se diretamente ao pai da menina, que também está de verde; ao passo que o slogan Conecte-se ao que importa, na cor rosa e em caixa alta, liga-se à menina, que também está de rosa.

Por tudo isso, não há dúvidas de que a problematização dos recursos semióticos pelo professor possibilita o desenvolvimento da competência leitora do sujeito escolar, ampliando a noção de linguagem e viabilizando o contato com aspectos pouco explorados em sala de aula e que fazem a diferença no processo de apreensão de sentidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do objetivo inicial deste estudo, que buscou evidenciar a potencialidade de recursos semióticos como cor, textura e tipografia nas atividades de leitura na aula de Linguagens, destacamos que uma abordagem multimodal em contexto escolar é, antes de tudo, uma necessidade social, tendo em vista os diferentes modos de ler e produzir textos na contemporaneidade. Considerando, inclusive, que estudantes que ocupam as instituições públicas de ensino, em sua maioria, já vivenciam essa prática de produção do texto multimodal, cabendo à escola ampliar esse conhecimento tão presente em nossa sociedade.

Por meio de um trabalho aplicado ao ensino de Linguagens, pudemos vislumbrar uma possibilidade de apresentar a multimodalidade aos sujeitos do Ensino Médio, demonstrando-lhes ser possível a construção de significados sociais dentro e fora do âmbito escolar. Estudar o texto publicitário na aula de Linguagem significou abordar não somente o imagético do texto, mas também os efeitos de sentidos que se estabelecem entre imagens (estática e/ou dinâmica), cores, texturas, tipografia, dentre outros aspectos. Podemos dizer que tais recursos funcionam como pistas semióticas que, no plano de expressão da linguagem, conduzem à leitura global do texto.

Ao evidenciarmos a linguagem multimodal na construção do anúncio publicitário, os discentes puderam perceber e entender como as escolhas de língua(gem) são pensadas para atingir propósitos comunicativos específicos. E, neste sentido, a Semiótica Social contribuiu para que os discentes fossem direcionados a essas descobertas, sendo levados a perceber como cada escolha semiótica/linguística produz diferentes sentidos, a depender do contexto. Constatamos, portanto, que a problematização dos recursos semióticos pelo professor possibilita o desenvolvimento da competência leitora do sujeito escolar, promovendo o letramento multimodal em sala de aula, tão necessário à compreensão dos textos que circulam socialmente, caracterizados pela multiplicidade de culturas e de linguagens que perpassam o cotidiano discente.

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    Para Dondis (2003)DONDIS, Dondis A. 2003. Sintaxe da linguagem visual. Tradução de Jefherson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes. são: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala ou proporção, a dimensão e o movimento.
  • 2
    Em conformidade com Dionísio (2008)DIONÍSIO, Angela Paiva. 2008. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, Beatriz Gaydeczka; BRITO, Karim Siebeneicher (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 119-132., partimos da premissa de que não existem textos unimodais, no sentido de que a informatividade visual também se faz presente em textos/gêneros escritos, por meio de realces, tipografia, disposição gráfica etc. Assim, o que existem são textos salientemente multimodais ou não.
  • 3
    Disponível em: https://www.pinterest.ca/pin/398427898268571484/. Acesso em: 16 jul. 2017.
  • 4
  • 5
    Por questões éticas, e para melhor fluidez do texto, optamos por dar nomes fictícios aos sujeitos da pesquisa.
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REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2020
  • Aceito
    13 Dez 2021
  • Publicado
    07 Fev 2022
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