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TRADUÇÃO, PROMESSA E DÍVIDA COM JACQUES DERRIDA

A PROMISSORY NOTE TO JACQUES DERRIDA

RESUMO

Neste artigo está em julgamento a lei da tradução. A nossa linha de defesa se baseia em dois textos: O que é uma tradução relevante? (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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) e O mercador de Veneza (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., 2018SHAKESPEARE, William (1600). The merchant of Venice. [S. l.]: Feedbooks, 2018. E-book. Disponível em: https://genialebooks.com/ebooks/the-merchant-of-venice-william-shakespeare/. Acesso em: 16 maio 2022.
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). Tudo na peça de Shakespeare se deixa traduzir como questões de tradução, como, por exemplo, os temas do juramento, da economia e da equidade. Isso se esse texto for interpretado pela lei de Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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. Ao acarear as duas partes, no primeiro ato, expomos a cena [jurídica] da tradução, explorando as metáforas e contratos realizados na obra de Shakespeare. No segundo ato, comprometemos nossa apreciação do caso ao reencenar, ou melhor, traduzir, de forma econômica, O mercador de Veneza. Representamos, nesse momento, a própria lei da tradução. Já no terceiro ato, esmiuçamos os aspectos intrínsecos a essa lei e seu ponto de ruína. Por todo o exposto, sentenciamos que a promessa de toda tradução resulta em dívida, que não pode ser quitada por isonomia. E ainda assim, triunfa.

Palavras-chave:
desconstrução; différance; double bind; original; Shakespeare

ABSTRACT

We now declare the law of translation is on trial. Our argument is based on two texts: O que é uma tradução relevante? [What is a relevant translation?] (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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) and O mercador de Veneza/ The Merchant of Venice (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., 2018SHAKESPEARE, William (1600). The merchant of Venice. [S. l.]: Feedbooks, 2018. E-book. Disponível em: https://genialebooks.com/ebooks/the-merchant-of-venice-william-shakespeare/. Acesso em: 16 maio 2022.
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). There is evidence that everything in Shakespeare’s play may be reflected as translation aspects-for instance the themes of oath, economy calculation, and equity-to the extent that its interpretation is compliant with the law of Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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. By confronting the texts of both Shakespeare and Derrida, in the first part of the trial session, we present the [legal] scene of translation, underlining the metaphors and contracts represented in Shakespeare’s work. In the second part, we risk our assessment of the case by translating The merchant of Venice. By doing so, we perform the very law of translation. Thirdly, we examine the intrinsic aspects of this law and its ruination. For all the foregoing we sentence that a promise of translation made is a debt unpaid. A debt that cannot be paid in equity. And yet, translation triumphs.

Keywords:
deconstruction; différance; double bind; original; Shakespeare

“Fiel e infiel com razão! Muitas vezes me vejo passar fugazmente diante do espelho da vida como a silhueta de um louco (ao mesmo tempo cômico e trágico) que se mata para ser infiel por espírito de fidelidade.”.

(DERRIDA, 2004, p. 12).

1. BEHIND THE SCENES

Aqui, pomos em cena a natureza paradoxal da tarefa do tradutor e como a tradução se constitui num processo de transformação. Nesse processo, estão envolvidos o dever de “restituição” e a dívida impostos pelo texto original, assim como a impossibilidade de dizer tudo no texto traduzido. Mas, como diz Derrida (2006DERRIDA, Jacques (1987). Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.) em Torres de Babel, também o original já está em dívida, ele já é o primeiro devedor, porque não há um sentido dado, a ser simplesmente copiado na língua de chegada.

Ao dar sequência à discussão sobre a tradução e a tarefa do tradutor iniciada em Torres de Babel, no ensaio O que é uma tradução relevante?, Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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se serve da cena de dívida e perdão, e de transformação [judeu em cristão, mulher em homem da lei], que se dá a ler na peça de Shakespeare (2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., 2018SHAKESPEARE, William (1600). The merchant of Venice. [S. l.]: Feedbooks, 2018. E-book. Disponível em: https://genialebooks.com/ebooks/the-merchant-of-venice-william-shakespeare/. Acesso em: 16 maio 2022.
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), O mercador de Veneza, para discutir que ela também ocorre na cena de tradução, no corpo a corpo entre tradutor, os textos e as línguas (corpo e corpus). Mas, antes de iniciar a cena, já em dívida e em transformação, relembremos os acontecimentos que Derrida releva, e que nós remarcamos, da peça de Shakespeare.

Antonio, cristão e um mercador de Veneza, toma dinheiro emprestado de Shylock, um judeu rico. O contrato entre estes dois deriva de um outro: da amizade entre Antonio e Bassanio, um nobre perdulário veneziano. Bassanio pretende se casar com Pórcia, uma rica herdeira de Belmonte. Mas, para isso, ele precisa de dinheiro para concorrer à loteria que o pai da moça havia idealizado para escolher seu pretendente. Perdulário que é, Bassanio recorre a Antonio. A riqueza de Antonio está no mar, trafegando em seus barcos. Os barcos não retornam até a data em que se comprometeu a pagar sua dívida a Shylock. O contrato acordado na letra da lei era claro: se Antonio não cumprisse o trato, Shylock poderia retirar-lhe uma libra de carne perto do coração. Nesse ínterim, Bassanio sela seu casamento com Pórcia. O recém-casado recebe uma carta informando que o amigo foi a júri. Pórcia faz com que o marido vá ajudar Antonio. Ambos partem, mas não juntos, para salvar o mercador. Na corte, Pórcia, travestida de Balthazar, um homem da lei, atesta a legalidade do que requerera Shylock. Ela/Ele pede misericórdia ao judeu. Bassanio oferece três vezes o valor da dívida. O judeu nega. A corte autoriza o corte da carne. O judeu se prepara para a restituição de sua dívida, mas Pórcia, ela própria sendo uma brecha da lei, travestida de homem, encontra outra brecha: o judeu pode coletar sua dívida, mas sem derramamento de sangue. Nessa tirada, tira-se tudo do judeu, que resta endividado. Tendo atentado contra um cidadão de Veneza, o judeu, estrangeiro, é condenado a distribuir sua riqueza entre o mercador e o governo, além de poder ser sentenciado à morte. Para não perder tudo, Shylock é perdoado, mas apenas se se converter ao cristianismo e confiar o que lhe sobrou à filha Jéssica, que já fugira, roubando-lhe parte da fortuna, para se casar com um cristão.

2. ENTRE DEVERES E CONTRATOS

Traduzir Derrida, recontar um texto seu é o próprio double bind1 1 O double bind da/na tradução é uma aporia, um (im)passe, uma situação (in)decidível. Dito de outro modo, trata-se da impossibilidade e, ao mesmo tempo, necessidade de traduzir um texto, por exemplo. Recomendamos a leitura de Torres de Babel, texto em que Derrida (2006) - fazendo uma articulação com o ensaio clássico de Walter Benjamin (2008), intitulado A tarefa-renúncia do tradutor - discute sobre a tarefa do tradutor e a tradução como sobrevida. Nele, o filósofo reflete sobre o mito de Babel, e especificamente sobre a necessidade e impossibilidade de tradução desse nome próprio, Babel, que se deixa traduzir, não sem indecisão, como Deus, cidade ou confusão. Portanto, o double bind diz respeito à necessidade de restituição de um significado e, ao mesmo tempo, a impossibilidade dessa restituição, assim abrindo espaço para o que chamamos em Linguística Aplicada de transformação ou produção de sentido. , pois ele convoca seu leitor/tradutor a dever [na tradução]. Dever coloca-se aqui, então, como uma primeira necessidade de tradução na nossa língua que não é nossa. A nossa mesma, não sabemos de onde vem. Mas não diremos uma só, diremos mais de uma. A isso, deveremos mais explicações. Dever, então, é o que fazemos agora e o fazemos para marcar o primeiro sentido de dever, aquele de faltar, de não cumprir uma tarefa, de ter que restituir, sem cópia - conforme discute Walter Benjamin (2008)BENJAMIN, Walter (1923). A tarefa-renúncia do tradutor. Tradução de Susana Kampff Lages. In: CASTELLO-BRANCO, Lúcia (org.). A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: quatro traduções para o português. Belo Horizonte: Fale; UFMG, 2008. p. 66-81. em A tarefa-renúncia do tradutor - o que foi tomado do outro. Mas devemos, em particular, pelo menos, mais um sentido para a palavra dever, isto é, o sentido legal, do direito civil, mais especificamente do dever conjugal - o dever de manter uma boa relação matrimonial, uma em que haja respeito e fidelidade.

Tentar dizer a língua do outro, e a de Derrida em particular, é sempre uma promessa. Uma promessa que não é a dele, mas que tenta, a partir dele e na nossa língua, despertar o sentido de algo estabelecido em nossa relação. O que está dito na língua inventada, na nossa, jamais existiu na língua do outro; pelo menos, não como ele a ditou. Daí surge um contrato e, com ele, um dever. Compromisso, dever, dívida, promessa e perdão - um léxico envolvido em cenas de herança, de tradução e de contratos nos acompanha a partir de agora. Abordaremos adiante a tradução de um contrato entre Shakespeare e Derrida, entre The merchant of Venice e Qu’est-ce qu’ne traduction relevante?, entre as línguas inglesa e francesa. Contrato que lemos, sobretudo, nas traduções endividadas desses textos com nossa língua portuguesa.

O que Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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discute em O que é uma tradução relevante? [Qu’est-ce qu’ne traduction relevante?] forma uma aliança com as temáticas de O mercador de Veneza [The merchant of Venice] (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., 2018SHAKESPEARE, William (1600). The merchant of Venice. [S. l.]: Feedbooks, 2018. E-book. Disponível em: https://genialebooks.com/ebooks/the-merchant-of-venice-william-shakespeare/. Acesso em: 16 maio 2022.
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), pois ele usa a trama da narrativa shakespeariana, e em particular a sua linguagem do trade, da troca, da transferência, do trânsito, da transação e da transformação, para fazer falar uma língua da tradução. Todos os contratos ali estabelecidos estão diretamente relacionados com aqueles feitos na/pela tradução, que dizem respeito à tarefa do tradutor e que relevam questões como juramento e perjúrio, dificuldade de restituição, quantidade e propriedade, (in)traduzibilidade e hospitalidade.

Iniciemos pelo contrato entre Pórcia e o pai morto. Um contrato de casamento que não envolve incesto, porque, como pode ser percebido, casamento aqui não é um desfilar até o altar para selar um consórcio íntimo para toda a vida, para receber a bênção que junta dois corpos em uma só carne - não carrega consigo o sentido mais tradicional da palavra. Pórcia, nesse contrato, não pode escolher o amor desejado, nem recusar o indesejado, está destinada a viver um amor engendrado pela loteria de seu pai. Mas pode a vontade de uma filha viva dobrar-se perante a vontade de um pai morto? Não seria duro, como disse Pórcia a Nerissa, não poder escolher o amor nem recusar o desamor? Não seria, pela lei, uma impossibilidade de traição? Mas, se o amor escolhido jogar a loteria do amor e ganhá-la, será isso acaso? Será isso amor? O que garante que esse jogo não tenha sido trapaceado? Podemos anunciar, é sabido, que o amor triunfou, que Bassanio decifrou, traduziu a loteria, entendeu sua lei, sua forma, as regras do jogo e consumou o casamento com Pórcia. Podemos dizer que houve fidelidade, que a filha não desobedeceu ao pai.

Se, por um lado, há fidelidade entre filha e pai e, portanto, fidelidade genealógica; por outro, o casamento entre Pórcia e Bassanio não obedece a uma lei de genealogia - e não passa de um acordo entre tantos outros - e é um contrato de fidelidade selado por meio de um anel. Um anel que não poderá jamais se desanelar de nenhuma das partes. Mas essa história já a conhecemos, é um double bind, uma possibilidade impossível de ser cumprida. Pórcia dá o anel a Bassanio e fá-lo jurar nunca o remover; em contrapartida - travestida de homem, para salvar outros contratos, o de seu marido com o amigo Antonio, e desse último com Shylock -, obriga-o a se desanelar, mas como sabemos, desanelar não significa descasar2 2 Pórcia para Bassanio, ao firmar o contrato de seu casamento: “Tudo eu lhe dou juntamente com este anel; quando você dele se separar, ou perder, ou der para alguém, que isso seja o presságio da ruína do seu amor por mim, e terei nas mãos oportunidade de denunciá-lo, meu senhor.” (SHAKESPEARE, 2013, p. 55). .

Há ainda o contrato entre Nerissa e Gratiano, que espelha aquele entre Pórcia e Bassanio [uma tradução de tradução?]; o de Antonio com Bassanio, um contrato de amizade, de amor. Amor pelo outro, amor pela outra [Pórcia]. Amor pelo casamento. Um tema de fidelidade. Tantos outros contratos falharemos em enumerar aqui, embora haja um desejo de tudo citar. Voltaremos à encenação de Pórcia, ainda.

Não poderíamos deixar de comentar os contratos mais explorados por Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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em O que é uma tradução relevante?: a) o de Antonio com Shylock, que já nasce em dívida, pois Antonio já deve a Shylock, em primeiro lugar, dignidade, e como segunda dívida, o não cumprimento da promessa de pagamento do empréstimo tomado; b) e o contrato de Shylock consigo mesmo, que perjura seu próprio juramento [um original não idêntico a si mesmo. O original é o primeiro devedor]. Contratos que levarão a sentenças (in)justas, perdão sem derramamento de sangue, restituições, perdas e ganhos.

Agora que contratos e contratantes já foram brevemente apresentados, precisamos avisar que não se pode relatar uma história de contratos sem narrar uma história de leis e de interdições. Começamos pela possibilidade (im)possível de traduzir Shakespeare pela língua de Derrida. Mas os barcos já saíram aos mares, e só podemos esperar que eles não sejam saqueados, que não naufraguem e que retornem com o juro das trocas. Oxalá tivéssemos mais tempo e lugar, mas como isso não é possível, precisaremos ser cautelosos e econômicos. Et voilà la scène [da tradução].

3. TRADUÇÕES

Veneza. Século XVI. A lei é cristã, masculina e antijudaica. Bassanio, falido, precisa de dinheiro para jogar a loteria do amor e conquistar Pórcia, herdeira de uma rica fortuna. Pela herança, quer dizer, por Pórcia, Bassanio pede a Antonio que lhe empreste o dinheiro. Antonio, um mercador de Veneza [um agiota! que não cobra juros], não tem dinheiro vivo, pois seus barcos trafegavam mar afora. Por fidelidade, o mercador cristão, devoto, é convencido pelo amigo a tomar dinheiro emprestado de um [outro] agiota [que cobra juros], o judeu Shylock. O contrato entre Bassanio e Antonio é um contrato sem contrato, fundado na lei do amor, da devoção, um ato de misericórdia entre amigos e que leva ao contrato contratado na letra da lei, entre Antonio e Shylock.

O contrato entre o cristão e o judeu é marcado pelo (des)amor [amor pelo amigo, repúdio pelo agiota]3 3 Sobre o amor: “ANTÔNIO - Shylock, muito embora eu não empreste nem tome emprestado exigindo ou devolvendo em excesso, ainda assim, a fim de suprir as necessidades prementes de meu amigo, estou disposto a abrir uma exceção. [Dirigindo-se a Bassânio:] Ele já está a par da quantia que você quer?” (SHAKESPEARE, 2013, p. 23). Sobre o desamor: “SHYLOCK - Com o perdão da palavra, eu faço ouro e prata darem cria. Mas, preste atenção, Signor…/ ANTÔNIO - Note bem, Bassânio, o seguinte: o diabo sabe citar as Escrituras para seus próprios fins. Uma alma perniciosa que apresenta testemunho sagrado é o mesmo que um cafajeste com um sorriso na cara, uma maçã bonita podre por dentro. Ah, que bela fachada tem a falsidade!” (SHAKESPEARE, 2013, p. 24). . Como os sentimentos das partes não devem ser envolvidos nessa cena, o acordo é realizado. Há nele, pelo menos, duas fontes de obligation [será esta palavra francesa ou inglesa?]: obrigação pelo amor e obrigação por vínculo jurídico. A primeira, merciful; a segunda dependerá de mercy. Na letra da lei, as partes assinam o contrato, mas, antes de o selarem, Shylock faz um discurso sobre o antijudaísmo de Antonio, que assim traduzimos: faz o acordo com teu inimigo, cão, tire tudo de mim se não cumprir minha dívida. Veja que, por amizade, eu me comprometo4 4 Nas notas de rodapé 5, 9, 10 e 11, apresentamos as falas dos personagens de O mercador de Veneza (SHAKESPEARE, 2013), para fazer referência/contraposição à tradução/transformação [(in)fiel; devedora] que operamos no corpo do texto. . Antonio tem crédito na praça, Shylock pondera. Mas haverá crédito se o mar se agitar e barcos se perderem? Acordados, se Antonio não pagar a dívida, uma libra de sua carne será cortada de uma parte do seu corpo. Contrato feito. Casamentos realizados. Com efeito, os barcos se perdem, a promessa é rompida, o perjúrio ocorre. Shylock cobra sua parte, pela lei.

Até aqui, por meio dessas cenas, lemos, com Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, a lei, o dever e a dívida na/da tradução. Ora, uma tradução é herdeira de um original. Há um laço, um bond, um acordo, uma lei que [pretende] assegura[r] fidelidade a assinaturas e propriedades. É preciso, por lei, restituir o mesmo significado. Mas como garantir “o mesmo” de um texto se ele já foi vertido para outra língua? Só há possibilidade de travestimento. Back to the scene.

Veneza. Uma corte de justiça. O Doge, alto representante da lei, pede a misericórdia do judeu, pede-lhe que desconsidere o contrato. Bassanio apela ao judeu, pede-lhe sua misericórdia e lhe oferece o dobro do que previa o contrato. Shylock recusa e quer fazer valer a letra da lei: se me negas a restituição daquilo que me é devido, que a desgraça caia sobre a lei de Veneza, uma lei sem valor. Se não receber a libra de carne, a lei não vale nada. I stand for law! Estou aqui para fazer cumprir a lei. Estou diante da lei e peço justiça.5 5 “SHYLOCK - Signor Antônio, muitas e muitas vezes no Rialto o senhor me taxou disso e daquilo por causa dos meus dinheiros e das minhas taxas de juros. Sempre aceitei tudo com paciência, com um dar de ombros, pois este é o emblema de toda a nossa tribo: resignarse, sofrer em silêncio. O senhor me chama de infiel, de cão raivoso, e cospe na minha gabardina de judeu. E tudo porque faço uso daquilo que é meu. Pois bem, agora parece que você está precisando de minha ajuda. O que acontece? Você vem a mim e diz: ‘Shylock, nós queremos ter dinheiros’; é o que você diz, você que jogou o seu catarro nas minhas barbas e me chutou como quem enxota um vira-lata intruso porta afora, e você vem me pedir dinheiros. O que será que eu devo lhe responder? Eu poderia perguntar: ‘Um cachorro tem dinheiro? Pode um cachorro emprestar três mil ducados?’. Talvez eu devesse me curvar em profunda reverência e, no tom de voz de um escravo, com a respiração suspensa e com sussurrada humildade, eu devesse dizer: ‘Mui justo senhor, o senhor cuspiu em mim na última quarta-feira, o senhor me enxotou em um tal dia e, de outra feita, me chamou de cachorro; e, em consideração a essas cortesias, vou lhe emprestar estes tantos dinheiros.’” (SHAKESPEARE, 2013, p. 24). “SHYLOCK - Que julgamento devo temer, se não faço nada errado? Os senhores têm entre vocês muitos escravos, que os senhores compraram e que, como se fossem seus jumentos, seus cachorros, suas mulas, os senhores usam de modo abjeto, em tarefas nojentas. Porque os senhores os compraram. Devo então dizer-lhes ‘Libertem os seus escravos! Deixem que eles se casem com os seus herdeiros! Por que eles têm de suar, carregando pesadíssimos fardos? Permitam que as camas deles sejam tão macias quanto as suas próprias, e permitam que os paladares deles sejam agraciados com as mesmas carnes bem temperadas que vocês comem!’, devo dizer-lhes isso? Os senhores vão me responder ‘Os escravos são nossos’. Pois eu lhes respondo assim. Essa uma libra de carne que exijo dele foi comprada a peso de ouro; ela é minha, e vou levar o que é meu. Se isso me for negado, meus senhores, as suas leis são uma vergonha; os decretos de Veneza não são respeitados. Estou aqui para um julgamento. Quero que me respondam: terei o meu julgamento?” (SHAKESPEARE, 2013, p. 68). Shylock, assim como o homem do campo, aquele de Préjugés - Devant la loi, “quer ver ou tocar a lei, quer se aproximar dela, ‘entrar’ nela, porque talvez não saiba que a lei não é para ser vista ou tocada, mas para ser decifrada” (DERRIDA, 1985DERRIDA, Jacques (1985). Préjugés. Devant la loi. In: DERRIDA, Jacques et all. La faculté de juger. Paris: Editions Minuit. p. 87-139., p. 115, tradução nossa)6 6 « Il veut voir ou toucher la loi, il veut s’approcher d’elle, « enter » en elle parce qu’il ne sait peut-être pas que la loi n’est pas à voir ou à toucher mais à déchiffrer. » . Shylock está diante da lei e pede justiça. Ela, a justiça, não se apresenta enquanto tal, mas sim pela boca de seus representantes, e é por eles decifrada, tal como o faz Pórcia em nome de Balthazar e do Doge.

Entra em cena Nerissa travestida de Stephano, transportando uma carta endereçada ao Doge, representando Pórcia, travestida de Balthazar. Pórcia é representante de Bellario, outro representante da lei, e representa a lei na cena de julgamento. Representantes de representantes. Significantes remetendo a significantes estão em jogo, nesta que é uma cena de decifração, dívida, perdão e justiça [e não esqueçamos, de tradução].

Pórcia recebe autorização do mais alto representante da lei e inicia sua representação, como homem, e como homem da lei: “Which is the merchant here, and which the Jew”7 7 Todas as citações de O mercador de Veneza/The merchant of Venice incorporadas neste trabalho foram extraídas, em português e em inglês, respectivamente, de Shakespeare (2013, 2018). [Qual é o cristão, e o judeu?]. Não há nada na cristandade, nem na judeidade, de maneira exterior, que os possa identificar como um ou como outro? O que marca sua origem, então? Um nome? “Is your name Shylock?”, pergunta Pórcia. “My name is Shylock”, replica, ao pé da letra, o judeu que requer equidade. A lei concede direito a Shylock, Pórcia a confirma. “Do you confess the bond [você reconhece o trato, assume a culpa]?”. “I do”, incrimina-se Antonio. “Then must the Jew be merciful”, roga Pórcia. O judeu [the Jew] representa também todo Judeu, o Judeu em geral, na sua diferença com o parceiro cristão, o poder cristão, o Estado cristão: o Judeu deve perdoar” a falta do cristão, sua dívida, seu pecado confessado (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 28). Um judeu singular sendo atravessado pelo judeu plural, histórico, sem lugar.

Pórcia toma o lugar da verdade [significado transcendental] da lei cristã e masculina, uma mulher que se traduz de homem e expõe a indecidibilidade da própria lei, sem uma verdade dada na pureza da letra8 8 Podemos verificar essa impureza e indecidibilidade do significado se analisarmos o papel de Pórcia na peça de Shakespeare. Ela, esposa, uma personagem feminina, se traveste/traduz de homem, advogado, para ter acesso à lei, masculina. Seu travestimento, portanto, é uma ferida na lei que conclama pureza. Ainda, se retomarmos ao Renascentismo, período de produção de O mercador de Veneza (1600), essa indecisão se torna ainda mais problemática, já que, à época, as mulheres eram impedidas de encenar no teatro. Naquele contexto, os atores se travestiam para performar personagens femininas. Assim, Pórcia era interpretada [isto é, traduzida do texto ao palco] por um ator [homem] disfarçado de mulher [uma verdade sem verdade] e, ao mesmo tempo, essa personagem, já travestida, se transformava em homem [Balthazar, interpretado/traduzido por uma mulher/Pórcia-homem/ator]. Nessa breve cena de travestimentos, perdemos a verdade e a pureza, restando o significado [transcendental] por vir. . Ela cobra de Shylock o perdão, o perdão pela traição de Antonio, ela, também traidora, cobra o incobrável, expondo aí o double bind de toda tradução - obrigação de cumprir a lei e dívida. Ela oferece, a pedido de Bassanio, três vezes o valor do bond desfeito para compensar a dívida insolvável, a libra de carne devida a Shylock [rompendo com a lei de economia, evidenciando o (in)traduzível]. “An oath, an oath, I have an oath in heaven/ Shall I lay perjury upon my soul?/ No, not for Venice”, exclama Shylock, que se mantém fiel à letra da lei, que prometeu ele mesmo segui-la à risca. Ele mesmo o lembrou a Antonio, e agora não pode perjurar, mas jura por cima da jura, risca por cima do risco: “Por minha alma, juro que não há força nas palavras de nenhum homem que possa modificar minha decisão. Esta é a minha posição: quero cobrar minha promissória.” [quero a letra].

Acontece que onde há juro/juramento há risco de perjuro. Em qualquer transação, seja de ordem linguística, comercial ou jurídica, a boa-fé não basta. Sobre isso, Derrida (2000, p. 26-27, grifo do autor)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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declara:

O juramento é, portanto, na língua humana, um compromisso que, todavia, a língua humana não saberia, por ela mesma, desfazer, dominar, apagar, assujeitar-se ao desfazê-lo. Um juramento é um laço, na língua humana, que a língua humana, como tal, como humana, não pode desfazer. É, na língua humana, um laço (bond) mais forte que a língua humana etc. Mais que o homem no homem. É, na língua humana (elemento da tradução), uma lei inflexível que impede a tradução de transação [Shylock quer ser pago em carne, como diz a letra da lei, e não em moeda, mesmo que o signo monetário cubra três vezes o valor da carne a ser cortada], mas, ao mesmo tempo, impõe o respeito pela literalidade original ou pela palavra dada. É uma lei que preside à tradução, impondolhe respeito absoluto, sem transação [a tradução é uma transação], pela palavra dada na sua letra original. O juramento, a fé jurada, o ato de jurar, é a própria transcendência, a experiência da passagem para além do homem, a origem do divino ou, se preferirmos, a origem divina do juramento. Isso parece ser verdadeiro para a lei da tradução em geral.

Shylock roga pelo cumprimento da letra da lei, mas ele encontra-se diante da lei e Pórcia a decifra na língua dos homens, literalmente, em nome da lei divina e em nome do perdão divino, para evocar uma essência que está acima da lei e da linguagem humana, tentando confundir o judeu. Mas, não há, para Shylock, na linguagem poderosa do homem, nada que o faça mudar de ideia [ele exige uma economia impossível do cálculo: “a pound of flesh, to be by him cut off nearest the merchant’s heart”]. Para Pórcia, o perdão também passa pela linguagem, mas vai além dela, atravessa a lei e a linguagem e atinge, assim como o juramento, as esferas do divino e do transcendental. De um lado, a fidelidade de Shylock se associa ao cumprimento da letra da lei nua e crua. Do outro, o discurso de Pórcia sobre grâce, sobre mercy, se associa ao poder divino de perdoar eternamente [ou o que chamamos acima de significado transcendental]:

PÓRCIA - A misericórdia é uma virtude que não se pode fazer passar à força por uma peneira, mas pinga como a chuva mansa cai dos céus na terra. É duplamente abençoada: abençoa quem tem compaixão para dar e quem a recebe. Poderosa nos poderosos, harmoniza-se com o monarca ao trono melhor que a coroa. O cetro denota a força do poder temporal, o atributo real que inspira o respeito à majestade, fonte do temor e da reverência aos reis. Mas a misericórdia está acima de qualquer movimento do cetro. Ela tem seu trono no coração dos reis, é um atributo de Deus e um tributo a Deus, é um poder mundano que se mostra divino… quando a misericórdia vem temperar a justiça. Portanto, judeu, embora o cumprimento da justiça seja a tua argumentação, considere o seguinte: no cumprimento da justiça, nenhum de nós vai encontrar a salvação. Nós lhe suplicamos por misericórdia, e essa mesma súplica ensina-nos a todos que devemos praticar a misericórdia. Até aqui, falei para mitigar a sua argumentação em prol da justiça, que, se for mantida, este tribunal de Veneza fica obrigado a dar sentença contra aquele mercador ali. (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 71).

O perdão divino é estrangeiro à lei humana e está acima dela, não pode ser ordenado; ironicamente, é como uma bênção, como a chuva que cai do céu, que cai do mais alto como para revelar sua hierarquia. O perdão é uma troca entre quem o pede e quem o concede, mas o poder de perdoar só pode vir de quem está no poder. Perdão e poder, poder perdoar, então, são atributos cristãos. Até aqui, Shylock se mantém irredutível, não se dobra ao apelo de misericórdia, não se dobra à conversão cristã, é ele o circuncidado e quem recebeu um nome judeu [Shylock, a marca divina], é ele o filho de uma mãe judia [a herança divina], o seu destino é seguir a lei de Deus [onipotente, onisciente, onipresente], é ele o representante direto de Deus na Terra [um original].

Pórcia, ou melhor, Pórcia travestida de Balthazar [uma tradução], atesta: a letra está vencida, que se retire a libra de carne do cristão!9 9 “PÓRCIA - Esta promissória já venceu, e, por lei, segundo este documento, o judeu pode requerer a sua libra de carne, a ser cortada por ele o mais perto possível do coração do mercador. Seja piedoso: leve o triplo do dinheiro; peça-me para rasgar a promissória.” (SHAKESPEARE, 2013, p. 72). Shylock a exalta - como é nobre, sábio, justo e extraordinário, oh, douto juiz10 10 “SHYLOCK - Ah, que nobre juiz! Ah, que excelente jovem!” (SHAKESPEARE, 2013, p. 72). . Pórcia ordena que Antonio mostre o peito, que Shylock cobre sua dívida [agora começa a derrocada do judeu]. Ela encontra uma brecha na lei [ela mesma já é uma brecha - uma tradução!] para liberar Antonio da pena. Bellario, um respeitável homem e velho representante da lei, transmite a ela, por genealogia, por herança, o saber, o poder. O poder terreno, genealógico, hereditário, masculino e estatal, somado ao poder cristão e divino de perdoar [poder de perdão mais divino que o divino] garantem a seguinte tirada de Pórcia: a corte lhe concede o corte da carne do cristão, judeu, mas nenhum sangue pode ser derramado! Tire a sua parte!11 11 “PÓRCIA - Espere um minutinho, tem mais uma coisa. A promissória não prevê que te apropries do sangue do mercador. As palavras dizem expressamente ‘uma libra de carne’. Então, pega a tua promissória e pega a tua libra de carne, mas, ao fazer o corte, se tu derramares uma única gota de sangue cristão, tuas terras e todos os teus bens serão confiscados pelas leis de Veneza e passarão a ser propriedade do Estado.” (SHAKESPEARE, 2013, p. 74). A partir daí, Shylock perde tudo. Perde a sentença, perde as posses, perde as economias, e mais importante, perde a judeidade e pede a piedade compulsoriamente - é convertido em cristão. Fim da cena!

4. A LEI DA TRADUÇÃO

Até agora, fizemos muitas investidas, queimamos etapas, bordejamos para lá e para cá, mas é hora de nos engajarmos numa tradução relevante. Traduzamos as traduções de Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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para a cena de perdão em The merchant of Venice. Traduções no plural, porque, em Qu’est-ce qu’ne traduction relevante?, o filósofo faz múltiplos jogos de tradução, servindo-se da narrativa shakespeariana para tratar de temas da tradução, ao mesmo tempo em que enxerta, nessa, uma outra história de tradução, além de jogar com os termos dos quais trata - a indecidibilidade ao falar mais de uma língua, as promessas e dívidas, as homofonias, homonímias, quantidades e (in)equivalências, (in)traduzibilidades, transformações e abas de outros textos.

A maior parte dos trabalhos que compõem o corpus de Derrida, como é o caso de Qu’est-ce qu’ne traduction relevante?, é, primeiro, proferida, lida em eventos de natureza acadêmica para, só então, ser publicada em livros ou em outros formatos impressos. O texto em questão foi proferido em 1998, na França, numa conferência inaugural para um público de tradutores12. Derrida inicia seu discurso replicando a cena de perdão ao se dirigir a seus ouvintes, agradecendo-lhes a hospitalidade [pois compartilham a mesma língua e isso implica certa traduzibilidade, entendimento mútuo], mas logo, ao lhes dar graças, pede-lhes grâce, e que sejam merciful consigo, prometendolhes uma economia necessária, mas impossível. Jura não se perder em filosofemas, mas é o que faz desde o início de sua apresentação. Ele faz promessas que, deliberadamente, não cumpre. Aborda o tema da tradução relevante, que em breve discutiremos [prometemos!].

Uma vez que estamos a-traduzir, e a tradução deve ser relevante, manteremos o suspense performado por Derrida aqui também. De onde releva, pois, a palavra relevante? Quando se diz relevante, essa palavra é francesa ou inglesa? Esse é um questionamento que moverá toda a argumentação de Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, ao tempo em que constrói um jogo de palavras em mais de uma língua, como merci e mercy, extraindo-as do léxico da obra de Shakespeare - que lê em inglês, mas também em tradução na língua francesa13 13 Em Qu’est-ce qu’ne traduction relevante?, Derrida lê a tradução francesa Le Marchand de Venise, de François-Victor Hugo. Aqui, neste trabalho, lemos O que é uma tradução relevante? (DERRIDA, 2000), na tradução de Olivia Niemeyer Santos, além do original The merchant of Venice (SHAKESPEARE, 2018) e sua respectiva tradução para o português, O mercador de Veneza (SHAKESPEARE, 2013), de Beatriz Viégas-Faria. -, para, então, (re)montar sua(s) torre(s) de babel.

Tudo na peça de Shakespeare se traduz em questões de tradução. Se considerarmos a clássica tripartição de Roman Jakobson (1978JAKOBSON, Roman (1959). Aspectos linguísticos da tradução. In: JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. Tradução de Isidro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 63-72.), podemos ler: 1) tradução intersemiótica [libra de carne em dinheiro]; 2) tradução intralingual [Do you confess the bond? I do!]; 3) tradução interlingual [mulher em advogado; judeu em cristão]. No entanto, Derrida (2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 25, grifos nossos) vai mais além e tematiza, pelo menos, quatro aspectos ligados à tradução e à tarefa do tradutor: 1) o juramento, a cena de promessa [que não pode ser cumprida] e a impossibilidade de se restituir a dívida; 2) “o tema da economia, do cálculo, do capital e do juro, da dívida impagável feita a Shylock”; 3) a inequivalência entre a libra de carne e a libra devida; 4) a tradução como transformação, como conversão, a exemplo da circuncisão de Shylock, sua marca, que é rasurada para que haja salvação. A sua circuncisão deve ser espiritual. Sai a marca judia, entra a marca cristã. E também, mas não menos importante, a transformação de Pórcia, a mulher que se (tra)veste, (trans)verte em homem da lei. A tradução, então, se apresenta, tanto “necessária como impossível. Ela é a lei, ela até fala a linguagem da lei além da lei, linguagem da lei impossível”, como se o tema de The merchant of Venice fosse “a tarefa do tradutor, sua tarefa impossível, seu dever, sua dívida tão inflexível quanto impagável” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 24).

A relação com a lei, no entanto, é sempre mediada. A lei nunca se apresenta ela mesma; sempre se apresenta pelos seus representantes, de forma hierárquica. Como sabemos, na peça de Shakespeare, a lei é cristã. O cristão [o Doge; Pórcia-Balthazar] é um missionário que quer expandir [traduzir] o amor de Cristo. Ele deve ser misericordioso. O perdão permanente é a sua lei [Pai nosso que estais no céu, perdoai-nos as nossas ofensas, nossas faltas, nossas promessas não cumpridas, assim como nós perdoamos àqueles que nos falharam, que nos devem]. Sua missão é converter. E esta lei de conversão vale também para a tradução. O perdão é divino, mas quando, no poder humano, se perdoa, o perdão do homem se eleva ao divino: “aquele que perdoa está, como o próprio perdão, no alto, muito alto, acima daquele que pede ou obtém o perdão” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 34). A graça, caída do Céu, compassiva, no compasso do coração do seu representante cristão, dá-lhe a graça de poder perdoar na Terra. Como afirma Derrida (2000, p. 40)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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: “Desde que haja perdão, acedemos, na experiência dita humana, a uma zona de divindade: a graça é a gênese do divino, do santo ou do sagrado etc., mas também o lugar da tradução pura.” O perdão, então, não vem só de Deus. A aliança entre os poderes - o celestial e o terreno, o divino e o cristão, o segundo como que uma tradução, expansão, suplemento perigoso do primeiro -, na cena de perdão derrida-shakesperiana, releva todas as “astúcias e todas as vilanias que permitirão ao advogado Pórcia, porta-voz de todos os adversários cristãos de Shylock, do mercador Antonio ao Doge, impor sua razão sobre a dele, fazê-lo perder tudo, sua libra de carne, seu dinheiro e mesmo sua religião” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 41). Pórcia, traduzida de advogado, defende o cristão que (per)jura e, num gesto de ludíbrio, força Shylock à conversão. Essa é a justiça cristã, a lei da tradução e a tradução da lei divina na língua humana, conforme demonstra a citação de Derrida (2000, p. 26-27)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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sobre o perjúrio na seção anterior.

O texto bíblico, a lei cristã, vem sendo traduzido desde a Antiguidade e fala mais de uma língua [católica, ortodoxa, protestante, espírita etc.]. Nesse percurso de transformações, fixaram-se leis e estruturou-se a história da tradução. São Jerônimo e Cícero, por exemplo, já põem em xeque a tradução literal [ipsis litteris; só quero a letra], tão requerida por Shylock:

Cícero franqueia a tradução de sua obrigação para com o “verbum”, de sua dívida em relação à palavra por palavra. A operação que consiste em converter, em retornar (“convertere, vertere, transvertere”) não deve se deixar tomar pela palavra ou tomar a palavra ao pé da letra. [...] E a divisa de São Jerônimo, que foi, como Lutero, um dos pais de uma certa ética da tradução, uma ética que sobrevive, mesmo se é contestada na nossa modernidade, é: “non verbum e verbo, sed sensum exprimere de sensu” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 21).

A lei da tradução, por tradição, é a da literalidade. Só quero a letra, só desejo a letra - mas esse desejo é impossível de ser realizado, diz Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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. Carregar um texto letra a letra, letra por letra, de uma língua para outra é uma tarefa fadada à ruína. A lei é que toda tradução seja quantitativamente a mesma do original [a libra de carne em dinheiro é impossível], “mas talvez, uma tradução seja consagrada à ruína, a essa forma de memória ou de comemoração que se denomina ruína; a ruína talvez seja sua vocação e um destino que ela aceita desde a origem” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 21).

A ruína de toda tradução é a impossibilidade do significado transcendental, da transposição transparente entre as línguas. É impossível recalcular o incalculável. Para converter, é preciso perder, ou melhor, transformar. Mas, se por um lado há ruina, se há a morte daquele corpo escritural numa dada língua, por outro, esse corpo estará igualmente fadado a sobreviver em outro corpo, em outra língua. Nesse sentido, mesmo arruinada, a tradução também triunfa.

No modelo clássico de tradução, uma unidade de sentido de uma língua é transportada para outra - a derivada tentando resgatar, na originária, sua mesmidade. Se isso fosse verdade [transcendental], a tradução não seria acometida de loucura quando estivesse a trans→portar uma homonímia ou homofonia, como é o caso do sintagma “l’arrêt arrête l’arrêt”, em Sobreviver/Diário de Borda (DERRIDA, 2003DERRIDA, Jacques (1986). Sobreviver/Diário de Borda. Tradução de Élida Paulina Ferreira. In: FERREIRA, Élida Paulina. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. 2003. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2003. p. 16-85.)14 14 Uma curiosidade a-borda este texto. Living on/Borderlines foi publicado, pela primeira vez, na tradução de James Hulbert, em língua inglesa, na obra Deconstruction and Criticism (1979). Em 1986, o suposto “original”, Survivre/Journal de bord, foi publicado em francês, compondo a coletânea Parages. Já a tradução brasileira, Sobreviver/Diário de borda, está disponível na tese de doutoramento de Élida Ferreira (2003). O texto de Derrida [e o de seus tradutores] põe em articulação as línguas de Maurice Blanchot e Percy B. Shelley. A atração que Derrida demonstra entre esses dois autores e suas línguas é como a que performa na sua escrita tradutória, que em Living on/Survire/Sobreviver, tem, pelo menos, dois sentidos: tradução como a possibilidade de The triumph of life [triunfo da vida/tradução] ler L’arrêt de mort [pena/suspensão/parada de morte/tradução], e vice-versa; e no sentido de um texto garantir a sobrevida de outro. . Como transportar estas unidades de sentido na língua de Derrida para a nossa língua portuguesa? A pena pena a pena, a pena para [preposição ou verbo?] a pena, a parada para a parada? As possibilidades de tradução para l’arrêt arrête l’arrêt parecem infinitas. Mesmo no francês [o suposto original], os jogos de traduções restam indecidíveis: impedimento, parada, desistência, desativação, cancelamento, descontinuidade - nos dois sentidos mais marcados pela tradução de Élida Ferreira para o original de Derrida (2003, p. 42)DERRIDA, Jacques (1986). Sobreviver/Diário de Borda. Tradução de Élida Paulina Ferreira. In: FERREIRA, Élida Paulina. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. 2003. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2003. p. 16-85., “a pena pára a pena” -, suspender, prender, estancar, cancelar, parar. É preciso parar por aqui para não enlouquecer. Ora, sinonímia não quer dizer igualdade. Conforme [o texto de Derrida/ tradução de Ferreira] abaixo:

Se há uma parada [arrêt] na tradução, tal limite não se deve a alguma indissociabilidade essencial entre o sentido e a língua, do significado e do significante, como afirmam. Ela é econômica (resta, sem dúvida, pensar esse econômico) e guarda uma relação essencial com o tempo, o espaço, o cálculo dos signos ou, mais ainda, das marcas. Não fetichizar ou substancializar a unidade da palavra. Por exemplo com muitas palavras ou com pedaços de palavras, o tradutor triunfará mais facilmente sobre o que suspende [arrêt], como na expressão morte suspensa [arrêt de mort]. Não sem resto, naturalmente, porém mais ou menos facilmente, de maneira mais ou menos estrita e fechada. (DERRIDA, 2003DERRIDA, Jacques (1986). Sobreviver/Diário de Borda. Tradução de Élida Paulina Ferreira. In: FERREIRA, Élida Paulina. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. 2003. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2003. p. 16-85., p. 79-80, grifos do autor [ou da tradutora?]).

Ao pé da letra, esse desejo de transparência requerido da tradução, pode, muito provavelmente, perder o pé e a letra nos casos em que as unidades traduzantes são homofonias e homonímias. A literalidade, já o sabemos, é impossível, mas não se pode fugir de uma filosofia da palavra. Há, na perspectiva derridiana, uma lei de economia, isto é, o entrelugar da quantidade [a unidade de medida da tradução é a palavra] e da propriedade [sentido], para que uma tradução seja relevante. “No início da tradução existe a palavra. Nada é menos inocente, pleonástico e natural, nada é mais histórico que essa proposição, mesmo se ela parece evidente demais”, afirma Derrida (2000, p. 20)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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Sabendo disso, em Sobreviver/Diário de Borda, Derrida (2003)DERRIDA, Jacques (1986). Sobreviver/Diário de Borda. Tradução de Élida Paulina Ferreira. In: FERREIRA, Élida Paulina. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. 2003. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2003. p. 16-85. desafia seus tradutores: ele ocupa o espaço da borda inferior do texto, o lugar tradicional para que os tradutores peçam perdão por suas dívidas, o lugar onde a-locam suas notas de tradução - transbordando o texto por uma dificuldade de parada ou adiando a pena da tradução, onde revelam/relevam sua (in)fidelidade à unidade da palavra exigida pela lei da tradução. Desse modo, Derrida (2003)DERRIDA, Jacques (1986). Sobreviver/Diário de Borda. Tradução de Élida Paulina Ferreira. In: FERREIRA, Élida Paulina. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. 2003. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2003. p. 16-85. força seu tradutor a sair do texto, mas também a nele permanecer, implicando-o, deliberadamente, num double bind. É esta falta imperdoável que dá lugar à aporia da tradução.

E uma tradução que se pretenda relevante deve operar numa lógica do entrelugar: nem totalmente traduzível, mesmo que haja todo o tempo e lugar para explicar uma unidade traduzante; nem totalmente intraduzível - nesse caso, a tradução sofrerá transformação [a pena para Shylock não nos deixa negar]. É impossível, na noção de tradução que Derrida nos apresenta, pensá-la como mera equivalência. Pois, para além de trocar os significantes de uma língua pelos significantes de outra e se manter o significado do texto original, há muito mais em jogo, há o contexto, as subjetividades, as escolhas, os vacilos, um jogo de diferenças que começa mesmo antes de uma tradução de uma língua para outra, que começa antes de se materializar o original.

Nesse sentido, a promessa/dívida assumida pelo tradutor não vai nem pode dar o fechamento da palavra final, já que o trabalho transformacional é conduzido por uma (in)decisão contínua e infindável. A tradução, assim, seria sempre transformação e indecidibilidade. Transformação porque “Não haveria texto ou sentido original antes de uma leitura” (SISCAR, 2001SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93., p. 87), pois o que se chama de original se estabelece e se modula segundo as diversas interpretações de um texto que, dessa maneira, perde qualquer essência ou significado intrínsecos. O sentido do original é o sentido que lhe atribui um leitor ou uma determinada situação interpretativa, um determinado contexto de leitura (SISCAR, 2001SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93., p. 87).

No processo de leitura/tradução, além de o tradutor imprimir suas marcas identitárias, perde-se o acontecimento do original, que já não estava lá sem falta, pois o seu processo de criação constitui-se de uma passagem do pensamento ao discurso, fenômeno que evidencia a tradução como um problema de origem, e não de original; dito de outro modo, “alçar a leitura a elemento constitutivo dos sentidos apenas desloca a origem do sentido; sua originariedade fica intocada” (SISCAR, 2001SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93., p. 89). Assim, a leitura do “original” passa a ser, de alguma forma, um original que tem garantida a sua origem de sentido na leitura, e não na sua produção, o que provoca um efeito de um original não idêntico a si mesmo (SISCAR, 2001SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93.).

E a tradução seria sempre indecidibilidade porque a língua do outro sempre demanda tradução/leitura/ interpretação, e uma certa intraduzibilidade impõe-se a quem se destina a essa tarefa, mesmo que a língua a-traduzir seja a mesma de quem traduz, o que nos remete novamente à aporia nem traduzível, nem intraduzível (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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; RODRIGUES, 2008RODRIGUES, Carla (2008). O sonho dos incalculáveis: coreografias do feminino e do feminismo a partir de Jacques Derrida. Dissertação de mestrado em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=11760@1. Acesso em: 16 maio 2022.
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/cole...
).

Quando propõe a différance, o duplo gesto de inversão da hierarquia e de deslocamento do sentido da unidade desconstruída, como maneira de não fixar o novo conceito formado em uma outra dualidade, Derrida (2001DERRIDA, Jacques (1972). Posições. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001., p. 49) marca esse afastamento com os indecidíveis, com unidades de simulacro “que não se deixam mais compreender na oposição filosófica (binária) e que, entretanto, habitam-na, opõe-lhe resistência, desorganizamna, mas sem nunca constituir um terceiro termo”. Para ele, essa lógica do nem/nem - paradoxal, aporética - “quer dizer ou ‘ao mesmo tempo’ ou ‘ou um ou outro’” (DERRIDA, 2001DERRIDA, Jacques (2001). Escolher sua herança. In: DERRIDA, Jacques. De que amanhã: diálogo. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 9-31., p. 50).

Esse é mesmo o caso da palavra relever. Diante de uma dificuldade em traduzir os termos Aufheben/ Aufhebung, de Hegel, de uma dificuldade de transportar as palavras alemãs para o francês, é que Derrida revela o relevante, ou melhor, releva “relevar” para falar de uma tradução relevante, e a sua tradução se consagra como a mais relevante [pelo menos até que uma nova se imponha], em nível internacional, comungada por várias línguas. Isso porque, até o momento em que para ou suspende a tradução dos termos de Hegel em relever - em 1967, 30 anos antes de se comprometer com situação semelhante em The merchant of Venice -, não havia um consenso de tradução para as palavras alemãs, que significavam, ao mesmo tempo, suprimir e elevar. Derrida promove, então, um casamento improvável entre dois termos díspares.

Para tentar fazer funcionar a ligação entre différance e Aufhebung, primeiro seria preciso lembrar que a Aufhebung hegeliana contém dois movimentos - a conservação e a superação, superação esta em que o novo elemento contém o que foi superado. Em cada etapa, a Aufhebung se estabiliza, mesmo que seja para ser superada em seguida. Estaria aqui a diferença “ínfima e radical” que Derrida se atribui em relação a Hegel, já que a différance aponta para um movimento em que conservação e superação se dão simultaneamente, sem que haja o momento da estabilização (RODRIGUES, 2020RODRIGUES, Carla (2020). Isso que permanece irredutível no trabalho de luto e na tarefa de tradução. Revue Iter, n. 2, p. 1-24. Disponível em: http://lire-travaillerderrida.org/revue/carla-rodrigues-isso-que-permanece-irredutivel-notrabalho-de-luto-e-natarefa-de-traducao/. Acesso em: 16 maio 2022.
http://lire-travaillerderrida.org/revue/...
, p. 13).

Acabamos de armar uma cena de casamento entre Hegel e Derrida, entre Aufhebung e relever, que nos leva a dois outros casamentos, o de François-Victor Hugo com Shakespeare, que se (re)casará com Derrida. A título de traduções, essa cena, já prenunciada [pré-nupciada], agora se matrimoniza. Trata-se da tradução de when mercy seasons justice, de The merchant of Venice, em que Pórcia faz seu discurso sobre o perdão, colocando-o acima da lei, elevando-o mais alto que a própria lei, dando-lhe um gosto de divinação. François-Victor Hugo, em seu contrato nupcial com Shakespeare, traduz when mercy SEASONS justice como le pardon TEMPERE la justice. Essa tradução, diz Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, não é má. Mas, para retomar o que ele diz sobre a unidade da palavra, lembremonos que, quando Pórcia diz must the Jew be merciful, esse Jew não se refere tão somente a Shylock, mas a toda a história do povo judeu, desde Abraão; a unidade da palavra traduz-se, portanto, de forma “histórica, institucional e convencional” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 16). Relever, assim, ainda tem mais dois sentidos na argumentação que Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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utiliza para traduzir o texto de Shakespeare e desquitar a tradução de François-Victor Hugo. O primeiro é culinário, pois, quando se tempera, o sabor se torna, supostamente, mais saboroso, o prato se transforma, transforma-se por ser ressaltado. “É bem o que diz Pórcia: o perdão releva a justiça, a qualidade do perdão releva o gosto da justiça” e “transforma-o sem transformá-lo, converte sem convertê-lo, mas sim melhorando ao elevá-lo” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 37). O segundo sentido é celestial, e relever eleva, sublima, exalta. O perdão, então, alça a justiça às alturas. “Graças ao perdão, graças à graça, a justiça é ainda mais justa, ela se transcende, espiritualiza-se elevando-se e relevando-se, por ela mesma, acima de si mesma. A graça sublima a justiça” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 38). Entre tantas possibilidades de jogos de sentidos nas línguas, arriscamos dizer que não há pureza na tradução, uma vez que a tradução está no trânsito, na différance e, sobretudo, na transformação que Derrida opera na frase de Shakespeare/François-Victor Hugo: le pardon tempère RELÈVE la justice - o perdão r/eleva a justiça. Para relevar Derrida (2000, p. 41)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, deixemo-lo falar:

Tendo assim proposto três justificações à minha tradução, tanto de “seasons” quanto de “Aufhebung” por “relève” (verbo e substantivo), acumulei razões demais para dissimular que minha escolha velava pela melhor tradução possível, a mais econômica, já que permitia traduzir tantas palavras, até mesmo tantas línguas, denotações e conotações, em uma única palavra.

No fim, o que é relevante? Derrida não diz o que é uma tradução relevante, se dissesse trairia a si mesmo, cairia nas teias do significado transcendental. Se a desconstrução não define, de alguma forma, a tradução não traduz. Ou traduz sem traduzir. É tudo muito indeciso. Déconstruction [não] traduz Abbau15 15 O termo desconstrução surgiu de uma operação tradutória, quando Derrida tentava traduzir Destruktion ou Abbau, de um texto do alemão de Heidegger, para o francês. Em Carta a um amigo japonês, Derrida (2005) nos ensina que déconstruction [desconstrução] trata-se de um arcaísmo da língua francesa, que ele resgatou a para evitar o sentido niilista do vocábulo “destruição”. Por essa razão, a desconstrução já nasce em tradução. ; relever [não] traduz Aufheben, mas esses termos alemães sobrevivem à operação tradutória de Derrida, sobrevivem em outra língua, sobrevivem à transformação e dão sobrevida aos trabalhos dos alemães. O original, para viver mais, para sobreviver, precisa da tradução. Derrida, então, a-trai Heidegger e Hegel, quita-os sem quitar, desquita-os e desconstrói, traduz sem traduzi-los, mas o perdão releva sua tradução, pois o filósofo sabe que uma tradução, ainda mais uma tradução relevante, é uma promessa, uma dívida (in)solvável e, se assume sua culpa, a graça lhe abraça.

A palavra relevante “não está somente em tradução”, mas, “por uma dobra suplementar”, qualifica “a tradução e o que uma tradução poderia dever ser, quer dizer relevante” (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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, p. 17, grifos do autor). A sua tradução [ou traição, isto é, infidelidade] de SEASONS por RELÈVE, diz Derrida, releva uma economia em que se traduzem muitas questões, da ordem da literatura à filosofia, de Shakespeare a Hegel, mas só o outro, em sua leitura-tradução, poderá dizer se, de fato, ela se revela relevante.

Quando há mais de uma língua no texto - a monolíngua do outro, a forma como o outro interpreta o mundo, e todas as línguas do texto, aquelas estrangeiras à língua mãe, esses casamentos que vão se formando na história da língua e que não se sabe de onde relevar -, de que língua releva relevante, do francês ou do inglês, em que código se lê? Relevante, nesse sentido, fala mais de uma língua, como o He war, de Finnegans Wake,16 16 Sobre a performance babélica desse He War (ele guerreia/ele foi), uma expressão anglo-saxã indecidível, conferir: DERRIDA, Jacques (1985). Duas palavras por Joyce. Tradução de Regina Grisse de Agostino. In: NETROVSKI, Arthur (org.). Riverrun, ensaios sobre James Joyce. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 17-39. e está marcada por uma certa impureza. A multiplicidade de sentidos disseminada por essa palavra [inglesa em via de afrancesamento, como afirma Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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] dificultou sua apreensão, sua clausura nas linhas acima, mesmo com tantos parágrafos elevando-a e suprimindo-a, fazendo rodeios, digressões e retornos. Só podemos, então, aqui e agora, suspender sua significação.

Essas indecisões e jogos de tradução no trade entre as [várias] línguas é o que marca a confusão das línguas e a tarefa do tradutor. Interdição e imposição da tradução, simultaneamente, como sentencia [é sentenciado em] Babel (DERRIDA, 2006DERRIDA, Jacques (1987). Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.). Se vale a máxima traduttore, traditore, é porque o tradutor é compelido a trair, pela impossibilidade de carregar a palavra de uma língua a outra, é compelido a transformar, transverter o corpo de uma língua no corpo de outra, como um ato de compaixão pelas línguas em movimento. Por isso, sentencia Derrida (2006, p. 25-26)DERRIDA, Jacques (1987). Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.:

A tradução torna-se a lei, o dever e a dívida, mas dívida que não se pode mais quitar. Tal insolubilidade encontra-se marcada diretamente no nome de Babel: que ao mesmo tempo se traduz e não se traduz, pertence sem pertencer a uma língua e endivida-se junto dele mesmo de uma dívida insolvente ao lado dele mesmo como outro. Tal seria a performance babélica.

Se essa é a lei da tradução, como ela se relaciona com o original, já que essa relação é de natureza contratual? Os originais não se materializam como que por graça, mas sim pelo processo de tradução do pensamento, pensamento que transita da ordem do não sentido para a ordem do sentido, isto é, que transcursa para o discurso (SISCAR, 2001SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93.). Seguindo nessa esteira do pensamento-tradução de Siscar (2001, p. 87, grifos nossos e do autor)SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93., a origem, esse grau zero menos um, não existe antes da leitura [nem depois] - “não existe original antes de sua tradução; é a tradução que, de alguma maneira, cria seu original”. Então, se não há sentido original nem significado transcendental, os sentidos se constroem pela leitura e intervenção de um sujeito [como fazemos exatamente agora], que transita por diferentes horizontes culturais, e a tradução perde, pois, o status de cópia e de devedora do original, de rebaixamento em relação ao texto original.

Considerando que o original também é uma tradução [lembremo-nos do que dissemos com Siscar (2001)SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93. há pouco], e uma tradução é sempre endividada, o tradutor sempre se encontra numa zona do desconhecido, ele precisa decidir, na sua tarefa, aquilo que nunca esteve decidido no suposto original. Portanto, ele não pode jurar fidelidade ao original. E como afirma Derrida (2006, p. 46)DERRIDA, Jacques (1987). Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.: “Se o tradutor não restitui nem copia um original, é que este sobrevive e se transforma. A tradução será na verdade um momento de seu próprio crescimento, ela aí completar-se-á engrandecendo-se.”

A tradução, pela lei sentenciada por nós, corroborada pela interpretação que nosso filósofo-tradutor deu por entre as linhas do texto de Shakespeare, está fadada à ruína, mas também ao triunfo. Na peça de Shakespeare, todos se transformam, ninguém é um só, pois a lei [cristã] é a de conversão, como, por exemplo: judeu em cristão; esposa em advogado. Shylock, fiel à letra da lei e à lei de seu Deus, foi forçado à conversão. Quase pagou uma dívida que não era sua, mas sim que lhe era devida, com a própria vida. Por perdão do alto, da alta corte, da lei divina, perdeu tudo, deu o que tinha, e nesse cálculo impossível restou-lhe sobreviver sob a marca cristã.

De outro lado, possível e impossivelmente, cobrando fidelidade e sendo infiel, Pórcia, travestida de homem da lei, daquele que pode perdoar, não só converteu o judeu, mas também cobrou o incobrável de Bassanio: o anel de casamento [o double bind da tradução] - uma análise que nos coloca em dívida, assumimos! Como um espelho, fiel e infiel, com razão, o texto-lei de Derrida reflete uma certa lei da tradução conforme ele traduz do texto-lei de Shakespeare - textos sobre os quais refletimos para fundamentar nossa própria lei. Todos esses textos em transformação são como fantasmas, uns apontando para os outros, mas sem nunca refletir o mesmo no espelho da tradução.

5. PROMESSA E DÍVIDA

Tudo ficou em suspenso enquanto tentávamos saber, afinal, o que, de fato, ocorreu na cena da tradução. Portanto, cabe ainda relever algumas considerações sobre o que, então, (sobre)viveu. Neste texto, nosso dever e promessa foi apresentar uma tradução da tradução [O que é uma tradução relevante?], discutir as metáforas, contratos e lei da tradução, conforme Derrida (2000)DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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os lê em Shakespeare [O mercador de Veneza]. Tentamos, pois, estancar algumas leituras, reflexões e análises, mas é notável que elas transbordaram por todos os lados.

Na seção Traduções, não só revelamos as traduções de Shakespeare, mas a tarefa da tradução ela mesma foi temperada, ressaltada, elevada, sublimada, para dar lugar [sem parada, em trânsito, troca e transformação] à língua da tradução a-traduzir. Em A lei da tradução, vimos que tudo na peça de Shakespeare se traduz em questões de tradução e que a lei da tradução, por tradição, é a da literalidade. Porém, trata-se de uma lei arruinada, assim como Shylock. Sua ruína é, pois, a impossibilidade do significado transcendental. Sendo assim, toda promessa acaba em dívida, vide o contrato entre Antonio e Shylock.

Mas, afinal, o que relevamos neste texto? A tradução é différance, troca, trânsito, trade, transação e transformação. Aqui, pelas brechas dos textos de Shakespeare e de Derrida, e de seus tradutores, enredamos nossa leitura. Isto é, a tradução fala mais de uma língua e, ao testemunharmos as monolínguas de Shakespeare e de Derrida, vimos outras línguas se impondo, como o alemão de Hegel - contudo não podemos esquecer as de Olívia Niemeyer, Beatriz Viégas-Faria, Marcos Siscar, Carla Rodrigues e a nossa própria.

Não há pureza da tradução. Assim, concluímos, sem concluir, que a tarefa do tradutor nunca arrête, porque é um trabalho de transformação, conduzido por um processo infinito de (in)decisão. Consequentemente, a tradução vai ser promessa e dívida, não sem que haja transformação e indecidibilidade, porque o sentido do “original” quem garante é o tradutor. Uma tarefa no limite - a mais apropriada e a mais apropriante possível (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
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).

Prometemos muito, mas já sabíamos que estávamos fadados à ruína, embora tenhamos chegado ao final e, por isso, triunfamos. Ainda assim, aceitem, por misericórdia, nosso perdão; relevem nossas falhas, oh, nobres, sábias, justas e extraordinárias pessoas tradutoras deste texto.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados da presente pesquisa foram extraídos da peça de Shakespeare, O mercador de Veneza, e do ensaio de Jacques Derrida O que é uma tradução relevante? Os textos podem ser recuperados da lista de referências abaixo.

  • 1
    O double bind da/na tradução é uma aporia, um (im)passe, uma situação (in)decidível. Dito de outro modo, trata-se da impossibilidade e, ao mesmo tempo, necessidade de traduzir um texto, por exemplo. Recomendamos a leitura de Torres de Babel, texto em que Derrida (2006DERRIDA, Jacques (1987). Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.) - fazendo uma articulação com o ensaio clássico de Walter Benjamin (2008)BENJAMIN, Walter (1923). A tarefa-renúncia do tradutor. Tradução de Susana Kampff Lages. In: CASTELLO-BRANCO, Lúcia (org.). A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: quatro traduções para o português. Belo Horizonte: Fale; UFMG, 2008. p. 66-81., intitulado A tarefa-renúncia do tradutor - discute sobre a tarefa do tradutor e a tradução como sobrevida. Nele, o filósofo reflete sobre o mito de Babel, e especificamente sobre a necessidade e impossibilidade de tradução desse nome próprio, Babel, que se deixa traduzir, não sem indecisão, como Deus, cidade ou confusão. Portanto, o double bind diz respeito à necessidade de restituição de um significado e, ao mesmo tempo, a impossibilidade dessa restituição, assim abrindo espaço para o que chamamos em Linguística Aplicada de transformação ou produção de sentido.
  • 2
    Pórcia para Bassanio, ao firmar o contrato de seu casamento: “Tudo eu lhe dou juntamente com este anel; quando você dele se separar, ou perder, ou der para alguém, que isso seja o presságio da ruína do seu amor por mim, e terei nas mãos oportunidade de denunciá-lo, meu senhor.” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 55).
  • 3
    Sobre o amor: “ANTÔNIO - Shylock, muito embora eu não empreste nem tome emprestado exigindo ou devolvendo em excesso, ainda assim, a fim de suprir as necessidades prementes de meu amigo, estou disposto a abrir uma exceção. [Dirigindo-se a Bassânio:] Ele já está a par da quantia que você quer?” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 23). Sobre o desamor: “SHYLOCK - Com o perdão da palavra, eu faço ouro e prata darem cria. Mas, preste atenção, Signor…/ ANTÔNIO - Note bem, Bassânio, o seguinte: o diabo sabe citar as Escrituras para seus próprios fins. Uma alma perniciosa que apresenta testemunho sagrado é o mesmo que um cafajeste com um sorriso na cara, uma maçã bonita podre por dentro. Ah, que bela fachada tem a falsidade!” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 24).
  • 4
    Nas notas de rodapé 5, 9, 10 e 11, apresentamos as falas dos personagens de O mercador de Veneza (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013.), para fazer referência/contraposição à tradução/transformação [(in)fiel; devedora] que operamos no corpo do texto.
  • 5
    “SHYLOCK - Signor Antônio, muitas e muitas vezes no Rialto o senhor me taxou disso e daquilo por causa dos meus dinheiros e das minhas taxas de juros. Sempre aceitei tudo com paciência, com um dar de ombros, pois este é o emblema de toda a nossa tribo: resignarse, sofrer em silêncio. O senhor me chama de infiel, de cão raivoso, e cospe na minha gabardina de judeu. E tudo porque faço uso daquilo que é meu. Pois bem, agora parece que você está precisando de minha ajuda. O que acontece? Você vem a mim e diz: ‘Shylock, nós queremos ter dinheiros’; é o que você diz, você que jogou o seu catarro nas minhas barbas e me chutou como quem enxota um vira-lata intruso porta afora, e você vem me pedir dinheiros. O que será que eu devo lhe responder? Eu poderia perguntar: ‘Um cachorro tem dinheiro? Pode um cachorro emprestar três mil ducados?’. Talvez eu devesse me curvar em profunda reverência e, no tom de voz de um escravo, com a respiração suspensa e com sussurrada humildade, eu devesse dizer: ‘Mui justo senhor, o senhor cuspiu em mim na última quarta-feira, o senhor me enxotou em um tal dia e, de outra feita, me chamou de cachorro; e, em consideração a essas cortesias, vou lhe emprestar estes tantos dinheiros.’” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 24). “SHYLOCK - Que julgamento devo temer, se não faço nada errado? Os senhores têm entre vocês muitos escravos, que os senhores compraram e que, como se fossem seus jumentos, seus cachorros, suas mulas, os senhores usam de modo abjeto, em tarefas nojentas. Porque os senhores os compraram. Devo então dizer-lhes ‘Libertem os seus escravos! Deixem que eles se casem com os seus herdeiros! Por que eles têm de suar, carregando pesadíssimos fardos? Permitam que as camas deles sejam tão macias quanto as suas próprias, e permitam que os paladares deles sejam agraciados com as mesmas carnes bem temperadas que vocês comem!’, devo dizer-lhes isso? Os senhores vão me responder ‘Os escravos são nossos’. Pois eu lhes respondo assim. Essa uma libra de carne que exijo dele foi comprada a peso de ouro; ela é minha, e vou levar o que é meu. Se isso me for negado, meus senhores, as suas leis são uma vergonha; os decretos de Veneza não são respeitados. Estou aqui para um julgamento. Quero que me respondam: terei o meu julgamento?” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 68).
  • 6
    « Il veut voir ou toucher la loi, il veut s’approcher d’elle, « enter » en elle parce qu’il ne sait peut-être pas que la loi n’est pas à voir ou à toucher mais à déchiffrer. »
  • 7
    Todas as citações de O mercador de Veneza/The merchant of Venice incorporadas neste trabalho foram extraídas, em português e em inglês, respectivamente, de Shakespeare (2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., 2018SHAKESPEARE, William (1600). The merchant of Venice. [S. l.]: Feedbooks, 2018. E-book. Disponível em: https://genialebooks.com/ebooks/the-merchant-of-venice-william-shakespeare/. Acesso em: 16 maio 2022.
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    ).
  • 8
    Podemos verificar essa impureza e indecidibilidade do significado se analisarmos o papel de Pórcia na peça de Shakespeare. Ela, esposa, uma personagem feminina, se traveste/traduz de homem, advogado, para ter acesso à lei, masculina. Seu travestimento, portanto, é uma ferida na lei que conclama pureza. Ainda, se retomarmos ao Renascentismo, período de produção de O mercador de Veneza (1600), essa indecisão se torna ainda mais problemática, já que, à época, as mulheres eram impedidas de encenar no teatro. Naquele contexto, os atores se travestiam para performar personagens femininas. Assim, Pórcia era interpretada [isto é, traduzida do texto ao palco] por um ator [homem] disfarçado de mulher [uma verdade sem verdade] e, ao mesmo tempo, essa personagem, já travestida, se transformava em homem [Balthazar, interpretado/traduzido por uma mulher/Pórcia-homem/ator]. Nessa breve cena de travestimentos, perdemos a verdade e a pureza, restando o significado [transcendental] por vir.
  • 9
    “PÓRCIA - Esta promissória já venceu, e, por lei, segundo este documento, o judeu pode requerer a sua libra de carne, a ser cortada por ele o mais perto possível do coração do mercador. Seja piedoso: leve o triplo do dinheiro; peça-me para rasgar a promissória.” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 72).
  • 10
    “SHYLOCK - Ah, que nobre juiz! Ah, que excelente jovem!” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 72).
  • 11
    “PÓRCIA - Espere um minutinho, tem mais uma coisa. A promissória não prevê que te apropries do sangue do mercador. As palavras dizem expressamente ‘uma libra de carne’. Então, pega a tua promissória e pega a tua libra de carne, mas, ao fazer o corte, se tu derramares uma única gota de sangue cristão, tuas terras e todos os teus bens serão confiscados pelas leis de Veneza e passarão a ser propriedade do Estado.” (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013., p. 74).
  • 12
    A ATLAS [Association pour la Promotion de la Traduction Littéraire], localizada na comuna de Arles, na França, além de promover a tradução literária, é um importante centro de formação nessa área, não só de tradutores profissionais, mas também de jovens tradutores, estudantes e pesquisadores. A instituição também possui um programa de residência que recebe tradutores literários, da França e de todo o mundo, que estejam vinculados a um projeto com alguma editora, além de autores que desejem trabalhar com seus tradutores e/ou pesquisadores. Qu’est-ce qu’ne traduction relevante? [O que é uma tradução relevante?] foi apresentado em 15 de novembro de 1998, na 15° Assises de la Traduction Litéraire à Arles [15ª Conferência de Tradução Literária de Arles], evento no qual Derrida fez a conferência de abertura para um público especializado.
  • 13
    Em Qu’est-ce qu’ne traduction relevante?, Derrida lê a tradução francesa Le Marchand de Venise, de François-Victor Hugo. Aqui, neste trabalho, lemos O que é uma tradução relevante? (DERRIDA, 2000DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866. Acesso em: 16 maio 2022.
    https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/a...
    ), na tradução de Olivia Niemeyer Santos, além do original The merchant of Venice (SHAKESPEARE, 2018) e sua respectiva tradução para o português, O mercador de Veneza (SHAKESPEARE, 2013SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013.), de Beatriz Viégas-Faria.
  • 14
    Uma curiosidade a-borda este texto. Living on/Borderlines foi publicado, pela primeira vez, na tradução de James Hulbert, em língua inglesa, na obra Deconstruction and Criticism (1979). Em 1986, o suposto “original”, Survivre/Journal de bord, foi publicado em francês, compondo a coletânea Parages. Já a tradução brasileira, Sobreviver/Diário de borda, está disponível na tese de doutoramento de Élida Ferreira (2003). O texto de Derrida [e o de seus tradutores] põe em articulação as línguas de Maurice Blanchot e Percy B. Shelley. A atração que Derrida demonstra entre esses dois autores e suas línguas é como a que performa na sua escrita tradutória, que em Living on/Survire/Sobreviver, tem, pelo menos, dois sentidos: tradução como a possibilidade de The triumph of life [triunfo da vida/tradução] ler L’arrêt de mort [pena/suspensão/parada de morte/tradução], e vice-versa; e no sentido de um texto garantir a sobrevida de outro.
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    O termo desconstrução surgiu de uma operação tradutória, quando Derrida tentava traduzir Destruktion ou Abbau, de um texto do alemão de Heidegger, para o francês. Em Carta a um amigo japonês, Derrida (2005)DERRIDA, Jacques (1987). Carta a um amigo japonês. Tradução de Érica Lima. In: OTTONI, Paulo. Tradução: a prática da diferença. 2. ed. rev. Campinas: Ed. Unicamp, 2005. p. 21-27. nos ensina que déconstruction [desconstrução] trata-se de um arcaísmo da língua francesa, que ele resgatou a para evitar o sentido niilista do vocábulo “destruição”. Por essa razão, a desconstrução já nasce em tradução.
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    Sobre a performance babélica desse He War (ele guerreia/ele foi), uma expressão anglo-saxã indecidível, conferir: DERRIDA, Jacques (1985). Duas palavras por Joyce. Tradução de Regina Grisse de Agostino. In: NETROVSKI, Arthur (org.). Riverrun, ensaios sobre James Joyce. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 17-39.

REFERÊNCIAS

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  • DERRIDA, Jacques (1998). O que é uma tradução relevante? Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n. especial, p. 13-44, 2000. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/4277/3866 Acesso em: 16 maio 2022.
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  • DERRIDA, Jacques (1972). Posições Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
  • DERRIDA, Jacques (1986). Sobreviver/Diário de Borda. Tradução de Élida Paulina Ferreira. In: FERREIRA, Élida Paulina. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. 2003. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2003. p. 16-85.
  • DERRIDA, Jacques (2001). Escolher sua herança. In: DERRIDA, Jacques. De que amanhã: diálogo. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 9-31.
  • DERRIDA, Jacques (1987). Carta a um amigo japonês. Tradução de Érica Lima. In: OTTONI, Paulo. Tradução: a prática da diferença. 2. ed. rev. Campinas: Ed. Unicamp, 2005. p. 21-27.
  • DERRIDA, Jacques (1987). Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
  • DERRIDA, Jacques (1985). Préjugés. Devant la loi. In: DERRIDA, Jacques et all. La faculté de juger. Paris: Editions Minuit. p. 87-139.
  • JAKOBSON, Roman (1959). Aspectos linguísticos da tradução. In: JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. Tradução de Isidro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 63-72.
  • RODRIGUES, Carla (2008). O sonho dos incalculáveis: coreografias do feminino e do feminismo a partir de Jacques Derrida. Dissertação de mestrado em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=11760@1 Acesso em: 16 maio 2022.
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  • RODRIGUES, Carla (2020). Isso que permanece irredutível no trabalho de luto e na tarefa de tradução. Revue Iter, n. 2, p. 1-24. Disponível em: http://lire-travaillerderrida.org/revue/carla-rodrigues-isso-que-permanece-irredutivel-notrabalho-de-luto-e-natarefa-de-traducao/ Acesso em: 16 maio 2022.
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  • SHAKESPEARE, William (1600). O mercador de Veneza. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2013.
  • SHAKESPEARE, William (1600). The merchant of Venice. [S. l.]: Feedbooks, 2018. E-book. Disponível em: https://genialebooks.com/ebooks/the-merchant-of-venice-william-shakespeare/ Acesso em: 16 maio 2022.
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  • SISCAR, Marcos (2001). A dificuldade de origem. Revista Letras, n. 56, p. 85-93.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2022
  • Aceito
    09 Maio 2023
  • Publicado
    31 Maio 2023
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