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ACERVOS LITERÁRIOS NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE LITERATURA, LIVRO LITERÁRIO E TEXTO LITERÁRIO NO GUIA PNLD LITERÁRIO 2020

LITERARY COLLECTIONS AT SCHOOL: CONCEPTIONS OF LITERATURE, LITERARY BOOK AND LITERARY TEXT IN THE PNLD LITERARY GUIDE 2020

RESUMO

Com o objetivo de investigar concepções de literatura, livro literário e texto literário no Guia PNLD literário 2020, o artigo traça um histórico dos principais programas de fomento à leitura literária no âmbito governamental brasileiro – desde o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), até sua versão mais recente: o PNLD Literário 2020. Em seguida, discute noções sobre livro e texto literário, buscando conceituá-los a partir de duas perspectivas: a de função social e a de especificidades linguísticas. Essas discussões desembocam em reflexões quanto ao papel do professor/mediador frente à escolha de obras e mediação literária nos anos finais do ensino fundamental. A análise recai sobre o modo como o Guia PNLD Literário (no cotejo das edições 2020 e 2018) se apresenta aos professores e conceitua literatura, bem como sobre os critérios que orientam a escolha das obras. Os resultados apontam para uma mescla das perspectivas de função social e de especificidades linguísticas no que tange a concepções de literatura, livro literário e texto literário nos Guias. Ademais, verifica-se uma tensão entre a aposta na autonomia docente e a necessidade de investimentos na formação para escolhas e trabalho com o literário. Sobre essa tensão, a atitude responsiva e ideológica dos Guias parece ser a da tentativa de suprir a demanda de investimentos em formação para o trabalho literário nas escolas, por meio exclusivo de materiais de apoio ao fazer docente.

Palavras-chave:
PNBE; PNLD literário; formação de leitores

ABSTRACT

With the objective of investigating conceptions of literature, literary book and literary text in the PNLD Literary Guide 2020, the article traces a history of the main programs to encourage literary reading within the Brazilian government – from the Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) to its most recent version: the PNLD Literário 2020. It then discusses notions about books and literary texts, seeking to conceptualize them from two perspectives: that of social function and that of linguistic specificities. These discussions lead to reflections on the role of the teacher/mediator in relation to the choice of works and literary mediation in the final years of elementary school. The analysis focuses on the way in which the PNLD Literary Guide (in the comparison of the 2020 and 2018 editions) is presented to teachers and conceptualizes literature, as well as on the criteria that guide the choice of works. The results point to a mixture of the perspectives of social function and linguistic specificities regarding the conceptions of literature, literary book and literary text in the Guides. Furthermore, there is a tension between the bet on teaching autonomy and the need to invest in training for choices and work with the literary. Regarding this tension, the responsive and ideological attitude of the Guides seems to be an attempt to meet the demand for investments in training for literary work in schools, through exclusive support materials for teaching.

Keywords:
PNBE; Literary PNLD; training of readers

INTRODUÇÃO

Quando se discute a presença de obras literárias em sala de aula de escolas públicas, um ponto que merece atenção considerável é o processo por meio do qual esses livros são apresentados e selecionados até chegar às mãos dos alunos. Em um primeiro momento, poderíamos pensar que refletir sobre tais obras seria apenas discutir sua pertinência com relação a determinado ano de escolaridade ou ainda o modo como a materialidade do livro literário é trabalhada pelo professor. Entretanto, os critérios envolvidos na seleção de obras literárias para compor o acervo escolar são de uma complexidade que merece atenção, sobre a qual, iremos nos debruçar neste artigo.

Nesse sentido, este artigo busca investigar orientações quanto a escolhas literárias docentes no guia do PNLD Literário 2020, refletindo sobre as concepções de literatura, livro literário e texto literário no PNLD literário. A motivação para essa escrita reside nas reflexões desenvolvidas pelo professor e a professora, autores deste texto, durante a seleção de livros literários para as escolas nas quais atuam. Tal seleção ocorreu por meio da edição 2020 do PNLD Literário, programa governamental que representa uma iniciativa complementar ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Enquanto o PNLD se refere à distribuição de livros didáticos, de diferentes disciplinas, para alunos de escolas públicas, o PNLD literário se refere a obras literárias, igualmente destinadas aos acervos e alunos das escolas públicas. Atentos, portanto, às diferenças entre livros didáticos e literários, buscamos conceituar o livro literário como um artefato, físico ou virtual, com características específicas, das quais a principal delas reside em abrigar o chamado texto literário. Quanto ao conceito de texto literário, abordamos duas perspectivas: a que enfoca a função social da literatura e a que evidencia as especificidades linguísticas desse tipo de texto. Essas discussões se mostram relevantes para pensarmos o papel do professor/mediador frente à tarefa de escolha de obras literárias, realizada com o apoio do Guia PNLD Literário.

Nesse sentido, nosso foco de análise recai sobre as prerrogativas norteadoras orientadoras do Guia PNLD Literário nas edições de 2018 e 2020 – que juntas contemplam a todas as etapas regulares de educação básica –, analisando os critérios que orientam as escolhas das obras e problematizando o modo como essa ação foi encaminhada aos docentes. Durante a análise, por representar a edição mais recente, o Guia PNLD Literário de 2020 receberá maior destaque. Todo esse percurso, vale salientar, será entremeado com nossas percepções tanto enquanto professores da educação básica quanto como pós-graduandos que pesquisam literaturas e ensino. Articulando esses dois polos de nossas existências, buscamos problematizar como os Guias podem contribuir com nossas escolhas e fazeres pedagógicos para com a leitura literária. Além disso, procuramos entrever, em diálogo com as discussões levantadas no referencial teórico, as atitudes responsivas (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. (1952-1953). Gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas por Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.) suscitadas pelos Guias, bem como possíveis ideologias (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, Valentin (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 2017) que os sustentam. Acreditamos que, ao estabelecer o diálogo entre a experiência docente e a pesquisa acadêmica na análise dos Guias, conseguiremos ter uma visão mais ampla e coesa sobre essa iniciativa que impacta diretamente as práticas de letramento (SOARES, 2009SOARES, M. (1999). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., 2020SOARES, M. Alfaletrar: Toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Editora Contexto, 2020.) que ocorrem na escola.

Um ponto que não pode deixar de ser mencionado é que reconhecemos que o livro didático é um suporte de grande importância para que os alunos de redes públicas de ensino tenham contato com textos literários. Em muitos casos, esse é o principal, ou até mesmo único, modo pelo qual a literatura se faz presente em sala de aula. Nesse sentido, considerações a respeito desses materiais aparecerão ao longo do artigo, ainda que de forma pontual, visto que o escopo e o objetivo deste artigo relacionam-se aos processos em torno do PNLD Literário e, mais especificamente, na análise de seu respectivo Guia.

1. COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI: DO PNBE ATÉ O PNLD LITERÁRIO

Embora o PNLD Literário tenha tido sua primeira versão apenas em 2018, iniciativa semelhante de distribuição de obras literárias já foi realizada no Brasil nas últimas décadas. Nesta seção, iremos apresentar um breve histórico sobre a ação anterior ao atual Programa, que envolvia também o incentivo à leitura literária por meio da constituição de acervos em escolas públicas. Iremos, portanto, começar na versão preliminar do PNLD Literário, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), seguindo até os dias de hoje, para, em seções seguintes, nos determos na análise do Guia.

O PNBE foi instituído em 1997, mesmo ano de publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), através da Portaria n.º 584, de 28 de abril1 1 Fonte: https://abrelivros.org.br/site/portaria-n-o-584-de-28-de-abril-de-1997/ Acesso em 15/09/2022. , sendo que o envio dos livros ocorreu no ano seguinte, em 1998. A proposta inicial do Programa era distribuir não só livros literários, mas também periódicos de conteúdo didático para todos os segmentos da educação básica, bem como obras teóricas para complementar a capacitação do professor e incentivar sua formação continuada. A avaliação e a distribuição de tais materiais foram feitas respectivamente pelo PNBE Literário, PNBE Periódicos e PNBE do Professor.

Toda essa distribuição de material partia do seguinte objetivo, segundo consta na página do Ministério da Educação: “promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nos alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência.”2 2 Fonte: http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola Acesso em 15/09/2022. A adesão das escolas ao Programa era automática, bastando estarem cadastradas no censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o INEP.

Sobre a seleção desses materiais, uma característica chama a atenção devido a sua divergência em relação ao atual Programa. Os livros não eram escolhidos pelos professores das respectivas escolas atendidas, mas por um colegiado composto por:

[r]epresentantes do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), de intelectuais e de técnicos e especialistas na área de leitura, literatura e educação do Ministério da Educação e de universidades.3 3 Fonte: http://portal.mec.gov.br/programa-saude-da-escola/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12516-pnbe Acesso em 15/09/2022.

Tal colegiado, portanto, era responsável por avaliar e selecionar o conjunto de obras que seriam enviadas para todas as escolas do país. Na primeira edição, foram selecionados 215 títulos e adquiridas 4 milhões de obras que, por sua vez, foram distribuídas há mais de 20 mil escolas do ensino fundamental, operação esta que custou 24 milhões de reais (FERNANDES; CORDEIRO, 2012FERNANDES e CORDEIRO. Os critérios de avaliação e seleção do PNBE: um estudo diacrônico in Educação, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 319-328, set./dez. 2012.).

Detalhando um pouco mais esse acervo inicial de obras, sua composição incluía “obras clássicas e modernas da literatura brasileira, enciclopédias, atlas, globos terrestres, dicionários, livros sobre a história do Brasil e sua formação econômica e um Atlas Histórico Brasil 500 Anos”4 4 Fonte: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/biblioteca-na-escola/historico Acesso em 15/09/2022 .

Ainda que tanto investimento possa ser, à primeira vista, analisado como bastante positivo para a educação pública brasileira, houve, logo nesta primeira edição do Programa, críticas sobre a pouca clareza envolvendo os critérios de seleção dos livros. Segundo Fernandes e Cordeiro (2012, p. 320)FERNANDES e CORDEIRO. Os critérios de avaliação e seleção do PNBE: um estudo diacrônico in Educação, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 319-328, set./dez. 2012.,

os critérios utilizados para seleção das obras não foram apresentados, e observa-se que alguns livros selecionados eram de pessoas ligadas ou pertencentes à comissão de escolha, formada por um grupo de intelectuais “notáveis”, além de outros livros que demandam um leitor mais experiente em função da complexidade.

Outra crítica, apontada pelas mesmas autoras, foi a maneira como as obras foram recebidas no espaço escolar: “Ainda no ano de 1998, o programa previa que o acervo seria aberto também à comunidade, o que não ocorreu em boa parte das escolas, devido ao fato de que os próprios alunos e professores desconheciam as obras recebidas” (FERNANDES; CORDEIRO, 2012, p. 320FERNANDES e CORDEIRO. Os critérios de avaliação e seleção do PNBE: um estudo diacrônico in Educação, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 319-328, set./dez. 2012.).

Notamos, então, que, a despeito do grande investimento financeiro, não houve, nesse primeiro momento, uma maior atenção em promover o diálogo entre o acervo literário e a comunidade escolar. Dependendo da instituição de ensino, ainda que muitos livros fossem recebidos, isso não garantia que seriam utilizados no cotidiano pedagógico.

Avançando um pouco, nos próximos anos ao primeiro PNBE, alguns pontos merecem destaque sobre a edição de 2001, intitulada Literatura em minha casa. A novidade dessa edição é que, compondo o acervo recebido pelas escolas, havia também, pela primeira vez, livros que os alunos podiam levar para casa.

A intenção oficial nesta etapa do Programa era integrar a família no incentivo à leitura, uma vez que os títulos poderiam ser lidos com e pelos responsáveis dos alunos, mas, havia também uma outra motivação por trás dessa mudança. Segundo Oliveira (2011)OLIVEIRA, L. O Programa Nacional Biblioteca da Escola e sua ação “Literatura em Minha Casa”, sob o olhar dos que o conceberam. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Fonte: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-1415-1.pdf Acesso em 15/09/20202
http://www.intercom.org.br/papers/nacion...
, constatou-se que a utilização, pelas escolas, dos livros do primeiro acervo do PNBE foi bastante aquém das expectativas, o que motivou a comissão organizadora do Programa a pensar novas estratégias para incentivar o uso desses materiais. Além, como já mencionamos, de os alunos poderem levar os livros para casa, outra iniciativa foi a produção de guias que orientariam a mediação das obras literárias, são eles o Guia do livronauta e manual Histórias e histórias.

Em carta direcionada aos diretores escolares, presente logo nas primeiras páginas de um desses guias, temos com bastante clareza, a critério de exemplo, as expectativas decorrentes da produção e da distribuição desses dois materiais.

O Ministério da Educação fez chegar, em 1998, à sua escola e a outras 20 mil escolas públicas do ensino fundamental, o primeiro acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola — PNBE, com o objetivo de democratizar o acesso de professores e alunos à leitura e à informação, apoiando o professor em sua prática pedagógica, na formação do aluno leitor e no aprofundamento dos assuntos afetos às disciplinas curriculares. Consciente de que nem sempre a escola se apropria, de forma efetiva, desse importante material de leitura, o Ministério está enviando esta publicação com o objetivo de motivar os professores a conhecer e a bem utilizar os recursos colocados à sua disposição, não só para sua prática pedagógica, como também para seu próprio desenvolvimento cultural, intelectual, afetivo e emocional. (BRASIL, 2001, p. 7BRASIL. Guia do livronauta: sobrevoando o tesouro da biblioteca e aterrissando na prática. Brasília: MEC/SEB, 2001. Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=25513. Acesso em: 15/09/2022
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquis...
)

O tom da carta acima, assinada por Mônica Messenberg Guimarães (Secretária Executiva do FNDE) e Iara Glória Areias Prado (Secretária da SEF), indica que os responsáveis pelo Programa reconheceram que “apenas” enviar dezenas de livros para as escolas não era suficiente. Parece ter havido, portanto, a percepção sobre a necessidade de se pensar estratégias para promover efetivo contato entre alunos, professores e esse acervo. A despeito desses novos investimentos, os guias parecem não ter sido bem utilizados, conforme aponta pesquisa de Oliveira (2011)OLIVEIRA, L. O Programa Nacional Biblioteca da Escola e sua ação “Literatura em Minha Casa”, sob o olhar dos que o conceberam. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Fonte: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-1415-1.pdf Acesso em 15/09/20202
http://www.intercom.org.br/papers/nacion...
, com base em relatório do Tribunal de Contas da União.

Mesmo com as já mencionadas críticas por causa dos critérios de seleção das obras, o PNBE seguiu até 2014, sendo 2012 o ano de lançamento de seu último edital. Durante esse período, outro marco importante foi a iniciativa Palavras da Gente, de 2004, responsável por distribuir acervos para alunos jovens e adultos do segundo segmento do ensino fundamental.

Apesar de todas as críticas que possam ser feitas ao PNBE, é de se reconhecer a importância de uma iniciativa que, entre 2000 e 2014, foi responsável por distribuir quase 230 milhões de exemplares5 5 Fonte: https://g1.globo.com/educacao/noticia/governo-federal-seguira-sem-entregar-novos-livros-de-literatura-para-bibliotecas-escolares-em-2018.ghtml Acesso em 15/09/2022 de obras literárias para escolas públicas de todo país. Após sua extinção, o PNBE foi substituído, em 2017, através do Decreto nº 9.099, de 18 de julho6 6 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9099.htm Acesso em 15/09/2022 , pelo PNLD Literário, que incorporou suas funções de seleção e distribuição de livros literários, com a diferença que, dessa vez, tal como ocorre em relação aos livros didáticos, as obras literárias também passam a ser escolhidas pelas escolas.

Antes de seguirmos para o fim da seção, cabe um rápido parágrafo explicando o que gerou tanto atraso entre o fim do PNBE e início do PNLD Literário. Esse período, entre 2014 e 2017, foi marcado por muita tensão política no Brasil, já que, em três anos, o país passou por uma conturbada eleição presidencial, um agressivo processo de impeachment e pela deposição da presidenta eleita Dilma Rousseff. Toda essa instabilidade se refletiu em diversos setores da sociedade brasileira e, como não poderia deixar de ser, também no campo da Educação. Foi nesse período também que ocorreu o processo de consolidação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que, até hoje, é matéria de debates e críticas7 7 Para aprofundamentos no assunto, sugerimos a leitura do capítulo A Base Nacional Comum Curricular e o contexto brasileiro, elaborado por Tílio (2019). .

Seguindo para o PNLD Literário, até o momento tivemos apenas duas edições do Programa que, após sancionado em 2017, teve seu primeiro edital publicado em junho de 2018. Nessa primeira edição, o Programa se dedicou à seleção de acervos para turmas da educação infantil (creche e pré-escola), dos anos iniciais do ensino fundamental (1º a 5º ano) e turmas do ensino médio. As turmas dos anos finais do ensino fundamental foram contempladas somente na edição seguinte, em 2020.

Dentre as características da edição de 2018, uma das principais, e que também a diferencia do PNBE, foi o processo de seleção das obras. Dessa vez, segundo o primeiro Guia PNLD Literário, os livros foram primeiramente analisados e selecionados “por uma equipe de especialistas das áreas de Letras e de Educação” (BRASIL, 2018, p. 9BRASIL, Guia PNLD Literário 2018. Ministério da Educação. Brasília. 2018.). Em seguida, após essa triagem inicial, os títulos foram disponibilizados para que os professores fizessem suas escolhas.

Outro ponto que chama a atenção é a inclusão facultativa de material de apoio aos professores acompanhando algumas obras. A presença de tal material parece ser uma forma mais coerente de contribuir com a mediação das obras, algo em que os manuais do PNBE não lograram êxito.

Nesse mesmo Guia temos também, de modo muito mais transparente, quais foram os critérios utilizados na avaliação das obras submetidas ao edital de convocação. Dentre esses critérios, destacamos: qualidade do texto verbal e do texto visual, adequação de categoria, de tema e de gênero literário, projeto gráfico-editorial e qualidade do material de apoio.

Por último, cabe pontuar como a escolha foi efetivamente realizada pelas unidades escolares. Disponibilizou-se uma plataforma eletrônica, o PDDE Interativo, para que os diretores das escolas realizassem a solicitação das obras. O documento que traz as Orientações gerais para a escolha8 8 Fonte: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-livro-didatico/item/12103-guia-pnld-literario-2018 Acesso em 15/09/2022. indica que a seleção dos títulos deveria ser realizada:

de maneira conjunta entre o corpo docente e dirigente da escola com base na análise das informações contidas no Guia do PNLD Literário, considerando-se a adequação e a pertinência das obras literárias em relação à proposta pedagógica de cada instituição escolar.

Através desse mesmo sistema de solicitação dos livros, era possível acessar as obras completas para que o corpo docente pudesse fazer a seleção. Competia aos professores, portanto, escolher os livros seguindo categorias de acordo com o segmento de sua turma e a destinação das obras. A tabela abaixo resume essa organização:

Figura 1
Categorias de escolha do PNLD Literário 2018

Quanto aos dados estatísticos relativos à abrangência dessa edição do Programa, a página do Guia PNLD Literário 20189 9 Fonte: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-pnld/item/12103-guia-pnld-literario-2018. Acesso em 15/09/2022. traz um link para que se consulte o percentual de registro de escolha pelas escolas. No sistema direcionado pelo link, a busca por PNLD Literário 2018 retorna um relatório no qual se verifica a quantidade de escolas aderidas ao PNLD: um total de 141.927 (cento e quarenta e um mil, novecentos e vinte e sete) escolas, entre as quais 107.624 (cento e sete mil, seiscentos e vinte e quatro) finalizaram o processo de escolha de obras literárias, (75.8% das escolas). Logo, a quantidade de escolas que realizaram a escolha pelo sistema mostrou-se relativamente expressiva.

Como vimos até aqui, muitos foram os avanços entre o PNBE e o PNLD Literário. Entre eles, como docentes, destacamos a possibilidade de os professores realizarem a escolha das obras que chegarão às suas escolas. Vale salientar que os mencionados avanços não desmerecem a importância do primeiro programa dedicado a fomentar a distribuição de obras literárias por escolas públicas do Brasil. Nas próximas seções, apresentaremos os referenciais teóricos e metodológicos que guiarão nossas reflexões sobre o Guia PNLD Literário (edições 2018 e 2020) para, em seguida, apresentarmos a análise propriamente dita destes documentos.

2. LEITURA, LIVRO E TEXTO LITERÁRIO: TEORIZAÇÕES NECESSÁRIAS

Entre as variadas discussões a respeito do papel da educação básica na contribuição com a formação de leitores de literatura, o foco na experiência de leitura como o elemento central das aulas se mostra consensual. A esse respeito, Silva (2019, p. 26)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33. menciona: “Literatura se vive. E qualquer saber, não apenas o literário, deve partir da experiência, vivida ou imaginada, que se deve narrar/ler a fim de que de fato exista no campo artístico”. A existência da experiência artística com o texto, se dá, portanto, no campo da vivência. Mas para que essa experiência possa acontecer, o que se necessita, como recurso mais básico, é o contato com o texto, condição inicial para o processo de leitura literária.

Na escola, esse contato muitas vezes é proporcionado por intermédio dos livros didáticos. Contudo, dentro deles, o incentivo à leitura literária esbarra em alguns obstáculos. O mais óbvio deles diz respeito ao limite de páginas a serem ocupadas por um texto, fazendo com que a maior parte dos escolhidos sejam poemas, crônicas ou contos de pequena extensão. Escritas maiores acabam sendo fragmentadas e apenas trechos são disponibilizados. Sobre essa fragmentação, Rezende (2013, p. 111)REZENDE, N. L. de. O ensino de literatura e a leitura literária. In: DALVI, M. A.; REZENDE, N. L. de.; JOVER-FALEIROS, R. (Orgs.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013, p. 98-112 afirma ser “impossível se aplicar afetivamente na leitura só com a leitura de fragmentos do livro didático”. Ademais, há a questão da tradição que compõe a seleção dos livros didáticos; costumeiramente, essa seleção privilegia textos dos mesmos autores consagrados na tradição escolar, tais como Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes, Graciliano Ramos, entre outros, havendo pouco espaço para a diversidade autoral.

Por fim, ainda no tocante à abordagem das obras literárias nos livros didáticos, pesquisas da área mostram que o modelo tradicional quase sempre invisibiliza o que pode ter havido de literário no processo de leitura. Segundo Walty (2011, p. 51)WALTY, I. L. C. Leitura e escola: antilições. In: EVANGELISTA, A. A. M.; BRANDÃO, H. M. B.; MACHADO, M. Z. V. (Orgs.) A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 49-58.:

o discurso didático esvazia o texto literário de seu potencial, congelando-o em definições e classificações, ou usando-o com outros objetivos tais como transmitir conhecimentos, ensinar regras morais, refletir sobre drogas ou aborto na adolescência e, principalmente, ensinar regras gramaticais.

É o que também apontam estudos mais recentes, tais como o de Regina Zilberman (2016)ZILBERMAN, R. A teoria da literatura nos bancos escolares. In: CECHINEL, A. (Org). O lugar da teoria literária. Florianópolis: Editora UFSC, 2016, p. 395-417., que menciona a estreita relação entre as noções e metodologias advindas da Teoria Literária e dos bancos escolares, e o de Amorim, Santos e Nascimento (2021)AMORIM, M. A. de; NASCIMENTO, D. V. K.; SANTOS, M. S. dos. A leitura literária no livro didático de português: uma análise dialógica. Revista Letras Raras. Campina Grande, v. 10, n. 1, p. 53-79, jan. 2021., que, investigando práticas de leitura literária em um livro didático, constatam o mesmo que Marisa Lajolo (2000, p. 15)LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000, p. 11-16. já apontava duas décadas antes: “O texto, em sala de aula, é geralmente objeto de técnicas de análise remotamente inspiradas em teorias literárias de extração universitária”.

Portanto, faz-se necessário um enfoque que contemple não apenas a análise de saberes sobre os textos, mas uma efetiva prática de leitura literária, sendo ela aqui entendida como em Amorim et al (2022, p. 73)AMORIM, M. A. de; DOMINGUES, D.; NASCIMENTO, D. V. K.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Editora Contexto, 2022.: “aquela em que, diante do texto (social, político e historicamente situado), o leitor (igualmente situado) consegue reconstruir elementos que abrangem as dimensões cognitiva, ética e, também, estética de sua existência em sociedade”. Ao mencionar o alcance dessas três dimensões, advogamos, então, por práticas escolares que, para além do foco na expressão da compreensão do texto e na observação de características linguísticas tidas como literárias, abram espaço para uma conversa literária (BAJOUR, 2012BAJOUR, C. A conversa literária como situação de ensino. In: ______. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura. São Paulo: Pulo do Gato, 2012, p. 46-74.), na qual se possa evidenciar posicionamentos éticos, ligados aos valores axiológicos do leitor, e estéticos, relacionados à percepção de uma experiência intersubjetiva de deslocamento, transfiguração da realidade e retorno ao seu ser, proporcionada pela leitura10 10 A experiência estética é aqui entendida como decorrente do movimento exotópico (cf. BAKHTIN, 2011). Nesse movimento, o leitor, sem abandonar seus valores axiológicos, se compenetra no texto, vivenciando as situações por ele descrita na categoria do outro, e retorna a si, avaliando a experiência como estética por meio do excedente de visão proporcionado pelo deslocamento, vivência e retorno. Para aprofundamento sobre o assunto, consulte Amorim et al (2022). . Indícios de um trabalho literário que inter-relacione as três dimensões mencionadas podem ser depreendidos das palavras de Silva (2019, p. 23)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33.:

[e]nsinar literatura é, pois, estar consciente de que ela é obra humana e, como tal, aborda os impasses morais, sexuais, psicológicos, religiosos, políticos etc. Tudo isso culmina numa apreensão da eticidade do texto literário por parte do educador. Não se deve fugir dos problemas, nem escondê-los, senão promover um discurso aberto sobre isso, uma leitura que não descambe para a reprovação de um autor com base nas concepções religiosas e morais do leitor.

Ao atentar à eticidade de um texto, provendo um discurso aberto sobre ele e ao promover uma avaliação que não descambe para a reprovação de um autor ou obra com base em concepções religiosas e morais, mas na oferta da experiência estética, Silva (2019)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33. nos aponta para um enfoque na relação das dimensões ética e estética, sempre atravessadas pela dimensão cognitiva.

Por todo o exposto, diante das pesquisas que evidenciam a dificuldade dos materiais didáticos em atender diferentes dimensões dos leitores dentro do ambiente escolar, a presença do material livro literário nesses espaços pode representar caminho para uma construção diferenciada de relações com a leitura. Para Teresa Colomer (2007, p. 117)COLOMER, T. A articulação escolar da leitura literária. In: ______. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007, p. 101-124., “é imprescindível dar aos meninos e meninas a possibilidade de viver, por algum tempo, em um ambiente povoado de livros, no qual a relação entre suas atividades e o uso da linguagem escrita seja constante e variada”. A própria organização desses livros – compostos por um tamanho e uma estrutura visual diferente das que se apresentam nos livros didáticos, visto que não há conteúdos e atividades sequenciadas para curtos tempos de aulas – já incita um olhar outro para os materiais. Desse modo, espera-se que os livros literários possam ser fortes aliados na contribuição com a formação do leitor literário, tal como previsto em documentos oficiais, como a BNCC.

Segundo a Base, no que tange ao campo artístico-literário nos anos finais, “[e]stá em jogo a continuidade da formação do leitor literário, com especial destaque para o desenvolvimento da fruição, de modo a evidenciar a condição estética desse tipo de leitura e de escrita” (BRASIL, 2018, p. 138BRASIL, Guia PNLD Literário 2018. Ministério da Educação. Brasília. 2018.). Nesse sentido, ainda que a BNCC enfoque na ideia de fruição e não defina o que venha a ser a condição estética (cf. AMORIM & SILVA, 2019AMORIM, M. A. & SILVA, T. C. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: Amorim, M. A.; Gerhardt, A. F. L. M. (orgs.). A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas: Pontes Editores, 2019.), ela preconiza um trabalho que evidencie essa condição na leitura e na escrita literária. E é nesse aspecto estético, muitas vezes deixado de lado nas tradicionais práticas pedagógicas dos livros didáticos, conforme já mencionado, que a presença do livro literário pode se mostrar o primeiro passo em um caminho diferente na trilha das práticas escolares com a leitura literária. Mas o que vem a constituir o chamado livro literário?

2.1. O livro literário e sua composição

Esta seção se mostra relevante dentro deste artigo porque os guias do PNLD literário mencionam os critérios usados para a seleção das obras disponibilizadas para a escolha dos docentes. Desse modo, cumpre investigarmos o que constitui um livro literário e quais seriam os critérios envolvidos em sua denominação. Na busca por esses esclarecimentos, adentraremos, inevitavelmente, as complexas noções de texto literário ou literatura, posto que livro literário seria a denominação do objeto (físico ou virtual) que carrega ou veicula os textos considerados da esfera literária.

Quanto ao objeto livro literário, algumas características, para além de seu miolo textual, se fazem marcantes. Entre elas, os chamados elementos paratextuais, tais como título, subtítulo, capa, contracapa, prefácio, epígrafe e orelha, mostram-se comuns. Vale destacar que a composição de cada um desses elementos não se dá de forma arbitrária, mas integra todo um projeto que dialoga com o texto literário. A respeito dos títulos, por exemplo, eles podem ser considerados temáticos ou remáticos. Segundo Reis (2013, p. 152)REIS, C. Texto literário e obra literária. In: ______. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013, p. 123-165., “os primeiros são os que remetem para elementos do conteúdo dos textos (personagens, espaços, situações etc.), enquanto os segundos aludem a características de natureza formal, não raro dizendo respeito a atributos de gênero”. Assim, como exemplo de um título temático entre as escolhas do PNLD literário de 2018, podemos citar Olhos d’água, de Conceição Evaristo. Já como exemplo de um título remático, temos como um dos exemplos, Cervantes em cordel: quatro novelas exemplares, de Arievaldo Viana, Jean-Claude R. Alphen e Stelio Torquato Lima. Do mesmo modo, capa, contracapa, epígrafe e prefácio estão intimamente relacionados ao texto que o livro carrega, constituindo, inclusive, motivo de interesse ou desinteresse no que tange a possibilidades de escolha do material, contribuindo para apreciações valorativas. O prefácio, nesse sentido, “explora e prefigura as coordenadas técnico-literárias, ideológicas etc.) que adequadamente favorecem a institucionalização do texto (ou do macrotexto) como obra literária dotada de consistente legitimidade histórico-cultural” (REIS, 2013, pp. 157-158REIS, C. Texto literário e obra literária. In: ______. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013, p. 123-165.).

Contudo, todos esses elementos paratextuais, apesar de constituírem critérios importantes na avaliação ou escolha de um livro literário, podem ser observados também em livros considerados não literários. Portanto, é o chamado texto literário que vem a coroar a conceituação de um livro dentro da esfera da literatura. E quanto a uma definição de texto literário ou de literatura, Antoine Compagnon (2010)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45. e Rildo Cosson (2015)COSSON, R. “Letramento literário: uma localização necessária”. Letras & Letras, v. 31, n. 3, jul./dez. 2015, p. 173-187. mencionam ser essa “a eterna aporia dos estudos literários” (COSSON, 2015, p. 174COSSON, R. “Letramento literário: uma localização necessária”. Letras & Letras, v. 31, n. 3, jul./dez. 2015, p. 173-187.).

Segundo Compagnon (2010, p. 30)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45.: “[a] aporia resulta, sem dúvida, da contradição entre dois pontos de vista possíveis e igualmente legítimos; do ponto de vista contextual (histórico, psicológico, sociológico, institucional) e do ponto de vista textual (linguístico)”. Assim, uma conceituação do texto literário está sempre atrelada às suas funções históricas e sociais, sendo concebido como documento. De outro modo, a conceituação também pode estar ligada à abordagem linguística do texto, sendo ele entendido como manifestação artística da linguagem. São essas duas vertentes que aparecem, via de regra, em uma definição de literatura, ora conjuntamente, ora com mais enfoque nos aspectos contextuais e históricos, ou – o que nos parece mais frequente – com ênfase nos aspectos linguísticos. Vale destacar que essa oscilação de foco varia de acordo as épocas e culturas, tal como salienta Marisa Lajolo (2001, p. 26)LAJOLO, M. Literatura – leitores & leitura. São Paulo: Moderna, 2001., “[c]ada tempo e, dentro de cada tempo, cada grupo social tem sua resposta, sua definição. Respostas e definições – vê-se logo – para uso interno”.

E é dentro dessa classificação situada mencionada por Lajolo (2001)LAJOLO, M. Literatura – leitores & leitura. São Paulo: Moderna, 2001. que Compagnon (2010, p. 33)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45. ironiza ao mencionar tautologias e falsas etimologias consagradas pelo uso: “a literatura é tudo o que os escritores escrevem” ou “os clássicos são aqueles que lemos em classe”. Nesse sentido, o autor enfatiza que a ideia de valor literário é abstrata, ficando a cargo da escolha de grupos sociais que, como não poderia deixar de ser, carregam consigo toda uma gama de preferências produzidas a partir de ideologias diversas que os atravessam.

2.2. O texto literário em uma perspectiva de função social

Pensando numa perspectiva contextual e social, uma forma de compreensão da literatura ou do texto literário se dá pela sua função, isto é, pelo que proporciona ao leitor e à comunidade social na qual se insere. Nesse aspecto, a literatura proporciona alteridade, identificação, deslocamento, transfiguração da realidade, alimento para a necessidade humana de fabular ou vivenciar experiências na categoria do ficcional. A capacidade de estimular o imaginário, por meio da natureza ficcional é, por assim dizer, uma das marcas do literário.

Outra forma de compreensão do literário no que tange à sua função social está na observação de seu conteúdo. A esse respeito, “a literatura pode ser vista como contribuição à ideologia dominante” (COMPAGNON, 2010, p. 36COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45.), perpetuando ideias preconceituosas e conceitos excludentes, tais como homofobia, racismo, misoginia etc. Em outra perspectiva, o texto literário pode vir a representar oportunidade para subversão: “[a] literatura confirma um consenso, mas produz também a dissensão, o novo, a ruptura” (COMPAGNON, 2010, p. 36COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45.), ou, ainda, nas palavras de Silva (2019, p. 20)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33.,

[a] literatura não faz concessões, não se rende à dissimulação dos espaços sociais e políticos, tampouco tolera seu uso em benefício de um fundamentalismo (seja de ordem religiosa, moral ou política). Ela promove uma emulação dos aspectos de poder, assumido também uma postura, sem se impor arrogantemente. Sempre funcionou assim, mesmo em tempos em que se tentou censurar as liberdades de expressão.

Já no que tange ao enquadramento em padrões, um texto pode ser considerado literário por apresentar características que o encaixam em uma determinada tradição enunciativa de relativa estabilidade, configurando, portanto, um gênero específico. Entretanto, em um ponto de vista totalmente oposto, a ideia de valor literário pode se apresentar na ruptura dos padrões e na inovação, contribuindo para um rearranjo e uma ampliação das possibilidades de tradições literárias em uma época.

E nesse jogo entre o que já existe e o novo, a relação de intertextualidade entre as obras literárias também costuma ser mencionada como uma de suas características. Na definição de texto literário apresentada por Reis (2013, p. 125)REIS, C. Texto literário e obra literária. In: ______. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013, p. 123-165., por exemplo, ressalta-se que esse tipo de texto “compreende uma dimensão virtualmente intertextual, na medida em que é possível relacioná-lo com outros textos que com ele dialogam e nele se projetam”. Em consonância com o conceito de dialogismo (cf. BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. (1952-1953). Gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas por Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.), Reis não deixa de salientar a feição interativa do processo discursivo que compõe um texto. Assim, seja alinhando-se a uma tradição literária ou mesmo com ela estabelecendo total ruptura, um texto literário, assim como todo discurso, entra sempre no eterno diálogo da cadeia discursiva, constituindo mais um elo em sua corrente (BAKTHIN, 2016). Feitas essas observações quanto aos aspectos sociais de um texto literário, passemos àqueles mais relacionados à sua linguagem, a fim de termos subsídios para investigar que perspectiva se evidencia nas escolhas e orientações do Guia PNLD Literário 2020.

2.3. O texto literário na perspectiva da linguagem

Conforme já mencionado, há uma forte tendência de conceituação literária que se dá no destaque de suas formas e especificidades de linguagem. “Em oposição à linguagem cotidiana, que é utilitária e instrumental, afirmase que a literatura encontra seu fim em si mesma” (COMPAGNON, 2010, pp. 38-39COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45.). Essa é a conceituação de literatura como arte da palavra, que destaca a capacidade do texto literário em desarranjar as formas habituais de uso da linguagem, tornando-a opaca, no sentido de que a sua forma e a sua organização deixam de ser transparentes, ficando em relevo não a temática, mas o uso linguístico diferenciado. Como exemplo de estudiosos que destacam essa vertente, Dias (2017, p. 237)DIAS, A. C. Educação literária e escolarização: entre tensões e dicotomias. In: PEREIRA, D. de C. (Org.) Nas linhas de Ariadne: literatura e ensino em debate. Campinas: Pontes, 2017, p. 227-243. menciona que “[a] literatura é uma forma de transgressão da língua, levada a cabo por meio da radicalização do signo linguístico, elevado à condição de signo poético”.

A atenção aos postulados dessa vertente parece guiar as práticas com o texto literário nas escolas, pois tais rearranjos estruturais da língua seriam passíveis de análise, acarretando atividades que buscam chamar a atenção dos estudantes para o modo de construção textual: tipos de narrador, tipos de discurso, uso de figuras de linguagem, recursos expressivos de ordem melódica, tais como rima, assonância, aliteração etc., tal como apontam as já mencionadas pesquisas de Zilberman (2016)ZILBERMAN, R. A teoria da literatura nos bancos escolares. In: CECHINEL, A. (Org). O lugar da teoria literária. Florianópolis: Editora UFSC, 2016, p. 395-417. e de Amorim, Santos e Nascimento (2021)AMORIM, M. A. de; NASCIMENTO, D. V. K.; SANTOS, M. S. dos. A leitura literária no livro didático de português: uma análise dialógica. Revista Letras Raras. Campina Grande, v. 10, n. 1, p. 53-79, jan. 2021..

Como se pode deduzir, não se questiona que o zelo linguístico e a ampla quantidade de recursos atribuídos à literariedade sejam indícios de intencionalidade literária. Contudo, há exemplos de textos literários que se consagram justamente por romper com a expectativa dessa marca linguística. A aparente ausência de zelo com a linguagem pode constituir marca intencional de transgressão das regras literárias. Do mesmo modo, uma linguagem seca, direta ou muito próxima à de um uso cotidiano pode fazer parte de uma crítica a manifestações literárias menos focadas em questões sociais, tal como fazem muitos textos atribuídos ao Modernismo brasileiro. E quem define se a presença ou a ausência dessas marcas constituem valor em um livro literário, tornando-o digno de ser lido em escolas? Devido a toda a carga de subjetividade dos critérios que podem ser considerados para construir uma definição como essa, concordamos com Compagnon (2010, p. 45)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45., quando conclui que o critério de valor que classifica determinado texto como literário “não é, em si mesmo, literário nem teórico, mas ético, social e ideológico, de qualquer forma extraliterário”.

Diante de todo o exposto, o papel do professor na escolha e no trabalho de mediação da leitura dos livros literários que chegam à escola torna-se essencial para a formação de leitores literários, visto que é ele o maior conhecedor do solo social no qual determinada leitura, como semente, pode ter condições de germinar e frutificar. E o PNLD Literário parece estar atento a isso, uma vez que, conforme já mencionado, traz como uma das maiores diferenças com relação ao PNBE o protagonismo docente nas escolhas dos livros e acervos.

2.4. O professor e os desafios frente à escola e às escolhas literárias

O professor como elemento essencial na formação de leitores literários é mencionado em inúmeras pesquisas. Entre críticas e defesas, o docente está sempre em evidência quando se pensa na formação leitora. Marisa Lajolo, em Do mundo da leitura para a leitura de mundo, livro vencedor do Prêmio Jabuti ainda em 1994 e reeditado inúmeras vezes, ao colher depoimentos docentes da época, via nas entrelinhas dos relatos “um professor que se crê investido da função sagrada de guardião do templo: lá dentro, o texto literário; cá fora, os alunos; na porta, ele, o mestre, sem saber se entra ou se sai, ou se melhor mesmo é que a multidão se disperse...” (LAJOLO, 2000, p. 12LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000, p. 11-16.). Apesar da crítica visível no trecho em questão, que remete ao despreparo docente diante do desafio de estar na porta de acesso à leitura literária, a autora também levanta a bandeira de defesa desses profissionais, salientando seu papel secundário “no que respeita aos destinos do texto literário em classe” (LAJOLO, 2000, p. 12LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000, p. 11-16.). Nesse sentido, a autora já mencionava a influência de editoras, livros didáticos e paradidáticos no fazer docente dos anos 1990.

Tendo transcorrido quase três décadas, podemos observar que talvez a diferença de papel docente hoje resida nesse profissional nem sempre se configurar como “o guardião da porta de entrada”, uma vez que com a explosão dos recursos midiáticos e a apropriação da chamada literatura infanto-juvenil pela indústria cultural, grande parte de nossos jovens estudantes são bombardeados por inúmeros apelos comerciais no que tange à literatura, sobretudo em sua relação com outras manifestações artísticas como filmes, games, animes etc. É atento a esse contexto que Silva (2019, p. 16)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33. se questiona: “O que significa ensinar hoje, quando nossos alunos são mergulhados em uma infindável trama de informações midiáticas, onde o apelo visual e sonoro do mundo virtual chama mais atenção do que uma aula expositiva?”. Diante desse questionamento, a atuação docente precisa estar atenta ao diálogo com as práticas nas quais os jovens se inserem, buscando ampliá-las. O desafio, portanto, nos parece ser maior do que o mencionado por Lajolo. É necessário pensar, junto aos estudantes, como abordar os textos, que corpus selecionar.

Sobre a importância do corpus para a formação leitora, Colomer (2007, p. 112)COLOMER, T. A articulação escolar da leitura literária. In: ______. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007, p. 101-124. menciona que sua seleção “se choca com o problema de um desenvolvimento acelerado da literatura infantil, que não levou em consideração paralelamente a criação de instâncias de formação para docentes, nem a da crítica e ajuda à seleção dos livros”. O apontamento da autora pode ser perfeitamente estendido ao segmento dos anos finais, etapa em que a faixa etária oscila entre os 11 e 15 anos de idade, pois a formação do professor da educação básica para o trabalho (o que implica escolhas) com os livros literários também se mostra deficiente (cf. DIAS, 2017DIAS, A. C. Educação literária e escolarização: entre tensões e dicotomias. In: PEREIRA, D. de C. (Org.) Nas linhas de Ariadne: literatura e ensino em debate. Campinas: Pontes, 2017, p. 227-243.). Nesse sentido, as palavras de Colomer podem indicar algumas direções na complexa tarefa de escolha dos livros:

pode-se afirmar que um bom corpus não é sinônimo “das melhores obras”, mas inclui também livros de séries, onde os pequenos [ou já grandes] possam descansar e assimilar o aprendizado através da repetição, ou livros que fortaleçam sua autoimagem positiva como leitores ao sentirem-se capazes de ler livros mais grossos, embora de qualidade inferior, etc. No extremo oposto, um bom corpus não é tampouco algo destinado ao consumo, um conjunto de livros para ler e entreter (COLOMER, 2007, p. 113COLOMER, T. A articulação escolar da leitura literária. In: ______. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007, p. 101-124.).

Como se vê, a chave parece estar no equilíbrio e no diálogo entre aspectos que variam de um extremo a outro, dentro das imensas possibilidades de escolha. E não há forma mais segura de proporcionar esse equilíbrio do que o investimento na formação docente quanto aos critérios para seleção e trabalho com o livro literário.

3. RESPONSIVIDADE E IDEOLOGIA: OLHARES SOBRE O GUIA PNLD LITERÁRIO

Problematizações feitas sobre a complexa relação entre literatura, docência e ensino, bem como sobre os próprios desafios em definir o texto literário, seguimos para a parte final deste artigo, que irá dialogizar as reflexões até aqui tecidas com a análise do Guia PNLD Literário.

Para este percurso, recorremos ao referencial teórico já discutido, articulando-os aos princípios da Análise Dialógica do Discurso (ADD), arcabouço teórico pertinente por priorizar, no processo de análise, não apenas a materialidade do documento, mas principalmente as orientações ideológicas que guiam a produção discursiva em jogo. Baseada nas reflexões do Círculo de Bakthin, a investigação feita a partir da ADD parte do pressuposto de que todo enunciado está intrinsecamente vinculado a seu contexto sócio-histórico de produção, e que, por isso, é atravessado e influenciado por acentos valorativos e disputas dialéticas.

Como já dissemos, devido ao espaço limitado e ao objetivo central de analisar as orientações quanto a escolhas literárias docentes no PNLD Literário 2020, não pretendemos esgotar as possibilidades de análise do Guia, nossa intenção é destacar alguns tópicos que consideramos importantes no documento e dialogar com suas prerrogativas a partir das discussões feitas até o momento. Tal intuito busca compreender como o Guia de 2020 repercute não só demandas institucionais, mas também como dialoga com a edição de 2018 e com as expectativas do público-alvo, até porque, como afirmam Sobral e Giacomelli (2016, p 1079)SOBRAL, A.; GIACOMELLI, K. Observações didáticas sobre a análise dialógica do discurso - add. In.: Domínios de lingu@gem, v. 10, n. 3, 2016., “para a ADD, todo enunciado produzido dialoga com outros enunciados já ditos antes dele, tentando até mesmo responder a enunciados que não foram ditos, o que também é um diálogo.»

Como horizontes de leitura, lançaremos mão dos conceitos de Responsividade e Ideologia. Ambos são centrais na teoria dialógica do Círculo de Bakthin, pela qual as relações comunicativas entre os sujeitos são analisadas como manifestações responsivas ativas impregnadas de avaliação subjetiva e sempre reagindo ao seu contexto de produção. Em resumo, para o Círculo, não há neutralidade nem indiferença em qualquer produção discursiva, estamos sempre, de um modo ou de outro, nos posicionando e buscando posicionamentos: “Para a palavra (e, consequentemente, para o homem), não existe nada mais terrível que a irresponsividade” (BAKHTIN, 2016, p. 105BAKHTIN, M. (1952-1953). Gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas por Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.).

Uma vez, então, que, em todo ato comunicativo, estamos sempre sendo ativamente responsivos, a análise de como o discurso presente no Guia PNLD Literário reverbera possíveis reações em torno da seleção de livros literários para a educação básica configura-se como uma pertinente estratégia para reconhecer quais valores ideológicos estão sendo posicionados, pois, como afirma Bakthin “todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Todo enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado” (BAKHTIN, 2016, p 57BAKHTIN, M. (1952-1953). Gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas por Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.).

A Ideologia, por sua vez, outro conceito fundamental nas reflexões do Círculo, engloba todo conjunto de avaliações sociais, posicionamentos e juízos de valores presentes nas esferas de atividade humana em que os discursos são produzidos. Do mesmo modo que todo discurso traz consigo a expectativa de uma resposta, traz também determinada orientação ideológica, apoiando, repercutindo, discordando ou confrontando certa concepção de mundo. Nas palavras de Volóchinov “Toda palavra, além do tema e significação, possui uma ‘avaliação’” (2017, p. 233). Logo, nos interessa, na análise dos Guias PNLD Literário (2018 e 2020), investigar que concepção ideológica está sendo refratada no discurso desses documentos e como tal posicionamento dialoga com as realidades escolares para as quais eles são destinados.

4. O QUE DIZ O GUIA PNLD LITERÁRIO 2020?

Começando, então, pela descrição da materialidade linguística do Guia PNLD Literário 2020, podemos observar que, tanto em relação ao modo como está estruturado, quanto com relação ao seu conteúdo, são bem poucas as diferenças entre essa versão e a versão anterior, de 2018. Há, no início, dois capítulos de introdução direcionados aos professores, um, dedicado a apresentar a proposta do Guia, e outro, intitulado “Por que ler o guia?”, no qual a participação ativa dos docentes na escolha dos livros é convocada. Ao final deste capítulo, lemos o seguinte:

ressaltamos que você, professor(a), não pode perder de vista os seus saberes docentes, o conhecimento sobre sua(s) turma(s) e a sua autonomia didático-pedagógica e, principalmente, o seu papel como mediador(a) de leitura para potencializar, entre seus (suas) alunos(as) a ampliação das referências estéticas, culturais e éticas de nossos(as) jovens leitores(as) (BRASIL, 2020, p. 9BRASIL, Guia PNLD Literário 2020. Ministério da Educação. Brasília. 2020., grifo nosso).

Algo curioso com relação a esse trecho é que a parte que destaca em itálico não constava na edição de 2018. O parágrafo era idêntico, exceto pelo segmento “e a sua autonomia didático-pedagógica”. Esse acréscimo pode ter sido realizado para resguardar o documento de possíveis críticas ao modo como a seleção dos livros é encaminhada, ou ainda, pode estar dialogando com críticas que já tenham sido feitas. Conforme salientamos, menções à perda da autonomia docente já vêm sendo realizadas há bastante tempo. Como vimos, desde os anos 2000, Lajolo já mencionava a relação entre fazer docente e propostas de editoras, livros didáticos e paradidáticos. O apontamento da autora se mostra perceptível em nossa prática, pois, como professores, sabemos que, na extensa cadeia que vai da produção dos livros até sua seleção pelas escolas, pode haver muitas interferências e interesses permeando todo o processo. Há os interesses das editoras, as expectativas dos governos, a urgência das direções escolares diante dos curtos prazos de escolha dos livros, de modo que toda essa rede complexa de ações pode acabar abalando a autonomia docente. Logo, o acréscimo da “autonomia didático-pedagógica” deve ser lido como algo além de um mero complemento.

Seguindo, ainda, por essa relação entre a versão inicial do Guia PNLD Literário e a edição atual, há outra diferença pontual que merece nossa atenção: a inclusão obrigatória de material de apoio em todos os livros disponíveis. Se no Guia de 2018 éramos informados de que “uma grande novidade deste PNLD é que algumas obras estão acompanhadas de material de apoio, destinado ao(à) professor(a)” (BRASIL, 2018, p. 7BRASIL, Guia PNLD Literário 2018. Ministério da Educação. Brasília. 2018., grifo nosso), na nova edição somos informados de que “todas as obras aprovadas estão acompanhadas de material de apoio, destinado ao(à) professor(a)” (BRASIL, 2020, p. 6BRASIL, Guia PNLD Literário 2020. Ministério da Educação. Brasília. 2020., grifo nosso).

No Guia PNLD Literário 2020, ao tornar obrigatório o envio de material de apoio junto de cada obra, não temos, novamente, indicação de que ocorrerá investimento na formação continuada de professores com vistas a mediação de obras literárias. A garantia de que cada obra, individualmente, terá material de apoio é um ponto positivo em comparação a não obrigatoriedade da edição anterior do Programa, mas, ainda assim, não se distancia muito do modo como um livro didático e seu complementar “Manual do Professor” já são produzidos. E, diante da ausência de investimento na formação docente continuada, é questionável se o trabalho com as obras que chegarão aos estudantes não pode acabar repetindo as já mencionadas práticas mais focadas na observação de aspectos relacionados à Teoria Literária, comum nos livros didáticos, ficando pouco espaço para a literatura como “experiência, vivida ou imaginada”, tal como defende Silva (2019, p. 26)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33..

Nesse momento, podemos lançar mão da responsividade bakthiniana para interpretar a inclusão do material de apoio como uma reação/resposta a críticas comumente feitas por professores diante da falta de investimento em formação continuada. Leis são promulgadas, materiais são enviados às escolas, mas tais ações quase sempre não são acompanhadas de um diálogo realmente aberto e consistente com o corpo docente.

Se em décadas passadas, operacionalizar a formação continuada de milhares de professores brasileiros era igualmente importante, mas muito mais complexo; hoje em dia, com os recursos digitais, novas alternativas para promover cursos, palestras, especializações e todo tipo de formação são muito mais viáveis do que jamais foram. Não estamos dizendo com isso que apenas disponibilizar vídeos explicativos ou promover conferências online seja o suficiente, mas é grave constatar que nem isso está sendo feito. Em rápida pesquisa no canal do Ministério da Educação no YouTube11 11 Fonte: https://www.youtube.com/c/ministeriodaeducacao_MEC/videos Acesso em 15/09/2022 , vemos que, atualmente, não há nem um vídeo sequer de autoria do MEC relacionado ao PNLD literário. Consideramos, portanto, que as atitudes responsivas dos Guias frente à necessidade de formação continuada do professor denotam um olhar incompleto quanto ao que precisa ser realizado. Ao mesmo tempo em que, através do envio obrigatório de material de apoio, admite-se que o professor carece de mais subsídios para potencializar sua prática pedagógica, essa oferta de suporte é feita de modo insuficiente, como se apenas o envio de materiais complementares fosse o bastante.

Após essa primeira mudança, orientando a inclusão obrigatória de materiais de apoio, informada logo na Apresentação, o restante do Guia de 2020 segue estrutura e conteúdo bastante similar ao de 2018. Em alguns capítulos, o texto é basicamente o mesmo, com algumas atualizações entre o público-alvo dos livros da primeira edição (Educação Infantil, anos iniciais do EF e Ensino Médio) e o público da nova edição (anos finais do EF). Outra parte que se mantém idêntica é o capítulo dedicado aos critérios de avaliação das obras. Tanto em 2018 quanto em 2020, os critérios indicados são os mesmos, já mencionados no início deste artigo.

Dentre esses critérios, um que merece destaque é justamente o primeiro, intitulado “qualidade do texto verbal e do texto visual”, transcrito na íntegra a seguir.

1.1 Qualidade do texto verbal e do texto visual

Foram avaliadas as qualidades textuais básicas e o trabalho estético com a linguagem a partir dos seguintes critérios: a exploração de recursos expressivos da linguagem; a consistência das possibilidades estruturais do gênero literário proposto; a adequação da linguagem aos(às) estudantes e ao seu nível de escolarização; o desenvolvimento do tema em consonância com o gênero literário em questão. O texto visual foi avaliado a partir de critérios que consideraram a interação entre texto verbal e texto visual, a exploração de recursos visuais para a ampliação da experiência estética e literária do(a) leitor(a), a estimulação do imaginário a partir do texto visual, além da isenção, do mesmo modo que no texto verbal, de apologia, de maneira acrítica, a ideias preconceituosas ou comportamentos excludentes e à violência. (BRASIL, 2020, p. 11BRASIL, Guia PNLD Literário 2020. Ministério da Educação. Brasília. 2020.)

Nesse trecho, podemos observar quais orientações sustentam parte dos critérios de avaliação dos livros literários. Como foi discutido em seções anteriores, tanto as “qualidades textuais básicas” quanto o “trabalho estético com a linguagem” mencionados no começo desse primeiro critério são itens muito difíceis de serem definidos com objetividade no campo literário. O que um leitor pode considerar como sinal de qualidade textual em um obra pode ser entendido por outro como algo banal ou mesmo desnecessário. Afinal, como apontado por Compagnon (2010)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45. e já argumentado anteriormente, a ideia de valor literário é abstrata, resultando na eterna aporia sobre a definição de um texto literário (COSSON, 2015COSSON, R. “Letramento literário: uma localização necessária”. Letras & Letras, v. 31, n. 3, jul./dez. 2015, p. 173-187.; COMPAGNON, 2010COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45.). Além disso, quando consideramos a grande pluralidade de repertório dos professores envolvidos nas escolhas dos livros, a discrepância entre avaliações pode ser ainda maior.

A orientação ideológica deste primeiro critério aparenta uma mescla das duas perspectivas apontadas por Compagnon (2010, p. 30)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45. como possíveis e legítimas em uma conceituação do literário: o “ponto de vista contextual (histórico, psicológico, sociológico, institucional)” e o “ponto de vista textual (linguístico)”. Articulando essas duas vertentes, a avaliação da parte linguística ainda parece estar calcada em uma concepção beletrista de literatura, ou seja, para que uma obra seja considerada literária, seu valor estético do conteúdo verbal deve se sobressair. Dessa concepção parece advir o critério de se avaliar “a exploração de recursos expressivos da linguagem”. Contudo, não há nesse, nem nos critérios seguintes, assim como em nenhuma parte do Guia, uma definição mais exata sobre o que o documento julga como sendo um texto literário e o que seria exatamente essa “exploração de recursos expressivos da linguagem”.

Como foi mencionado na seção em que discutimos o texto literário pela perspectiva da linguagem, tanto o apuro linguístico pode ser identificado como um recurso do autor para trabalhar a literariedade de um texto, quanto a suposta ausência de zelo com a linguagem pode ser também reconhecida como um possível recurso estético. Logo, se qualquer manejo textual pode, a depender das intenções do autor, compor a “exploração dos recursos expressivos da linguagem”, o que, então, poderia singularizar esse característica? Que recurso(s) linguístico(s) poderia(m) ser apontado(s) como marca definitiva para identificar uma obra literária?

Tais indagações, a nosso ver, só podem ser respondidas a partir do horizonte ideológico daqueles que se arriscam a respondê-las, o que nos direciona à segunda perspectiva apontada por Compagnon (2010)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45., isto é, os aspectos contextuais e sociais para uma avaliação ou definição literária. A depender do percurso formativo dos professores envolvidos na escolha das obras, um mesmo título pode ser considerado literário por um grupo de leitores e, ao mesmo tempo, não-literário por outro grupo. Podemos, também, ter um livro que, para o professor, demonstra “adequação da linguagem aos(às) estudantes e ao seu nível de escolarização”, mas, a depender do públicoalvo, o mesmo livro pode ser considerado inadequado para o ano de ensino indicado. Queremos dizer com isso, mais uma vez, que as atitudes responsivas dos professores são essenciais para a escolha de obras, ultrapassando a exigência protocolar e constituindo parte essencial do processo. Logo, importa a existência de espaços de formação que vão além do recebimento de um guia.

Ainda em uma perspectiva contextual, vale destacar que o critério sobre “a consistência das possibilidades estruturais do gênero literário proposto” também se mostra subjetivo, uma vez que, conforme Reis (2013)REIS, C. Texto literário e obra literária. In: ______. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013, p. 123-165., o texto literário dialoga com outros, seja alinhando-se à tradição literária ou rompendo com ela, em um eterno movimento dialógico (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. (1952-1953). Gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas por Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.) que constitui todo e qualquer discurso. Nesse sentido, apontando para uma atenção à possibilidade de uma inconsistência intencional e estética quanto às características estruturais do gênero proposto, o Guia do PNLD 2020 menciona, em sua ficha de avaliação sobre os critérios da qualidade do texto verbal, a articulação dos itens 1.2.7. – “O texto rompe com as convenções de gêneros da tradição literária” – e 1.2.8. – “A ruptura com gêneros tradicionais, nesse texto (questão 1.2.7.), contribui para a ampliação de repertório de formas literárias do aluno?” (BRASIL, 2020, p. 11BRASIL, Guia PNLD Literário 2020. Ministério da Educação. Brasília. 2020.). Desse modo, isto é, com a combinação dos dois itens, o não alinhamento ou a ruptura com a tradição das características do gênero podem ser apontados como atributos positivos na hora da avaliação de uma obra.

Por último, novamente com relação a rupturas, gostaríamos de salientar a orientação de “isenção de apologia, de maneira acrítica, a ideias preconceituosas ou comportamentos excludentes e à violência”. Nessa parte, retomamos, a partir de Compagnon (2010)COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 29-45. e Silva (2019)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33., o que dissemos a respeito do texto literário ser uma ótima oportunidade para provocar rupturas perante a ideologia dominante. Se ainda temos, em nossa sociedade, discursos de ódio de toda natureza, a leitura literária pode ser uma boa oportunidade para que tensões sociais sejam problematizadas e reelaboradas. Ta l como aponta Silva (2019, p. 23)SILVA, C. R. da. Da literatura como travessia: é possível ensinar literatura? In: LEURQUIN, E.; COUTINHO, F. (Orgs.). Literatura e ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2019, p. 15-33., a literatura é “obra humana e, como tal, aborda os impasses morais, sexuais, psicológicos, religiosos, políticos etc.[...] Não se deve fugir dos problemas, nem escondê-los, senão promover um discurso aberto sobre isso”. Não que esse trabalho com a dimensão ética do leitor deva ser a principal finalidade literária, mas, se essa leitura será feita, em grande parte, na escola, não podemos nos furtar de explorar o potente caráter pedagógico desse processo. Como afirma Amorim et. al (2022, p. 138)AMORIM, M. A. de; DOMINGUES, D.; NASCIMENTO, D. V. K.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Editora Contexto, 2022.: “[é] preciso que a escola faça viver diferentes formas de ser, de estar, de pensar e de lidar com o mundo e a sociedade. O ensino de literatura e o processo de letramento literário não pode, em nossa concepção, fugir a essa empreitada”. Vemos, então, na literatura uma rica possibilidade de abertura de espaços para que outros lugares de mundo sejam ocupados e repensados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, buscamos problematizar o papel docente frente ao Guia PNLD Literário e aos desafios que sobre ele se impõem desde o processo de escolha das obras até o trabalho com elas. Para tanto, começamos por traçar um panorama histórico dos principais programas governamentais referentes à presença do livro literário nas escolas brasileiras. Em seguida, dedicamo-nos a teorizações que pudessem nos ajudar a pensar que critérios podem ser mobilizados na conceituação e na seleção de um livro como integrante de um corpus capaz de contribuir, no que tange à tarefa escolar, com a formação para a leitura literária.

Tais teorizações foram mobilizadas de modo a perceber as atitudes responsivas e ideológicas, sobretudo no que diz respeito ao papel do professor/mediador de leitura, que se manifestam no material linguístico do Guia PNLD Literário (em suas edições de 2018 e sobretudo a de 2020, por ser a mais recente). Entre as atitudes responsivas observadas, nota-se a ciência da necessidade de apoio aos professores na tarefa de formação leitora, um apoio que vai além da distribuição de livros. O Guia, nesse sentido, parece constituir uma tentativa de suprir essa necessidade de apoio ao docente, uma vez que ampara esse profissional diante da tarefa de escolha. Sua constituição se mostra, portanto, fortemente necessária e importante. Contudo, apesar de uma detalhada apresentação de critérios capazes de sustentar as escolhas literárias, a alta carga de subjetividade das noções com as quais o Guia opera – subjetividade inerente a todo processo de avaliação e classificação literária – nos remete à insuficiência do Guia e do programa PNLD Literário como ações majoritárias e quase que únicas de fomento à leitura no âmbito escolar. O professor, peça chave no processo de escolha e de trabalho com as obras, carece de iniciativas que extrapolam a disponibilização de um Guia. Como atuantes da educação básica, defendemos e ansiamos por oportunidades de uma formação que sabemos necessária de ser contínua.

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Disponibilidade de dados

Os dados públicos que apoiam as conclusões deste estudo – os Guias do PNLD Literário das edições 2018 e 2020 - estão, respectivamente, disponíveis em: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-pnld/item/12103-guia-pnld-literario-2018 e https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-pnld/item/14055-guia-escolha-pnld-literario-2020

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2021
  • Aceito
    19 Set 2022
  • Publicado
    22 Set 2022
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