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REPERTÓRIOS INDÍGENAS, VOZ E AGÊNCIA NA ESCRITA DE RELATÓRIOS DE PESQUISA DE MESTRADO

INDIGENOUS REPERTOIRES, VOICE AND AGENCY IN MASTER’S THESIS WRITING

RESUMO

Com base nos conceitos de ideologias de linguagem, repertórios comunicativos e letramentos acadêmicos, este estudo de caso examina o uso da linguagem e a escrita acadêmica de dois pós-graduandos em duas universidades federais brasileiras. Foram analisadas duas dissertações de mestrado de autores avá-guarani e kaingang para verificar de que modos se apropriam do português para participar dessa prática acadêmica. A partir da análise do conteúdo, da estrutura composicional e dos recursos de linguagem utilizados, buscou-se compreender os propósitos de escrita e a interlocução projetados pelos autores, o uso que fizeram de seus repertórios comunicativos e as formas de articulação da escrita para produzir conhecimentos. Os resultados mostram que os autores se apropriaram do português e da escrita acadêmica para os propósitos de denunciar e posicionarse como autor/a indígena frente a dificuldades e violências sofridas, expor e defender modos de se fazer pesquisa, e registrar conhecimentos de seus povos, recriando o relatório de pesquisa para servir a suas agendas políticas e sociais em uma interlocução com indígenas e não indígenas. Se, por um lado, os trabalhos seguem as normas composicionais do gênero dissertação, também as subvertem na medida em que o repertório usado combina recursos do português por vezes distantes da norma privilegiada esperada nas práticas acadêmicas, recursos do guarani e do kaingang e outros elementos multimodais. A circulação e a legitimação desses repertórios indígenas nas práticas acadêmicas questionam ideologias de linguagem vigentes e apontam para possibilidades de convivências mais democráticas na universidade.

Palavras-chave:
ideologias de linguagem; repertórios comunicativos; letramentos acadêmicos; escrita acadêmica indígena; português como língua adicional

ABSTRACT

Based on the concepts of language ideologies, communicative repertoires and academic literacies, this case study examines the use of language and academic writing by two graduate students at two Brazilian federal universities. Tw o master’s theses by Avá-guarani and Kaingang authors were analyzed to verify in which ways they use Portuguese and written language to participate in this academic practice. Drawing on the analysis of the paper content, compositional structure, and language resources used, we sought to understand the writing purposes and the interlocution projected by the authors, the use they made of their communicative repertoires and how they articulate their writing to produce knowledge. The results show that the authors used Portuguese and academic writing for the purposes of denouncing and positioning themselves as indigenous authors in the face of difficulties and violence suffered, exposing and defending ways of doing research, and registering their people’s knowledge, recreating the research report to serve their political and social agendas in a dialogue with an indigenous and non-indigenous audience. If, on the one hand, the papers comply with the compositional norms of the dissertation genre, they also subvert them once the repertoire used combines Portuguese resources that are sometimes distant from the privileged norm expected in the academic practices, Guarani and Kaingang resources, and other multimodal elements. The circulation and legitimation of these varieties question prevailing language ideologies and point to possibilities for more democratic coexistence at the university.

Keywords:
language ideologies; communicative repertoires; academic literacies; Indigenous academic writing; Portuguese as an additional language

INTRODUÇÃO

Por tudo isso, é preciso ter cuidado com este saber. Que todos que venham a ler este trabalho leiam com este cuidado. (CARDOSO, 2017, p. 16CARDOSO, D. R. (2017). Kanhgág Jykre Kar – Filosofia e educação kanhgág e a oralidade: uma abertura de caminhos. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação, UFRGS, Porto Alegre.)

O alerta que abre este texto diz respeito ao cuidado necessário acerca do valor dos conhecimentos dos povos indígenas e de sua exploração pela universidade. Ainda que nossa experiência inclua interlocuções com perspectivas não hegemônicas e encontros interculturais com estudantes e professores de contextos bastante diversos, é preciso assumir que nosso deslocamento ainda é tímido se comparado à nossa trajetória de formação como pessoas brancas que tiveram acesso privilegiado às formas de construir conhecimento valorizadas pela academia. Nossa atuação acadêmica com estudantes indígenas data de 2009, após início de ingresso específico para indígenas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), neste caso como orientadora de projetos de ensino de leitura e escrita na universidade para esses estudantes e de pesquisas relacionadas e essas práticas (DILLI, 2013DILLI, C. (2013) Subsídios para o desenvolvimento de ações de letramento na política de permanência de indígenas na universidade. Dissertação de Mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras, UFRGS, Porto Alegre., MORELO, 2014MORELO, B. (2014). Leitura e escrita na universidade para estudantes indígenas: princípios e práticas pedagógicas para uma ação de permanência no campo das linguagens. Dissertação de Mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras, UFRGS, Porto Alegre., DILLI et al., 2019DILLI, C.; MORELO, B.; SCHLATTER, M. (2019). O ensino de leitura voltado a universitários indígenas: análise de uma unidade didática à luz dos Estudos de Letramento Acadêmico. Linguagem & Ensino. v. 22, p. 666-688.) e, mais recentemente de elaboração de provas de proficiência em leitura para pós-graduandos indígenas. E, desde 2016, na atuação como professora de leitura e escrita em língua portuguesa para fins acadêmicos na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) para estudantes latino-americanos (CARVALHO; SCHLATTER, 2020CARVALHO, S.; SCHLATTER, M. (2020). Políticas linguísticas na UNILA: relações entre as línguas na proposta educacional bilíngue. In: Correia, M.; Ricobom, G.; Prolo, I. (Orgs.), UNILA: uma universidade necessária. Buenos Aires, Brasília: CLACSO; CAPES; CNPq., CARVALHO, 2018CARVALHO, S. (2018). Políticas linguísticas e integração latino-americana: desafios de uma proposta bilíngue para o ensino superior. Sures. n. 11, Dossiê novas universidades na América Latina: velhos dilemas, novos desafios, p. 1-29.), muitos dos quais indígenas de distintos povos, como aimará, guarani, mapuche, quéchua e tikuna. É desde essas vivências e alinhadas com a luta por equidade social na universidade pública que, neste artigo, refletimos sobre algumas das tensões que a recente presença indígena na universidade traz para o nosso fazer diário ao ensinar e avaliar a escrita acadêmica em português como língua adicional (PLA). A presença indígena na academia questiona modos de ler, escrever e construir conhecimento historicamente consolidados pela elite branca e impõe diálogos aprofundados com vistas a convivências mais democráticas e aprendizagens mútuas. Esperamos que, ao articularmos aqui algumas das nossas aprendizagens com os estudantes ao longo desses anos, nossas reflexões se tornem disponíveis para o escrutínio de pesquisadores indígenas e não indígenas e adensem o debate sobre as diversidades necessárias na academia.1 1 Agradecemos aos editores, aos pareceristas e a Adriano de Souza pela leitura de versões anteriores deste artigo, pelos questionamentos e pelas sugestões para o aperfeiçoamento do texto.

Nas duas últimas décadas, políticas governamentais e de ações afirmativas2 2 Dentre elas, a Lei n. 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, a Normativa n. 13/2016, que propõe a reserva de vagas em cursos de pósgraduação para a inclusão de estudantes pretos/as, pardos/as, indígenas e com necessidades especiais, e programas de financiamento dos estudos de graduação, como o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Para um panorama das políticas de ações afirmativas em cursos de pós-graduação, ver Venturini e Feres Júnior (2020). têm promovido uma maior democratização do ingresso às universidades brasileiras, com a inclusão de novos grupos sociais que até então não tinham acesso a essas instituições, dentre os quais estudantes indígenas, surdos, imigrantes, refugiados ou com visto humanitário, entre outros, que têm o português como língua adicional. No entanto, estudos de letramentos acadêmicos (LILLIS, 2017LILLIS, T. (2017). Resistir regímenes de evaluación en el estudio del escribir: hacia un imaginario enriquecido. Signo y Pensamiento. v. 36, n. 71, p. 66-81., ZAVALA; CÓRDOVA, 2010ZAVALA, V.; CÓRDOVA, G. (2010). Decir y calar: lenguaje, equidad y poder en la universidad peruana. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica de Perú., DILLI et al., 2019DILLI, C.; MORELO, B.; SCHLATTER, M. (2019). O ensino de leitura voltado a universitários indígenas: análise de uma unidade didática à luz dos Estudos de Letramento Acadêmico. Linguagem & Ensino. v. 22, p. 666-688.) têm apontado que, embora os discursos oficiais celebrem a diversidade, muitas vezes, as práticas pedagógicas e institucionais não são repensadas em profundidade para reconhecer e interagir com outros discursos e ampliar formas de ler e escrever para produzir conhecimentos, refletindo, assim, esforços difusos e contraditórios para garantir a permanência desses estudantes nos cursos.

Este artigo visa a refletir sobre a escrita de relatórios de pesquisa de pós-graduandos indígenas à luz dos debates em torno das ideologias de linguagem como enquadres que definem o valor de repertórios comunicativos e estruturam as práticas discursivas (WOOLARD, 2021WOOLARD, K. A. (2021). Language ideologies. In: Stanlaw, J. (Org.), The international encyclopedia of linguistic anthropology. Wiley, p. 1-20.) analisando a mobilização de diferentes recursos de linguagem3 3 Utilizamos recursos de linguagem no sentido social, nos referindo a todos possíveis meios utilizados para a comunicação (elementos linguísticos, gestuais, proxêmicos, entre outros) e que compõem o repertório comunicativo do sujeito, incluindo-se os recursos conhecidos tradicionalmente como línguas (português, espanhol, guarani, kaingang, etc.). (por exemplo, elementos multimodais, diferentes línguas nomeadas e registros) dos repertórios comunicativos dos sujeitos para a constituição da sua subjetividade (BUSCH, 2015BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358.) e para sua participação em práticas acadêmicas valorizadas. Com base na leitura inicial de oito dissertações de estudantes indígenas defendidas na UFRGS e na UNILA e disponíveis nos repositórios das universidades, analisamos duas delas neste artigo: a dissertação de Taiane, estudante avá-guarani, e a de Jurandir, estudante kaingang4 4 Usamos nomes fictícios para preservar a identidade dos autores. Com relação à nomeação dos povos indígenas citados, alinhamo-nos a Fiorin e Petter (2008, p. 10), optando pela grafia avá-guarani e kaingang. . Foram analisados o conteúdo, a estrutura composicional e os recursos de linguagem utilizados, para compreender os propósitos de escrita e a interlocução projetados5 5 Ao articular propósitos e interlocução projetada nos trabalhos, nos alinhamos ao entendimento de posicionalidade de Jaffe (2009a, p. 3): “como os falantes e escritores estão necessariamente engajados em posicionar a si mesmos diante de suas palavras e textos (que estão mergulhados em histórias de produção linguística e textual), seus interlocutores e audiências (tanto reais como virtuais/projetadas/imaginadas) e com respeito ao contexto ao qual eles simultaneamente respondem e o qual constroem linguisticamente”. pelos autores para os fins acadêmicos em tela, e as formas de articulação da escrita para produzir conhecimentos. No conjunto de trabalhos, foi constatado o uso de diferentes recursos de linguagem para relatar o estudo realizado a partir de suas próprias epistemologias, questionando as formas hegemônicas de se fazer pesquisa na universidade. Em relação aos recursos utilizados, foi evidenciado o uso do português - mais e menos próximo da norma privilegiada esperada em relatórios do pesquisa - combinado com guarani e kaingang e outros recursos semióticos. Discutimos essas questões a partir de excertos das duas dissertações em foco, selecionadas devido aos modos pelos quais elas indiciam reconfigurações das convenções de escrita tornando-se representativas do lugar de fala e de valores e saberes indígenas.

Na próxima seção apresentamos os conceitos que fundamentam nossa reflexão: ideologias de linguagem, repertório comunicativo e letramentos acadêmicos. A seção seguinte discute a apropriação do português e da escrita acadêmica pelos autores, analisando, a partir do que escreveram, os propósitos de escrita e a interlocução que projetam para seus relatórios de pesquisa, e os recursos de linguagem mobilizados por eles e legitimados pela aprovação do trabalho em defesa de dissertação. Finalizamos levantando implicações dos resultados para o ensino de escrita acadêmica em PLA com vistas a um convívio mais democrático de diferentes maneiras de construir conhecimento e de participar das práticas letradas valorizadas na universidade.

1. IDEOLOGIAS DE LINGUAGEM E OS PROCESSOS DE REGULAÇÃO DO ACESSO A PRÁTICAS ACADÊMICAS

Em vários estudos da Sociolinguística, Antropologia da Linguagem e Linguística Aplicada tornou-se um consenso, nas duas últimas décadas, que “a variabilidade linguística é padronizada socialmente e relacionada à distribuição de poder e recursos em escalas tanto interpessoais como institucionais”6 6 Todas as traduções de citações originalmente em inglês ou espanhol são de nossa responsabilidade. (WOOLARD, 2021, p. 1WOOLARD, K. A. (2021). Language ideologies. In: Stanlaw, J. (Org.), The international encyclopedia of linguistic anthropology. Wiley, p. 1-20.). A construção desses padrões reflete e refrata ideologias de linguagem, representações de diferentes recursos linguísticos “permeados por questões políticas e morais que penetram o campo sociolinguístico particular e estão sujeitas ao interesse das posições sociais dos seus portadores” (IRVINE; GAL, 2000, p. 35IRVINE, J.; GAL, S. (2000). Language ideology and linguistic differentiation. In: Kroskrity, P. (Org.), Regimes of language: Ideologies, polities, and identities. School of American Research Press, p. 35-84.), estando presentes em todas as sociedades, seja nas práticas de interação cotidiana, ou em esferas específicas, como os campos científico, educacional e do trabalho, por exemplo.

1.1 Ideologias de linguagem como enquadres de valores atribuídos a repertórios comunicativos

Segundo Woolard (2021)WOOLARD, K. A. (2021). Language ideologies. In: Stanlaw, J. (Org.), The international encyclopedia of linguistic anthropology. Wiley, p. 1-20., as ideologias de linguagem não tratam somente de linguagem, mas estabelecem conexões com outros fenômenos sociais, como as identidades (étnicas, raciais, de gênero, nacionais, etc.), concepções de estética, moralidade, bem como noções de verdade e autenticidade, dentre outras. Elas podem atribuir um maior ou menor valor a repertórios comunicativos considerando determinadas relações entre certos recursos de linguagem e esses fenômenos, dependendo das circunstâncias e dos falantes envolvidos.

A ideologia uma nação-uma língua é construída a partir de uma visão em que a população do Estado-nação é, em geral, assumida como falante de uma única língua, usada como língua nacional ou oficial, e por meio da qual são transmitidas “as memórias históricas, os valores coletivos, e a sabedoria herdada dos ancestrais às gerações correntes e futuras” (PARK; WEE, 2017, p. 48PARK, J.; WEE, L. (2017). Nation-state, transnationalism, and language. In: Canagarajah, S. (Org.), The Routledge handbook of migration and language. Routledge, p. 47-62.). Desde essa perspectiva, as línguas nomeadas tais como as utilizamos hoje (português, espanhol, inglês, guarani, alemão, isi-xhosa, etc.) são construções ideológicas para atender ao objetivo de relacionar uma determinada língua a um povo e a um território específicos (BLOMMAERT; RAMPTON, 2011BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities. v. 13, n. 2, p. 1-21.)7 7 De acordo com Heller e McElhinny (2017), a padronização e a homogeneização da linguagem e da cultura e a concepção dominante de linguagem como um sistema fixo e delimitado, conectado à identidade e ao território, foram centrais para legitimar a regulação do capital pelo Estado-nação no capitalismo industrial. . Como afirmam Park e Wee (2017, p. 48)PARK, J.; WEE, L. (2017). Nation-state, transnationalism, and language. In: Canagarajah, S. (Org.), The Routledge handbook of migration and language. Routledge, p. 47-62., o nacionalismo “é um movimento dirigido ideologicamente, que busca diminuir ou mesmo apagar as várias diferenças (linguísticas, étnicas, sociais, culturais ou políticas) em favor de enfatizar um sentido compartilhado dos seus membros”. E, considerando que novas diversidades sempre surgirão, ressaltam que a manutenção da comunidade imaginada (nação unificada) exige trabalho constante de compartilhamento e disseminação da língua nacional, por exemplo, através do sistema educacional e da mídia.

Rosa e Flores (2017)ROSA, J.; FLORES, N. (2017). Unsettling race and language: toward a raciolinguistic perspective. Language in Society. v. 46, n. 5, p. 1-27., a partir de uma perspectiva raciolinguística, destacam a articulação das construções de língua e raça como parte do projeto colonial da modernidade. Para os autores, “as ideologias raciolinguísticas contemporâneas são uma rearticulação atual dos processos de racialização do núcleo da governamentalidade do estado-nação colonial” (ROSA; FLORES, 2017, p. 7ROSA, J.; FLORES, N. (2017). Unsettling race and language: toward a raciolinguistic perspective. Language in Society. v. 46, n. 5, p. 1-27.). Dois elementos basilares na formação colonial europeia da modernidade foram a construção e a naturalização do conceito de raça e das línguas - essas construídas como entidades delimitadas e separadas associadas a grupos raciais determinados. A construção de raça como elemento do projeto europeu colonial e de nação, que “produziu discursivamente Outros em oposição ao sujeito burguês superior europeu” (p. 2), serviu para posicionar os europeus como superiores aos não-europeus, “impondo a autoridade institucional e epistemológica europeia sobre populações colonizadas ao redor do mundo” (p. 2). Em conjunto com a produção de raça, a ideia das línguas como separadas e delimitadas foi usada para construir hierarquias de linguagem que atribuíam aos repertórios comunicativos das populações colonizadas valores inferiores aos do europeu.

Paralelamente aos discursos de herança colonial, um discurso tecnocrático neoliberal passou a conceber e valorizar a socialização da linguagem como elementar para a formação de um trabalhador flexível, portador de um feixe de habilidades valorizado no mercado de trabalho e nos ambientes educacionais. Esse discurso defende a iniciativa própria, responsabilizando o indivíduo por sua formação, mas não questiona as desvantagens estruturais de parte da população e invisibiliza o papel da linguagem na manutenção dessas desvantagens (HELLER; McELHINNY, 2017HELLER, M.; McELHINNY, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: toward a critical history. Toronto: University of Toronto Press.). Tendo por pano de fundo o capitalismo tardio e a economia globalizada, terreno onde se relacionam essas complexas ideologias de linguagem, o atual e intenso deslocamento de pessoas, fugindo de guerras, buscando oportunidades de trabalho ou formação são exemplos de fluxos que promovem encontros de sujeitos com os mais diversos backgrounds, complexificando os padrões sociais, culturais e linguísticos advindos da mobilidade. Nesse contexto, o exame crítico da noção moderna de língua abriu espaço à noção de repertório comunicativo, entendido como “um conjunto de formas através das quais os indivíduos usam a linguagem, o letramento e outros meios de comunicação (gestos, roupas, postura, acessórios) para funcionar efetivamente nas múltiplas comunidades das quais eles participam” (RYMES, 2010, p. 528RYMES, B. (2010). Classroom Discourse Analysis: a focus on communicative repertoires. In: Hornberger, N.; McKay, S. (Eds.), Sociolinguistics and language education. Buffalo, NY: Multilingual Matters, p. 528-546.). Como outros sociolinguistas que partiram da perspectiva precursora sobre repertório de John Gumperz em seu trabalho de pesquisa desenvolvido a partir da década de 1960, Rymes (2014)RYMES, B. (2014). Communicative repertoire. In: Street, B; Leung, C. (Orgs.), Handbook of English language studies. Routledge: Abingdon, p. 287-301. enfatiza de que maneira a situação social e os objetivos comunicativos afetam o uso da linguagem pelos sujeitos multilíngues ou monolíngues.

O repertório de uma pessoa pode incluir múltiplas línguas, dialetos e registros, no sentido institucionalmente definido, mas também gestos, roupas, posturas e mesmo o conhecimento de rotinas comunicativas, a familiaridade com tipos de comida ou bebida e referências de mídia de massa, incluindo expressões, movimentos de dança e padrões de entonação reconhecíveis que circulam via atores, músicos e outros popstars (Rymes 2012). Logo, o repertório de um indivíduo pode ser visto como uma acumulação de camadas arqueológicas. À medida que alguém passa pela vida, acumula uma abundância de experiências e imagens, e também seleciona a partir dessas experiências, escolhendo elementos do repertório que parecem comunicar naquele momento (RYMES, 2014, p. 290RYMES, B. (2014). Communicative repertoire. In: Street, B; Leung, C. (Orgs.), Handbook of English language studies. Routledge: Abingdon, p. 287-301.).

Trata-se de uma “mudança de ortodoxias linguísticas monolíticas para uma abordagem que revê as línguas dos indivíduos [...] como um elemento do repertório comunicativo” (RYMES, 2014, p. 290RYMES, B. (2014). Communicative repertoire. In: Street, B; Leung, C. (Orgs.), Handbook of English language studies. Routledge: Abingdon, p. 287-301.). Da perspectiva dos repertórios, toda interação se torna uma interação multilíngue, para a qual desenvolvemos diversos modos de dizer com diferentes pessoas e em vários contextos, mesmo que se utilize a mesma língua: “é impossível viver uma vida inteira […] sem desenvolver essas várias formas de endereçar pessoas, formar conexões com elas e participar de rotinas da vida” (p. 295).8 8 Formas flexíveis de uso do repertório comunicativo em distintos contextos interacionais têm sido retratadas por pesquisadores da linguagem, usando-se diferentes termos como translinguagem, bilinguismo flexível, polilinguagem, crossing, vernáculos urbanos contemporâneos, uso truncado da linguagem, dentre outros (ver panorama de autores e conceitos em Rymes, 2014).

Busch (2015)BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358., estabelecendo conexões entre repertório linguístico9 9 Busch (2015) usa o termo repertório linguístico para se referir a repertório comunicativo. Para a autora, repertório diz respeito a: como interagimos linguística e socialmente com os outros (perspectiva antropológica ou interacional), como nos constituímos como sujeitos pelos discursos históricos e políticos (perspectiva pós-estruturalista) e como as pré-condições emocionais e corporais estão implicadas na experiência da linguagem (abordagem fenomenológica). , ideologias de linguagem e a experiência vivida da linguagem, amplia a noção de repertório nos momentos atuais de mobilidade e migração, muitas vezes forçadas. O ponto de partida de sua abordagem não é o conjunto de línguas individuais que os sujeitos usam, mas como a visão da variação entre o uso da(s) língua(s) e seus diferentes graus de proficiência produzem pertencimento ou diferença, e como tais aspectos são vivenciados pelos participantes como inclusão ou exclusão por meio da linguagem (BUSCH, 2015, p. 342BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358.). A autora destaca o desconforto e as dificuldades enfrentadas quando uma pessoa ingressa em um espaço não familiar e percebe que seu repertório não serve ou serve parcialmente para atuar naquela prática e sentir-se parte dela, principalmente em casos de mobilidade, migração e deslocamento, focalizando de que maneira “por meio da experiência emocional e corpórea, situações dramáticas e recorrentes de interação com outros se tornam parte do repertório, na forma de atitudes linguísticas explícitas e implícitas e padrões habituais de práticas de linguagem” (p. 350). Essas experiências vividas emocionalmente, em interações singulares ou repetidas com outros por meio da linguagem, se tornam parte de nossa memória linguística, inscrevendo-se no corpo, e vão constituindo nosso repertório, que se desenvolve e muda ao longo da vida em resposta a necessidades e desafios com os quais nos confrontamos.

Com base nesse entendimento de repertório comunicativo, pesquisadores como Rymes (2010RYMES, B. (2010). Classroom Discourse Analysis: a focus on communicative repertoires. In: Hornberger, N.; McKay, S. (Eds.), Sociolinguistics and language education. Buffalo, NY: Multilingual Matters, p. 528-546., 2014RYMES, B. (2014). Communicative repertoire. In: Street, B; Leung, C. (Orgs.), Handbook of English language studies. Routledge: Abingdon, p. 287-301.) e Zavala (2019)ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18. têm proposto a docentes e atores educacionais que reflitam sobre a construção e os usos de diferentes repertórios em lugar de manter o foco direcionado apenas à correção e ao ensino da norma escrita. Embora a perspectiva de repertório comunicativo esteja presente em debates sobre letramentos acadêmicos, conforme discutimos a seguir, os discursos baseados na noção de língua como sistema abstrato e homogêneo prevalecem e sustentam parâmetros avaliativos em torno de línguas nomeadas e a partir de uma norma linguística específica legitimada pela classe historicamente privilegiada10 10 Ao longo do texto nos referimos a essa ideologia de linguagem dominante em contextos educacionais e acadêmicos como norma privilegiada. no acesso e na participação de eventos que demandam leitura e escrita.

1.2 Práticas letradas acadêmicas como terreno de disputa de distintas ideologias da linguagem

Estudos antropológicos sobre letramento “reconheceram tardiamente que esta não é uma tecnologia neutra, autônoma, mas sim culturalmente organizada, fundamentada ideologicamente e historicamente condicionada, moldada por forças políticas, sociais e econômicas” (WOOLARD; SCHIEFFELIN, 1994, p. 65WOOLARD, K.; SCHIEFFELIN, B. (1994). Language ideology. Annual Review of Antropology. v. 23, p. 55-82.). Segundo Ávila Reyes et al. (2020, p. 7)ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26., as práticas letradas acadêmicas são “formas de participação social que promovem (ou não), em um primeiro nível, o acesso a um espaço de elite com dinâmicas sociolinguísticas de acesso, regulação e exclusão [...]; e, em um segundo nível, o acesso a uma cultura disciplinar ou profissional”. A escrita segue sendo a principal forma de avaliação dos estudantes, tornando-se fator de desempenho e retenção na academia: funciona como controle de acesso, pois “permite decidir quem participa ou é expulso da comunidade [e] definir que discursos e recursos semióticos são nela permitidos ou penalizados” (ÁVILA REYES et al., 2020, p. 7ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26.). Complexas relações de poder estão envolvidas na escrita, especialmente na

[...] escrita acadêmica que foge aos padrões esperados, o que é muito frequente especialmente devido aos padrões rigorosos que regem essa escrita. Essa situação é vivida não só por estudantes, mas também por acadêmicos ao terem suas escritas lidas e avaliadas em inúmeras situações de avaliação acadêmica. Tanto a situação do estudante como a do acadêmico são complexas, pois envolvem normas, padrões, instituições e avaliações de mérito. A escrita, na verdade, acaba sendo um dos filtros mais fortes na instituição acadêmica, dado o seu valor social e o uso que dela é feito nas relações hierárquicas entre estudantes e professores, entre pesquisadores e seus avaliadores (FIAD, 2017, p. 94-95FIAD, R. (2017). Pesquisa e ensino de escrita: letramento acadêmico e etnografia. Revista do GEL. v. 14, n. 3, p. 86-99.).

Dar aos discentes acesso às práticas sociais mediadas pela leitura e pela escrita é um pressuposto dos letramentos acadêmicos. No entanto, pesquisadores apoiados na sociolinguística crítica têm destacado a reprodução da desigualdade social no sistema educativo, seja no acesso, na permanência ou na conclusão do curso (ÁVILA REYES et al., 2020ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26.; ZAVALA, 2019ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18.). Ávila Reyes et al. (2020, p. 3)ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26. criticam uma visão de inclusão como um processo de integração em determinada disciplina e suas formas de produzir conhecimento “sem um interesse específico por aqueles estudantes que estão em risco de ser excluídos e marginalizados” ou sem enfrentar “as complexas variáveis sociodemográficas que tensionam os discursos e formas hegemônicas de construir conhecimento na academia”. Geralmente, a representação construída acerca desses estudantes é a de que são insuficientemente preparados, carentes de recursos acadêmicos e que precisam nivelar suas práticas com as de estudantes de perfis privilegiados, supondo-se que, ao ingressarem no ensino superior, deverão apagar, modificar ou corrigir suas práticas prévias, ou se homogeneizar em função de uma única forma aceita de ler e escrever.

O foco no discurso de déficit deposita no estudante minorizado a responsabilidade de se ajustar à instituição, desviando a atenção da necessidade de realizar mudanças estruturais nas formas de ensino e de produção de conhecimento na universidade. Ávila Reyes et al. (2020, p. 4)ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26. alertam que “inclusão não é integração, assimilação e reconhecimento”, e que tais ideologias invisibilizam as tensões e negociações individuais e sociais no ensino superior. Entendendo que “as desvantagens linguísticas devem ser assumidas como desvantagens estruturais”, Zavala (2019, p. 6)ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18. expõe o apagamento das condições desiguais de estudantes peruanos nos processos educativos: os provindos de zonas rurais ou comunidades indígenas ficam, frequentemente, em desvantagem, não apenas pela educação precária a que muitas vezes têm acesso, mas porque a socialização vivida desde a infância não coincide com aquela que é privilegiada na instituição educativa. Enquanto grupos socioeconomicamente privilegiados e/ou urbanos têm mais acesso às formas legitimadas na escola e na universidade, outros aprendem modos distintos de socialização e construção de conhecimentos, diferentes da cultura hegemônica (ZAVALA, 2019ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18.).

Segundo Zavala (2019, p. 7)ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18., o desenvolvimento do repertório consiste “na crescente acumulação de recursos comunicativos e na tomada de consciência sobre seus significados sociais (ou do que eles indexicalizam) em diferentes situações”. Sendo um dos objetivos da educação a ampliação dos repertórios para atuar no mundo, a autora propõe uma via bidirecional de trocas: embora os estudantes tenham que se adaptar aos repertórios acadêmicos, os docentes também precisam considerar os recursos linguísticos e culturais dos repertórios trazidos pelos estudantes a partir de outras socializações em diferentes comunidades de prática, o que significa ir além de concentrar-se apenas nas formas corretas e na norma privilegiada. Para a autora, é imperativo valorizar e legitimar os repertórios ativados pelos estudantes em distintas esferas sociais, promovendo uma consciência mais crítica acerca das questões de poder e ideologia presentes nas práticas de linguagem e realizando ações mais diretas para transformar representações que sustentam formas de domínio.

Nas práticas de leitura e escrita acadêmicas, as identidades são produzidas mediante a participação em práticas letradas e construções discursivas com características linguísticas determinadas, cuja produção é regulada pelo contexto acadêmico em termos de quem pode escrever o quê, que textos devem ser lidos, que recursos linguísticos e estilísticos podem ser usados e como os discursos devem ser organizados. Ávila Reyes et al. (2020)ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26. destacam como, apesar de sua participação ativa em espaços de letramento vernáculo, os estudantes minorizados se sentem diminuídos na academia (em relação aos estudantes tradicionais) e repetidamente reproduzem a narrativa do déficit ao expressarem autopercepções negativas sobre seus conhecimentos, suas práticas letradas cotidianas e seu desempenho acadêmico. Por outro lado, os pesquisadores ressaltam o papel da agência como facilitador da escrita, apontando estratégias que os próprios estudantes criam e utilizam para lidar com as práticas letradas na academia11 11 Por exemplo: a escrita de resumos, esquemas e mapas conceituais, a escolha de temas que os engajam, memorização em voz alta, conversas em grupos no WhatsApp ou Facebook, entre outros (ÁVILA REYES et al., 2020, p. 16-17). , e sugerem aos professores práticas de escrita sensíveis à inclusão, que abrangem visibilizar as identidades, os conhecimentos e os repertórios comunicativos dos estudantes e conceber dispositivos educacionais que evitem a uniformização ou a adaptação da escrita à norma dos estudantes privilegiados.

A agência de estudantes minorizados na escrita acadêmica foi também retratada nos trabalhos de Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. e Nascimento (2012NASCIMENTO, A. M. (2012). Português Intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. Tese de Doutorado em Letras e Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, UFG, Goiânia., 2019NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92.). Como veremos mais adiante, Sito (2018, p. 847)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. descreveu estratégias de uso da linguagem utilizadas por estudantes universitários brasileiros e colombianos ingressantes via ações afirmativas para “subverter a colonialidade do saber em suas trajetórias de letramento acadêmico” na escrita de seus trabalhos de conclusão de curso. Nascimento (2012)NASCIMENTO, A. M. (2012). Português Intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. Tese de Doutorado em Letras e Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, UFG, Goiânia. compilou as práticas consideradas, por acadêmicos indígenas, como relevantes para o uso do português, e as organizou em forma de diretrizes para um ensino culturalmente sensível e responsável12 12 São elas a “ampliação de repertórios linguísticos para agência em práticas comunicativas”: 1) “para defesa e autogestão de interesses das comunidades indígenas” (reivindicação de direitos, interação com leis e autoridades, autogestão de projetos, etc.); 2) “para interlocução intercultural” (com a sociedade não indígena e outros povos indígenas); 3) “em contexto profissional”; 4) para maior desenvoltura nas práticas de “leitura, escrita, oralidade e reflexão sociolinguística”; 5) para atuar “com autonomia” na construção da autorrepresentação e na luta contra a discriminação e a submissão à sociedade não indígena; 6) “para acesso à informação e aos conhecimentos produzidos e de circulação em contextos interculturais”; 7) “para colaborar com a melhoria das condições de vida” (NASCIMENTO, 2012, p. 386-387). . Especificamente no domínio escolar/acadêmico, abrangem “a compreensão e a produção de textos específicos deste domínio [...] [e] as práticas comunicativas que envolvem o acesso à informação e ao conhecimento produzidos pela sociedade não-indígena” que impactam na vida escolar e acadêmica (NASCIMENTO, 2012, p. 385NASCIMENTO, A. M. (2012). Português Intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. Tese de Doutorado em Letras e Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, UFG, Goiânia.). Ao acompanhar trajetórias de estudantes indígenas em cursos de pós-graduação, Nascimento (2019)NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92. problematiza como as diferenças étnico-raciais e culturais se materializam em distintas perspectivas epistemológicas e de comunicação acadêmica.

Alinhadas com as reflexões e propostas desses autores, defendemos que as formas de agência descritas nas seções a seguir sejam consideradas e significadas a partir do entendimento das histórias de aprendizagem de português desses estudantes, de seus repertórios e dos valores associados a eles, reconhecendo a “aparentemente paradoxal situação de sujeição e, ao mesmo tempo, desejo de dominar ‘a língua’ do dominador” (NASCIMENTO, 2012, p. 291NASCIMENTO, A. M. (2012). Português Intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. Tese de Doutorado em Letras e Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, UFG, Goiânia.) e assumindo a responsabilidade ética de avaliar criticamente as tomadas de decisão sobre questões de linguagem que, no caso em tela, envolvem a produção escrita de dissertações de mestrado.

2. A ESCRITA ACADÊMICA DE PESQUISADORES INDÍGENAS: O QUE E PARA QUEM ESCREVEM

Tudo que vou escrever será para uma humanização, para que todas as coisas ruins eu possa indicar proteções, prevenções. A filosofia Kanhgág13 13 O autor, em seu trabalho, refere-se em kaingang à nomeação de seu povo. Filosofia Kanhgág, neste caso, significa filosofia kaingang. vem para orientar e abrir caminhos aos professores indígenas. (CARDOSO, 2017, p. 21CARDOSO, D. R. (2017). Kanhgág Jykre Kar – Filosofia e educação kanhgág e a oralidade: uma abertura de caminhos. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação, UFRGS, Porto Alegre.)

Desde a perspectiva de repertórios comunicativos, a análise das produções escritas apresentada aqui traz à tona os modos de apropriação do português para fins acadêmicos e a apropriação das convenções da escrita para os propósitos desejados pelo autor e pela autora indígena, examinando, a partir de suas vozes, as funções que atribuem à escrita, para quem, a favor de quem e contra quem escrevem, e quais recursos mobilizam. Como poderá ser visto na discussão dos excertos a seguir e em consonância com as ideias de Hamid (2022)HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24. sobre textos produzidos em inglês no Bangladesh pós-colonial14 14 Hamid (2022, p. 1) conceitua o inglês como língua do sul a partir das epistemologias do Sul Global e da realidade sociolinguística do inglês no Bangladesh pós-colonial. Ao mesmo tempo em que “reconhece a necessidade do inglês para as sociedades pós-coloniais”, apresenta usos locais de inglês em diferentes contextos e, mediante esses usos, enfatiza “a necessidade de romper com a hegemonia representada pelo chamado falante nativo ou pelas normas do inglês padrão”. O autor defende que, “uma vez que o inglês funciona como a principal ferramenta epistêmica para a construção do conhecimento e a teorização na maioria das disciplinas, a decolonização do conhecimento e da epistemologia em favor das perspectivas do Sul pode não ser alcançada sem decolonizar, em primeiro lugar, a língua”. , defendemos que recursos do português que se afastam da norma privilegiada na academia já estão em circulação e são legitimados nas práticas acadêmicas. Se, por um lado, poderia ser contraproducente minorizá-los, pois já existem e estão em uso15 15 Hamid (2022, p. 3-4) argumenta que seria “fútil esperar que o inglês nessas práticas situadas seja uma sombra do inglês padrão que pode enquadrar esses usos como instâncias de ‘inglês fracassado’ [...]. Tais julgamentos são inúteis e irrelevantes, pois esses usos do inglês passaram por incubação histórica e linguística e declararam sua existência no mundo”. , por outro, cabe compreender que ações sociais desempenham, o que os acadêmicos indígenas realizam (ou não) ao usá-los e as tensões que esses usos criam em um contexto historicamente excludente pelas linguagens e pelo que elas representam.

A partir de excertos das dissertações de mestrado de Taiane e Jurandir, defendidas, respectivamente, em 2019 e 2017, mostramos como a autora e o autor usam a escrita como posicionamento e denúncia, levantam tensões entre os modos de se produzir conhecimento e projetam interlocuções com seus pares indígenas e não indígenas a partir do uso de um conjunto de recursos específicos de seus repertórios comunicativos. Trazendo à tona o que eles próprios tematizam e expressam através de sua escrita, refletimos sobre os espaços em que os recursos de linguagem utilizados são legitimados e, entendendo as práticas situadas como condições para essa legitimação, salientamos que uma abordagem de repertórios pode abrir brechas e quebrar barreiras impostas por forças históricas de manutenção de privilégios e de validação de apenas alguns tipos de conhecimentos e de algumas formas linguísticas de relatá-los.

2.1. Apropriação da língua e de convenções de escrita do colonizador para construir modos de participar

Nas universidades em que Taiane e Jurandir estudaram, as opções de línguas para escrever os trabalhos finais são diversas: na UNILA, podem ser escritos em português ou espanhol; na UFRGS, em português, espanhol e inglês, e em outras línguas mediante justificativa e aprovação da Câmara de Pós-Graduação16 16 Conforme Resolução Nº 114/2014, Câmara de Pós-Graduação, UFRGS, disponível em: http://www.ufrgs.br/cepe/legislacao/resolucoesnormativas/resolucao-no-114-2014-campg, acesso em 13.05.22. . Os autores optaram por escrever seus relatórios de pesquisa majoritariamente em português, língua adicional com a qual tiveram contato prévio na escola, na universidade e/ou em comunidades de atuação, em geral no âmbito da oralidade, e organizálos de acordo com a estruturação formal de uma dissertação de mestrado exigida na academia. Ao mesmo tempo em que, na organização de seus discursos em português, se aproximam ou se afastam em diferentes graus da norma privilegiada, também usam outros recursos de linguagem de seus repertórios, entre os quais avá-guarani e kaingang e ilustrações, como veremos mais adiante. O quadro a seguir sintetiza os temas tratados pelos autores e a estrutura de seus trabalhos.

Quadro 1
Síntese descritiva dos trabalhos de Taiane e Jurandir

A adequação ao formato do gênero pode ser considerada como a concessão necessária e suficiente em direção à interlocução e ao pertencimento de pesquisadores indígenas no mundo acadêmico. Poderia também ser relacionada ao que Guerola e Lucena (2021)GUEROLA, C. M.; LUCENA, M. I. (2021). “Essa mesma arma contra eles”: capitalismo, poder, linguagem e educação indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada. v. 60, n. 2, p. 426-438. chamaram de obediência subversiva, ao narrar a apropriação de recursos textuais por lideranças indígenas na elaboração de documentos educacionais (no caso, projetos políticos pedagógicos de escolas indígenas) para atender a exigências formais de instâncias governamentais. Trata-se da apropriação de recursos linguísticos e textuais mobilizados na criação e recriação de práticas de letramento, para decidir e agir em defesa dos interesses e necessidades de suas comunidades.

Os recursos de linguagem utilizados expressam as vivências dos usuários desde os seus lugares sociais e forjam modos bem sucedidos de participar na defesa de dissertação. Considerando que os textos foram aprovados e que estão disponíveis para acesso em repositório aberto para quaisquer interlocutores interessados, pode-se dizer que têm o potencial de alcançar uma interlocução ampla, de um público indígena e não-indígena. Os recursos de linguagem dos repertórios indígenas, mais e menos próximos da norma, “tendo sobrevivido ao processo de barreira linguística/ editorial”, são assim legitimados, passam a circular em um domínio acadêmico ampliado, cumprem “seus propósitos comunicativos e não serão corrigidos com base em normas externas” (HAMID, 2022, p. 9HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24.).

Por outro lado, os recursos do português, mais e menos próximos da norma privilegiada, estão associados a recursos de outras linguagens para os fins acadêmicos propostos. Os excertos a seguir ilustram passagens dos textos em que os autores se utilizam de termos em guarani e kaingang para se referir a questões de suas culturas.

Quadro 2
Excertos em português combinado com guarani ou kaingang

No segundo capítulo da dissertação de Taiane há longas citações em guarani das falas de um importante chamoĩkuera17 17 Rezador e sábio na cosmologia avá-guarani, que tem o importante papel de repassar os saberes aos mais jovens. , traduzidas para o português em notas de rodapé. Essa presença de variados recursos linguísticos nos trabalhos, também discutida por Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. e denominada por ela como bilinguismo (SITO, 2018SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852.), visibiliza as línguas-culturas guarani e kaingang e fortalece seus posicionamentos e formas de apropriação do português ao longo do trabalho, como veremos mais detalhadamente nas subseções a seguir.

De uma perspectiva da norma privilegiada, poderia se dizer que, em consonância com a análise de Hamid (2022, p. 11)HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24., “algumas das características linguísticas e estilísticas do[s] texto[s] não estão de acordo com o que geralmente se espera” no domínio acadêmico e divergem de uma representação típica de um português acadêmico, como ocorre também, por exemplo, nos modos dos autores de fazer citações. Taiane cita fatos históricos narrados pelos anciões e lideranças avá-guarani, contrapondo a convenção acadêmica esperada de citar fontes impressas, escritas ou de transcrições de dados gerados. Jurandir, igualmente, mobiliza falas e informações produzidas com base em conversas com anciões e fontes do povo kaingang, não construindo, no entanto, formas de citação convencionais (em coerência com o entendimento de que são crenças e ideias de todo o povo kaingang, tal como explicita no capítulo introdutório), mas referindo-se às fontes, na seção de referências bibliográficas, como “A BIBLIOTECA VIVA dos mais velhos. Entrevistas feitas com mais velhos da etnia Kanhgág, 2017” (p. 88). Além disso, a explicitação no trabalho de como ambos reuniram as palavras dos mais velhos não se encontra em seção específica do texto (procedimentos metodológicos), mas aparece ao longo dos capítulos. Da mesma forma, se observarmos os recursos do português mobilizados em ambos os trabalhos18 18 O leitor poderá conferir alguns exemplos nos excertos apresentados mais adiante. , pode-se perceber, na composição retórica dos textos, o que Gorete Neto (2012, p. 7)GORETE NETO, M. (2012). Português-indígena versus português-acadêmico: tensões, desafios e possibilidades para as licenciaturas indígenas. Anais do SIELP. v. 2, n. 1. Uberlândia: EDUFU, p. 1-11. denominou de uma estratégia discursiva muito comum na oralidade indígena para enfatizar o que se quer dizer: uma “mobilidade sintática flexível” e uma circularidade, isto é, “idas e vindas ao mesmo tópico o que poderia erroneamente dar ideia de repetição ou redundância”19 19 Gorete Neto (2012) analisa recursos de linguagem por estudantes indígenas tapiraré e constata, por exemplo, o uso de expressões informais na interlocução com autoridades como estratégias de proximidade e convencimento, bem como a circularidade e repetição como formas de enfatizar o assunto ou ideia que se quer apresentar. .

Se, desde a perspectiva normativa, se poderia dizer que esses recursos linguísticos “falharam” na forma, concordamos com Hamid (2022, p. 2)HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24. quando ressalta que “eles se sobressaíram em seus propósitos comunicativos”. Por outro lado, é importante lembrar que se, como vimos, é verdade que diferentes repertórios estão sendo mobilizados e legitimados na produção escrita na universidade, a discriminação e as barreiras linguísticas orais e escritas persistem nas práticas cotidianas, podendo implicar em reprovação de trabalhos finais ou higienização de versões finais de dissertações e teses20 20 Tendo tido acesso à versão para a defesa e a versão final (para obtenção do título) de outra dissertação analisada, acompanhamos, por exemplo, o resultado de uma revisão que corrigiu o texto de modo a adequá-lo à norma vigente, apagando aspectos de estilo e retórica da autora, retirando trechos em guarani (por exemplo, resumo e apêndices), do nosso ponto de vista, aviltando modos de escrever que haviam sido legitimados na defesa da dissertação. A análise dessas alterações, se consentida pela autora, poderia ser de grande valia para aprofundar as reflexões deste artigo. .

Se, segundo Rancière (2002, p. 11)RANCIÈRE, J. (2002). O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica., o pressuposto da igualdade implica em “emancipar as inteligências [e] obrigar a quem quer que seja a verificar a igualdade das inteligências”, cabe refletir sobre quem “concede” o quê, para quem e com quais propósitos, considerando as lutas de poder que estão em jogo nessas relações e as possíveis brechas para gerar mudanças. Entendemos que a mobilização de recursos do português e de outras línguas nos repertórios indígenas e suas possíveis implicações para a inclusão ou exclusão na universidade demandam entendimentos compartilhados acerca dos propósitos que se tornam relevantes - em termos identitários, comunitários e políticos - para a escrita acadêmica e acerca dos modos de apropriação do português nesse contexto para a interlocução entre pesquisadores indígenas e não indígenas. Entendendo o uso de seus repertórios nos textos como marcas de agentividade, nos alinhamos à noção de escritas afirmativas como estratégias das artes letradas na zona de contato21 21 Sito (2018) articula as noções de zona de contato e de segurança (PRATT, 1991) e de artes letradas das zonas de segurança (CANAGARAJAH, 1997) para observar as estratégias utilizadas por estudantes ingressantes via políticas de ações afirmativas na elaboração de seus TCCs. A zona de contato corresponde a um espaço ou contexto sócio-histórico onde conflitos e tensões sociais, bem como possibilidades de criação, emergem da interação entre sujeitos pela linguagem. Quando uma zona de contato possibilita confiança, criação intelectual e compartilhamento de conhecimentos, torna-se uma zona segura. Na zona de contato do ambiente acadêmico, os estudantes criam estratégias variadas, chamadas por Canagarajah de artes letradas nas zonas de segurança, que vão desde adaptar-se às convenções dominantes a criar uma via alternativa para resolver conflitos que surgem a partir desse regime de linguagem instituído. (SITO, 2018, p. 827SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852.). Nessa elaboração de propostas alternativas, os autores mobilizam “estratégias de uso da linguagem criadas [por eles] para subverter a colonialidade do saber em suas trajetórias de letramento acadêmico”. Como diz Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852., são apropriações, subversões e reexistências concretizadas no uso da linguagem para construir autoetnografia, crítica, colaboração, bilinguismo, mediação, denúncia, expressões vernáculas, estratégias que discutimos nas subseções seguintes.

2.2. Autorrepresentação: da trajetória de vida para a pesquisa acadêmica

Uma das características nas dissertações de Taiane e Jurandir são as representações de si e de seu grupo de origem, com interlocução voltada tanto às suas comunidades avá-guarani e kaingang, quanto à comunidade acadêmica e à sociedade mais ampla, estratégia de escrita discutida por Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. como autoetnografia e por meio da qual, nestes trabalhos, são narrados mitos, histórias e costumes de suas culturas, a trajetória escolar e acadêmica de cada um, seus papeis na comunidade indígena, as situações enfrentadas por seus povos e a relação de seus trabalhos com as demandas das comunidades. Como podemos ver no quadro a seguir, o propósito de escrever sobre si e sua comunidade está expresso nos objetivos dos trabalhos e é ponto de partida e de chegada de ambas as pesquisas acadêmicas - nas palavras de Jurandir: Partir da vida para entender o que se busca (título do capítulo 1).

Quadro 3
Objetivos dos trabalhos de Taiane e Jurandir

Outra marca que atravessa os trabalhos é a mobilidade territorial e identitária que caracteriza a formação dos repertórios complexos dos autores: suas famílias passaram a vida em deslocamento, seja em busca de trabalho, seja por questões políticas e territoriais.

Quadro 4
Síntese da mobilidade territorial e identitária de Taiane e Jurandir22 22 Na tríplice fronteira Argentina-Brasil-Paraguai habitam muitos indígenas guaranis que possuem parentes nos três lados da fronteira. Historicamente, como parte de seu modo de vida, os guaranis sempre se moveram livremente pelo território, o que mudou com o estabelecimento de fronteiras no período colonial e com seu atual controle, limitando o deslocamento de muitos deles, seja para visitar e estar com parentes, seja em busca de sustento (MELIÀ, 2008). Nas palavras de Taiane, “[a] mobilidade pelo território faz parte da cultura guarani, ou seja, sempre caminhamos, visitamos parentes por longos períodos e fortalecemos nossos laços de parentesco com os familiares. Isto ocorre independente das fronteiras colocadas pelos colonizadores sobre nossos territórios”.

Nas autoetnografias sintetizadas acima, é possível acompanhar as trajetórias de Taiane e Jurandir: no contexto de mobilidade física e diante de privações materiais, questões de sobrevivência e autonomia, os repertórios de Taiane e Jurandir constituem um acúmulo de experiências sociais e de contato com diferentes recursos de linguagem. Hoje, Taiane atua como educadora na tekoha23 23 Tekoha é “o lugar físico, o espaço geográfico onde os Guarani são o que são, onde se movem e onde existem” (MELIÀ, 2008, p. 9). Ocoy, que fica a 50km da fronteira com Paraguai e Argentina e se insere no contexto de violência, usurpação de territórios e deslocamento forçado de diversas comunidades indígenas, após a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu e o atual predomínio do agronegócio e monocultivo da soja na região. Jurandir também atua como educador e, ao narrar sua trajetória e sua experiência no curso de graduação, explicita tensões que demandaram ajuda para a sobrevivência nesse espaço de exclusão, apontando os desafios em ter que lidar constantemente com o desconhecimento dos professores acerca das etnias, linguagens, conhecimentos e modos de fazer indígenas.

A mobilidade potencializa o princípio da diversidade (RYMES, 2014, p. 297RYMES, B. (2014). Communicative repertoire. In: Street, B; Leung, C. (Orgs.), Handbook of English language studies. Routledge: Abingdon, p. 287-301.) vinculado ao repertório: quanto maior a mobilidade, mais complexas e diversas serão as interações. A presença “[d]os corpos indígenas, com toda a complexidade de suas histórias, memórias ancestrais, epistemologias e práticas comunicativas historicamente subalternizadas” (NASCIMENTO, 2019, p. 68NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92.) traz muitos desafios à universidade, instituição historicamente construída para invisibilizar esses modos de existir. Essa tensão entre distintas formas de interação indígena e nãoindígena espelha uma dimensão mais ampla e profunda nas “diferenças epistemológicas e [n]as formas de socialização do conhecimento” (p. 80) e se reflete nas trajetórias acadêmicas de participação e aprendizagem dos estudantes. Os deslocamentos territoriais, identitários e epistemológicos são mobilizados para construir novos significados na universidade, como veremos a seguir.

2.3. Apropriação da escrita acadêmica para denunciar violências sofridas e posicionar-se como pesquisador/a indígena

Como se pode observar nos excertos a seguir, a autora e o autor se apropriam do português e da escrita acadêmica, desde o seu lugar de fala de indígena, para denunciar e expressar seus posicionamentos acerca das dificuldades vivenciadas na universidade e do esforço imensurável para participar de uma comunidade de prática que desvaloriza e apaga outras formas de se construir conhecimento.

Quadro 5
Apropriação da escrita acadêmica para denunciar e posicionar-se sobre as dificuldades enfrentadas na universidade

Os excertos expressam uma escrita em que são visibilizadas tensões e desafios envolvendo a entrada na universidade de grupos não privilegiados socioeconomicamente e historicamente excluídos de acompanhar as práticas acadêmicas exigidas nessa esfera e o apagamento das condições desiguais dos estudantes para enfrentá-las. São relatadas dificuldades de inserção na comunidade de prática, um mundo desconhecido e distante de suas práticas sociais na comunidade de origem (“Os primeiros meses na universidade também foram muito difíceis pois eu não conhecia ninguém, falava outra língua e para mim era tudo muito diferente”), bem como os desafios para acompanhar as práticas sociais letradas exigidas da esfera acadêmica (“Era muita burocracia, muita exigência, muitos prazos, dia a dia com muitos trabalhos para apresentar que exigiam pesquisas, estudos, escritas, reuniões com os grupos de colegas [...].”; “No 4º semestre me matriculei em 6 disciplinas e terminei o semestre com uma disciplina já a com a intenção de desistir.”), caracterizando um sentimento de inadequação de seus repertórios ao contexto (BUSCH, 2015BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358.). Ou seja, os aspectos destacados remetem a uma percepção de seus repertórios como produtores de diferença, e não de acolhimento, nessas comunidades que apresentam “seu próprio regime de linguagem – seu próprio conjunto de regras, ordens do discurso e ideologias de linguagem – nas quais recursos linguísticos são avaliados de modos distintos” (BUSCH, 2015, p. 343BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358.). Os relatórios de pesquisa em tela se tornam espaços em que é ressaltada a luta desses estudantes para acompanhar as exigências institucionais, geralmente muito distantes da sua realidade e de seus repertórios comunicativos construídos ao longo da vida. Tendo aprendido a se socializar e a construir conhecimentos de formas diferentes, trazem à universidade não só novas linguagens, mas também “formas culturais de usar a língua, e valores e ideias com relação ao ensino e à aprendizagem que diferem da cultura escolarizada hegemônica” (ZAVALA, 2019, p. 4ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18.).

Os autores também mencionam seu sentimento de solidão diante das dificuldades de interação com os colegas e a instituição, que contrastam com o modo de vida coletivo de suas comunidades (“Um ambiente cheio de pessoas distantes.”; “Fui encontrando colegas mulheres (foi difícil porque não havia homens). Tive muita vontade de desistir.”). Em termos identitários, percebe-se o esforço demandado para fazer parte dessas novas comunidades de prática, o que, além das habilidades letradas que precisam desenvolver, exige a construção de uma nova identidade nesse espaço, que entra muitas vezes em conflito com quem são e como vivem. Nesse sentido, ambos trabalhos relatam deslocamentos, tanto geográficos, conforme vimos anteriormente, quanto identitários, vividos em seu ingresso e permanência nos cursos de pós-graduação: para além de um processo de desterritorialização que os desloca de seus entornos de vida comunitária, um deslocamento identitário, de construção de novos eus submetidos às relações de poder que organizam a universidade, como também observou Nascimento (2019)NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92..

Outro aspecto ressaltado são as condições estruturais que diferenciam as formas de acesso às práticas (“Não estava bem na questão financeira, com a faculdade me endividei muito, no início não havia bolsa permanência.”; “[...] eu não conseguia fazer isso da mesma forma e com as mesmas condições como os outros estudantes faziam.”). Para além dos excertos apresentados, em seus trabalhos, ambos relatam como as dificuldades financeiras e estruturais (gastos com a sobrevivência em geral, gastos com xerox, transporte, alimentação, etc.) dificultaram sua participação na esfera acadêmica, trazendo também consequências de outra ordem (como a sobrecarga de manter carga horária de trabalho semanal de 40h e o cuidado com os filhos concomitantes à formação, no caso de Taiane; adoecimento físico e emocional ao fim da formação, no caso de Jurandir). Como afirmam Ávila Reyes et al. (2020, p. 4)ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26., “variáveis étnicas, econômicas, culturais, educativas, sociais e sociolinguísticas” têm impactos nas possibilidades “de aprendizagem, [...] acesso, permanência e conclusão do curso, e na própria construção de identidade dos estudantes”. A inclusão, neste caso, requer, em vez de um discurso de déficit, lidar com questões estruturais ligadas à desigualdade econômica e ao não acesso prévio a práticas sociais privilegiadas.

Se, conforme dito anteriormente, por um lado, “[o] espaço social (e as relações de poder nele inscritas) condiciona em grande medida a organização de padrões de linguagem” (ZAVALA, 2019, p. 11ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18.), por outro, a apropriação do português e da escrita acadêmica permite assumir um lugar de fala que denuncia as e resiste às adversidades impostas estruturalmente por esses espaços por meio de estratégias de escrita afirmativa (SITO, 2018SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852.): além da já citada autoetnografia, com interlocução voltada tanto a suas comunidades quanto à esfera acadêmica mais ampla e à sociedade, os trabalhos de Taiane e Jurandir revelam as assimetrias quanto a condições estruturais socioeconômicas, de formação e de acesso, bem como relações de poder na sociedade e no ambiente acadêmico (crítica e denúncia); além disso, no caso de Jurandir, destaca como a relação de confiança e parceria estabelecida com alguns docentes e colegas foi importante para sua permanência na universidade e participação nas práticas letradas (colaboração). Desse modo, relatos de experiência da trajetória de vida e de sua valoração em sua própria comunidade como também relatos da minorização, apagamentos e constrangimentos vivenciados na universidade são tornados relevantes nesses relatórios de pesquisa para construir uma autorrepresentação e um posicionamento do eu-autor/a indígena nesse espaço social excludente, tal como vemos em Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. e Nascimento (2019)NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92..

2.4 Apropriação da escrita acadêmica para expor e defender modos indígenas de construir conhecimento

Taiane e Jurandir também se apropriam do português e da escrita acadêmica para expor o valor da oralidade e outros elementos semióticos na construção de conhecimento e descortinar a exploração dos saberes indígenas pela universidade, como mostram os excertos a seguir.

Quadro 6
Apropriação da escrita acadêmica para expor o valor da oralidade e elementos multimodais na construção do conhecimento

Os excertos reafirmam a oralidade como elemento fundamental e constituinte das culturas originárias e dos repertórios dos estudantes (”quando um indígena está narrando uma história, ele está reforçando sua própria cultura, utilizando a memória oral para constituir sua identidade”), não apenas como expressão de identidade e ensinamentos, mas como veículo das práticas de vida coletivas e cotidianas, e de continuidade de sua existência como indígenas (“[...]para manter viva a essência da sua cultura e dessa forma ele está sendo ele mesmo e mantendo o nandereko (modo ser, de viver) guarani para as futuras gerações”). Nos trabalhos de ambos, além de vinculada à religiosidade, a oralidade aparece como uma dimensão essencial da existência, um modo de ser, de existir e de criar o mundo, sendo um dos espaços essenciais a esse cultivo as narrativas dos rezadores e dos mais velhos.

Em ambos trabalhos, além da discussão sobre a importância da oralidade, são articulados como recursos de seus repertórios imagens e histórias. No trabalho de Taiane são apresentados 24 desenhos, a maioria em cores, feitos por alunos da escola indígena de sua aldeia representando figuras e mitos da cultura avá-guarani e duas fotografias (do portal de entrada na comunidade e da fachada da escola). Na dissertação de Jurandir estão incorporados 17 desenhos em cores dos mitos e elementos da cultura kaingang, bem como algumas atividades pedagógicas realizadas por ele como professor. Ele destaca a vinculação de todos esses elementos de linguagem, ressaltando que os desenhos “são minha escrita” e que estão articulados com os mitos e histórias de sua comunidade ( “A oralidade é uma transição para o mundo da escrita (como desenho, símbolo e palavra). É desse modo, que este trabalho também trará muitos desenhos, estes são minha escrita. Como também mitos, histórias, formas de falar que meu povo carrega.”). Ao detalhar as práticas sociais comunitárias, as histórias, os mitos, os desenhos e o uso de outros recursos semióticos locais, os autores constroem sua autoetnografia se utilizando da estratégia denominada expressões vernáculas, com vistas a afirmar e fortalecer as culturas avá-guarani e kaingang. O uso de ilustrações baseadas nos mitos fundantes de suas culturas como recursos de linguagem relevantes na construção dos propósitos de escrita e da interlocução com indígenas e não indígenas (mediação) sinalizam que a escrita por si só não é suficiente para expressar elementos da cosmologia indígena.

A expressão dessas culturas demanda um repertório mais amplo, que envolve também valores, crenças, experiências e corporeidades, indo ao encontro da dimensão corporal, da percepção e da experiência expressa na noção de repertório de Busch (2015)BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358.. Se considerarmos que o predomínio da escrita e da norma privilegiada estão estreitamente conectados às ideologias raciolinguísticas (ROSA; FLORES, 2017ROSA, J.; FLORES, N. (2017). Unsettling race and language: toward a raciolinguistic perspective. Language in Society. v. 46, n. 5, p. 1-27.) de herança colonial, que estabeleceram o domínio de línguas europeias em sua forma padronizada como um pré-requisito para a evolução dos povos colonizados, o uso da escrita acadêmica para afirmar a oralidade e outros recursos semióticos como formas legítimas de suas comunidades de produzir saberes implica questionar a escrita como única forma privilegiada e dominante de produzir conhecimentos acadêmico-científicos na academia. Isso, no entanto, envolve tensões: embora, nos trabalhos analisados, se afirme a importância de registrar por escrito as culturas e os saberes indígenas (para compartilhar conhecimentos e tradições, para abrir caminho a outros parentes na universidade, para criar materiais de apoio a estudantes e professores indígenas, para dar-se a ouvir diante da sociedade não-indígena, etc.), tanto no caso dos avá-guarani quanto no caso dos kaingang, a relação com a oralidade é da ordem do sagrado, é por meio dela que se veiculam os conhecimentos tradicionais dos mais velhos aos mais jovens.

Quadro 7
Apropriação da escrita acadêmica para expor tensões entre a oralidade e a escrita na construção do conhecimento

Reduzir a prática oral indígena à ou substituí-la pela escrita pode representar uma redução da força e dos significados das crenças, dos ensinamentos e dos modos de viver veiculados por ela. Jurandir, em seu trabalho, indica também como esse registro via escrita abre a possibilidade de nova exploração pelo colonizador, apontando as relações de poder implicadas na produção do conhecimento acadêmico (NASCIMENTO, 2019NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92.). Além disso, em ambas dissertações, o cuidado com a cultura e os modos de ser indígenas e o compromisso com a autoria coletiva dos conhecimentos de seu povo remetem a procedimentos éticos na pesquisa.

2.5. Apropriação da escrita acadêmica para expor modos de se fazer pesquisa e registrar conhecimento

Os sentidos dos fazeres da pesquisa são igualmente tornados relevantes nas dissertações analisadas, tanto o que conta como experiência de pesquisa como também formas de realizá-la e relatá-la, conforme mostram os excertos a seguir.

Quadro 8
Apropriação da escrita acadêmica para questionar modos de se fazer pesquisa, de registrar e de usar conhecimentos

Como mostram os excertos selecionados, os trabalhos destacam que o ingresso dos estudantes na universidade e sua formação estão a serviço do coletivo de seu povo, de dar acesso a saberes particulares a outras pessoas da comunidade, de fortalecer a educação indígena, dentre outros24 24 Para além dos excertos analisados, os autores também se referem à sua presença na universidade e à apropriação do português para fins acadêmicos como meios para promover a luta por direitos, aprender a transitar no mundo não indígena e participar em instâncias nãoindígenas de decisão sobre seu povo. Nesse sentido, a escrita acadêmica em português torna-se uma via para registrar valores e trajetórias de lutas, posicionar-se politicamente, e potencializar as alianças e os discursos a favor dos povos indígenas e contra o opressor, dimensões de usos do português também mencionadas e demandadas pelos estudantes participantes da pesquisa de Nascimento (2012). . Também tratam das percepções desses estudantes acerca dos conhecimentos de formação e pesquisa aprendidos na universidade e de como os articulam com suas realidades (“Eu sempre fiz pesquisa, porque queria aprender, depois da demarcação descobri coisas boas de meu povo e me dediquei a pesquisar com os mais velhos.”), ressaltando questões epistemológicas, políticas e do âmbito da articulação linguística e discursiva do texto escrito.

Jurandir apropria-se da concepção de metodologia, traduzindo-a para sua realidade e seu contexto de pesquisa (“A universidade chama isto de metodologia, para mim é o caminho que tenho para acessar esta sabedoria, escutar o outro. A pesquisa foi então o registro da narrativa da memória dos mais velhos, acompanhada por minhas anotações.”), relatando como foi a trajetória de suas conversas com os mais velhos a partir dos pressupostos de sua comunidade (“Entrevistas em que a escuta é muito importante. É preciso não interromper quem fala, nem ter pressa.”). Ambos, como docentes indígenas, ressaltam em seus trabalhos a necessidade de participação na esfera acadêmica e a importância da formação de futuros professores e pesquisadores indígenas que produzam materiais de formação e de ensino em educação indígena multilíngue e propõem diretrizes e referências para a criação de materiais didáticos representativos de suas culturas e repertórios, elaborando propostas para promover uma educação indígena mais coerente com seus modos de viver, em consonância com o que Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. chama de elaboração de propostas alternativas.

No âmbito de articulações discursivas e linguísticas da escrita, Jurandir reflete sobre o uso de citações no texto acadêmico, explicitando que as ideias e concepções de seu povo não são individuais, mas coletivas e vindas da própria natureza (“Quando falo dos rios, da cosmologia, dos remédios, das plantas – tudo isto está vinculado a uma crença, em tudo que meu povo acredita. Por isso, fica difícil falar inclusive de uma autoria do próprio conhecimento, pois o conhecimento vem da natureza que “anda”, isto é, que transmite conhecimento.”). Assim, os saberes de seu povo e a visão de mundo kaingang atravessam suas concepções epistemológicas e modos de produzir conhecimentos na academia. Taiane, por sua vez, ressalta o quanto a aprendizagem dos avá-guarani está baseada na prática e não na teoria, o que aponta como, para eles, a produção de conhecimentos está relacionada à resolução de problemas reais de seus povos e comunidades (“A aprendizagem para a educação escolar dos não indígenas baseia-se mais na teoria que na prática e isso é totalmente contrário a nossa forma de ensinar e aprender, ao nosso rekombo’e.”), e não à extensa abstração e teorização característica dos fazeres acadêmicos valorizados. Essa mesma perspectiva de aprendizagem vinculada à prática é retratada por outros pós-graduandos indígenas refletindo sobre metodologias de pesquisa (NASCIMENTO, 2018, p. 82-83), em que reiteram que suas pesquisas estão vinculadas às necessidades de suas comunidades, concebidas de forma coletiva e não individualmente. Trata-se de uma visão que articula a vida e a pesquisa, e que implica em considerar “como suas presenças na universidade refletem o caráter coletivo e participativo de suas perspectivas sobre produção de conhecimento e a responsabilidade que assumem ao representar seu povo nesta arena intercultural” (p. 82), remontando à construção colaborativa (SITO, 2018SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852.) do conhecimento. Assim, esses excertos explicitam reflexões epistemológicas acerca do fazer pesquisa, do uso da linguagem e de articulações com seus próprios conhecimentos e entendimentos desse fazer, indicando modos distintos de ver essas práticas e de pensar sua aplicabilidade no mundo.

As questões identitárias envolvidas nesses processos de disputas e negociações, de constante deslocamento e adequação às comunidades acadêmicas produzem tensões sobre o sentido de ocupar ou não esses espaços. Ambos autores, ao mesmo tempo em que estabelecem interlocução com seu povo, ressaltando o desejo de compartilhar os conhecimentos e a trajetória vivida na universidade, e estimulando a participação de outros indígenas nesse espaço, também expressam as enormes distâncias entre as concepções e modos de se construir conhecimento e o desejo de que a universidade se torne uma instituição mais democrática e aberta a outros saberes e modos de fazer, mais preparada para receber outros estudantes indígenas. A presença de grupos indígenas e seus repertórios na universidade levam sem dúvida ao necessário “enfrentamento da experiência intercultural”, como expresso por Maher (2008, p. 425)MAHER, T. M. (2008) Em busca de conforto linguístico e metodológico no Acre indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada. n. 47, v. 2, p. 409-428.:

[...] não há como zerar os inevitáveis antagonismos culturais. A resolução de um dado conflito intercultural apenas o desloca para outros lugares. Assim sendo, não há que se ter qualquer ilusão: cedo ou tarde ele voltará a brotar, assumindo novas formas. Não se trata, portanto, de tentar escamotear a diferença mas de se preparar para com ela conviver da forma mais informada, respeitosa possível.

IMPLICAÇÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos até aqui, a participação na universidade pelos acadêmicos indígenas envolve inserir-se nas práticas acadêmicas institucionalizadas e prestigiadas para colocar em foco o registro de seus conhecimentos e valores, a valorização de seus repertórios comunicativos, a visibilização dos e a luta pelos interesses e direitos de suas comunidades, o acesso a e a promoção de intersecções entre o conhecimento acadêmico da sociedade não indígena e os conhecimentos de seus povos. Isso corresponde a mobilizar recursos de linguagem (do português e línguas indígenas) e repertórios para construir posicionalidades (JAFFE, 2009aJAFFE, A. (2009a). Introduction: The sociolinguistics of stance. In: Jaffe, A. (Ed.), Stance: sociolinguistic perspectives. Nova York: Oxford University Press, p. 3-28.), indicializando significados sociais diversos, avaliando entendimentos e posições suas e de outros, alinhando-se ou discordando de outros ou de aspectos do campo social. Uma perspectiva de repertórios defende que a construção dessa posicionalidade e de sua identidade de acadêmico indígena

[...] não passa necessariamente pela imposição de normas de maior prestígio e pelo apagamento de formas vernáculas ou familiares, mas pelo desenvolvimento de uma consciência metalinguística mais elevada que permita mobilizar os recursos retóricos pertinentes nos contextos pertinentes, sem negar a própria identidade ou renegar outras formas de comunicar (ÁVILA REYES et al., 2020, p. 15ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26.).

Uma abertura para a articulação de diferentes recursos de linguagem, no entanto, exige a revisão de decisões políticas institucionais e historicamente consolidadas acerca do uso da linguagem nas produções escritas acadêmicas, fortemente sustentadas nas ideologias raciolinguísticas e na noção tradicional de língua, que, em contextos de educação diversos e multilíngues, podem contribuir para perpetuar a exclusão de sujeitos de grupos sociais minorizados, desqualificando os repertórios desses estudantes, mesmo quando se aproximam da norma privilegiada desejada, o que evidencia que o que está em jogo não é a linguagem e seu uso, mas a racialização e inferiorização dos sujeitos pela linguagem (ROSA; FLORES, 2017ROSA, J.; FLORES, N. (2017). Unsettling race and language: toward a raciolinguistic perspective. Language in Society. v. 46, n. 5, p. 1-27.). Conforme discutimos, tal abordagem pressupõe a escolha de determinados recursos de linguagem (e não outros), padrões discursivos e linguísticos referenciados na norma prestigiada, e não leva em consideração, especialmente nas práticas de uso da escrita, os repertórios comunicativos, propósitos e interlocuções projetadas por pesquisadores indígenas, restringindo seu acesso pleno a práticas sociais acadêmicas e ao processo de construção de conhecimentos nas instituições de ensino superior. Em contraposição, a escrita acadêmica no enquadre da ideologia de repertórios que discutimos aqui implica conceber que um repertório comunicativo inclua diferentes linguagens e formas de dizer, utilizadas no contexto de ações situadas em que se poderia ampliar o porquê e o como se escreve e fala, o para quem se fala ou escreve, os recursos linguísticos e estilísticos que poderiam ser usados e como os discursos poderiam ser organizados, de modo a expandir a atuação dos estudantes como atores capazes de circular por diferentes práticas sociais de seu interesse na academia e a partir dela.

Vimos também que, a despeito de grandes desafios e ainda tímida reflexão institucional sobre as relações entre uso da linguagem, identidades (incluindo categorias de classe social, raça, gênero e outras) e inclusão ou exclusão de determinados grupos sociais às práticas acadêmicas, outros recursos do português para fins acadêmicos - mais e menos próximos da norma privilegiada - já estão em circulação e vêm sendo legitimados em determinados espaços na universidade. Vimos que a presença de pesquisadores indígenas na pós-graduação tem trazido à tona tensões, mas também possibilidades de diálogo e negociação em relação a sentidos e formas de escrita acadêmica em português. Apropriar-se do português e da escrita acadêmica pode também significar estar com a palavra para denunciar, posicionar-se, registrar conhecimentos de seu povo, e, por tudo isso, construir-se pesquisador, corajosamente afrontando barreiras históricas e agindo politicamente nesses espaços ao estabelecer interlocuções com indígenas e não indígenas, mesmo que, para tal, como nos casos discutidos aqui, seja necessário fazer algumas concessões (por exemplo, em relação a aspectos formais do texto) mas não outras (o que se quer dizer e com quem ou contra quem se quer falar).

Apesar dessas mudanças, concordamos com Hamid (2022, p. 2)HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24. quando diz que os recursos de linguagem distantes da norma privilegiada ainda são invisíveis em domínios formais, e essa “invisibilidade pode dar a impressão de que vivemos em um mundo linguístico perfeito, livre de idiossincrasias linguísticas [...] puro, homogêneo e moralmente correto” e que “aqueles que desejam entrar nesse espaço protegido devem ser capazes de se identificar com a norma exigida, independentemente de suas circunstâncias sociais, econômicas ou educacionais” e, acrescentamos, abrindo mão de suas epistemologias, seus valores, suas pautas, subjugando-se às ideologias econômicas atuais e de privilégios históricos vigentes. Nesse contexto e como professoras universitárias que trabalham com o ensino de PLA para fins acadêmicos, cabe refletir sobre o que se pode ensinar tendo em vista uma educação para pesquisadores que, pelas suas trajetórias de vida e de mobilidade, e pelo próprio ingresso na universidade, já se apresentam como sujeitos políticos experientes e atuantes diante das desigualdades que enfrentam.

O que está em jogo são regimes de linguagem vinculados a tempos e espaços específicos que subjazem às nossas práticas e condicionam nossas formas de ver e avaliar textos para promover (ou não) participação e interlocução na universidade. Ao refletir sobre os modos de ver e imaginar a escrita na pesquisa, Lillis (2017, p. 71)LILLIS, T. (2017). Resistir regímenes de evaluación en el estudio del escribir: hacia un imaginario enriquecido. Signo y Pensamiento. v. 36, n. 71, p. 66-81. ressalta a “orientação fortemente normativa do que a escrita é e deve ser no discurso cotidiano, no institucional e no acadêmico”. Trata-se de uma orientação tão poderosa que tem incidência em nossas formas de analisar e ensinar a escrita: independente das tradições analíticas e de ensino a que nos filiemos, muitas vezes, acabamos mobilizando as convenções valorizadas nos sistemas de educação formal (retóricas, linguísticas, ortográficas, discursivas) para identificar o modo como os escritores cumprem ou não essas convenções, ignorando seus repertórios comunicativos. Avaliar as escolhas linguísticas, discursivas e estilísticas de um estudante-pesquisador-autor somente a partir da régua do discurso adequado ou apropriado significa desconsiderar suas possíveis decisões sobre as formas de expressão que são relevantes para ele naquele momento e texto específicos. Lillis (2017, p. 74)LILLIS, T. (2017). Resistir regímenes de evaluación en el estudio del escribir: hacia un imaginario enriquecido. Signo y Pensamiento. v. 36, n. 71, p. 66-81. alerta que “[o] risco ético de tal erro [ou falta] de reconhecimento é que não consigamos tornar visível como as práticas de avaliação de escrita acadêmica moldam as oportunidades de participação”. É importante lembrar, como afirma Jaffe (2009b)JAFFE, A. (2009b). Stance in a Corsican school: institutional and ideological orders and the production of bilingual subjects. In: Jaffe, A. (Ed.), Stance: sociolinguistic perspectives. Nova York: Oxford University Press. p. 119-145., que posições de poder, práticas e papeis institucionais nos habilitam, como docentes, a projetar e atribuir posicionamentos de propriedade e legitimidade acerca das relações dos estudantes com seus recursos de linguagem, reproduzindo ou interferindo nas práticas acadêmicas excludentes.

Certamente, como destaca Zavala (2019, p. 11)ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18., é preciso ir além de ensinar modelos linguísticos e discursivos apropriados, para “abordar os conflitos e as lutas mais amplas” e negociar recursos que possam desafiar as iniquidades na academia. Em consonância com a autora, defendemos que desenvolver uma consciência e uma reflexão em torno da diversidade dos repertórios e dos valores associados a eles deva ser uma meta para docentes e estudantes na universidade, para que compreendam quais conjuntos de recursos de linguagem podem ser úteis para pertencer e participar de quais comunidades, tomando posições em relação a como desejam performar, a favor de quem ou contra quem, por meio dos recursos linguísticos que já possuem e dos que podem desejar acrescentar aos seus repertórios. Segundo a autora, os professores podem contribuir nesse processo desafiando e desestabilizando representações e práticas sociais dominantes que engendram desigualdades e que têm sido reproduzidas na universidade.

Para tal, a perspectiva normativa que “assume as convenções dominantes do apropriado como naturais e necessárias” (ZAVALA, 2019, p. 12ZAVALA, V. (2019). Justicia sociolingüística para los tiempos de hoy. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura. v. 24, n. 2, p. 1-18.), e que gera a pressão para desfazer-se dos recursos de linguagem de seu repertório para assumir uma nova identidade baseada no discurso acadêmico do colonizador, precisa ser discutida, avaliada e ponderada mediante as interlocuções projetadas, os propósitos e as pautas da escrita acadêmica, conforme discutimos anteriormente. Isso implica uma agência informada, negociada e talvez reposicionada para responder a situações problemáticas ou ideologias dominantes na academia. Daí a importância da criação de espaços e dispositivos pedagógicos, tanto pela instituição quanto pelos docentes, em que os estudantes se apropriem de sua produção para construir ativamente suas aprendizagens, identidades e participações autorais. Como afirma Nascimento (2019, p. 88)NASCIMENTO, A. M. (2019). Letramentos acadêmicos no espaço da diferença colonial: reflexões sobre trajetórias de estudantes indígenas na pós-graduação. Raído. v. 13, n. 33, p. 66-92.,

[...] reconhecer o lugar de enunciação significa legitimar os posicionamentos geo- e corpo-políticos de quem produz o conhecimento e, consequentemente, considerar válida toda a sua complexidade, mesmo que isso signifique a ruptura com os padrões hegemônicos de produção e socialização do conhecimento na academia. Apenas neste sentido, a diferença, construída como desigualdade pela matriz colonial do poder, pode se transformar em alteridade.

Esperamos que nossas reflexões apontem a necessidade premente de se discutir as práticas pedagógicas na universidade mais amplamente. No caso dos estudantes em tela e de outros de grupos minorizados, é fundamental que sejam consideradas as visões êmicas dos participantes, o que inclui enxergar e contemplar outras ideologias epistêmicas e outras formas de se usar a escrita acadêmica, entendendo que essas visões e construções que compõem os repertórios são diversas, locais, e não monolíticas, e que envolvem disputas, negociações e relações interculturais complexas. Retomamos, com esse intuito e como exemplo, as palavras de Taiane, representativas de muitos outros estudantes indígenas em sua trajetória acadêmica: “[a] aprendizagem para a educação escolar dos não indígenas baseia-se mais na teoria que na prática e isso é totalmente contrário a nossa forma de ensinar e aprender, ao nosso rekombo’e”. Voltar-se a essa demanda requer tomar alguma distância de práticas acadêmicas privilegiadas, como a racionalização e a abstração do pensamento moderno ocidental, para produzir conhecimentos mais enraizados na prática, nas problemáticas e necessidades das comunidades dos estudantes. Isso implica estar atento tanto às ideologias de viés prescritivo da herança colonial, voltadas ao caráter racional ou à superioridade moral próprios da modernidade, quanto às ideologias utilitárias de adequação ao mercado típicas do capitalismo recente (HELLER; McELHINNY, 2017HELLER, M.; McELHINNY, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: toward a critical history. Toronto: University of Toronto Press.), que sustentam a forte tendência normativa presente na academia. Tal empreendimento nos levaria - e nos levou, na escrita deste texto - a enfrentar o fato de que

[...] é impossível suspender, peremptoriamente, nossa visão de mundo, nossas referências culturais, mesmo quando se tem um compromisso político genuíno com o Outro. E é porque é impossível apagar as diferenças nos encontros interculturais que [...] ele será sempre tenso, difícil. Não apenas porque nele estão sempre em jogo relações de poder, evidentemente, mas também porque sempre haverá diferenças de valores, de interpretações ininteligíveis à primeira vista [...] (MAHER, 2008, p. 425MAHER, T. M. (2008) Em busca de conforto linguístico e metodológico no Acre indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada. n. 47, v. 2, p. 409-428.).

Esperamos que as questões discutidas aqui contribuam para colocar em pauta a necessidade de conhecer diferentes interpretações sobre a presença e a agência de grupos sociais minorizados na academia e sobre suas escritas para fins acadêmicos, e para inspirar diretrizes pedagógicas que tenham por referência os repertórios comunicativos dos estudantes. Para adensar a discussão, novas investigações são necessárias sobre outras agentividades e demandas epistemológicas e identitárias indígenas, bem como sobre as tensões geradas pelos encontros e negociações entre os atores que hoje constroem a universidade brasileira.

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    Agradecemos aos editores, aos pareceristas e a Adriano de Souza pela leitura de versões anteriores deste artigo, pelos questionamentos e pelas sugestões para o aperfeiçoamento do texto.
  • 2
    Dentre elas, a Lei n. 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, a Normativa n. 13/2016, que propõe a reserva de vagas em cursos de pósgraduação para a inclusão de estudantes pretos/as, pardos/as, indígenas e com necessidades especiais, e programas de financiamento dos estudos de graduação, como o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Para um panorama das políticas de ações afirmativas em cursos de pós-graduação, ver Venturini e Feres Júnior (2020)VENTURINI, A. C.; FERES JÚNIOR, J. (2020). Política de ação afirmativa na pós-graduação: o caso das universidades públicas. Cadernos de Pesquisa. v. 50, n. 177, p. 882-909..
  • 3
    Utilizamos recursos de linguagem no sentido social, nos referindo a todos possíveis meios utilizados para a comunicação (elementos linguísticos, gestuais, proxêmicos, entre outros) e que compõem o repertório comunicativo do sujeito, incluindo-se os recursos conhecidos tradicionalmente como línguas (português, espanhol, guarani, kaingang, etc.).
  • 4
    Usamos nomes fictícios para preservar a identidade dos autores. Com relação à nomeação dos povos indígenas citados, alinhamo-nos a Fiorin e Petter (2008, p. 10)FIORIN, J. L.; PETTER, M. (2008). Prefácio. In: Fiorin, J. L.; Petter, M. (Orgs.), África no Brasil: a formação da língua portuguesa. São Paulo: Contexto, p. 7-11., optando pela grafia avá-guarani e kaingang.
  • 5
    Ao articular propósitos e interlocução projetada nos trabalhos, nos alinhamos ao entendimento de posicionalidade de Jaffe (2009a, p. 3)JAFFE, A. (2009a). Introduction: The sociolinguistics of stance. In: Jaffe, A. (Ed.), Stance: sociolinguistic perspectives. Nova York: Oxford University Press, p. 3-28.: “como os falantes e escritores estão necessariamente engajados em posicionar a si mesmos diante de suas palavras e textos (que estão mergulhados em histórias de produção linguística e textual), seus interlocutores e audiências (tanto reais como virtuais/projetadas/imaginadas) e com respeito ao contexto ao qual eles simultaneamente respondem e o qual constroem linguisticamente”.
  • 6
    Todas as traduções de citações originalmente em inglês ou espanhol são de nossa responsabilidade.
  • 7
    De acordo com Heller e McElhinny (2017)HELLER, M.; McELHINNY, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: toward a critical history. Toronto: University of Toronto Press., a padronização e a homogeneização da linguagem e da cultura e a concepção dominante de linguagem como um sistema fixo e delimitado, conectado à identidade e ao território, foram centrais para legitimar a regulação do capital pelo Estado-nação no capitalismo industrial.
  • 8
    Formas flexíveis de uso do repertório comunicativo em distintos contextos interacionais têm sido retratadas por pesquisadores da linguagem, usando-se diferentes termos como translinguagem, bilinguismo flexível, polilinguagem, crossing, vernáculos urbanos contemporâneos, uso truncado da linguagem, dentre outros (ver panorama de autores e conceitos em Rymes, 2014RYMES, B. (2014). Communicative repertoire. In: Street, B; Leung, C. (Orgs.), Handbook of English language studies. Routledge: Abingdon, p. 287-301.).
  • 9
    Busch (2015)BUSCH, B. (2015). Expanding the notion of the linguistic repertoire: on the concept of Spracherleben -the lived experience of language. Applied Linguistics. v. 38, n.3, p. 340-358. usa o termo repertório linguístico para se referir a repertório comunicativo. Para a autora, repertório diz respeito a: como interagimos linguística e socialmente com os outros (perspectiva antropológica ou interacional), como nos constituímos como sujeitos pelos discursos históricos e políticos (perspectiva pós-estruturalista) e como as pré-condições emocionais e corporais estão implicadas na experiência da linguagem (abordagem fenomenológica).
  • 10
    Ao longo do texto nos referimos a essa ideologia de linguagem dominante em contextos educacionais e acadêmicos como norma privilegiada.
  • 11
    Por exemplo: a escrita de resumos, esquemas e mapas conceituais, a escolha de temas que os engajam, memorização em voz alta, conversas em grupos no WhatsApp ou Facebook, entre outros (ÁVILA REYES et al., 2020, p. 16-17ÁVILA REYES, N.; NAVARRO, F.; TAPIA-LADINO, M. (2020). Identidad, voz y agencia: claves para una enseñanza inclusiva de la escritura en la universidad. Archivos Analíticos de Políticas Educativas. v. 28, n. 98, p. 1-26.).
  • 12
    São elas a “ampliação de repertórios linguísticos para agência em práticas comunicativas”: 1) “para defesa e autogestão de interesses das comunidades indígenas” (reivindicação de direitos, interação com leis e autoridades, autogestão de projetos, etc.); 2) “para interlocução intercultural” (com a sociedade não indígena e outros povos indígenas); 3) “em contexto profissional”; 4) para maior desenvoltura nas práticas de “leitura, escrita, oralidade e reflexão sociolinguística”; 5) para atuar “com autonomia” na construção da autorrepresentação e na luta contra a discriminação e a submissão à sociedade não indígena; 6) “para acesso à informação e aos conhecimentos produzidos e de circulação em contextos interculturais”; 7) “para colaborar com a melhoria das condições de vida” (NASCIMENTO, 2012, p. 386-387NASCIMENTO, A. M. (2012). Português Intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. Tese de Doutorado em Letras e Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, UFG, Goiânia.).
  • 13
    O autor, em seu trabalho, refere-se em kaingang à nomeação de seu povo. Filosofia Kanhgág, neste caso, significa filosofia kaingang.
  • 14
    Hamid (2022, p. 1)HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24. conceitua o inglês como língua do sul a partir das epistemologias do Sul Global e da realidade sociolinguística do inglês no Bangladesh pós-colonial. Ao mesmo tempo em que “reconhece a necessidade do inglês para as sociedades pós-coloniais”, apresenta usos locais de inglês em diferentes contextos e, mediante esses usos, enfatiza “a necessidade de romper com a hegemonia representada pelo chamado falante nativo ou pelas normas do inglês padrão”. O autor defende que, “uma vez que o inglês funciona como a principal ferramenta epistêmica para a construção do conhecimento e a teorização na maioria das disciplinas, a decolonização do conhecimento e da epistemologia em favor das perspectivas do Sul pode não ser alcançada sem decolonizar, em primeiro lugar, a língua”.
  • 15
    Hamid (2022, p. 3-4)HAMID, M. O. (2022). English as a Southern language. Language in Society. v. 51, n. 2, p. 1-24. argumenta que seria “fútil esperar que o inglês nessas práticas situadas seja uma sombra do inglês padrão que pode enquadrar esses usos como instâncias de ‘inglês fracassado’ [...]. Tais julgamentos são inúteis e irrelevantes, pois esses usos do inglês passaram por incubação histórica e linguística e declararam sua existência no mundo”.
  • 16
    Conforme Resolução Nº 114/2014, Câmara de Pós-Graduação, UFRGS, disponível em: http://www.ufrgs.br/cepe/legislacao/resolucoesnormativas/resolucao-no-114-2014-campg, acesso em 13.05.22.
  • 17
    Rezador e sábio na cosmologia avá-guarani, que tem o importante papel de repassar os saberes aos mais jovens.
  • 18
    O leitor poderá conferir alguns exemplos nos excertos apresentados mais adiante.
  • 19
    Gorete Neto (2012)GORETE NETO, M. (2012). Português-indígena versus português-acadêmico: tensões, desafios e possibilidades para as licenciaturas indígenas. Anais do SIELP. v. 2, n. 1. Uberlândia: EDUFU, p. 1-11. analisa recursos de linguagem por estudantes indígenas tapiraré e constata, por exemplo, o uso de expressões informais na interlocução com autoridades como estratégias de proximidade e convencimento, bem como a circularidade e repetição como formas de enfatizar o assunto ou ideia que se quer apresentar.
  • 20
    Tendo tido acesso à versão para a defesa e a versão final (para obtenção do título) de outra dissertação analisada, acompanhamos, por exemplo, o resultado de uma revisão que corrigiu o texto de modo a adequá-lo à norma vigente, apagando aspectos de estilo e retórica da autora, retirando trechos em guarani (por exemplo, resumo e apêndices), do nosso ponto de vista, aviltando modos de escrever que haviam sido legitimados na defesa da dissertação. A análise dessas alterações, se consentida pela autora, poderia ser de grande valia para aprofundar as reflexões deste artigo.
  • 21
    Sito (2018)SITO, L. (2018). Ensaiando estratégias das artes letradas nas zonas de contato: trajetórias de letramento acadêmico, ações afirmativas e políticas de conhecimento. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v. 18, n. 4, p. 821-852. articula as noções de zona de contato e de segurança (PRATT, 1991) e de artes letradas das zonas de segurança (CANAGARAJAH, 1997) para observar as estratégias utilizadas por estudantes ingressantes via políticas de ações afirmativas na elaboração de seus TCCs. A zona de contato corresponde a um espaço ou contexto sócio-histórico onde conflitos e tensões sociais, bem como possibilidades de criação, emergem da interação entre sujeitos pela linguagem. Quando uma zona de contato possibilita confiança, criação intelectual e compartilhamento de conhecimentos, torna-se uma zona segura. Na zona de contato do ambiente acadêmico, os estudantes criam estratégias variadas, chamadas por Canagarajah de artes letradas nas zonas de segurança, que vão desde adaptar-se às convenções dominantes a criar uma via alternativa para resolver conflitos que surgem a partir desse regime de linguagem instituído.
  • 22
    Na tríplice fronteira Argentina-Brasil-Paraguai habitam muitos indígenas guaranis que possuem parentes nos três lados da fronteira. Historicamente, como parte de seu modo de vida, os guaranis sempre se moveram livremente pelo território, o que mudou com o estabelecimento de fronteiras no período colonial e com seu atual controle, limitando o deslocamento de muitos deles, seja para visitar e estar com parentes, seja em busca de sustento (MELIÀ, 2008MELIÀ, B. (2008). (Org.) Guarani Retã 2008. Povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai. Realização: UNaM, ENDEPA; CTI, CIMI, ISA, UFGD; CEPAG, CONAPI, SAI, GAT, SPSAJ, CAPI.). Nas palavras de Taiane, “[a] mobilidade pelo território faz parte da cultura guarani, ou seja, sempre caminhamos, visitamos parentes por longos períodos e fortalecemos nossos laços de parentesco com os familiares. Isto ocorre independente das fronteiras colocadas pelos colonizadores sobre nossos territórios”.
  • 23
    Tekoha é “o lugar físico, o espaço geográfico onde os Guarani são o que são, onde se movem e onde existem” (MELIÀ, 2008, p. 9MELIÀ, B. (2008). (Org.) Guarani Retã 2008. Povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai. Realização: UNaM, ENDEPA; CTI, CIMI, ISA, UFGD; CEPAG, CONAPI, SAI, GAT, SPSAJ, CAPI.).
  • 24
    Para além dos excertos analisados, os autores também se referem à sua presença na universidade e à apropriação do português para fins acadêmicos como meios para promover a luta por direitos, aprender a transitar no mundo não indígena e participar em instâncias nãoindígenas de decisão sobre seu povo. Nesse sentido, a escrita acadêmica em português torna-se uma via para registrar valores e trajetórias de lutas, posicionar-se politicamente, e potencializar as alianças e os discursos a favor dos povos indígenas e contra o opressor, dimensões de usos do português também mencionadas e demandadas pelos estudantes participantes da pesquisa de Nascimento (2012)NASCIMENTO, A. M. (2012). Português Intercultural: fundamentos para a educação linguística de professores e professoras indígenas em formação superior específica numa perspectiva intercultural. Tese de Doutorado em Letras e Linguística. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, UFG, Goiânia..
  • DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

    As dissertações de mestrado analisadas neste estudo estão disponíveis nos repositórios das universidades: https://lume.ufrgs.br/ e https://dspace.unila.edu.br/.

REFERÊNCIAS

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Disponibilidade de dados

As dissertações de mestrado analisadas neste estudo estão disponíveis nos repositórios das universidades: https://lume.ufrgs.br/ e https://dspace.unila.edu.br/.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2022
  • Aceito
    05 Out 2022
  • Publicado
    10 Out 2022
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