Acessibilidade / Reportar erro

TRADUÇÃO COMENTADA DA CANÇÃO “ZUMBI”, DE JORGE BEN JOR, PARA A LIBRAS: UM MANIFESTO AFETIVO-TRADUTÓRIO PARA O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

ANNOTATED TRANSLATION OF THE SONG “ZUMBI”, BY JORGE BEN JOR, INTO LIBRAS: AN AFFECTIVE-TRANSLATIONAL MANIFEST FOR THE BLACK AWARENESS DAY

RESUMO

Neste artigo descrevo o processo de tradução da canção Zumbi, composta e gravada por Jorge Ben Jor em 1974 e regravada por Ellen Oléria em 2013, para a língua brasileira de sinais (Libras). O pano de fundo social e intersubjetivo para essa tradução é a minha relação, como homem afro-indígena, com a minha própria ancestralidade e, como tradutor e intérprete de língua de sinais, com a falta de acesso da comunidade surda, por questões educacionais e linguísticas, à cultura afrobrasileira e, por questões sensoriais e culturais, às músicas populares brasileiras massivas. Essa dupla dimensão identitária se imbrica na possibilidade de publicizar manifestações antirracistas e de defesa de pautas étnico-raciais no Dia da Consciência Negra em plataformas de amplo acesso como as das redes sociais. A tradução comentada aqui apresentada fundamentase, teoricamente, na concepção bakhtiniana de linguagem, que entende que qualquer semiose é atravessada, constituída e sustentada na alteridade e nas dimensões social, histórica e ideológica, o conceito camposiano de transcriação, que assume que a complexidade de um texto amplia as possibilidades transcriativas do tradutor e o conceito de intermodalidade presente nos Estudos da Tradução e da Interpretação da Língua de Sinais (ETILS), que observa a impossibilidade de cisão entre texto e corpo em línguas de modalidade gesto-visual. Descrevo o processo de tradução da canção apontando para os elementos linguísticos e narrativos da canção e da versão em Libras evidenciando as referências visuais que sustentaram as escolhas linguístico-discursivas no texto-alvo.

Palavras-chave:
tradução comentada; Libras; Consciência Negra; Zumbi; Jorge Ben Jor

ABSTRACT

In this article, I describe the translation process from Portuguese into Brazilian Sign Language (Libras) of the song Zumbi, composed and recorded by Jorge Ben Jor in 1974 and re-recorded by Ellen Oléria in 2013. The social and intersubjective backdrop for this translation is my relationship, as an Afro-indigenous man, with my own ancestry and, as a sign language translator and interpreter, with the lack of access by the deaf community, for educational and linguistic reasons, to Afro- Brazilian culture and, for sensory and cultural aspects, to massive Brazilian popular music. This double identity dimension is intertwined with the possibility of publicizing anti-racist demonstrations and the defense of ethnic-racial guidelines on Black Awareness Day on widely accessible platforms such as social networks. The annotated translation presented here is theoretically based on the Bakhtinian conception of language, which understands that any semiosis is crossed and constituted by the social, historical, ideological, and alteritarian dimension; the Camposian concept of transcreation, which assumes that the complexity of a text expands the translator’s transcreative possibilities; and the concept of intermodality present in Sign Language Translation and Interpretation Studies (ETILS), which observes the impossibility of splitting text and body in gesture-visual languages. I describe the translation process of the song pointing out the linguistic and narrative elements of the song and the Libras version, and highlighting the visual references that supported the linguistic-discursive choices in the target text.

Keywords:
annotated translation; Libras; Black Awareness; Zumbi; Jorge Ben Jor

INTRODUÇÃO

A tradução, enquanto prática discursiva que promove o intercâmbio sociocultural da humanidade, tem ganhado novos contornos no que se tem convencionado chamar de pós-modernidade (LYOTARD, 2009LYOTARD, J. (2009). A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 12a ed. Rio de Janeiro: José Olympio.). Esse recorte social e histórico, que se opõe ao ideal moderno1 1 É importante, aqui, situar esses recortes temporais. Segundo Lyotard (2009), a modernidade passa a entrar em crise, evidenciando uma mudança bruta na produção de saberes, por volta de 1950 depois da reconstrução da Europa no cenário pós-Segunda Guerra. Em Arrojo (1996), que debate o tema direcionado aos Estudos da Tradução, moderno está vinculado ao ideal iluminista cultivado pela cultura europeia do século XVIII, que se caracterizou pela crença otimista de que a razão e a busca implacável do conhecimento pudessem finalmente conduzir o ser humano às luzes de um desenvolvimento sociocultural pleno. Nos dois casos, a ideia de modernidade aponta para aspectos aos quais a pós-modernidade opõe-se frontalmente: as metanarrativas oficiais e homogeneizantes e a universalidade do sujeito. , que, por sua vez, baseia-se, para citar apenas dois elementos, na ideia de “sujeito universal” e “narrativas oficiais”, busca, de diferentes modos “desconstruir, ou desnaturalizar, o embasamento que compõe nossas rotinas, concepções e visões de mundo, mostrando que tudo aquilo que nos acostumamos a encarar como natural é, na verdade, cultural e histórico” (ARROJO, 1996ARROJO, R. (1996). Os estudos da tradução na pós-modernidade, o reconhecimento da diferença e a perda da inocência. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 53-69. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
, p. 55).

É no âmbito da pós-modernidade que a tradução das diferenças culturais, linguísticas e sociais ganha força justamente porque é nessa era que as margens reivindicam voz (SILVA, 2010SILVA, D. N. (2010). Bakhtin, a identidade e a (est)ética: por um diálogo com as teorias da pós-modernidade. Intercâmbio, v. 14. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/view/3928. Acesso em: 6 jun. 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/inte...
), buscam lugar nos centros das discussões historicamente consolidadas (NASCIMENTO, 2018aNASCIMENTO, V. (2018a). Presença da tradução e da interpretação das línguas de sinais no “grande tempo” da cultura. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 13, n. 3, p. 5-15. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/39180. Acesso em: 14 jun. 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
) e abrem espaço para a aparição da multiplicidade existencial do que significa ser um humano.

Diante dessa nova ordem social, filosófica e política, as identidades, não mais observadas como entidades fixas, uniformes e estanques, tal como postas no âmbito da modernidade (ARROJO, 1996ARROJO, R. (1996). Os estudos da tradução na pós-modernidade, o reconhecimento da diferença e a perda da inocência. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 53-69. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
; SILVA, 2010SILVA, D. N. (2010). Bakhtin, a identidade e a (est)ética: por um diálogo com as teorias da pós-modernidade. Intercâmbio, v. 14. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/view/3928. Acesso em: 6 jun. 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/inte...
; HALL, 2014HALL, S. (2014). A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva & Guaciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina.) impõem (e se impõem) por meio de narrativas plurais atravessadas e marcadas no corpo e nos e pelos afetos. Movidas, com isso, por uma nova forma de narrar a si, as múltiplas identidades expressam-se e mobilizam diferentes semioses, verbais, não verbais e verbo-visuais2 2 Brait (2013, p. 44) define verbo-visual como uma “dimensão em que tanto a linguagem verbal como a visual desempenham papel constitutivo na produção de sentidos, de efeitos de sentido, não podendo ser separadas, sob pena de amputarmos uma parte do plano de expressão e, consequentemente, a compreensão das formas de produção de sentido desse enunciado, uma vez que ele se dá a ver/ ler, simultaneamente”. Essa dimensão está presente na atualidade de forma intensa e gera discursos, produz sentidos e efeitos na vida cotidiana. , a fim de fazer aparecer a si mesmas em inter-relação contínua com o(s) outro(s) e com o mundo que as cerca.

Essa nova dinâmica, que é social, política, discursiva, corporal e afetiva, impacta as práticas e os Estudos da Tradução, fazendo deste momento histórico “o momento do tradutor”, conforme defende Arrojo (1996ARROJO, R. (1996). Os estudos da tradução na pós-modernidade, o reconhecimento da diferença e a perda da inocência. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 53-69. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
, p. 62):

A partir de uma dessacralização do chamado “original” e dos conceitos tradicionais de autoria e leitura, e da consequente aceitação de que traduzir é inevitavelmente interferir e produzir significados, num contexto em que se começam a reavaliar as relações tradicionalmente estabelecidas entre teoria e prática e a abandonar a perseguição inócua da leitura desvinculada da história e suas circunstâncias, a reflexão sobre tradução sai das margens dos estudos linguísticos, literários e filosóficos que sempre buscaram a repetição do mesmo e o algoritmo infalível da tradução perfeita e assume um lugar de destaque no pensamento contemporâneo filiado à pós-modernidade.

Confluindo com essa movimentação social que vem impactando o campo dos Estudos da Tradução, apresento, neste artigo, a tradução comentada para a língua brasileira de sinais (Libras) da canção Zumbi, composta e gravada pela primeira vez por Jorge Ben Jor em 1974, regravada por ele em 1976, com novo nome, África Brasil (Zumbi), e em 2013 pela cantora brasiliense Ellen Oléria.

O pano de fundo social e intersubjetivo para essa tradução é a minha relação, como homem afro-indígena, com a minha própria ancestralidade e, como tradutor e intérprete de língua de sinais, com a falta de acesso da comunidade surda, por questões educacionais e linguísticas, à cultura afro-brasileira e, por questões sensoriais e culturais, às músicas populares brasileiras massivas. Essa dupla dimensão identitária se imbrica na possibilidade de publicizar manifestações antirracistas e de defesa de pautas étnico-raciais em datas importantes, como o Dia da Consciência Negra, em plataformas de amplo acesso como as das redes sociais. Descrevo o processo de tradução da canção apontando para os elementos linguísticos e narrativos da canção e da versão em Libras, evidenciando as referências visuais que sustentaram as escolhas linguístico-discursivas no texto-alvo, bem como o uso de marcador extralinguístico indumentário que alude à africanidade como marca constitutiva desse processo transcriativo.

1. LINGUAGEM, TRADUÇÃO E INTERMODALIDADE EM PERSPECTIVA DIALÓGICA E TRANSCRIATIVA

A tradução comentada aqui apresentada fundamenta-se na triangulação teórico-conceitual estabelecida entre a concepção bakhtiniana de linguagem, a teoria camposiana de transcriação e a concepção de intermodalidade tradutória presente nos Estudos da Tradução e da Interpretação da Língua de Sinais (ETILS).

Sobre a concepção bakhtiniana de linguagem, é preciso considerar que esse pensamento, apesar de ser adjetivado com base no nome de Mikhail Bakhtin é, na verdade, fruto de um intenso e frutífero diálogo estabelecido por um coletivo orgânico de intelectuais de diferentes formações e origens na Rússia do Século XX (BRAIT; CAMPOS, 2009BRAIT, B.; CAMPOS, M. I. B. (2009). Da Rússia czarista à web. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto.)3 3 O denominado Círculo de Bakhtin foi se compondo e se entrelaçando no decorrer da história russa em tenso e complexo contexto político e social. Segundo Brait e Campos (2009), na medida em que Bakhtin mudava de cidade - geralmente por coerções políticas da época - agregava, com isso, novos membros ao seu Círculo. No geral, pode-se afirmar que os membros desse coletivo eram o filósofo Matvei I. Kagan, o biólogo Ivan I. Kanaev, a pianista Maria V. Yudina, o professor e estudioso de literatura Lev V. Pumpianski, o músico e professor da história do teatro Ivan I. Sollertinski, o linguista e professor Valentin N. Voloshínov e o jornalista literário Pavel N. Mediviedev. . Essa perspectiva se deu, portanto, no recorte temporal e histórico denominado modernidade, mas, apesar de ser situado cronologicamente aí, oferece categorias conceituais e analíticas que permitem mobilização no cenário pós-moderno. Silva (2014, p. 8) argumenta que a concepção de linguagem de Bakhtin e o Círculo é, provavelmente, o maior ponto de convergência com a teorização chamada pós-moderna, pois “em Bakhtin, a intersubjetividade assume caráter primordial na compreensão da linguagem e do sujeito. O outro não é mero receptor de formulações elaboradas por um sujeito doador de sentido; o outro é condição mesma para a existência do eu”.

Nessa perspectiva, a linguagem é assumida como uma dimensão constitutivamente humana e, por isso, emergente de relações sociais estabelecidas entre sujeitos sociais, históricos, culturais e ideológicos. A dimensão material da(s) linguagem(ns), que é semiótica, portanto, simbólica, possui carga ideológica desde a sua constituição porque não é possível considerar uma produção sígnica sem a dimensão valorativa e, ao contrário, toda valoração só se manifesta em materialidades semióticas. Essa é a tese defendida pelo linguista do Círculo, Valentin Volóchinov, na conhecida obra Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Nas palavras do autor:

Qualquer produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social - seja ele um corpo físico, um instrumento de produção ou um produto de consumo - mas também, ao contrário desses fenômenos, reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites. Tudo que é ideológico possuía sua significação: ele representa ou substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é um signo. Onde não há signo também não há ideologia. [...] O signo não é somente uma parte da realidade, mas também reflete e refrata uma outra realidade, sendo por isso mesmo capaz de distorcê-la, ser-lhe fiel, percebê-la de um ponto de vista específico e assim por diante. As categorias de avaliação ideológica (falso, verdadeiro, correto, justo, bom etc.) podem ser aplicadas a qualquer signo. O campo ideológico coincide com o campo dos signos. Eles podem ser igualados. Onde há signo há também ideologia. Tudo o que é ideológico possui significação sígnica (VOLOCHÍNOV, 2017VOLOCHÍNOV, V. (Círculo de Bakhtin). (2017). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução do russo, notas e glossário de Sheila Grillo, Ekaterina Vólkova Américo; ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34., p. 91 e 93 - grifos do autor).

Sendo a língua uma manifestação semiótica ela é, por essa visão, atravessada pela ideologicidade constitutiva das relações humanas. Essa conceituação é explorada em diferentes momentos e obras do Círculo que “procura esclarecer [...] que qualquer que seja o enunciado, da mais íntima saudação do dia a dia a um romance dostoievskiano, ele é sempre um enunciado socialmente dirigido” (PEREIRA; RODRIGUES, 2014PEREIRA, R. A; RODRIGUES R. H. (2014). O conceito de valoração nos estudos do círculo de Bakhtin: a inter-relação entre ideologia e linguagem. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, SC, v. 14, n. 1, p. 177-194. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ld/a/KTGv6yBxFHQFVDCqTjdmRXk/?format=pdf
https://www.scielo.br/j/ld/a/KTGv6yBxFHQ...
, p. 185). A direcionalidade do enunciado nessa perspectiva apresenta, sobretudo, uma concepção de sujeito que, por sua vez, é sempre social.

O sujeito bakhtiniano é aquele que se constitui a partir da relação que estabelece com o outro e por meio dessa relação também o constituiu. Para Bakhtin (2010)BAKHTIN, M. M. (2010). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da Criação Verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4 ed São Paulo: Martins Fontes., a arquitetônica da existência acontece a partir de três momentos, posições, dimensões cruciais: a do eu-para-mim, a do eu-para-o-outro e a do outro-para-mim. Para ele, todas as formas de produção da cultura (da arte à religião) e todas as relações da vida orbitam em torno desse tripé. O sujeito bakhtiniano, apesar de social, é marcado também pela individualidade que é entendida, conforme defendem Sobral e Giacomelli (2015SOBRAL, A. GUACOMELLI, K. (2015). A concepção dialógica e os dois planos da linguagem e da constituição do sujeito: algumas considerações. Nonada, Porto Alegre, n.24, p. 204-226. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/5124/512451510015.pdf
https://www.redalyc.org/pdf/5124/5124515...
, p. 211), “como a soma das relações sociais que o sujeito tem na vida. O sujeito não é uma entidade submissa ao social nem autonomamente sobreposta a ele”. Segundo os autores, o sujeito é um agente, responsável e responsivo, organizador de seu discurso e atravessado pelo excedente de visão que permite acessar e oferecer ao outro o que este não pode saber de si e, ao mesmo tempo, ser completado por ele, já que ele também depende do outro para saber o que ele mesmo não pode saber de si.

Considerando a tradução interlingual, para lembrar a taxonomia de Jakobson (2010)JAKOBSON, R. (2010). Linguística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes - 22ª Ed. São Paulo: Editora Cultrix.4 4 Segundo Jakobson (2010) existem três tipos de tradução: a intralingual, realizada no âmbito de uma mesma língua, isto é, o re-wording, a interlingual, quando um sistema de signos verbais é mobilizado a partir de outro sistema de signos verbais, e a intersemiótica, quando um sistema sígnico é traduzido para outro de natureza diferente. , o tradutor é um sujeito que mobiliza enunciados produzidos por sujeitos social e historicamente situados no tempo e no espaço a partir de contextos específicos de produção e de recepção e precisa, nessa direção, buscar, nas palavras de Sobral (2008)SOBRAL, A. (2008). Dizer o ‘mesmo’ a outros: ensaios sobre tradução. São Paulo: SBS., correspondências - e não equivalências - justamente porque as línguas são sistemas distintos de produção de sentido e de discurso. O eu-para-mim do tradutor, ou seja, sua percepção axiológica sobre si enquanto profissional e trabalhador da linguagem impacta diretamente na forma como ele mobiliza os enunciados, porque quem ele é, sua identidade cultural, social, econômica, étnico-racial, de gênero etc., atravessa a forma como ele compreende e translada os enunciados para a língua-alvo. O texto-fonte mobilizado é marcado e mobilizado pela sua posição enquanto sujeito do e no mundo.

Os enunciados, que, por sua vez, são produzidos a partir de dadas esferas da atividade humana que permitem uma organização por similaridade a partir da alternância dos falantes no âmbito de uma interação social, não se limitam à dimensão sistêmica e abstrata descrita pela linguística moderna, mas englobam justamente o sujeito que os mobiliza a partir do seu projeto de agir no mundo. Falar, enunciar, nessa perspectiva é agir, ética e esteticamente, marcando sua posição e constituindo, dialogicamente, outras (NASCIMENTO, 2018bNASCIMENTO, V. (2018b). O eu-para-mim de intérpretes de língua de sinais experientes em formação. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 13, n. 3, p. 104-122. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/35494. Acesso em: 14 jun. 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
).

Do ponto de vista tradutório, alguns enunciados, especialmente os artísticos, possuem características peculiares porque estabelecem, na função primeira de sua criação, interlocuções específicas. Em O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica, Pavel Medviédev, teórico, historiador e crítico literário que compôs o Círculo bakhtiniano, defende que a totalidade artística de qualquer tipo, ou seja, de qualquer gênero, se orienta duplamente para a realidade determinando, nesse aspecto, sua totalidade:

Em primeiro lugar, a obra se orienta para os ouvintes e receptores, e para determinadas condições de realização e de percepção. Em segundo lugar, a obra está orientada na vida, como se diz, de dentro por meio de seu conteúdo temático. A seu modo, cada gênero está tematicamente orientado para a vida, para seus acontecimentos, problemas e assim por diante (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. N. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto., p. 195).

Conforme a citação acima, a obra está totalmente atrelada à vida e direcionada a um auditório social. Essa direcionalidade e duplicidade de orientação da obra impactam, diretamente, o processo de tradução, especialmente porque enunciados artísticos possuem composição semiótico-ideológica singulares, marcadas, justamente, por essa direcionalidade específica. Produções artísticas são manifestações intersubjetivas que revelam posicionamentos ideológicos do autor-criador, mas que, geralmente, estão carregadas de conteúdo semântico e ideológico de coletivos. A direcionalidade de que fala o autor corresponde aos entrecruzamentos históricos temporais e discursivos dos/nos enunciados artísticos do autor-criador com o seu horizonte social imediato, o contexto mais amplo e sua época.

Diante do desafio de mobilizar enunciados artísticos em tradução, o tradutor Haroldo de Campos, importante teórico que pensa a temática justamente nessa transição do moderno para o pós-moderno, propõe o conceito de transcriação como uma ruptura conceitual e que vai ao encontro dessa nova ordem política, social e discursiva. A transcriação erige como uma concepção que se opõe à ideia de tradução

ligada aos pressupostos ideológicos de restituição da verdade (fidelidade) e literalidade (subserviência da tradução a um presumido “significado transcendental” do original) - ideia que subjaz a definições usuais, mais “neutras” (tradução “literal”), ou mais pejorativas (tradução “servil”), da operação tradutora (CAMPOS, 2010, p. 79).

Segundo Arrojo (1996, p. 62)ARROJO, R. (1996). Os estudos da tradução na pós-modernidade, o reconhecimento da diferença e a perda da inocência. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 53-69. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
, a perspectiva dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos é, praticamente, “antropofágica” e enquadra-se na ruptura discursiva que “liberou a tarefa do tradutor de uma inferioridade incômoda e de uma transparência impossível”. Haroldo de Campos constrói a teoria da transcrição a partir de diferentes momentos, nomeando-a de diferentes formas (NÓBREGA, 2006), mas o ponto central de sua teoria é justamente o trabalho que o tradutor deve empreender junto à dimensão física do signo a ser traduzido:

Pedagogicamente, o procedimento do poeta-tradutor (ou tradutor-poeta) seria o seguinte: descobrir (desocultar), por uma “operação metalinguística” voltada sobre o plano formal (da expressão ou do conteúdo), qual o código de “formas significantes” de que o poema representa a mensagem ou realização ad hoc qual a equação de equivalência, de comparação e/ou contraste de constituintes, levada a efeito pelo poeta para construir seu sintagma); em seguida reequacionar os constituintes assim identificados, de acordo com critérios de relevância estabelecidos in casu, e regidos, em princípio, por um isoformismo icônico, que produza o mesmo sob a espécie da diferença na língua do tradutor (paramorfismo, com a ideia de paralelismo - como em paráfrase, em paródia ou em paragrama - seria um termo mais preciso, afastando a sugestão de “igualdade” na transformação, contida no prefixo grego iso-). Os mecanismos da “função poética” instruiriam essa “operação metalinguística”, por assim dizer, de segundo grau (CAMPOS, 2013CAMPOS, H. (2013). Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. In: TÁPIA, M.; NÓBREGA, T. M. (Orgs). Haroldo de Campos - Transcriação. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva., p. 93)

A origem da proposta de Campos (2013)CAMPOS, H. (2013). Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. In: TÁPIA, M.; NÓBREGA, T. M. (Orgs). Haroldo de Campos - Transcriação. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva. é a experiência do autor que, enquanto tradutor, mobiliza línguas vocais-auditivas na modalidade de uso escrito5 5 Segundo Rodrigues (2022), existem duas grandes modalidades de língua: gesto-visual e vocal-auditiva. A partir dessas modalidades que, conforme defende o autor com base em Wurm (2010), correspondem aos meios biofisiológicos pelos quais a produção fonética das línguas acontece, as línguas podem ser mobilizadas por aquilo que ele denomina modalidade de uso, que pode englobar a escrita, a oralidade e a cinestesia. . Todavia, a proposição vai ao encontro dos desafios impostos pela tradução de discursos produzidos por línguas de diferentes modalidades, como é o caso das línguas de sinais e das línguas vocais.

As línguas de sinais, de modalidade gesto-visual, possuem como principais articuladores as mãos, os braços, o tronco e a cabeça, enquanto as línguas vocais-auditivas possuem como articuladores a boca, a língua, os dentes, os lábios, a laringe e o palato (RODRIGUES, 2018RODRIGUES, C. H. (2018). Interpretação simultânea intermodal: sobreposição, performance corporal-visual e direcionalidade inversa. Revista da Anpoll v. 1, nº 44, p. 111-129. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18309/anp.v1i44.1146
http://dx.doi.org/10.18309/anp.v1i44.114...
). A diferença dos articuladores entre essas duas línguas gera formas diferentes de construção das unidades de sentido. Enquanto as línguas vocais-auditivas organizamse, do ponto de vista fonético-fonológico, linearmente, as línguas gesto-visuais permitem a produção de suas menores unidades simultaneamente. Além disso, como a língua de sinais é visual, a iconicidade é um aspecto latente na construção dos discursos. Apesar de as línguas de sinais terem sua dimensão arbitrária, como toda língua, a visualidade que lhes é constitutiva permite aos seus falantes buscar em objetos, espaços, trejeitos e outros elementos referenciais visuais inspirações para a construção de seu discurso.

Campello (2008, p. 21)CAMPELLO, A. R. S. (2008). Aspectos da visualidade na educação de surdos. Tese de Doutorado em Educação. Centro de Ciências da Educação. UFSC, Florianópolis. discute esses aspectos e seus efeitos na educação de surdos apresentando, com base em outros autores, os conceitos de visualidade e visibilidade. Para a autora,

a Visualidade é a relação entre a percepção e a imagem que é modelizada pelas qualidades do signo visual. A segunda categoria, denominada como visibilidade, não está diretamente relacionada com a imagem, mas se constrói a partir dela, isto porque, por meio da iconicidade do signo visual, são construídas relações prováveis através de “descrições imagéticas” que permitem o surgimento de signos mais elaborados, a partir das representações das informações registradas e visuais e da construção mental da imagem. Dessa maneira, a descrição imagética constrói e é desenvolvida por uma espacialidade entre “a elaboração perceptiva e reflexiva das marcas visuais que ultrapassam o recorte icônico para serem flagradas em sutis indícios” (FERRARA, apud NAKAGAWA, 2006) e as incorporações ou transferências (CUXAC, 2001) são as relações descritivas imagéticas em sínteses interpretativas. Na descrição imagética, como composição de mediação e visual entre a imagem e sua representação visual, é possível percebermos uma operação lógica da visibilidade que funciona como uma fronteira existente entre a materialidade do signo visual e a síntese construída por uma mente interpretadora através de transferências que desempenham o papel de mecanismos transdutores (FERRARA, apud NAKAGAWA, 2006).

As diferenças de modalidade impactam significativamente o processo de tradução porque não é possível, nesse sentido, acessar o texto da tradução, considerando as versões não escritas sem acessar o corpo do tradutor (SEGALA, 2010; NASCIMENTO, MARTINS, SEGALA, 2016NASCIMENTO, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de Libras e Língua Portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes. PUC-SP. São Paulo.; RODRIGUES, 2018RODRIGUES, C. H. (2018). Interpretação simultânea intermodal: sobreposição, performance corporal-visual e direcionalidade inversa. Revista da Anpoll v. 1, nº 44, p. 111-129. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18309/anp.v1i44.1146
http://dx.doi.org/10.18309/anp.v1i44.114...
). As implicações da visualização do corpo recaem, evidentemente, sobre, por exemplo, a identidade étnico-racial e de gênero (para citar alguns atravessamentos) do tradutor, o que impõe, conforme defende Cabello (2020CABELLO, J. (2020). Por uma formação decolonial no campo da tradução e interpretação Libras/Língua Portuguesa. Revista Contemporânea de Educação, v. 15, n. 34. Disponível em: http://dx.doi.org/10.20500/rce.v15i34.36219
http://dx.doi.org/10.20500/rce.v15i34.36...
, p. 42), uma intensa reflexão sobre esse corpo que traduz e que é múltiplo “quanto à raça, gênero, classe social, por exemplo”. Nesse sentido, há que se pensar “os corpos das/os tradutoras/es e intérpretes de Libras/Língua Portuguesa não apenas como ‘suportes para um texto visual’, mas também enquanto lugar de significação e de produção de sentidos [...]” (CABELLO, 2020CABELLO, J. (2020). Por uma formação decolonial no campo da tradução e interpretação Libras/Língua Portuguesa. Revista Contemporânea de Educação, v. 15, n. 34. Disponível em: http://dx.doi.org/10.20500/rce.v15i34.36219
http://dx.doi.org/10.20500/rce.v15i34.36...
, p. 44).

Nesse sentido, quando o processo de tradução envolve uma língua de sinais, o “isoformismo icônico” de que fala Haroldo de Campos inclui não uma dimensão gráfica, mas uma dimensão corpórea, gestual, em movimento e completamente visível dando margem não apenas para o texto produzido, mas para o corpo que traduz. É nesse movimento, considerando o tradutor como um sujeito social, histórico e ideológico, cujo corpo não é suporte textual, mas é ele próprio discurso que inscreve o texto de chegada na língua de sinais e impacta, com isso, as escolhas e, porque não dizer, a recepção junto ao público, que assumo aqui uma perspectiva transcriativa dialógica para a tradução da canção Zumbi para a Libras.

2. A TRADUÇÃO COMENTADA COMO UM CAMINHO METODOLÓGICO

A tradução comentada, conforme define Torres (2017TORRES, M. H. C. (2017). Por que e como pesquisar a tradução comentada? In: FREITAS, L. F.; TORRES, M. H. C; COSTA, W. C. (orgs.). Literatura Traduzida tradução comentada e comentários de tradução volume dois. Fortaleza, Substânsia, p.15-35., p. 15), “[...] teoriza de forma clara e explícita o processo de tradução, os modelos de tradução e as escolhas e decisões feitas pelos tradutores”. A autora define essa prática como um gênero peculiar e específico e que possui algumas características, tais como as apresentadas abaixo:

Quadro 1
características da tradução comentada

Zavaglia, Renard e Janczur (2015)ZAVAGLIA, A.; RENARD, C.M. C.; JANCZUR, C. (2015). A tradução comentada em contexto acadêmico: reflexões iniciais e exemplos de um gênero textual em construção. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 25, n. 2, pp. 331-352. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/8755 Acesso em: 07 set. 2019.
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/ind...
sinalizam que a tradução comentada permite ao tradutor apresentar o contexto da obra e do autor, justificar e explanar sobre sua importância, seus procedimentos tradutórios, selecionando alguns trechos mais significativos e, com base nesses exemplos, discutir algumas estratégias utilizadas. A tradução comentada, possui ainda, conforme defendem as autoras, uma função pedagógica na formação de tradutores, pois por meio dela

o estudante, ao registrar um processo primordialmente analítico, questiona constantemente suas próprias decisões, mergulha no texto original enquanto leitor-tradutor, tenta entender as dificuldades interpretativas da obra em tradução, sejam elas referentes à morfologia, à sintaxe, à semântica, à pragmática e a todos os aspectos históricos, culturais, sociais, econômicos - incluindo os temporais, relativos ao seu próprio prazo de conclusão de trabalho, com ou sem bolsa de estudos, e aos qualitativos, referentes à avaliação do trabalho -, enfim, o entorno dos textos concernentes em diálogo, ou seja, as dificuldades que permeiam o seu ato tradutório e as soluções imaginadas (ZAVAGLIA, RENARD E JCZUR, 2015ZAVAGLIA, A.; RENARD, C.M. C.; JANCZUR, C. (2015). A tradução comentada em contexto acadêmico: reflexões iniciais e exemplos de um gênero textual em construção. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 25, n. 2, pp. 331-352. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/8755 Acesso em: 07 set. 2019.
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/ind...
, p. 349).

No âmbito dos ETILS, a tradução comentada tem sido utilizada como forma de registrar os processos de tradução de uma prática tradutória ainda pouco explorada, pesquisada e compreendida. Em alguns cursos de formação de intérpretes e tradutores de Libras nas universidades federais, por exemplo, o gênero tem sido adotado oficialmente como aquele que deve ser entregue como trabalho de conclusão de curso, tal como o da primeira turma de Bacharelado em Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) formada em 2012 e em algumas experiências recentes no curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras e Língua Portuguesa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Além de registrar esses processos tradutórios intermodais, a tradução comentada vem visibilizando o trabalho de intérpretes e tradutores da língua de sinais, bem como a própria língua e os artefatos culturais da comunidade surda, além de engrossar um persistente, incômodo e importante debate sobre as diferenças de modalidade de língua e seus efeitos no processo tradutório e nas formas de registrar os textos traduzidos para a Libras.

Albres (2020)ALBRES, N. A. (2020). Tradução comentada de/para línguas de sinais: ilustração e modos de apresentação dos dados de pesquisa. Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 425-451. Disponível em: https://doi.org/10.31513/linguistica.2020.v16n3a33672
https://doi.org/10.31513/linguistica.202...
realizou uma análise de seis artigos que buscam apresentar, e registrar, traduções comentadas de textos envolvendo a Libras. A autora identificou certa regularidade na forma de apresentação dos textos-fonte e textos-alvo das traduções, mas com diferenças nas formas de apresentação do texto produzido em Libras. Na análise, Albres (2020)ALBRES, N. A. (2020). Tradução comentada de/para línguas de sinais: ilustração e modos de apresentação dos dados de pesquisa. Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 425-451. Disponível em: https://doi.org/10.31513/linguistica.2020.v16n3a33672
https://doi.org/10.31513/linguistica.202...
constatou que a principal diferença nas formas de apresentação dos textos nessa língua foi no sistema de transcrição em que alguns utilizaram a estratégia de notação por meio de glosas6 6 As glosas são sistemas de notação de unidades lexicais e semânticas de uma língua por meio de outra (LEITE et al., 2021). Segundo Rodrigues (2012), o sistema adota letras e palavras grafadas em maiúsculo (usadas para representar os sinais) acompanhadas por códigos, palavras, letras e números sobrescritos ou subscritos para representar marcações não-manuais, quantificação, usos do espaço etc. , enquanto outros optaram pelo uso de glosas com imagens.

Santiago (2014)SANTIAGO, V. A. A. (2014). O uso da anotação da língua de sinais na apresentação de publicações acadêmicas: analisando as escolhas que favorecem o entendimento do leitor. Anais do Congresso Nacional de Pesquisas em Tradução e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa, UFSC, Florianópolis-SC. Disponível em: http://www.congressotils.com.br/anais/2014/2966.pdf Acesso em: 14 jan. 2019.
http://www.congressotils.com.br/anais/20...
alerta, nessa direção, sobre a importância de caminhos metodológicos de apresentação dos enunciados por meio da transcrição, decupagem, tabelas e imagens e de disponibilização do vídeo com base nos dados e na citação do tempo do trecho do vídeo, a fim de destacar a “[...] a materialidade estética do texto apresentado [...]” evidenciando a “[...] relação entre o conteúdo, a forma e os sujeitos cognoscentes” (p. 6).

Albres (2020)ALBRES, N. A. (2020). Tradução comentada de/para línguas de sinais: ilustração e modos de apresentação dos dados de pesquisa. Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 425-451. Disponível em: https://doi.org/10.31513/linguistica.2020.v16n3a33672
https://doi.org/10.31513/linguistica.202...
, diante do que foi encontrado, sugere um caminho metodológico para a apresentação de traduções comentadas que envolva uma língua sinalizada: (i) apresentar a obra, o autor e o contexto histórico da obra traduzida; (ii) fazer uma descrição pré-tradução; (iii) fazer uma descrição da tradução utilizando um sistema misto de apresentação do enunciado com imagens, glosas, trechos em vídeo por meio de código QR (QR Code). Nesse sentido, adoto, a seguir, algumas das sugestões realizadas por Albres (2020)ALBRES, N. A. (2020). Tradução comentada de/para línguas de sinais: ilustração e modos de apresentação dos dados de pesquisa. Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 425-451. Disponível em: https://doi.org/10.31513/linguistica.2020.v16n3a33672
https://doi.org/10.31513/linguistica.202...
para apresentar a tradução.

Na sequência farei uma apresentação da canção “Zumbi” e uma contextualização sócio-histórica de sua produção para, depois, apresentar uma síntese do projeto de tradução para a Libras com destaque para alguns trechos com os devidos comentários que poderão ser acompanhados por meio do link https://youtu.be/5u4W_lkcKxw

É importante salientar, entretanto, que não utilizarei glosas como estratégia de notação da Libras. Os enunciados traduzidos serão apresentados por frames recortados por meio de print da tela do vídeo reproduzido por meio do software VLC media player que permite a redução da velocidade facilitando, nesse sentido, a observação detalhada de certos movimentos na produção da Libras. Esses frames são apresentados por letras em um quadro que possui o trecho da canção, uma sobreposição da referência visual a um trecho do texto em língua de sinais, visibilizando, conforme discute Campello (2008)CAMPELLO, A. R. S. (2008). Aspectos da visualidade na educação de surdos. Tese de Doutorado em Educação. Centro de Ciências da Educação. UFSC, Florianópolis., os graus de iconicidade das referências e, na sequência, os recortes das sinalizações. Dessa forma, apesar de em outros momentos ter adotado o uso de glosas como estratégia de apresentação de enunciados da Libras, neste artigo acompanho a recente e profícua discussão empreendida por Leite et al. (2021)LEITE, T. A.; AMPESSAN, J. P.; BOLDO, J.; TASCA LOHN, J.; AZEVEDO, G. S. de O. (2022). Semântica lexical na libras: Libertando-se da tirania das glosas. Revista da ABRALIN, v. 20, n. 2, p. 1-23. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833 Acesso em: 14 jun. 2023.
https://revista.abralin.org/index.php/ab...
de que precisamos repensar as formas de apresentação da Libras sem submetê-la ao um método neocolonial de redução de sua potência semântica a unidades lexicais da língua portuguesa.

3. A OBRA: ZUMBI, DE JORGE BEN JOR, E O GRITO MUSICAL ANTIRRACISTA DE UM ARTISTA NEGRO BRASILEIRO

A canção Zumbi de Jorge Ben Jor foi gravada pela primeira vez em 1974 no álbum A tábua de esmeralda (Philips) e regravada dois anos depois no conhecido álbum África Brasil (Philips) que, pode ser compreendido, conforme defende Oliveira (2012OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
https://periodicos.ufba.br/index.php/con...
, p. 159), “como uma materialização expressiva das estratégias híbridas de criação de Jorge Ben Jor e de sua relação com o contexto social da época”. Ao realizar uma análise midiática desse álbum, a autora constata que

não só África Brasil, mas, de maneira geral, toda a obra de Jorge Ben Jor compreende uma mescla inconclusa de esquemas melódicos brasileiros (especialmente do samba e da bossa nova) e norte-americanos como o blues, o rock, o jazz, a soul music e o funk, aliados também a matrizes rítmicas de origem africana. E ainda hoje continua a se fundir com outras práticas interpretativas, como o rap e a música eletrônica (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
https://periodicos.ufba.br/index.php/con...
, p. 161 e 162).

Revisitada do ponto de vista musical, sonoro, rítmico e instrumental, a canção, que foi rebatizada em 1976 de África Brasil (Zumbi), “recorda a etnia dos escravos oriundos de tribos que não partilhavam a mesma língua e costumes” (MELO, 2015MELO, R. P. (2015). O Universo De Jorge Ben Em ÁFRICA BRASIL: Cultura, música e comunicação. (Monografia). Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto., p. 28) e “assume contornos figurativos pelo tom declamatório e discursivo, alienado do percurso melódico e rítmico da canção” (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
https://periodicos.ufba.br/index.php/con...
, p. 169). Há uma preocupação com a rima em alguns versos onde “a concordância gramatical é subvertida para permitir a rima” (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
https://periodicos.ufba.br/index.php/con...
, p. 169).

A dinâmica da produção musical de Jorge Ben Jor no álbum África Brasil caminha na direção da afirmação da “negritude e de uma africanidade mítica” com “canções que possuem estreita relação com o momento pelo qual o país vivia, nos anos 70, em meio à ditadura, a uma repressão política e à emergência dos movimentos negros” (OLIVEIRA, p. 164). Essa dinâmica, afirma Silva (2014, p. 45), é traço definidor do artista que possui como bandeira, expressa em sua criação e versatilidade, a luta contra o racismo e a afirmação da negritude por meio de “uma mitologia povoada de heróis negros e de uma identidade coletiva que não mais respeita os limites nacionais”.

A contribuição estética, cultural e musical de Jorge Ben Jor ultrapassa seu pequeno tempo, para usar a designação bakhtiniana, rompendo barreiras para navegar pelo grande tempo semiótico da cultura (BUBNOVA, 2015BUBNOVA, T. (2015). O que poderia significar o “Grande Tempo”?. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 10, n. 2, p. 5-16 Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/23260. Acesso em: 14 jun. 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
), libertando-o de sua época e o lançando para revisitações e mobilizações constantes por artistas de diferentes gerações.

Esse é o caso da cantora brasileira Ellen Oléria. Mulher negra, nascida e criada em Brasília, Oléria ganhou projeção nacional após ser a vencedora da primeira edição do reality show musical The Voice Brasil exibido pela Rede Globo de Televisão em 2012. Sua participação com a canção Zumbi, em uma versão repaginada e marcada por sua voz potente e estridente, nas audições às cegas, quando os cantores se apresentam com os jurados sentados de costas para eles, angariou, ainda nas primeiras palavras emitidas, a virada de três, das quatro, cadeiras dos jurados.

Antes de participar do programa televisivo, Ellen Oléria já acumulava experiência significativa no universo musical tendo gravado, em 2009, o seu primeiro álbum. Com a significativa visibilidade ganhada no (e após o) reality, a cantora gravou, em 2013, seu segundo álbum com regravações de canções clássicas de Milton Nascimento, Alceu Valença e Jorge Ben Jor, sendo deste último as célebres canções Zumbi e Taj Mahal.

A versão de Zumbi que foi traduzida para a Libras e que será apresentada adiante foi a regravação de Ellen Oléria em 2013. Apesar da nova organização sonora, evidenciada pela nova mixagem e pela tecnologia de som contemporânea, a letra da canção é a mesma e segue transcrita abaixo:

Angola, Congo, Benguela Monjolo, Cabinda, Mina

Quiloa, Rebolo

Aqui onde estão os homens Há um grande leilão

Dizem que nele há uma princesa à venda Que veio junto com seus súditos Acorrentados num carro de boi

Eu quero ver Eu quero ver Eu quero ver

Angola, Congo, Benguela Monjolo, Cabinda, Mina

Quiloa, Rebolo

Aqui onde estão os homens De um lado cana de açúcar Do outro lado, cafezal

Ao centro, senhores sentados

Vendo a colheita do algodão branco, branco, branco Sendo colhidos por mãos negras

Eu quero ver Eu quero ver Eu quero ver

Quando Zumbi chegar O que vai acontecer

Zumbi é senhor das guerras É senhor das demandas Quando Zumbi chega

É Zumbi é quem manda

Eu quero ver Eu quero ver Eu quero ver

Angola, Congo, Cabinda, Monjolo e Quiloa, Quiloa, Rebolo

Eu quero ver Eu quero ver

Eu quero ver Angola

Zumbi

Como dito anteriormente, Jorge Ben Jor gravou a canção Zumbi duas vezes. Na primeira, em 1974, no álbum Tábua das Esmeraldas e, em 1976, no álbum África Brasil. As versões são bem diferentes. Na de 1974, a canção começa com um som de violão e, aos seis segundos, Jor inicia cantando a primeira frase da música (“Angola, Congo, Benguela...”). Já na de 1976, a canção começa com um solo de piano emitindo algumas notas que são absorvidas por conjunção sonora de outros instrumentos, como o agogô, e, somente aos 12 segundos, em meio a esse toque, se introduz a voz do cantor como um “grito de alerta” (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
https://periodicos.ufba.br/index.php/con...
) dizendo os trechos que, na versão anterior, estavam localizados no terceiro bloco da canção: “Eu quero ver o que vai acontecer/ Quando Zumbi chegar”. Segundo Oliveira (2012)OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
https://periodicos.ufba.br/index.php/con...
, Jorge Ben adapta um recurso figurativo típico da fala utilizado, independente do percurso melódico, por cantores de blues e soul e que não altera o sentido da frase, mas exerce a função de reforçar o que é dito reiterando o tom de ameaça. Somente aos 52 segundos é que inicia o canto “Angola, Congo, Benguela...”.

A versão gravada por Ellen Oléria em 2013 segue o modelo rítmico da versão gravada por Jorge Ben Jor em 1974. Todavia, apesar de também usar cordas no início da canção, sua versão é marcada pelo som dos graves da bateria que depois abrem-se de forma mais melódica ganhando maior ritmo e fluidez.

A letra da canção, por sua vez, é dividida em três grandes blocos semântico-discursivos e que são separados pela repetição do sintagma verbal “eu quero ver”. Os blocos fazem alusão a quatro aspectos importantes sobre a escravização de negros no Brasil: a origem africana, o comércio escravista, o trabalho em fazendas e canaviais e a emergência de um herói libertador que, no caso, é centralizado na figura de Zumbi dos Palmares.

No primeiro bloco, a canção apresenta nome de oito etnias africanas identificadas entre os negros escravizados no Brasil (Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda, Mina, Quiloa, Rebolo) e que, conforme afirma Reis (2014)REIS, A. (2014). “EU QUERO VER QUANDO ZUMBI CHEGAR”. Negritude, política e relações raciais na obra de Jorge Ben (1963-1976). Mestrado em História. Instituto de ciências humanas e sociais. Universidade Federal Fluminense, Niterói., foram ressignificados com uma função semântica identitária para designar indivíduos nomeando suas identidades e etnias na diáspora, tais como, por exemplo, Maria Conga, Joana Kabinda etc. Depois, há uma menção sobre a venda de uma princesa no mercado de escravizados (Aqui onde estão os homens/Há um grande leilão/Dizem que nele há uma princesa à venda/Que veio junto com seus súditos/Acorrentados num carro de boi) que é uma “[...] referência à ideia de nobreza africana trazida para o Brasil com reis, princesas e súditos [e que] faz parte das histórias dos africanos escravizados que circularam em algumas regiões do Brasil” (REIS, 2014REIS, A. (2014). “EU QUERO VER QUANDO ZUMBI CHEGAR”. Negritude, política e relações raciais na obra de Jorge Ben (1963-1976). Mestrado em História. Instituto de ciências humanas e sociais. Universidade Federal Fluminense, Niterói., p. 141). No segundo bloco, a canção repete as etnias enunciadas no primeiro e depois faz uma referência direta à dinâmica do trabalho realizado por pessoas negras escravizadas no Brasil em fazendas de algodão e canaviais (Angola, Congo, Benguela/ Monjolo, Cabinda, Mina/Quiloa, Rebolo/Aqui onde estão os homens/De um lado cana de açúcar/Do outro lado, cafezal/Ao centro, senhores sentados/Vendo a colheita do algodão branco, branco, branco/Sendo colhidos por mãos negras). Segundo Reis (2014REIS, A. (2014). “EU QUERO VER QUANDO ZUMBI CHEGAR”. Negritude, política e relações raciais na obra de Jorge Ben (1963-1976). Mestrado em História. Instituto de ciências humanas e sociais. Universidade Federal Fluminense, Niterói., p. 141),

a memória da escravidão ou a recorrência a uma cultura histórica sobre a escravidão também aparece na canção quando o cantor faz referência ao trabalho escravo nas plantações de algodão, café e cana de açúcar. Jorge parece querer esquecer o holocausto escravista já que não usa a palavra “escravidão”, ainda assim aciona essa memória e aborda o seu caráter violento.

No terceiro bloco, a canção apresenta a figura de Zumbi, personagem histórico na luta pela libertação dos escravizados no Brasil (Quando Zumbi chegar/O que vai acontecer/Zumbi é senhor das guerras/É senhor das demandas/Quando Zumbi chega/É Zumbi é quem manda). Entretanto, na construção de Jorge Ben Jor, Zumbi aparece como um guerreiro vingador que se levantará contra as violências cometidas no período escravista. Segundo Reis (2014, p. 142)REIS, A. (2014). “EU QUERO VER QUANDO ZUMBI CHEGAR”. Negritude, política e relações raciais na obra de Jorge Ben (1963-1976). Mestrado em História. Instituto de ciências humanas e sociais. Universidade Federal Fluminense, Niterói., é possível dizer que Jorge associa Zumbi a Ogum que, em religiões afro-brasileiras como a umbanda e o candomblé, é o orixá da guerra. “Ademais, ‘demanda’ é uma expressão que nestas religiões quer dizer ‘feitiço’ ou ‘mandinga’”.

A construção da narrativa em português, assim como em toda a canção, aponta para a possibilidade de uma visualidade, dada a construção enunciativa que indica cenas históricas do processo de escravização de pessoas negras no Brasil. Essa dinâmica visual foi extremamente importante e explorada na tradução para a Libras.

4. ZUMBI EM LIBRAS: UMA NARRATIVA VISUAL, DIALÓGICA, TRANSCRIATIVA E AFETIVA

A tradução e a interpretação de canções envolvendo a Libras vem sendo descrita recentemente, mesmo sendo uma prática antiga, visto que a profissão de intérprete7 7 Apesar de a legislação atual fazer referência ao ofício de Tradutor e Intérprete de Libras e Língua Portuguesa, como no Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005), a profissão possui sua gênese na atividade de interpretação. A tradução, apesar de existir ainda timidamente em instituições religiosas e depois surgir como estratégia de produção de materiais bilíngues no início dos anos 2000, aparece de forma institucional e com ampla circulação a partir do curso de Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina em 2006 (NASCIMENTO, 2016). dessa língua ganha contornos institucionais em contextos religiosos cristãos de matriz protestante desde a década de 1980 (ASSIS-SILVA, 2012ASSIS SILVA, C. (2012). Cultura Surda: agentes religiosos e a construção de uma identidade. São Paulo: Terceiro Nome/FAPESP.) em cultos com significativa presença de músicas (NASCIMENTO, 2016NASCIMENTO, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva.).

Em pesquisa sobre esse tipo de prática tradutória, Rigo (2019)RIGO, N. S. (2019). Tradução poética de músicas para língua brasileira de sinais (Libras). Tradução em revista. 27, 2019.2, p. 300-318. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.4...
afirma que, durante algum tempo, defendeuse que músicas não compõem os artefatos culturais das comunidades surdas. A autora retoma a publicação de uma das primeiras pesquisadoras surdas brasileiras que escreveu sobre cultura surda e que afirmou no final nos anos 2000 justamente isso: “música não faz parte da cultura surda, mas os sujeitos surdos podem e tem o direito de conhecê-la como informação e como relação intercultural” (STROBEL, 2008, p. 70). Rigo (2019RIGO, N. S. (2019). Tradução poética de músicas para língua brasileira de sinais (Libras). Tradução em revista. 27, 2019.2, p. 300-318. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.4...
, p. 301), entretanto, afirma que, desde essa publicação, a relação intercultural dos surdos com a música cresceu e, em paralelo,

a tomada de consciência desses sujeitos sobre seus direitos e liberdade de escolhas, incluindo a liberdade de se apropriarem da música como bem entenderem, de experimentá-la à sua maneira - sem imposição ou julgamento de ouvintes ⸺ e, ainda, de ressignificá-la para além do som ou da dimensão do audível. Hoje em dia, os surdos apreciam, usufruem, consomem e produzem música de infinitas formas. Manifestam-se artisticamente não mais através da literatura, do teatro, da dança, das artes visuais e das artes performáticas somente, mas também através da linguagem musical.

Rigo (2019)RIGO, N. S. (2019). Tradução poética de músicas para língua brasileira de sinais (Libras). Tradução em revista. 27, 2019.2, p. 300-318. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.4...
destaca, ainda, que, dentre as inúmeras possibilidades de gêneros discursivos no que a autora designa como contexto artístico-cultural, a tradução de músicas pode ser entendida, para alguns profissionais, como a mais desafiadora, uma vez que a música compreende além de signos verbais, signos não verbais. No que diz respeito aos verbais, as letras das músicas englobam expressões idiomáticas, metáforas, ambiguidades, metonímias, figuras de linguagem, rimas, versos etc. Os signos não verbais envolvem a dimensão sonora presente na música que é composta por uma série de elementos como melodia, ritmo, harmonia e suas propriedades físicas como altura, intensidade, timbre etc. Diante dessas especificidades “vale refletir o quanto todos esses elementos, linguísticos e sonoros, podem se relacionar dentro de uma única música e, uma vez combinados, podem ser determinantes em uma tradução destinada ao público surdo” (RIGO, 2019RIGO, N. S. (2019). Tradução poética de músicas para língua brasileira de sinais (Libras). Tradução em revista. 27, 2019.2, p. 300-318. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.4...
, p. 306).

A fim de construir uma narrativa em Libras que considerasse os quatro elementos principais expressos na canção Zumbi - origem africana, o comércio escravista, o trabalho em fazendas e canaviais e a emergência de Zumbi dos Palmares como um herói libertador -, e a dimensão gesto-visual e cultural, elaborei um projeto de tradução que incorporasse elementos de referências visuais para a tradução a partir de três pontos espaciais durante a sinalização: (i) ponto espacial neutro 1: continente africano construindo na lateral direita; (ii) ponto espacial neutro 2: território brasileiro, trabalho escravo e aparição de Zumbi que foi construída à frente do corpo; e (iii) ponto espacial corporal 3: identidade étnico-cultural construída no corpo.

Figura 1
ilustração dos pontos espaciais vistos de cima

Considerando a modalidade gesto-visual da Libras e a possibilidade da construção do discurso a partir de referências visuais por meio dos espaços mentais referenciais sub-rogado, token e real (MOREIRA, 2007MOREIRA, R. L. (2007). Uma descrição da dêixis de pessoa na língua de sinais brasileira: pronomes pessoas e verbos indicadores. Mestrado em Linguística. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.; QUADROS, 2020QUADROS, R. M. (2020). Gramática da Libras. Florianópolis: Signa.), busquei signos visuais e ideológicos em produções cinematográficas, imagens históricas e representações artísticas para elaborar a narrativa sinalizada para a construção das personagens apresentadas na canção, como os negros escravizados no leilão, a princesa, suditos e, depois, os seus devidos deslocamentos para as fazendas e canaviais, além da construção de Zumbi como um herói guerreiro vingativo e libertador.

Para a construção do continente africano, no ponto espacial 1, uso como referência um planisfério global, também conhecido como mapa-múndi, que, na dinâmica da construção, está sendo espelhado a partir da minha posição como sinalizador, mas para quem vê “de fora” estaria, por essa lógica, invertida. Essa construção espacial permitiu, também, elaborar uma narrativa em que os navios negreiros chegavam para raptar os negros e, depois, saíram em direção ao Brasil que estaria localizado no ponto espacial 2, à frente do corpo.

Figura 2
Planisférios utilizados como referência para a sinalização

A partir da localização do continente africano no ponto espacial neutro 1, construí o enunciado em Libras realizando os sinais das etnias presentes na letra em português (Angola, Congo...), mesmo não tendo encontrado em nenhum glossário, dicionário de Libras os sinais-termo de Mina, Benguela, Monjolo, Cabinda, Mina, Quiloa e Rebolo. A fim de marcar, entretanto, a diversidade, indico, depois construir espacialmente cada etnia o uso de pronome indefinido para vários, conforme no frame (d) do excerto 1. Após marcar as etnias, indico que os negros viviam em certa harmonia e integração, por meio do adjetivo usado em Libras que corresponde a “livres” (frames (k) e (l) do excerto 1) e do substantivo que corresponde a “interação” (frame (m) do excerto 1).

Excerto 1
Tempo do vídeo: 00’08” a 00’37”

Figura 3
referência para a construção de leilão dos escravizados

A interação e liberdade da população negra é interrompida, na narrativa em Libras, por meio da chegada de navios (frame (n), (o), (p) do excerto 1) que capturam e acorretam os negros nos navios levando-os, então, ao território brasileiro construído no ponto espacial neutro 2 à frente do corpo (frames (q), (r), (s), (t), (u), (v) e (x) do excerto 1).

Para a segunda parte do primeiro bloco da canção, que faz menção ao comércio de negros escravizados em um grande leilão com uma princesa e seus súditos sendo vendidos, a referência visual para a construção em Libras dos escravizados foram fotografias históricas e uma cena do filme Vazante, de Daniela Thomas e Bento Amaral, cujo enredo se passa em 1820, época em que a escravidão ainda era legalizada e permitida no Brasil. Nesse filme, há uma cena em que os negros escravizados andam em filas acorrentados para a fazenda de seus novos donos.

Na tradução para a Libras, uso as referências dêiticas para pessoas enfileiradas, conforme pode-se ver no frame (a) do excerto 2 e, na sequência, sinalizo que essas pessoas estavam acorrentadas enfileiradas e com correntes do pescoço (frames (b), (c), (d) e (e) do excerto 2).

Excerto 2
Tempo do vídeo: 00’37” a 00’44”

Figura 4
Rainha Na Agontimé

Para o enunciado seguinte do mesmo trecho da canção em que fala da princesa sendo vendida no leilão com seus suditos, decidi marcar a construção discursiva dessa personagem a partir de duas caracteristicas presentes nas figuras de rainhas e de mulheres africanas: a altivez e o uso de elementos estéticos na cabeça, como o turbante. Para essa referência, utilizei a história da rainha-mãe Ná Agontimé que nasceu em Tendji, em um pequeno vilarejo situado no reino de Daomé (atual Benin), no século XVIII, e que foi deportada para ser escravizada depois da morte de seu esposo. No site “Biografia de mulheres negras”8 8 https://www.ufrgs.br/africanas/na-agontime-seculos-xviii-xix/ , criado por meio de um projeto de iniciação científica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que ela teria sido enviada para Cuba ou para o nordeste brasileiro acompanhada de sessenta e três serviçais. A questão da identidade de Na Agontimé, de seu vínculo religioso e sua relação com o Brasil não é totalmente comprovada por falta de documentação, mas foi levantada pela primeira vez pelo pesquisador francês Pierre Verger no Institut Français d’Afrique Noire (IFAN) em 1952.

Nessa sequência em Libras, eu marco a princesa africana em meio ao enfileiramento de escravizados, destacando-a por meio do movimento do dedo indicador para frente, a fim de colocá-la em evidência e caracterizála visualmente (frames (a), (b), (c), (d), (e) e (f) do excerto 3). Após essa caracterização, realizo, por meio do espaço sub-rogado, um movimento corporal simulando uma violência física, como uma chicotada ou um empurrão, presente no frame (g), e depois volto a fazer referência aos escravizados em fila, mas dessa vez com uma vagarosidade maior no movimento, a fim de caber na métrica da canção que, nesse momento, é o trecho “eu quero ver” sendo repetido três vezes. Depois disso, quando o segundo bloco começa repetindo as etnias africanas eu mantenho o enfileiramento dos escravizados, mas dessa vez faço uma apontação para alguns pontos dessa fila e recorro à referência do ponto espacial 1 para indicar que aqueles seres humanos que estavam sendo vendidos (frames (h), (i), (j), (k) e (l) do excerto 3) eram das etnias indicadas no início da tradução. Depois disso, produzo um termo em Libras que é muito utilizado para indicar “ser” para mostrar que todos eles eram, na verdade, da África.

Excerto 3
Tempo do vídeo: 00’45” a 01’20”

Figura 5
referências para o trabalho no canavial, no cafezal e no algodoal Trailer do filme 12 anos de escravidão

Depois de fazer menção novamente às etnias que originaram os escravizados, a canção faz uma referência aos canaviais e aos algodoais em que os escravizados foram levados para o trabalho forçado. Nesse trecho da canção, Jorge Ben Jor faz questão de trazer à tona a dinâmica do trabalho realizado pelos negros que era marcado por uma certa vigilância dos senhores. Para esse trecho, usei como referência ilustrações que mostram o trabalho nos canaviais e uma cena do filme 12 anos de escravidão, que conta a história de um homem livre que foi capturado para trabalhar como escravo ilegalmente em um campo de algodão nos Estados Unidos.

A fim de marcar em Libras os principais campos de trabalho em que os negros escravizados foram levados a trabalhar, uso os mesmos referenciais dêiticos dos negros enfileirados para deslocá-los para três pontos espaciais à frente do corpo. Essa construção pode ser vista no excerto 4. Na lateral esquerda seriam os canaviais - frames (a), (b), (c), (d), (e) e (f) do, na lateral direita os cafezais - frames (i), (j), (k), (l), (m), (n), (o) e (p) e no centro os algodoais - frames (r), (s), (t), (u) e (v). Em cada uma dessas cenas, por meio do espaço sub-rogado e da demonstração por meio da apontação, indicando antes o espaço token, construo os trabalhadores, por meio da marcação em primeira pessoa, sequencialmente, cortando cana, colhendo café e algodão. Para cada uma dessas cenas, eles levam chicotadas do senhor branco que assiste a tudo de uma posição superior que foi construída a partir do deslocamento do corpo um pouco para trás e da sinalização um pouco para cima - frames (z), (ai), (bi) e (ci).

Excerto 4
Tempo 01’33” a 02’14”

Figura 6
Cena do filme Besouro

A letra da canção aponta para uma possibilidade de emancipação por meio de um herói guerreiro libertador, que é Zumbi dos Palmares. É interessante notar que a música apresenta esse herói logo após descrever o cenário de escravização dos negros nas fazendas levando o ouvinte a inferir que, talvez, aqueles homens e mulheres representados na canção sonhassem ou esperassem por vingança. Essa interpretação pode ser compreendida melhor na versão da canção de 1976 quando Jorge Ben Jor regravada no álbum África Brasil. Ele antecipa o grito de ameaça que, na versão de 1974, está no final da canção.

A fim de mostrar essa possível interpretação da canção e evidenciar o desejo de libertação dos escravizados, busco construir uma cena imaginada por um dos escravizados após os açoites acometidos pelo senhor branco que os vê trabalhando. Isso acontece a partir do ponto espacial em que o canavial foi construído. Para tanto, retomo corporalmente a posição de escravizado acorrentado e utilizo a configuração de mão das correntes para construir um classificador em Libras que geralmente os surdos usam para indicar sonho ou imaginação, que seria um “balão acima da cabeça” (frames de (a) a (c) do excerto 5). Nessa cena narrativa em Libras, apresento o sinal-nome utilizado para Zumbi dos Palmares, que é realizado com o dedo indicador dobrado na testa (frame (d) do excerto 5), e o desloco do ponto de articulação prototípico para a frente do corpo. Depois disso, no espaço sub-rogado, realizo a incorporação em primeira pessoa de Zumbi e mantenho o sinal em um movimento pendular do corpo para os lados como se ele estivesse pulando ou voando (frames de (d) a (i) do excerto 5). O sinal de Zumbi é mantido nas construções seguintes para indicar luta e libertação. No primeiro caso, há um movimento em direção aos três pontos espaciais construídos para o cafezal, o algodoal e o canavial. Depois disso, o próprio sinal para Zumbi, que é bem parecido com um gancho ou foice, se transforma numa arma de libertação quebrando correntes dos negros e libertando-os dos seus trabalhos forçados (frames (j) a (t) do excerto 5).

Excerto 5
Tempo 02’23” a 03’13”

Minha referência para essa construção em Libras da figura de Zumbi foi o filme brasileiro Besouro, dirigido por João Daniel Tikhomiroff. O filme conta a história do capoeirista Manuel Henrique Pereira que se transformou em um dos grandes mestres da capoeira, disciplina de luta que foi criada por escravizados africanos para lutar, pois eles eram proibidos de usar armas. Apelidado de besouro, o capoeirista ficou conhecido por realizar feitos completamente sobrenaturais como voar, daí a origem do apelido. Embora o filme não trate exatamente de Zumbi dos Palmares, a figura do Besouro voando ilustra, em minha percepção, um possível imaginário construído na canção de um deus guerreiro que luta para libertar seu povo e que chega derrubando os opressores

Na sequência dessa construção em Libras, que era a imaginação de um dos trabalhadores do canavial, a imaginação acaba por meio do fechamento do balão acima da cabeça e da retomada da posição anteriormente estabelecida como trabalhador acorrentado no canavial. O retorno, entretanto, agora é marcado por um sorriso provocado pelo alívio gerado pela imaginação de Zumbi libertando a seu povo (frames (bi) a (ei) do excerto 5). A reação da personagem em Libras, então, é se virar para o senhor de escravos e dizer algo parecido com “você hoje manda em mim, mas espera, espera Zumbi chegar, ele vai se vingar, ele vai descontar, ele vai te intimidar”. Para isso, desloco o corpo na direção do ponto espacial em que foi construído o senhor de escravos branco realizando os açoites (frames (fi) a (oi) do excerto 5).

No trecho final da música, há uma retomada das etnias africanas enunciadas no começo e no meio da canção. Nessa parte, em Libras, eu parto para o terceiro ponto espacial indicado no projeto de tradução que é localizado no corpo. Nesse momento, eu me desloco olhando para a câmera marcando agora a minha posição em primeira pessoa como narrador e sinalizo em Libras uma das possibilidades léxicas para “identidade” e “ser”. Após essa marcação, retomo os sinais das etnias que foram realizados no início da canção, quando falei dos continentes africanos e no meio da canção para falar dos escravizados que vieram dessas etnias. Agora, os sinais das etnias africanas são produzidos no espaço neutro associados aos sinais de identidade/ser indicando que eu, enquanto homem afro-indígena, descendente de africanos e indígenas que foram brutalmente escravizados, sou Angola, sou Congo, sou Cabinda, sou todos os meus ancestrais que viveram o maior holocausto da História. Eles, na verdade, estão em mim. Eles sou eu e eu sou eles.

Para construir esse trecho, minhas referências foram as memórias fotográficas dos meus familiares, especialmente da parte da minha mãe. Meu avô indígena e minha avó descendente de africanos geraram uma família de 16 filhos, inúmeros netos e bisnetos. Minha mãe, mulher parda, e meu pai, homem que, apesar de ter a pele escura, se autodeclara pardo, geraram 3 filhos, sendo eu o mais velho. E eu e minha esposa, Janaina, mulher parda, geramos 2 filhos, Pedro e Maitê. A visibilidade, nesse trecho, diferentemente do que foi construído até então com referências externas de obras históricas como fotos, filmes e obras de arte, se apresenta no próprio corpo que sinaliza: um corpo afro-indígena que carrega traços de ancestralidade e afetividade com sua história. A visibilidade do signo é o a minha identidade étnico-racial apresentada para a câmera.

Todas as referências visuais e familiares evidenciadas na figura 7 contribuíram para uma tradução completamente afetiva, visceral e simbólica para mim enquanto tradutor. No último trecho, o mosaico de memórias me permitiu imaginar as diversas situações constrangedoras, humilhantes e difíceis que meus familiares vivenciaram devido à cor de pele. A forma de traduzir toda essa afetividade e memórias para a Libras foi, além de trazer as etnias africanas originárias do povo negro escravizado no Brasil para o corpo, enquanto ponto espacial enunciativo, foi retomar o sinal de Zumbi (frames (ci) a (vi) do excerto 6) e dizer para o interlocutor presumido na posição de segunda pessoa: “espera para ver Zumbi chegar e acabar com o racismo, continuaremos a lutar e a enfrentar toda forma de preconceito até ele desaparecer completamente”.

Figura 7
fotos referências da família para a construção da noção de ancestralidade

Excerto 6
Tempo 02’23” a 03’13”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tradução da canção Zumbi de Jorge Ben Jor para a Libras foi uma tarefa intensa e significativa. Primeiro porque traduzir uma obra musical de tanta relevância histórica, ideológica e simbólica da cultura brasileira e da luta contra o racismo para a Libras me impõe a responsabilidade de amplificar seus significados históricos para a comunidade surda que, também, é atravessada por diferenças identitárias que vão além da surdez enquanto traço de potência e de presença e não de deficiência e falta. Segundo porque um processo de tradução envolve, sempre, um intenso movimento de pesquisa e de buscas de referências para construir o texto na língua alvo. A tradução comentada enquanto caminho metodológico trilhado neste artigo permitiu visualizar esse movimento em direção ao objeto de tradução, a canção Zumbi, mas a expansão imposta por todos os apontamentos sociais, históricos, ideológicos e semióticos da canção para além da letra, do texto verbal.

Considerando a modalidade da Libras como língua que compôs o par linguístico dessa tradução, foi inevitável não recorrer às referências visuais, como fotografias históricas, imagens e obras cinematográficas, que retratassem pessoas negras escravizadas no Brasil e no mundo. A revisitação dessas referências mobilizou afetos gerando desconforto e dor por evocar não apenas as minhas próprias vivências como homem afro-indígena com o racismo, mas, também, as contadas por alguns dos meus familiares e amigos sobre seus efeitos em suas vidas e que foram geradas incialmente, conforme defendem inúmeros autores como Abdias do Nascimento (2016)NASCIMENTO, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva., Silvio Almeida (2020)ALMEIDA, S. (2020). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro/Editora Jandaíra., Cida Bento (2022)BENTO, C. (2022). O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras., para citar alguns, pela escravidão.

Somada à questão linguística, o uso de indumentário que apresenta elementos alusivos à cultura afrobrasileira é um indicativo de que a dimensão estética, também axiológica, é aspecto importante na forma de apresentar o discurso na Libras, sobretudo porque a língua só é acessada com a visualização do corpo e, este, é marcado por diferentes dimensões identitárias. O uso desse elemento potencializou a narrativa visual de Zumbi em Libras dialogando, de forma extralinguística, com elementos que, conforme defende Bakhtin, são fundamentais para a construção e compreensão do enunciado. A indissociabilidade entre dimensão linguística e extralinguística apresentada nesta tradução já foi identificada em pesquisas sobre a tradução de canções para a Libras como as de Rigo (2019)RIGO, N. S. (2019). Tradução poética de músicas para língua brasileira de sinais (Libras). Tradução em revista. 27, 2019.2, p. 300-318. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.4...
e pode contribuir com reflexões e práticas sobre a tradução de canções para a Libras, incluindo a de tradutores e intérpretes surdos.

Nesse sentido, cabe uma reflexão final: se a tradução é uma prática de linguagem que mobiliza sistemas semiótico-ideológicos prenhes de sentido construídos no âmbito de culturas e comunidades que não partilham desses sistemas, o tradutor é o agente, por excelência, que é atravessado por tudo aquilo que é por ele mobilizado. Em tempos como os que vivemos atualmente, no contexto pós-moderno e de intensificação da escalada do conservadorismo e de grupos a favor de estruturas sociais opressivas, traduzir não pode ser compreendido apenas como uma mobilização de signos verbais equivalentes, como se quer propagar com a utilização, por algumas instituições, de inteligência artificial, robôs e avatares. A tradução é uma atividade discursiva realizada por um sujeito totalmente envolvido, é uma prática que evidencia posturas políticas porque ela própria é uma atividade política que obriga os que com ela se envolvem a se comprometer, se inscrever e afetar-se por aquilo que traduzem.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados públicos que apoiam as conclusões deste estudo - a tradução da canção Zumbi para a Libras - estão disponíveis no link https://youtu.be/5u4W_lkcKxw.

  • 1
    É importante, aqui, situar esses recortes temporais. Segundo Lyotard (2009)LYOTARD, J. (2009). A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 12a ed. Rio de Janeiro: José Olympio., a modernidade passa a entrar em crise, evidenciando uma mudança bruta na produção de saberes, por volta de 1950 depois da reconstrução da Europa no cenário pós-Segunda Guerra. Em Arrojo (1996)ARROJO, R. (1996). Os estudos da tradução na pós-modernidade, o reconhecimento da diferença e a perda da inocência. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 53-69. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
    , que debate o tema direcionado aos Estudos da Tradução, moderno está vinculado ao ideal iluminista cultivado pela cultura europeia do século XVIII, que se caracterizou pela crença otimista de que a razão e a busca implacável do conhecimento pudessem finalmente conduzir o ser humano às luzes de um desenvolvimento sociocultural pleno. Nos dois casos, a ideia de modernidade aponta para aspectos aos quais a pós-modernidade opõe-se frontalmente: as metanarrativas oficiais e homogeneizantes e a universalidade do sujeito.
  • 2
    Brait (2013, p. 44)BRAIT, B. (2013). Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 8, n. 2, p. 43-66. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/16568. Acesso em: 14 jun. 2023.
    https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
    define verbo-visual como uma “dimensão em que tanto a linguagem verbal como a visual desempenham papel constitutivo na produção de sentidos, de efeitos de sentido, não podendo ser separadas, sob pena de amputarmos uma parte do plano de expressão e, consequentemente, a compreensão das formas de produção de sentido desse enunciado, uma vez que ele se dá a ver/ ler, simultaneamente”. Essa dimensão está presente na atualidade de forma intensa e gera discursos, produz sentidos e efeitos na vida cotidiana.
  • 3
    O denominado Círculo de Bakhtin foi se compondo e se entrelaçando no decorrer da história russa em tenso e complexo contexto político e social. Segundo Brait e Campos (2009)BRAIT, B.; CAMPOS, M. I. B. (2009). Da Rússia czarista à web. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto., na medida em que Bakhtin mudava de cidade - geralmente por coerções políticas da época - agregava, com isso, novos membros ao seu Círculo. No geral, pode-se afirmar que os membros desse coletivo eram o filósofo Matvei I. Kagan, o biólogo Ivan I. Kanaev, a pianista Maria V. Yudina, o professor e estudioso de literatura Lev V. Pumpianski, o músico e professor da história do teatro Ivan I. Sollertinski, o linguista e professor Valentin N. Voloshínov e o jornalista literário Pavel N. Mediviedev.
  • 4
    Segundo Jakobson (2010)JAKOBSON, R. (2010). Linguística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes - 22ª Ed. São Paulo: Editora Cultrix. existem três tipos de tradução: a intralingual, realizada no âmbito de uma mesma língua, isto é, o re-wording, a interlingual, quando um sistema de signos verbais é mobilizado a partir de outro sistema de signos verbais, e a intersemiótica, quando um sistema sígnico é traduzido para outro de natureza diferente.
  • 5
    Segundo Rodrigues (2022), existem duas grandes modalidades de língua: gesto-visual e vocal-auditiva. A partir dessas modalidades que, conforme defende o autor com base em Wurm (2010)WURM, S. (2010). Translation across Modalities: The Practice of Translating Written Text into Recorded Signed Language. An Ethnographic Case Study. 255f. Tese de Doutorado em Filosofia. Department of Languages and Intercultural Studies. Heriot-Watt University., correspondem aos meios biofisiológicos pelos quais a produção fonética das línguas acontece, as línguas podem ser mobilizadas por aquilo que ele denomina modalidade de uso, que pode englobar a escrita, a oralidade e a cinestesia.
  • 6
    As glosas são sistemas de notação de unidades lexicais e semânticas de uma língua por meio de outra (LEITE et al., 2021LEITE, T. A.; AMPESSAN, J. P.; BOLDO, J.; TASCA LOHN, J.; AZEVEDO, G. S. de O. (2022). Semântica lexical na libras: Libertando-se da tirania das glosas. Revista da ABRALIN, v. 20, n. 2, p. 1-23. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833 Acesso em: 14 jun. 2023.
    https://revista.abralin.org/index.php/ab...
    ). Segundo Rodrigues (2012)RODRIGUES, C. H. (2012). Efeitos de modalidade no processo de interpretação simultânea para a Língua de Sinais Brasileira. ReVEL, v. 10, n. 19, p. 93-124. Disponível em: http://www.revel.inf.br/files/29427f4a35369efaceef76fadbd57b2d.pdf
    http://www.revel.inf.br/files/29427f4a35...
    , o sistema adota letras e palavras grafadas em maiúsculo (usadas para representar os sinais) acompanhadas por códigos, palavras, letras e números sobrescritos ou subscritos para representar marcações não-manuais, quantificação, usos do espaço etc.
  • 7
    Apesar de a legislação atual fazer referência ao ofício de Tradutor e Intérprete de Libras e Língua Portuguesa, como no Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005), a profissão possui sua gênese na atividade de interpretação. A tradução, apesar de existir ainda timidamente em instituições religiosas e depois surgir como estratégia de produção de materiais bilíngues no início dos anos 2000, aparece de forma institucional e com ampla circulação a partir do curso de Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina em 2006 (NASCIMENTO, 2016NASCIMENTO, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva.).
  • 8

REFERÊNCIAS

  • ALBRES, N. A. (2020). Tradução comentada de/para línguas de sinais: ilustração e modos de apresentação dos dados de pesquisa. Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 425-451. Disponível em: https://doi.org/10.31513/linguistica.2020.v16n3a33672
    » https://doi.org/10.31513/linguistica.2020.v16n3a33672
  • ALMEIDA, S. (2020). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro/Editora Jandaíra.
  • ARROJO, R. (1996). Os estudos da tradução na pós-modernidade, o reconhecimento da diferença e a perda da inocência. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 53-69. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/5064
  • ASSIS SILVA, C. (2012). Cultura Surda: agentes religiosos e a construção de uma identidade. São Paulo: Terceiro Nome/FAPESP.
  • BRAIT, B. (2013). Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 8, n. 2, p. 43-66. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/16568 Acesso em: 14 jun. 2023.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/16568
  • BRAIT, B.; CAMPOS, M. I. B. (2009). Da Rússia czarista à web. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto.
  • BAKHTIN, M. M. (2010). O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da Criação Verbal Tradução Paulo Bezerra. 4 ed São Paulo: Martins Fontes.
  • BENTO, C. (2022). O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras.
  • BUBNOVA, T. (2015). O que poderia significar o “Grande Tempo”?. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 10, n. 2, p. 5-16 Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/23260 Acesso em: 14 jun. 2023.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/23260
  • CABELLO, J. (2020). Por uma formação decolonial no campo da tradução e interpretação Libras/Língua Portuguesa. Revista Contemporânea de Educação, v. 15, n. 34. Disponível em: http://dx.doi.org/10.20500/rce.v15i34.36219
    » http://dx.doi.org/10.20500/rce.v15i34.36219
  • CAMPELLO, A. R. S. (2008). Aspectos da visualidade na educação de surdos. Tese de Doutorado em Educação. Centro de Ciências da Educação. UFSC, Florianópolis.
  • CAMPOS, H. (2013). Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. In: TÁPIA, M.; NÓBREGA, T. M. (Orgs). Haroldo de Campos - Transcriação. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva.
  • CAMPOS, H. (2006). Da tradução como criação e como crítica. In: Metalinguagem e outras metas: ensaios de teoria & crítica literária. São Paulo: Perspectiva.
  • HALL, S. (2014). A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva & Guaciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina.
  • JAKOBSON, R. (2010). Linguística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes - 22ª Ed. São Paulo: Editora Cultrix.
  • LEITE, T. A.; AMPESSAN, J. P.; BOLDO, J.; TASCA LOHN, J.; AZEVEDO, G. S. de O. (2022). Semântica lexical na libras: Libertando-se da tirania das glosas. Revista da ABRALIN, v. 20, n. 2, p. 1-23. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833 Acesso em: 14 jun. 2023.
    » https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1833
  • LYOTARD, J. (2009). A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 12a ed. Rio de Janeiro: José Olympio.
  • MEDVIÉDEV, P. N. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto.
  • MELO, R. P. (2015). O Universo De Jorge Ben Em ÁFRICA BRASIL: Cultura, música e comunicação. (Monografia). Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto.
  • MOREIRA, R. L. (2007). Uma descrição da dêixis de pessoa na língua de sinais brasileira: pronomes pessoas e verbos indicadores. Mestrado em Linguística. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
  • NASCIMENTO, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva.
  • NASCIMENTO, V. (2018a). Presença da tradução e da interpretação das línguas de sinais no “grande tempo” da cultura. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 13, n. 3, p. 5-15. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/39180 Acesso em: 14 jun. 2023.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/39180
  • NASCIMENTO, V. (2018b). O eu-para-mim de intérpretes de língua de sinais experientes em formação. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 13, n. 3, p. 104-122. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/35494 Acesso em: 14 jun. 2023.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/35494
  • NASCIMENTO, V., MARTINS, V. R. O., SEGALA, R. R. (2017). Tradução, criação e poesia: descortinando desafios do processo tradutório da Língua Portuguesa (LP) para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Domínios de Lingu@gem Uberlândia. Vol. 11, n. 5, p. 1850-1874. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/37378 Acesso em: 14 jan. 2019.
    » http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/37378
  • NASCIMENTO, M. V. B. (2016). Formação de intérpretes de Libras e Língua Portuguesa: encontros de sujeitos, discursos e saberes. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes. PUC-SP. São Paulo.
  • PEREIRA, R. A; RODRIGUES R. H. (2014). O conceito de valoração nos estudos do círculo de Bakhtin: a inter-relação entre ideologia e linguagem. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, SC, v. 14, n. 1, p. 177-194. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ld/a/KTGv6yBxFHQFVDCqTjdmRXk/?format=pdf
    » https://www.scielo.br/j/ld/a/KTGv6yBxFHQFVDCqTjdmRXk/?format=pdf
  • QUADROS, R. M. (2020). Gramática da Libras. Florianópolis: Signa.
  • REIS, A. (2014). “EU QUERO VER QUANDO ZUMBI CHEGAR”. Negritude, política e relações raciais na obra de Jorge Ben (1963-1976). Mestrado em História. Instituto de ciências humanas e sociais. Universidade Federal Fluminense, Niterói.
  • OLIVEIRA, L. X. (2012). África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. Contemporânea: comunicação e cultura, v. 1., n. 10. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
    » https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/5820
  • RIGO, N. S. (2019). Tradução poética de músicas para língua brasileira de sinais (Libras). Tradução em revista. 27, 2019.2, p. 300-318. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
    » http://doi.org/10.17771/PUCRio.TradRev.45942
  • RODRIGUES, C. H. (2018). Interpretação simultânea intermodal: sobreposição, performance corporal-visual e direcionalidade inversa. Revista da Anpoll v. 1, nº 44, p. 111-129. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18309/anp.v1i44.1146
    » http://dx.doi.org/10.18309/anp.v1i44.1146
  • RODRIGUES, C. H. (2012). Efeitos de modalidade no processo de interpretação simultânea para a Língua de Sinais Brasileira. ReVEL, v. 10, n. 19, p. 93-124. Disponível em: http://www.revel.inf.br/files/29427f4a35369efaceef76fadbd57b2d.pdf
    » http://www.revel.inf.br/files/29427f4a35369efaceef76fadbd57b2d.pdf
  • SILVA, D. N. (2010). Bakhtin, a identidade e a (est)ética: por um diálogo com as teorias da pós-modernidade. Intercâmbio, v. 14. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/view/3928 Acesso em: 6 jun. 2023.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/view/3928
  • TORRES, M. H. C. (2017). Por que e como pesquisar a tradução comentada? In: FREITAS, L. F.; TORRES, M. H. C; COSTA, W. C. (orgs.). Literatura Traduzida tradução comentada e comentários de tradução volume dois. Fortaleza, Substânsia, p.15-35.
  • SANTIAGO, V. A. A. (2014). O uso da anotação da língua de sinais na apresentação de publicações acadêmicas: analisando as escolhas que favorecem o entendimento do leitor. Anais do Congresso Nacional de Pesquisas em Tradução e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa, UFSC, Florianópolis-SC. Disponível em: http://www.congressotils.com.br/anais/2014/2966.pdf Acesso em: 14 jan. 2019.
    » http://www.congressotils.com.br/anais/2014/2966.pdf
  • SOBRAL, A. GUACOMELLI, K. (2015). A concepção dialógica e os dois planos da linguagem e da constituição do sujeito: algumas considerações. Nonada, Porto Alegre, n.24, p. 204-226. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/5124/512451510015.pdf
    » https://www.redalyc.org/pdf/5124/512451510015.pdf
  • SOBRAL, A. (2008). Dizer o ‘mesmo’ a outros: ensaios sobre tradução. São Paulo: SBS.
  • VOLOCHÍNOV, V. (Círculo de Bakhtin). (2017). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução do russo, notas e glossário de Sheila Grillo, Ekaterina Vólkova Américo; ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34.
  • ZAVAGLIA, A.; RENARD, C.M. C.; JANCZUR, C. (2015). A tradução comentada em contexto acadêmico: reflexões iniciais e exemplos de um gênero textual em construção. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 25, n. 2, pp. 331-352. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/8755 Acesso em: 07 set. 2019.
    » http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/8755
  • WURM, S. (2010). Translation across Modalities: The Practice of Translating Written Text into Recorded Signed Language. An Ethnographic Case Study. 255f. Tese de Doutorado em Filosofia. Department of Languages and Intercultural Studies. Heriot-Watt University.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2023
  • Aceito
    31 Jul 2023
  • Publicado
    15 Ago 2023
UNICAMP. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Unicamp/IEL/Setor de Publicações, Caixa Postal 6045, 13083-970 Campinas SP Brasil, Tel./Fax: (55 19) 3521-1527 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: spublic@iel.unicamp.br