Acessibilidade / Reportar erro

Determinantes dos arranjos contratuais: o caso da transação produtor-processador de carne bovina no Uruguai

Resumos

Quais os determinantes da escolha do arranjo contratual nas transações entre produtores e processadores de carne bovina? A pergunta problema se insere no estudo dos mecanismos associados à coordenação da produção para dar respostas às preocupações dos consumidores. Observa-se a coexistência de arranjos contratuais nos sistemas produtivos de carne bovina, entre os quais a transação direta entre o pecuarista e o frigorífico, ou via intermediário especializado. A Economia dos Custos de Transação (ECT) pode ser utilizada para explicar a escolha dos arranjos contratuais observados, como resposta aos desafios de ganhos de eficiência "economizando" nos custos das transações. O presente estudo focaliza o sistema agroindustrial de carne bovina uruguaio, sendo estruturado em três partes. Primeiro a análise do histórico das relações entre produtores e processadores, e mudanças do ambiente institucional. A seguir, a partir das dimensões da transação (freqüência, especificidade de ativo e incerteza) geram-se hipóteses a respeito dos determinantes da escolha dos arranjos contratuais. Finalmente as hipóteses são testadas a partir de um modelo logit. Utiliza-se um painel de dados com a totalidade de transações realizadas entre produtores e processadores fornecidos pelo Ministério de Agricultura do Uruguai (77.000 transações). Os resultados validam estatisticamente as hipóteses levantadas a respeito dos determinantes da escolha do arranjo contratual entre produtores e processadores. Uma transação tem maior probabilidade de se alinhar com o arranjo contratual direto (mais coordenado) quanto maior o grau de ativos específicos envolvidos no produto, quanto menor a distância entre o produtor e o processador e quanto maior a freqüência de transações entre as partes envolvidas, corroborando a teoria de ECT.

Coordenação; Carne Bovina; Arranjo Contratual; Economia dos Custos de Transação


What are the determinants of the commercial channel choice in the beef producers-processors transactions? The question refers to the coordination and production control problem associated to changes in consumer's awareness of specific attributes in food products. Two contractual arrangements coexist in this transaction: direct-contracting and broker-induced transactions Transaction Cost Economic offers helpful insights to understand the reason for the development and adaptations of different contractual arrangement moved by transaction cost economizing perspective. The empirical analysis is focused in the Uruguayan beef agro-industrial system. Analysis integrates (i) institutional and organizational changes in the beef industry; (ii) based on the analysis of the transaction dimensions (frequency, asset specificity and uncertainty) we address hypothesis of the determinants of the contractual arrangement in the beef producers-processors transaction; and (iii) we run a statistical test of the hypotheses based on a logit model. We used a panel data with producers-processors transaction from Uruguayan Agricultural Bureau (77,000 transactions). We confirm the hypotheses of the determinants of the contractual arrangement choice. The probability of a transaction being aligned with the direct contractual arrangement increase in transaction with higher asset specificity (i.e., young steer), lower distance between the producer and the processor, and with higher frequency of transaction.

Vertical Coordination; Beef System; Contractual arrangement; Transaction Cost Economics


Determinantes dos arranjos contratuais1 1 Os autores agradecem aos professores Elizabeth Farina, Carlos Paolino e Sylvia Saes, pelos valiosos comentários e sugestões. Agradecemos também os comentários recebidos nas apresentações no seminário "Oficina Pensa" (Universidade de São Paulo, maio 2007), no XLV Congresso da SOBER (Londrina-PR, julho 2007) e no Workshop do Ronald Coase Institute (Boulder-CO, USA, set 2006). Esta pesquisa recebeu apoio financeiro da CAPES : o caso da transação produtor-processador de carne bovina no Uruguai

Mario Mondelli2 2 Universidade de Missouri - Columbia-Missouri, USA ; Decio Zylbersztajn3 3 Universidade de São Paulo, PENSA - Centro de Conhecimento em Agronegócios

RESUMO

Quais os determinantes da escolha do arranjo contratual nas transações entre produtores e processadores de carne bovina? A pergunta problema se insere no estudo dos mecanismos associados à coordenação da produção para dar respostas às preocupações dos consumidores. Observa-se a coexistência de arranjos contratuais nos sistemas produtivos de carne bovina, entre os quais a transação direta entre o pecuarista e o frigorífico, ou via intermediário especializado. A Economia dos Custos de Transação (ECT) pode ser utilizada para explicar a escolha dos arranjos contratuais observados, como resposta aos desafios de ganhos de eficiência "economizando" nos custos das transações. O presente estudo focaliza o sistema agroindustrial de carne bovina uruguaio, sendo estruturado em três partes. Primeiro a análise do histórico das relações entre produtores e processadores, e mudanças do ambiente institucional. A seguir, a partir das dimensões da transação (freqüência, especificidade de ativo e incerteza) geram-se hipóteses a respeito dos determinantes da escolha dos arranjos contratuais. Finalmente as hipóteses são testadas a partir de um modelo logit. Utiliza-se um painel de dados com a totalidade de transações realizadas entre produtores e processadores fornecidos pelo Ministério de Agricultura do Uruguai (77.000 transações). Os resultados validam estatisticamente as hipóteses levantadas a respeito dos determinantes da escolha do arranjo contratual entre produtores e processadores. Uma transação tem maior probabilidade de se alinhar com o arranjo contratual direto (mais coordenado) quanto maior o grau de ativos específicos envolvidos no produto, quanto menor a distância entre o produtor e o processador e quanto maior a freqüência de transações entre as partes envolvidas, corroborando a teoria de ECT.

Palavras-chave: Coordenação, Carne Bovina, Arranjo Contratual, Economia dos Custos de Transação

ABSTRACT

What are the determinants of the commercial channel choice in the beef producers-processors transactions? The question refers to the coordination and production control problem associated to changes in consumer's awareness of specific attributes in food products. Two contractual arrangements coexist in this transaction: direct-contracting and broker-induced transactions Transaction Cost Economic offers helpful insights to understand the reason for the development and adaptations of different contractual arrangement moved by transaction cost economizing perspective. The empirical analysis is focused in the Uruguayan beef agro-industrial system. Analysis integrates (i) institutional and organizational changes in the beef industry; (ii) based on the analysis of the transaction dimensions (frequency, asset specificity and uncertainty) we address hypothesis of the determinants of the contractual arrangement in the beef producers-processors transaction; and (iii) we run a statistical test of the hypotheses based on a logit model. We used a panel data with producers-processors transaction from Uruguayan Agricultural Bureau (77,000 transactions). We confirm the hypotheses of the determinants of the contractual arrangement choice. The probability of a transaction being aligned with the direct contractual arrangement increase in transaction with higher asset specificity (i.e., young steer), lower distance between the producer and the processor, and with higher frequency of transaction.

Key Words: Vertical Coordination, Beef System, Contractual arrangement, Transaction Cost Economics

JEL: D23, L14, Q13

1. Introdução

Quais os determinantes da escolha dos arranjos contratuais na transação entre produtores e processadores de carne bovina?

A pergunta problema se insere no estudo dos mecanismos de coordenação de sistemas agro-industriais para dar respostas às preocupações dos consumidores. Parte-se de evidências de mudanças nas preferências dos consumidores (estilos de vida, valorização do meio ambiente, da saúde) que exigem o desenvolvimento de sistemas agroalimentares estritamente coordenados4 4 O conceito de sistema agroindustrial estritamente coordenado foi apresentado em Zylbersztajn e Farina (1999). . Consumidores preocupados com o efeito dos alimentos na sua saúde, com a qualidade dos alimentos e com os impactos sociais e ambientais dos processos de produção têm pressionado a indústria de alimentos internacional a uma crescente cooperação no que refere ao desenvolvimento de produtos, e de sistemas para garantir a qualidade (MARTINEZ, 1996; LAWRENCE E HAYENGA, 2002; SCHROEDER, 2000).

Na indústria de carne bovina internacional as mudanças descritas e as pressões dos consumidores resultam em crescentes regulamentações e controles sobre os efeitos dos processos de produção no meio ambiente e na saúde humana. As crises agro-alimentares dos anos 90 na Europa e América do Norte associadas à dioxina e os casos de "vaca louca" (BSE) têm repercutido na demanda de mecanismos de certificação, na busca de garantias da origem e da qualidade dos alimentos. Os atributos de qualidade, nem sempre observáveis, exigem formas organizacionais e arranjos de coordenação não triviais.

Organizações estatais e privadas desenham estratégias para dar respostas às demandas dos consumidores e regulamentações, assim como para capturar as oportunidades representadas por consumidores de elevada renda predispostos a pagar maiores preços por alimentos produzidos de acordo com certas especificações dos produtos e dos processos de produção. Desenham-se sistemas de rastreabilidade e mecanismos de certificação para garantir a qualidade e a inocuidade dos alimentos. Alguns agentes (produtores e processadores) implementam estratégias em busca de melhora da qualidade e homogeneidade do produto.

O presente estudo focaliza o sistema agroindustrial (SAG) de carne bovina do Uruguai que é fortemente orientado para a exportação (exporta 75% da produção - dados INAC) e tem expressado mudanças nos arranjos contratuais desde 1996. Na década de 1990 se produzem mudanças importantes no SAG uruguaio que interromperam um ciclo de estagnação de longo prazo. Até então o negócio da carne bovina se baseava no volume comercializado com poucas especificações de qualidade nos cortes. Nesse ambiente competitivo as transações entre produtores e processadores não requeriam mecanismos estreitos de coordenação e as informações eram resumidas principalmente no preço do peso vivo.

Em 1996, o Uruguai consegue o status sanitário livre de aftosa sem vacinação, o qual abre as possibilidades de inserção no segmento mais dinâmico e de maior valor do comércio internacional de carne bovina. Muda o ambiente institucional com regulamentações estritas em matéria higiênico-sanitária para a habilitação das plantas de abate e processamento para a exportação. As oportunidades comerciais dos novos mercados promovem a necessidade de coordenação e confluência de estratégias das organizações estatais e privadas. Investimentos especializados ao longo do SAG são requeridos para capturar as oportunidades nos segmentos de maior valor.

As mudanças no ambiente institucional provocam aumento nos custos de transação que levam a redesenho das estratégias das organizações e ao desenvolvimento de arranjos contratuais estritos e estáveis. Associados aos investimentos surgem riscos contratuais e os arranjos passaram a ser redesenhados. Aumentou a complexidade do negócio com a coexistência de distintas estratégias orientadas a mercados diferentes. Em muitos casos, os mesmos processadores implementam estratégias orientadas aos segmentos mais dinâmicos e mantêm parte das vendas em mercados com menores requerimentos higiênico-sanitários e de especificações de qualidade dos produtos, nos quais colocam os produtos de carne bovina de menor valor (cortes do dianteiro e subprodutos).

As observações acima descritas se referem ao SAG uruguaio, entretanto podem ser generalizadas a sub-sistemas de carne bovina existentes em outras partes do mundo, o que sugere a relevância do problema focalizado por esta pesquisa. O problema de pesquisa se refere ao processo de mudança do ambiente institucional que induz, por um lado, novas estratégias das organizações privadas e estatais e, por outro, mudança dos custos relativos de transação. As implementações dessas estratégias requerem mecanismos estritos de coordenação e cooperação dos agentes envolvidos no SAG, resultando em mudança nos mecanismo de governança. Essa dinâmica é representada no seguinte esquema conceitual (Figura 1).


As mudanças de coordenação observadas no SAG ocorrem não apenas para gerar mecanismos de garantia de produtos seguros e com atributos específicos de qualidade, mas também para conseguir rápida adaptação às mudanças e assim explorar as oportunidades que o acesso a mercados de alto valor oferece. Associa-se o grau de coordenação à eficiência pela qual a cadeia adapta-se às novas situações de mercado. A cadeia deve adaptar-se à cada mudança por parte do consumidor, seja motivada pela mudança de seu padrão de preferência, seja motivada por uma nova legislação (ZYLBERSZTAJN, 1996, p. 195).

Na transação produtor-processador de carne bovina no Uruguai coexistem arranjos contratuais desde leilões tradicionais e eletrônicos, via intermediários, transações diretas, acordos de comercialização com distinto grau de formalização, entre outros. Dois são os dominantes e coordenam quase 50% do total de transações cada um. Por um lado, o arranjo contratual direto, representado por acordos de comercialização e, por outro, o arranjo via agente comercial intermediário especializado. A coexistência de arranjos não se observa apenas a nível agregado, mas também de forma individual. Todos os processadores e a metade dos produtores utilizam os dois arranjos contratuais dominantes.

A pecuária de corte é um setor baseado em ativos de média-baixa especificidade e em conseqüência os arranjos contratuais presentes são principalmente de mercado e formas híbridos. Desse modo a presente pesquisa se alinha com as preocupações das pesquisas em coordenação vertical que avançam no estudo da diversidade de formas contratuais e organizacionais que conformam as formas híbridas (KLEIN, 2005, p.456).

Destacam-se duas características do Uruguai que realçam o problema de pesquisa. Primeiro, a tradição de produtores e exportadores orientados para mercados de difícil acesso pelas exigências higiênico-sanitário como são os países de Norte América e Europa. Nesse sentido, o SAG de carne bovina do Uruguai tem sido afetado diretamente pelas mudanças associadas aos consumidores mencionadas anteriormente. Segundo, Uruguai é uma economia pequena e aberta, que restringe as estratégias baseadas em escala e, portanto, devem-se explorar estratégias de diferenciação de produtos e inserção em nichos de mercado. Destaca-se a grande importância do SAG carne bovina na economia local e a existência de oportunidades não exploradas no desenvolvimento competitivo e inserção internacional com produtos de maior qualidade e valor.

O presente artigo se estrutura em 5 partes. Apresentado nesta primeira parte o problema de pesquisa, segue o referencial teórico da Economia dos Custos de Transação. Na terceira parte apresenta-se a análise da transação produtor-processador de carne bovina. Integra-se a análise do histórico das relações entre produtores e processadores, das mudanças do ambiente institucional, das dimensões da transação (freqüência, especificidade de ativo e incerteza) e se identificam os determinantes da escolha dos arranjos contratuais presentes na transação estudada. Na quarta parte se apresenta o teste estatístico das relações causais identificadas. Finalmente, se explicitam as conclusões.

2. Referencial teórico

Como fora nos objetivos de pesquisa, a motivação do presente estudo é testar hipóteses explicativas dos determinantes da escolha dos arranjos contratuais entre os produtores, os processadores, os intermediários no SAG da carne. Joskow (1995, p. 249) explicita uma série de abordagens úteis e complementares para compreender esses aspectos organizacionais, comportamentais e inclusive de desempenho do sistema econômico. O autor argumenta que a Nova Economia Institucional (NEI) é uma extensão do paradigma da Moderna Organização Industrial, enriquecendo-a com a especificação do ambiente institucional, ausente das análises tradicionais baseadas em organização industrial, e das variáveis transacionais que determinam a organização das firmas e dos mercados segundo a ECT. Além disso, a NEI incorpora os efeitos retro-alimentadores e as interações entre o ambiente institucional, as estruturas, o comportamento e o desempenho das firmas e mercados." (JOSKOW 1995, p. 254).

A presente pesquisa se baseia na Economia dos Custos de Transação (ECT), especificamente na "perspectiva de governança" (governance perspective) associada aos trabalhos de R. Coase (1937), O. Williamson (1985, 1991), Klein, Crawford e Alchian (1978). De acordo como Joskow (1995), o foco das pesquisas nessa abordagem é a compreensão dos motivos explicativos dos arranjos institucionais, como salvaguardas de problemas pós-contratuais, arranjos desenhados em resposta aos desafios de economia (economizing)5 5 Ganhos de eficiência economizando custos de transação nos custos de realização das transações entre os agentes econômicos. O construto teórico considera que os agentes são auto-interessados, podendo em determinadas situações agir de modo oportunista e operam em um mundo de racionalidade limitada. A informação tem custo positivo, é distribuída assimetricamente e os contratos são incompletos. Arranjos institucionais emergem para reduzir custos diretos e indiretos de adquirir insumos, de elaboração dos produtos, e de venda de produtos e serviços. Na análise dos custos de transação se incluem os custos diretos de realizar a transação e os custos associados a conflitos contratuais (holdups e oportunismo).

Joskow (1995, p. 253) conclui que a essência da pesquisa associada à "perspectiva de governança" é a compreensão de por que alternativas organizacionais e arranjos contratuais emergem em mercados com diferentes características transacionais. De acordo com Williamson (1985, p.52): "[...] existem motivos econômicos racionais para organizar algumas transações de uma forma e outras de outras. Mas, quais são os fatores responsáveis para explicar as diferencas entre transações?".

Williamson (1991b, p.77) coloca que "[...] a adaptabilidade é o problema central da economia das organizações, citando Hayek (1945, p.524): "o problema econômico da sociedade é principalmente a rápida adaptação em circunstâncias particulares de tempo e espaço". Mudanças (tecnológicas, de demanda ou oferta) levam a dois tipos de adaptações. Williamson (1991b) classifica "adaptações autônomas" às adaptações para as quais o sistema de preços consegue transmitir todas as informações relevantes e induzir as adaptações dos agentes. Outras mudanças requerem respostas coordenadas entre os agentes. Estas são "adaptações coordenadas" e envolvem o realinhamento de mecanismos de coordenação e arranjos contratuais complexos e aspectos da organização interna.

Na metodologia formalizada por O. Williamson (1985, 1991) se analisa a relação entre as estruturas de governança e as variáveis observáveis das transações e do ambiente institucional. Definem-se três formas organizacionais que governam as transações: o mercado spot, formas híbridas coordenadas via contratos/acordos de distintos tipos, e a firma ou formas hierárquicas de integração vertical. Identificam-se nas transações três dimensões principais às quais se associam os custos de transação. A primeira é a freqüência das transações (as ocasionais e as recorrentes), entendendo por um lado que quanto menor a freqüência, menor será a exposição dos agentes a comportamentos oportunistas. Mas por outro, trocas recorrentes permitem o desenvolvimento de comprometimentos e reputação, limitando o comportamento oportunista. Deste modo, trocas recorrentes terão menor custo de transação se coordenadas por mecanismos extra-preço.

A segunda dimensão nas transações é a incerteza que dificulta o desenvolvimento de contratos completos, deixando lacunas que abrem a possibilidade de comportamento oportunista. Num ambiente de incerteza, a teoria indica que se requerem estruturas de governança coordenadas. A incerteza pode estar associada à demanda, qualidade, impossibilidade de medir os esforços individuais, ou a aspectos tecnológicos.

A terceira dimensão da transação refere-se à especificidade6 6 Um investimento é específico quando cria um ativo específico, e o grau de especificidade é dado pela perda de valor provocada pelo redirecionamento do ativo de uma transação para a sua segunda melhor opção. dos ativos envolvidos. Quanto maior a especificidade, maior valor terá esse ativo para um uso particular em relação a sua segunda melhor alternativa. O impacto de uma ação oportunista aumenta com o grau da especificidade do ativo, o que eleva os custos de transação. Definem-se seis tipos de especificidade: locacional, de capital físico, de capital humano, de ativos dedicados, de marca e temporal (Williamson, 1991). Quanto maior for a especificidade dos ativos envolvidos numa transação, maior será o custo de monitoramento na estrutura de mercado, tornando mais eficiente estruturas de governança híbridas (acordos) e hierárquicas em situações de ativos muito específicos. Assim, a especificidade dos ativos representa um importante indutor da forma de governança, uma vez que ativos mais específicos estão associados a formas de dependência bilateral que irá implicar na estruturação de formas organizacionais apropriadas (Zylbersztajn, 1995, p. 24).

Resumindo, a "Perspectiva de Governança" trabalha em um ambiente de racionalidade limitada, caracterizado pela incerteza e informação imperfeita. Dessa concepção do ambiente econômico decorrem os custos de transação, cuja minimização vai explicar os diferentes arranjos contratuais que cumprem a finalidade de coordenar as transações econômicas de maneira eficiente (FARINA et al., 1997, p. 23). A hipótese básica de alinhamento proposta por O. Williamson é representada na Figura 2.


Finalmente, o SAG é concebido nesta pesquisa e de acordo com a abordagem desenvolvida pelo PENSA7 7 PENSA: Centro de Conhecimento em Agronegócios. Programa interdisciplinar de pesquisa da Universidade de São Paulo , como um nexus de contratos formais e informais, cujo objetivo é coordenar a cadeia produtiva, provendo estímulos, controles e agilizando o fluxo de informações do mercado para todos os segmentos componentes do SAG. Tais contratos, formais e informais, desenham um continuum de soluções de coordenação, que vai das relações impessoais de mercado até a integração vertical. As transações realizadas podem ser caracterizadas segundo suas dimensões, respectivamente - freqüência, incerteza e especificidade de ativos envolvidos. A forma de governança decorrente será influenciada pelo ambiente institucional, tecnológico e organizacional que circundam os negócios privados. As estratégias das organizações, individuais e coletivas, agem sobre esses ambientes e podem alterar, internacionalmente, os atributos das transações, demandando mudanças na organização dos sistemas (FARINA et al. 1997, p.16).

3. Análise da transação produtor-processador

A pergunta sobre quais os determinantes da escolha do arranjo contratual entre produtores e processadores é central para a presente pesquisa. Essa questão envolve a análise da especificidade dos ativos físicos e humanos envolvidos na transação, da freqüência e o grau de incerteza que caracterizam as transações realizadas. Para cada dimensão da transação se levantam hipóteses específicas sobre seu efeito na escolha do arranjo contratual entre produtores e processadores. Essas hipóteses são testadas estatisticamente no item 4.

Deve-se considerar que o SAG de carne bovina uruguaia envolve mecanismos de coordenação das transações menos estritos se comparado com outras cadeias alimentares como a avicultura de corte e mesmo a de carne bovina nos EUA no qual uma parte importante das transações é coordenada via contratos. Porém coexistem diversos arranjos contratuais como o direto, via intermediários, leilões e diversos acordos com distinto grau de formalização.

3.1. O SAG carne bovina (Uruguai)

A pecuária de corte constitui uma atividade produtiva de grande importância na estrutura econômica do Uruguai. O setor agropecuário explica os 14% do PIB total e, dentro do setor agropecuário, a pecuária representa mais dos 60% do valor total de produção e entre 65 e 60% do valor agregado segundo os anos (BCU, 2004). Na pecuária o gado de corte explica os 43% do valor bruto de produção e mais dos 65% do valor agregado.

O Uruguai tem longa trajetória exportadora de carne bovina que data desde finais do século XIX e pode ser definido como um SAG fortemente orientado para a exportação. Exporta anualmente 75% da produção tendo como destinos principais os Estados Unidos, Canadá e países da U.E. A participação das exportações uruguaias no mercado internacional de carne bovina passou de 3,1% em 2001 para 6,6% em 2005 (PEYROU e ILLUNDAIN, 2005). As exportações de carne bovina representam 36% das exportações agropecuárias e 17% das exportações totais uruguaias.

Desde inicio dos anos 90, o SAG carne bovina tem expressado um destacado dinamismo produtivo e exportador. A produção aumentou a uma taxa anual de 3% no período 1990-2005. Quebrou-se o ciclo de estagnação de longo prazo, apagaram-se os tradicionais "ciclos" da pecuária (inter-anuais) e atenuou-se a sazonalidade anual da produção, conformando uma pecuária de "fluxos". O período é caracterizado por investimentos em tecnologia na produção e no processamento. Apaga-se a tradicional segmentação da indústria frigorífica (orientação mercado interno versus exportação). Dentre os 10 principais processadores (75% do abate total), não se identifica um padrão diferenciado em termos de tecnologia e destino interno ou externo. Porém, no setor produtor aumentou a heterogeneidade entre os produtores. O dinamismo produtivo esteve associado em grande medida a investimentos para a melhora da base forrageira. Esse dinamismo tecnológico foi de caráter heterogêneo entre os produtores (MONDELLI e PICASSO, 2001).

Em resumo, identificam-se mudanças tecnológicas importantes no SAG carne bovina a partir dos anos 90. A indústria frigorífica realizou investimentos nas plantas de abate, no sistema de packing e organização e treinamento dos trabalhadores. No setor produtor se consolidaram melhoras nos índices de produtividade por ha, taxa de desfrute, incorporação de pastagens melhoradas e se reduziu a idade média de abate. Houve uma melhora do mix de qualidade e homogeneidade da carne. A composição do abate de machos passou de 80% de 8 dentes (dentição completa com mais de 4 anos) em 1990 para menos de 40% em 2005 (dados INAC), incrementando-se a participação de categorias de novilhos precoces de 1a2 e 2a3 anos.

As exportações de carne bovina in natura duplicam em valor desde o ano 2000. O dinamismo exportador é explicado pelo incremento em quantidade, mas principalmente pelo incremento do preço médio por tonelada exportada. No período 2003-06 as toneladas exportadas aumentaram 50% e o preço por tonelada exportada aumentou 55% (dados INAC). Por um lado o preço internacional de carne bovina aumentou, mas por outro a melhor condição sanitária do Uruguai permitiu ampliar os mercados, melhorando o mix dos negócios de exportação de carne bovina e o preço médio de exportação.

A Tabela 1 apresenta os destinos principais e os preços médios por toneladas de carne exportada pelo Uruguai no ano de 2005. Identifica-se um grupo formado pelos países da U.E. e por nichos de mercado no Chile e Brasil que representa um segmento de alto valor e requerimentos de qualidade (principalmente cortes nobres do traseiro para consumo fresco). Num segundo grupo encontram-se EUA e Canadá que conformam um destino de produtos com menores requerimentos de qualidade e especificações (geralmente carne congelada). EUA representa uma atrativa alternativa de preços elevados por carne congelada - commodity - para a indústria de manufatura (hambúrguer). Destaca-se que o crescimento das exportações é explicado principalmente pelo aumento da carne congelada.

A Figura 3 apresenta a relação entre a evolução das exportações de carne bovina do Uruguai e os efeitos dos eventos (choques) no ambiente internacional e no Uruguai. O esquema resume as principais características do SAG carne bovina uruguaio. Primeiro a forte influência dos eventos internacionais na evolução das exportações. Os eventos internacionais podem se agrupar em dois grupos: nos mercados consumidores; e nos mercados produtores - concorrentes do Uruguai. Segundo, destaca-se a forte influência do status sanitário do Uruguai na evolução das exportações e do preço médio. O status livre de aftosa sem vacinação (a partir de 1996) e a rápida reação à crise aftosa 2001 tem permitido ao Uruguai aproveitar os eventos internacionais com efeitos positivos e mitigar os evento negativos. A partir de 2003 o status sanitário diferencial respeito de Brasil e Argentina tem permitido acesso privilegiado ao NAFTA.


Terceiro, destaca-se a evolução conjunta de carne congelada e resfriada. Como será discutido, o negócio de carne bovina se caracteriza por uma "produção conjunta" de alta e baixa qualidade (representadas, em parte, por carne resfriada e congelada). O período 2003-05 produz um extraordinário aumento das exportações principalmente de carne congelada devido aos bons preços do mercado EUA por carne commodity para a indústria de manufatura. Existe um potencial de expansão de exportações carne resfriada - de maior valor e requerimentos de qualidade - para consumo direto em nichos de mercado.

A indústria de carne bovina uruguaia pode ser definida como um oligopsônio competitivo. Os oito maiores processadores realizam 67% do abate e 70% das exportações em valor (dados INAC). A indústria frigorífica uruguaia vem incrementando o grau de concentração desde finais dos anos 80, porém a concentração é inferior à registrada pela indústria de carne bovina de países como EUA e inclusive da indústria manufatureira do Uruguai (LAENS et al., 2004). Existem quase 50 firmas que realizam atividades de abate e processamento. Firmas habilitadas para exportação são 35, das quais 19 têm habilitação para mercados "mais exigentes" em termos higiênico-sanitários (EUA e UE) (ORDEIX, 2001, p.18).

Até final dos anos 90, a maior parte dos frigoríficos eram de capitais uruguaios. Porém, o dinamismo do setor e as expectativas de expansão exportadora têm promovido o ingresso de capitais estrangeiros. Os frigoríficos com capitais estrangeiros representam quase 50% do abate total uruguaio (a maior parte dos capitais são brasileiros).

De acordo com o último Censo Agropecuário uruguaio (2000), existem 46.800 produtores rurais com bovinos (82% do total de produtores rurais do país), os quais somam uma superfície de 15,7 milhões de ha. (96% da superfície produtiva total do Uruguai). Desse modo o agro uruguaio é caracterizado pelos produtores pecuários. O 5% maiores produtores concentram mais de 30% da superfície e são responsáveis pelos 38% do gado abatido8 8 Dados: (i) de superfície DIEA (2003); (ii) de produção de gado para abate DICOSE 2004/05. . Existe uma grande heterogeneidade entre produtores no que se refere aos comportamentos e indicadores tecnológicos da produção. A fase da cria, principalmente com produtores mais tradicionais e extensivos, representa um dos principais obstáculos para o aumento da produção de carne bovina uruguaia.

3.2 Características da transação produtor-processador

3.2.1. Histórico das relações entre produtores e processadores

A relação produtor-processador se caracterizava no período 1974-1994 como de baixa integração e ausência de confiança entre esses dois elos da cadeia produtiva. Longe de um ambiente de cooperação, a relação padrão era de conflito e as estratégias eram orientadas para alcançar maior poder de barganha e preços mais convenientes a depender da parte envolvida. A desarticulação não se limitava apenas às relações entre pecuaristas e processadores, mas também entre produtores das fases de cria, recria e engorda. A falta de confiança entre os elos teve como resultado um baixo grau de intercâmbio de informações. Pagamento com base em preço médio, e na maioria dos casos com negócios em primeira balança (peso vivo), sistema de pagamento que não premiava o rendimento da carcaça. Em suma, falta ou ausência de incentivos para intensificar os sistemas de produção, reduzir a idade do abate, melhorar a genética com base em atributos de qualidade demandados pelos frigoríficos.

A década de 1990 representa um ponto de inflexão no SAG de carne bovina uruguaio. Mudanças importantes resultaram no incremento significativo da produção e em particular das exportações, promovendo uma re-estruturação das relações contratuais entre produtores e processadores.

No final dos anos 90 começam a surgir estratégias de cooperação entre produtores e processadores. Grupos de produtores intensivos em tecnologia e com bom desempenho produtivo desenvolvem iniciativas de acordos de comercialização com os processadores. Os processadores começaram a promover um trato mais direto com os produtores como forma de transmitir sinais e compartilhar informações relevantes dos processos de produção. Os intermediários, que tradicionalmente ocupavam uma participação importante na intermediação da cadeia, diminuíram a sua atuação. Os acordos de comercialização evoluíram e representam entre 15 e 20% do abate total (PAOLINO et al., 2004; CHIARA, 2002; GUARDIA E ZEFFERINO, 2002).

3.2.3. Características das transações

Destaca-se a coexistência dos arranjos contratuais (direto e via intermediário) na transação entre produtores e processadores. Todos os processadores e quase a metade dos pecuaristas utilizam ambos arranjos contratuais (ver Tabela 2). Os intermediários operam em todas as regiões do país. Sua participação é mais importante na região centro e na região noroeste de piores solos e pecuária mais tradicional.

A transação entre produtores e processadores no Uruguai compõese em média por 27 cabeças, das quais as principais categorias são vacas gordas (39%), bois gordos (25%) e novilhos precoces (21%). A distância média (euclidiana)9 9 A distância euclidiana (mais curta) é uma aproximação da distância via estrada. produtor-processador é de 152 km. Ao subdividir as transações por tipo de arranjo contratual (Tabela 3, colunas 2 e 3) observa-se que as transações de comercialização direta (comparadas com as de comercialização via intermediário) envolvem, em média, um maior índice de especificidade de ativos, são realizadas por produtores e processadores mais próximos (em distância) e com maior freqüência de transações. O número de cabeças é em média maior10 10 O intermediário participa em vendas de produtores de menor volume. e tem um maior número de categorias de novilhos(as) precoces.

3.2.3 Produto envolvido na transação

A complexidade dos atributos do produto envolvido representa particularidades a serem consideradas na análise da transação produtor-processador. Existem categorias de gado para abate classificadas por sexo, idade, peso e em alguns casos tipificadas pelo processo de produção e atributos associados à qualidade como conformação e acabamento (relação carne/osso e carne/gordura respectivamente). Essas categorias têm incidência, por um lado, no preço do quilo de carcaça (associado ao mix de produtos potenciais para o frigorífico). Por outro, tem incidência nos investimentos necessários para a sua produção e processamento.

O SAG da carne bovina, sob a ótica dos frigoríficos é caracterizado: (i) grande número de produtos gerados; (ii) grande fragmentação do abastecimento em milhares de produtores; e (iii) diversidade de mercados com exigências diferentes de qualidade. Cada processador, considerando as complexidades descritas, ajusta o abastecimento de matéria-prima aos negócios de venda que dispõe e/ou desenvolve.

Se por um lado estudos indicam acentuada variação nos atributos dos produtos e subprodutos de cada carcaça, por outro indicam que o seu valor industrial11 11 O valor industrial depende de: (i) do leque de negócios de cada indústria que indica o preço de cada corte e subprodutos, e (ii) do peso de cada corte e subprodutos que se obtém a partir de cada carcaça. é identificável alto nível de precisão a partir dos atributos mensuráveis na carcaça. O peso da carcaça quente é um previsor dos pesos dos cortes, que complementado com medidas de cobertura de gordura12 12 Espessura de gordura na 10ª-11ª costela permite prever (com alto grau de confiança) cortes sem gordura e também para aqueles com alto conteúdo de gordura (i.e.: picanha) (de los CAMPOS et al., 2002).

3.2.4. Sistemas de pagamento e prêmios por qualidade

Coexistem diversos sistemas de pagamentos nas transações entre produtores e processadores que vão desde (i) preço por peso vivo (1ª balança), (ii) por rendimento da carcaça (2ª balança), (iii) prêmios por atributos da carcaça. Os dois primeiros são os dominantes, sendo que a sua participação tem mudado na última década na direção do pagamento por peso carcaça. No período 2000-03 as transações com sistema de pagamento em segunda balança representavam 69% para machos (novilhos e bois) e 61% para a categoria de vacas. No ano 2006 essa porcentagem tem superado os 80% para ambas as categorias (dados INAC).

O sistema de pagamento baseado em prêmios por atributos da carcaça envolve em geral acordos entre as partes. Esse mecanismo permite transmitir sinais mais claros ao longo do sistema e representa um "[...] sistema de preço vinculado ao verdadeiro valor dos produtos industriais a serem comercializados" (de los CAMPOS et al., 2002).

O sistema de bônus envolve baixos custos de mensuração direta na carcaça quente e ao mesmo tempo facilita o gerenciamento das operações na planta frigorífica ao concentrar lotes homogêneos (menor variabilidade). Os produtores são incentivados a gerenciar seus sistemas de produção para produzir lotes homogêneos que atinjam os atributos especificados na tabela de qualidade.

A cada categoria (novilho, boi, vacas e novilhas) corresponde uma tabela de qualidade. O preço final é estruturado a partir de um preço base ao qual se soma ou subtrai o bônus ou deságio a depender da classificação da carcaça. O bônus/deságio é uma variação ao redor de 4% (bônus) e de 3% (deságio) tomando por referência o preço base13 13 Com base nos acordos entre produtores CREA e frigorífico NIREA-SJ (2006) , que é, em geral, o preço médio da semana anterior fornecido pelo Instituto Nacional de Carnes (Organização Estatal). A Tabela 4 resume os sinais contidos nos sistemas de pagamento baseados em grade de qualidade com bônus e deságios no preço final por quilo de animal em segunda balança (peso morto).

3.3 Dimensões da transação

Produtores e processadores têm distintos canais de comercialização disponíveis para realizar as transações. Quais os fatores que determinam a escolha do arranjo de comercialização? Com base na ECT analisam-se os fatores envolvidos nas transações, em particular os mecanismos de coordenação vertical. Reconhece-se que as atividades comerciais não ocorrem em um ambiente econômico sem atritos, trazendo à luz o papel que os custos de transação têm na escolha dos mecanismos de coordenação.

Consideram-se os arranjos contratuais direto e via intermediário como duas estruturas de governança particulares. Na análise comparativa, por um lado, o arranjo direto representa um mecanismo mais coordenado no qual as tarefas de comercialização são integradas verticalmente e realizadas pelos próprios agentes (produtores e processadores). Por outro lado, o arranjo via intermediário representa um mecanismo no qual o serviço de comercialização é contratado. Esse tratamento foi empregado nos trabalhos empíricos de Anderson e Schmittlein (1984); Anderson e Coughlan (1987); Peng e York (2001); Baritaux et al. (2005). Os intermediários são vistos como firmas especializadas independentes que cumprem o papel de vendedores para os produtores e de compra dos frigoríficos, prestando assistência a ambas as partes.

3.3.1 Investimentos específicos

a) Ativos físicos e humanos:

A disposição dos consumidores de pagar um prêmio por produtos de qualidade e seguros sob a ótica da saúde humana e do meio ambiente, representa um incentivo para realizar investimentos em ambos os elos. Os produtores investem em pastagens, tecnologias de gerenciamento e controle do sistema produtivo, com o objetivo de produzir lotes homogêneos, de menor idade, e grau de acabamento e conformidade adequados às demandas particulares dos processadores. Os frigoríficos vêm realizando investimentos em tecnologias para adequar os processos de abate, desossa e packing aos requerimentos dos mercados e clientes mais exigentes. A implementação de sistemas de certificação, de marca e outros programas associados à alta qualidade, levou a desenvolver acordos e contratos de comercialização.

O produto transacionado entre produtor-processador de carne bovina classifica-se, em termos generais, em sete categorias14 14 Novilhos superprecoces (1-2 anos), novilhos precoces (2-3 anos), boi gordo (> 3 anos), novilhas (1-2 anos e 2-3 anos), bezerros(as), vacas e touros. . Essas categorias refletem diferenças no tipo de produto transacionado, em particular a respeito do grau de especificidade dos ativos envolvidos na produção e processamento do produto por ambas as partes presentes em cada transação. A produção de novilhos(as) precoces requer sistemas produtivos intensivos para obter engorda e acabamento dos animais em tempo restrito. Produtores que realizaram maiores investimentos teriam perda de valor caso orientassem o sistema produtivo para a produção de categorias como vacas ou bois com dentição completa (> 4 anos). A perda de valor também poderia ocorrer se o produtor tivesse que vender para outro frigorífico ou via intermediário, caso o produto precoce não seja valorizado como produto com atributos particulares de qualidade.

De modo análogo, os processadores realizam investimentos em ativos físicos e humanos para processar e comercializar as categorias precoces que são orientadas aos mercados mais exigentes em atributos de qualidade. Os investimentos envolvem áreas de laboratório para o controle da qualidade nos cortes (acidez, conteúdo gordura intra-muscular), packing e etiquetado, marketing, entre outros. Esses investimentos são somados aos investimentos para obter habilitação para exportação aos destinos mais exigentes. Gera-se uma situação de mútua dependência entre esses frigoríficos e os produtores de categorias precoces.

Estabelece-se uma relação entre as categorias de gado e o grau de especificidade dos ativos envolvidos na transação, sendo as categorias precoces as de maior especificidade em termos relativos15 15 Classificam-se as categorias de gado em três níveis de especificidade (1; 0.5; 0). Envolvendo especificidade = 1, os novilhos(as) precoces e superprecoces; especificidade = 0.5, os bois com mais de 3 anos e os bezerros; especificidade = 0, as vacas gordas e touros. . No outro extremo encontra-se a categoria de vacas, cuja produção requer investimentos menores e de caráter genérico, pois um amplo leque de sistemas produtivos realiza a engorda de vacas. Nesse caso o grau de especificidade de ativos é nulo e não existiria perda de valor caso for comercializado com um outro frigorífico ou via intermediário. A categoria boi (> 3 anos) envolve graus intermédios de especificidade. Uma parte dos bois para abate é vendida por produtores especializados na fase da engorda, os quais compram novilhos para a engorda a produtores criadores/recria. Esses produtores devem realizar alguns investimentos.

Por outro lado, os processadores dependem dessa categoria para alguns negócios em nichos de mercado que demandam cortes de elevado tamanho, atributos de PH e conteúdo de gordura. Para esses frigoríficos que orientam as estratégias de exportação para mercados mais exigentes, o abastecimento de categorias jovens que reúnam atributos específicos e lotes homogêneos será de grande importância para valorizar seus investimentos.

Identifica-se dependência bilateral entre os frigoríficos mais dinâmicos e os produtores de categorias jovens (mais intensivos), o que gera a hipótese de que transações com um mix de produtos que envolvem maior grau de especificidade de ativos (i.e., novilhos precoces) serão realizadas em maior proporção pelo arranjo contratual direto (mais coordenado).

H1: Quanto maior a especificidade dos ativos envolvidos na transação, maior a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual direto (mais coordenado).

b) Especificidade locacional:

A distância entre o produtor (Pi) e processador (Fj) está associada com o grau de especificidade locacional. Em distâncias menores, as partes ficam interligadas para economizar custos de transporte e em alguns casos de estoque ou monitoramento. No caso uruguaio, a produção encontra-se distribuída em todo o país enquanto os processadores estão concentrados na região sul. Em algumas regiões existem poucas alternativas de compradores para os produtores.

Distâncias menores, por um lado, favorecem a comunicação e o fluxo de informação, promovendo um relacionamento direto entre produtor e processador. Por outro lado, o transporte do gado além de custos, envolve perdas de qualidade associadas ao stress do animal, contusões, entre outros fatores que provocam descarte de cortes e maior PH24hs. Esses elementos têm sido avaliados pelo Instituto Nacional de Carnes como um fator relevante de perda de valor na cadeia (INAC-INIA-CSU, 2003). Assim uma distância menor envolve uma relação de mútua dependência produtor-processador e promove um relacionamento direto entre eles. Espera-se uma relação negativa da distância com a escolha do arranjo de comercialização direto.

H2: Quanto maior a distância entre o produtor e o processador envolvido, menor a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual direto.

3.3.2 Freqüência das transações

O nível de ativos específicos envolvidos na transação determina a importância dos custos de transação no alinhamento com o mecanismo de coordenação mais eficiente. Porém, como fora colocado por Anderson e Schmittlein (1984, p. 388) mecanismos de governança mais coordenadas envolvem custos elevados de implementação e manutenção. Para transações pouco freqüentes, a comparação de perdas associadas às ações oportunistas, serão menores que para uma firma integrada. Na medida em que as transações são mais freqüentes e o nível de especificidade não é trivial, estruturas mais coordenadas serão desejáveis. Espera-se uma relação positiva entre freqüência das transações e escolha do arranjo contratual direto.

H3: Quanto maior a freqüência16 16 Forma de cálculo da freqüência: para cada par Pi-Fj, soma-se o número de transações realizadas (Jul-2004 a Jan-2006). de transações entre o produtor e o processador envolvido, maior a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual direto.

Os intermediários terão vantagens na redução dos custos de transação (em particular de busca e negociação) para aqueles produtores com uma baixa freqüência de transações. Nesses casos os esforços de busca, negociação e possibilidade de desenvolver relacionamento de longo prazo com o processador baseado na reputação se vêem limitados. Dado o baixo número de transações, os custos dessas atividades podem resultar proibitivos, levando a escolher a comercialização via intermediário. De forma análoga, para os processadores o relacionamento direto com produtores que realizam transações ocasionais representam maiores custos. Nesse caso, transações via intermediário podem representar um arranjo mais eficiente.

Aspectos de reputação têm um papel relevante em algumas transações entre produtores e processadores, operando como garantia de acordos informais entre os agentes. Na literatura se consideram essas situações dentro do chamado contrato relacional referidos a um contexto histórico e social em que as transações são recorrentes. Nesses contratos existe a possibilidade de emergir confiança entre as partes, o qual resulta em um arranjo com menores custos de transação ao limitar o comportamento oportunista das partes (MIZUMOTO e ZYLBERSZTAJN, 2006). Os autores colocam que a confiança não depende apenas de uma das partes, mas pelo estoque de relacionamentos entre as partes. Transações que envolvem mecanismos de confiança são diferentes do mecanismo de mercado.

Assim a reputação representa um estoque de relacionamento que pode ser valorizado nas trocas sucessivas. Essas situações serão possíveis dentro do arranjo que envolve um relacionamento direto entre as partes. O efeito da reputação é parcialmente capturado pela variável "freqüência das transações". Transações que envolvam reputação entre as partes apresentaram elevada freqüência de transações entre o produtor e o processador envolvido.

3.3.3. Incerteza

Não se identificam elementos importantes na incerteza como determinante de escolhas diferentes do arranjo contratual, em particular entre o arranjo direto e via intermediário, foco desta pesquisa.

4. Teste estatístico dos determinantes do arranjo contratual

A seguir são apresentados os testes estatísticos das hipóteses levantadas sobre os determinantes que explicam a escolha do arranjo contratual entre produtores e processadores de carne bovina no Uruguai.

Hipóteses a serem testadas:17 17 As hipóteses são referidas à escolha do arranjo contratual direto. Onde arranjo direto (=1) e arranjo via intermediário (=0).

H1: β1 especificidade > 0 Quanto maior a especificidade dos ativos envolvidos na transação, maior a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual direto (mais coordenado).

H2: β2 distância < 0 Quanto maior a distância entre o produtor e o processador envolvido, menor a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual direto.

H3: β3 freqüência > 0 Quanto maior a freqüência de transações entre o produtor e o processador envolvido, maior a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual direto.

Para testar as hipóteses foi adotado o modelo econométrico Logit, considerado adequado para casos com variável dependente discreta binária. A variável dependente é o arranjo contratual observado em cada transação, sendo que as transações realizadas pelo arranjo contratual direto tomam valor = 1 e as transações via intermediário tomam valor = 0. Propõe-se o seguinte modelo para estimar a escolha do arranjo contratual direto em função das variáveis da transação explicitadas. O método usado para estimar o modelo logit é o de máxima verossimilhança e G(Z) é a função densidade acumulada que no caso de modelo logit é a função logística eZ/(1+eZ).

onde K = vetor de variáveis de controle

4.1 Painel

A base de dados de DICOSE-MGAP18 18 Division Contralor de Semovientes (DI.CO.SE.-MGAP) ( www.mgap.gub.uy/dgsg/DICOSE/). Dados levantados diariamente no formulário obrigatório "guia de propriedade e trânsito". Todos os produtores devem preencher esse formulário no momento de venda e transporte de gado para o abate. A informação do formulário não tem propósito fiscal, portanto, reduz os incentivos dos produtores a não informar devidamente. contém o universo de transações realizadas entre produtores e processadores no Uruguai no período de julho 2004 a julho 2005 (77.458 transações entre 9.294 produtores e 47 processadores). A partir dessa base de dados se construiu um painel com cinco transações por produtor selecionadas de forma aleatória. Nesse painel as unidades de cross-section (i) são os produtores e a unidade tempo (t) é capturada pela seqüência de transações realizadas por produtor.

Na Tabela 5 apresentam-se as características do painel e as médias das variáveis utilizadas por produtor. Na coluna (A), encontra-se o universo das transações entre produtores e processadores no Uruguai. Na coluna (B) se apresenta uma amostra com cinco transações por produtor selecionada aleatoriamente do universo das transações. Essa amostra é um painel não balanceado uma vez que alguns produtores realizaram menos de cinco transações no período considerado.

A descrição e o método de construção das variáveis são apresentados no ApêndiceApêndice.

Na coluna (C) se tem um painel balanceado com cinco transações por produtor. Nessa amostra foram eliminados aqueles produtores que realizaram menos de cinco transações. Essa seleção não é aleatória dado que os produtores excluídos são em geral os de menor tamanho que realizam transações ocasionais. Desse modo a amostra (C) pode apresentar viés de seleção. Porém, na amostra (C) se trabalha com 50% dos produtores que representam 86% das transações totais e 89% do volume total de cabeças produzidas para abate no ano 2004/05 no Uruguai.

Na Figura 4 observa-se o arranjo contratual utilizado por produtor, sendo que 46% destes utilizam ambos os arranjos. Para o teste estatístico importa o fato de que existem produtores que só utilizaram um arranjo contratual, enquanto outros utilizam diferentes arranjos em diferentes transações. Existem atributos da transação que levam um mesmo produtor a alinhar algumas transações de forma direta com o processador e outras via intermediário.


4.2. Regressões

O conjunto de regressões realizadas busca minimizar possíveis problemas de endogeneidade, na presença da qual a estimação da relação causal não seria consistente. Para reduzir esses problemas, usam-se as seguinte técnicas: (i) parte-se de um modelo teórico com base na ECT; (ii) incluem-se variáveis de controle das regiões e escala do produtor e da indústria, e sazonalidade; (iii) utilização de dados em painel19 19 Com informações repetidas ao longo do tempo, pode-se controlar o efeito específico de cada unidade (indivíduos ou firmas), capturando todas as características não observáveis inerentes ao indivíduo e invariantes no tempo. Essas características possivelmente estão correlacionadas com o termo aleatório e com as variáveis explicativas, de forma que sua exclusão impossibilitaria o processo de identificação da relação causal de interesse (MENEZES FILHO, 2001, p.438-9). . Ao trabalhar com dados em painel, controla-se o efeito não observado individual dos produtores que possam estabelecer uma preferência por um arranjo contratual particular e, portanto, terão maior predisposição a usar esse arranjo contratual.

A Tabela 6 apresenta quatro regressões, que diferem na base/amostra utilizada e no método de estimação. A primeira regressão, coluna (1), mostra a regressão logit com o universo das transações (pooled data). A coluna (2) apresenta os resultados da regressão logit controlada por efeito fixo a partir do painel (amostra B). A coluna (3) mostra a regressão logit por efeito fixo para o painel balanceado com cinco transações por produtor (amostra C). Por último, a coluna (4) mostra a regressão logit por efeito aleatório para o painel balanceado (amostra C).

Apresentaram-se quatro regressões com o objetivo de complementar a análise estatística e dar robustez ao teste. A seguir se discute as vantagens e problemas de cada regressão, assim como os motivos que sustentam a sua inclusão. Na regressão (1) não são controlados os efeitos específicos, porém, esta oferece a vantagem de trabalhar com o universo das transações realizadas. Como fora colocado, a amostra usada nas regressões (3) e (4) apresenta as vantagens de um painel balanceado, porém introduz problemas de seleção dado que os produtores de menor tamanho foram eliminados.

Com base no teste de Hausman, rejeita-se a hipótese nula de que os coeficientes de efeitos fixos e aleatórios não são sistematicamente diferentes e, portanto, o modelo de efeitos fixosémais apropriado. Enquanto o método de efeitos fixos é apontado como o mais apropriado, deve-se analisar o fato de que esse método de estimação elimina os produtores que usam sempre o mesmo arranjo contratual (seja direto ou via intermediário). Identifica-se, portanto, um outro problema de seleção nas regressões (2) e (3) que controlam por efeito fixo. Produtores que no ano de transações observadas só usaram um arranjo contratual não são considerados no modelo de estimação dos determinantes da escolha do arranjo contratual.

Por esse motivo apresenta-se a regressão (4) de efeito aleatório que não apresenta esse problema de seleção. Destaca-se que os resultados desta regressão são muito próximos aos da regressão (3), o qual além de dar robustez aos resultados indica a importância menor do potencial problema de seleção mencionado.

4.3. Resultados

Os resultados das regressões são consistentes em sinal e significância a 1% para as três variáveis apontadas como determinantes da escolha do arranjo contratual. O fato dos resultados serem iguais nas quatro regressões para as variáveis das hipóteses testadas confere robustez aos resultados.

Na Tabela 6 se reporta razão de probabilidades (odds ratio)20 20 Odds ratio= e b, onde b é o coeficiente logit. Interpretação do odds ratio: Frente ao incremento em uma unidade na variável explicativa a probabilidade de escolha do arranjo contratual direto ( versus o arranjo via intermediário) aumenta/reduz em um fator dado pelo odds ratio ou em uma porcentagem dada pela equação: [( odds ratio - 1)*100] . Note-se que se o coeficiente logit for negativo o odds ratio estará no intervalo entre 0 e 1. Caso contrario, se o coeficiente logit for positivo, o odds ratio será maior a 1. para facilitar a interpretação dos estimadores dos parâmetros nas regressões. Um incremento em uma unidade na especificidade dos ativos envolvidos aumenta em 30% a probabilidade de escolha do arranjo contratual direto (em relação ao arranjo via intermediário). Tal seria o caso de um produtor que passou de vender vacas (especificidade = 0) para novilhos precoces (especificidade = 1). A interpretação dos restantes determinantes é análoga e para a variável distância entre o produtor e o processador, um incremento de 100 km reduz a probabilidade do arranjo direto por um fator de 0,55 (0,99100).

5. Conclusões

O foco desta pesquisa foi identificar os determinantes da escolha dos arranjos contratuais na transação produtor-processador de carne bovina no Uruguai. Para o tratamento do problema de estudo se analisou a transação produtor-processador no que se refere aos arranjos contratuais existentes, às particularidades do produto transacionado e às dimensões da transação (especificidade dos ativos envolvidos e freqüência). Identificaram-se os determinantes da escolha dos arranjos contratuais dominantes (direto e via intermediário). Por último realizou-se um teste estatístico das relações causais identificadas com painel de dados do total das transações realizadas no Uruguai no ano 2004/05, com base na Economia dos Custos de Transação.

Os arranjos dominantes de coordenação são o direto e via intermediário com 48% e 52% das transações respectivamente. Todos os processadores e a metade dos produtores utilizam ambos os arranjos contratuais. Validam-se estatisticamente as hipóteses a respeito dos determinantes da escolha dos arranjos contratuais dominantes entre produtores e processadores de carne bovina no Uruguai. Encontrou-se relação estatisticamente significativa entre a escolha do arranjo contratual nessa transação e as seguintes variáveis: grau de especificidade dos ativos envolvidos na produção e processamento do produto transacionado, distância entre o produtor e o processador, e freqüência de transações realizadas pelos agentes envolvidos.

Uma transação tem maior probabilidade de se alinhar com o arranjo contratual direto (mais coordenado) quanto maior seja o grau de especificidade dos ativos envolvidos produção e processamento do produto transacionado (ex.: novilhos precoces), quanto menor a distância entre o produtor e o processador (maior especificidade locacional) e quanto maior a freqüência das transações entre as partes envolvidas.

O arranjo direto se apresenta como um mecanismo que facilita a coordenação das transações que envolvem produtos com atributos de maior qualidade. Tal arranjo agrupa mecanismos mais coordenados como acordos21 21 Na análise econométrica as transações coordenadas via acordos foram contabilizadas como arranjo direto devido à impossibilidade de identificar essas situações na base de dados. de comercialização com sistema de pagamento baseados em atributos pré-estabelecidos de qualidade (peso, idade, acabamento e conformação). Esses acordos são desenvolvidos para incentivar e proteger os investimentos específicos - necessários para atingir os atributos de alta qualidade na carcaça. Confirma-se a hipótese de partida na transação produtor-processador. A busca por qualidade envolve arranjos mais coordenados.

Os intermediários apresentam vantagens para certas transações. Quanto mais genérico o produto comercializado (menor grau de ativos específicos envolvidos) e menor a freqüência de transação do produtor e processador envolvido, maior será a probabilidade da transação se alinhar com o arranjo contratual via intermediário.

O processo de mudanças institucionais do SAG carne bovina uruguaia tem induzido as estratégias das organizações na direção da maior qualidade, associada a mecanismos de coordenação mais estreitos. Produtores que realizam investimentos para a produção de categorias precoces têm desenvolvido relacionamento direto que envolve, em alguns casos, acordos de comercialização com sistema de pagamento baseado em atributos pré-estabelecidos de qualidade (peso, idade, acabamento e conformação).

Apontam-se as seguintes regularidades nas formas de coordenação do SAG da carne bovina uruguaio. Produtores que realizam investimentos específicos produzem carcaças com atributos de maior qualidade e tendem a transacionar esses produtos de forma direta com o processador. Uma parte dessas transações envolve acordos entre o produtor e o processador com especificações de volumes mínimos e atributos mensuráveis na carcaça. A partir dessas carcaças se obtém a maior parte dos cortes nobres que serão comercializados para o consumo fresco com maiores requerimentos de qualidade e valor.

Produtores sem investimentos específicos produzem carcaças com atributos de menor qualidade, que são transacionados em maior proporção via intermediário cujo destino final é principalmente de carne congelada para a indústria de manufatura no mercado final.

Resumindo, reforçando resultados da recente literatura de coordenação de SAGs, o presente estudo indica que a busca por qualidade envolve investimentos específicos dos produtores e processadores e, em conseqüência, maior dependência bilateral entre esses agentes. A dinâmica do SAG e o negócio da carne bovina dependem de ambos os conjuntos de produtos (baixa e alta qualidade) que estão ligados a mercados diferentes. Sendo que o segmento que orienta as estratégias na busca de produtos de maior qualidade envolve arranjos mais coordenados.

Descrição das variáveis

Arranjo Contratual (AI_Prod_Ind), Direta (=1), via Intermediário (=0): variável gerada a partir da informação contida no código de identidade do "dicoseB" que indica o tipo de atividade do agente (00=Frigorífico, 44=Matadouro e 88=Matadouro para embutidos, 89=intermediário, 90=leiloeiro).

Se dicoseb=89 ou 90, o Arranjo da transação é via intermediário (=0).

Caso contrário o arranjo de comercialização direto (=1)

7. Lista de siglas

CREA Centro Regional de Experimentación Agropecuaria DICOSE División de Contralor de Semovientes del MGAP DIEA Dirección de Estadísticas Agropecuarias del MGAP ECT Economia dos Custos de Transação INAC Instituto Nacional de Carnes (Uruguay) INIA Instituto Nacional de Investigación Agropecuaria (Uruguay) MGAP Ministerio de Ganadería, Agricultura e Pesca (Uruguay) NEI Nova Economia Institucional OPYPA Oficina de Programación y Política Agropecuaria del MGAP PENSA Centro de Conhecimento em Agronegócios. Programa interdisciplinar de pesquisa da Universidade de São Paulo. SAG Sistema Agro-Industrial

8. Referências bibliográficas

  • ALCHIAN, A.; CRAWFORD, R.; KLEIN, B. Vertical Integration, Appropriable Rents, and the Competitive Contracting Process, Journal of Law and Economics, 21:297-326, 1978.
  • ANDERSON, E.; COUGHLAN, A. International market entry and expansion via independent or integrated channels of distribution Journal of Marketing, V. 51,1:71-82,1987.
  • ANDERSON, Erin; SCHMITTLEIN, David. Integration of the Sales Force: An Empirical Examination Rand Journal of economics, 15(3),385-395,1984.
  • AZEVEDO, P. F. Nova Economia Institucional: Referencial geral e aplicações para a Agricultura Mimeo. São Paulo, 1999.
  • BARITAUX, V; AUBERT, M; MONTAIGNE, E.; REMAUD, H. Matchmakers in wine marketing channels: the case of French wine brokers MOISA, WP N.2/2005. Artigo apresentado no 2nd Annual International Wine Marketing Symposium, 8-9 July, Sonoma State University, CA-USA. 2005
  • CHIARA, G. Contratos de coordinación en la cadena cárnica Proyecto Instituto de Investigación Agropecuaria de Uruguay (INIA/LIA 049). Montevideo, 2002.
  • COASE, R. The Nature of the Firm Economica. v. 4, p. 386-405, 1937.
  • DE LOS CAMPOS, Gustavo, et al. Valorización Objetiva de Canales en Función de Atributos Económicamente Relevantes Instituto de Investigación Agropecuaria (INIA-Uruguay), 2002.
  • FARINA, E.M.M.Q & ZYLBERSZTAJN, D. Competitividade no Agribusiness Brasileiro - relatório elaborado para o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas. PENSA/USP.1998.
  • FARINA, E.M.M.Q. AZEVEDO, P.F.; SAES, M.S.M. Competitividade: mercado, estado e organizações São Paulo: Singular, 1997.
  • GUARDIA, V. e ZEFFERINO, N. Contratos de comercialización en la ganadería vacuna uruguaya Tesis Grado. Facultad de Agronomía. Universidad de la República. Uruguay, 2004.
  • HOBBS, Jill E. Measuring the Importance of Transaction Costs in Cattle Marketing American Journal of Agricultural Economics, Vol. 79, No. 4 (Nov.), pp. 1083-1095, 1997.
  • HOBBS, Jill E. Transaction Costs and Slaughter Cattle Procurement: Processors' Selection of Supply Channels Agribusiness, Vol. 12, No. 6, 509-523, 1996.
  • ILUNDAIN, M.; LEMA, J. Evolución de la ganadería de carne vacuna en el Uruguay en la década de los 90 MGAP, Oficina de Programación y Política Agropecuaria, Montevideo, Anuario, 2001.
  • JOSKOW, P. L. The New Institutional Economics: Alternative Approaches Journal of Institutional and Theoretic Economics. 151:248-259,1995.
  • KLEIN, P. G. The Make-or-Buy Decision: Lessons from Empirical Studies, in Ménard, C. and Shirley, M. M., eds, Handbook on New Institutional Economics. New York, NY: Springer, pp 435-464, 2005.
  • KLEIN, P. G. and MENARD, C. Organizational Issues in the Agrifood Sector: Toward a Comparative Approach American Journal of Agricultural Economics 86, no. 3 (August 2004): 750-55.
  • LAENS, S; MONDELLI M; PAOLINO C; PERELMUTER, N. Estudio de Competitividad de Cadenas Agroindústriales: Cadena Carne Vacuna (Uruguay) CINVE-BID. Montevideo, 2004.
  • LAWRENCE, J.D.; HAYENGA, M.L. The U.S. pork and beef sectors: divergent organizational patterns, paradoxes and conflicts In: Anais. Paradoxes in Food Chains and Networks. Noordwiik: Management Studies Group, Wageningen Univ. 2002.
  • LORENTE, J.P. ; ORTIZ, H. ; VAZQUEZ, S.. Canales de comercialización en la ganadería bovina Tesis de Grado. Facultad de Agronomía. Universidad de la República. Uruguay. 2002.
  • MARTINEZ, S. W. From farmers to consumers: vertical coordination in the food industry An Economic Research Service Report. USDA, 1996.
  • MAZÉ, Armelle. Retailers' branding strategies: Contract design, organizational change and Learning Journal on Chain and Network Science- volume 2 - number 1, 2002.
  • MÉNARD C. The Economics of Hybrid Organizations Journal of Institutional and Theoretical Economics. JITE 160, 345-376, 2004.
  • MÉNARD, C. On Clusters, Hybrids and Other Strange Forms: The Case of the French Poultry Industry Journal of Institutional and Theoretical Economics. v. 152, p. 154-183, 1996.
  • MENEZES-FILHO, N. A. Microeconometria, em Lisboa, M. B., Menezes-Filho, N. A., Microeconomia e Sociedade no Brasil, Contra-Capa e FGV/EPGE ed., págs. 431-65. SP. 2001.
  • MIZUMOTO, F. M. and ZYLBERSZTAJN, D. Strategy of multiple-coordination in distribution channels WUR, 7th Chain Conference, 2006.
  • MONDELLI, M.; PICASSO, V. Trayectorias tecnológicas en la ganadería uruguaya: un enfoque evolucionista Tesis de Grado. Facultad de Agronomía. Univ. de la República. Uruguay. 2001.
  • MURIS, Timothy; SCHEFFMAN, David; SPILLER, Pablo. Strategy and Transaction Costs: The Organization of Distribution in the Carbonated Soft Drink Industry Journal of Economics and Management Strategy, 1,(1), Spring, pp. 85-128, 1992.
  • ORDEIX, M. Competitividad y coordinación en la Cadena de carne vacuna, INIA, Série de Actividades de Difusión 277, 2001.
  • ORDÓÑEZ H.A.; ZUURBIER, P.; SENESI, S.; PALAU, H. Do food quality assurance systems demand complex governance structures? 7th Int. Conf. on Management in AgriFood Chains and Networks, 2006.
  • PAOLINO, C; MONDELLI, M. E PERELMUTER, N. Competitividad de las cadenas agroindustriales en el MERCOSUR ampliado: carne vacuna, oleaginosos y aceites, y textil algodón Informe Final. Centro de Investigaciones Económicas - FAO. Montevideo, 2004.
  • PAOLINO, C. Elementos para una evaluación del proyecto de desarrollo ganadero en el Uruguay 1ş Congresso Sul-americano de Economia Agrícola (AAEA), 3-5 Nov., Mar del Plata, Argentina, 2004b.
  • PENG, Mike; YORK, Anne. Behind intermediary performance in export trade: transactions, agents and resources Journal of International Business Studies, 32, 2 (2nd quarter). 2001.
  • PEYROU, J; ILUNDAIN, M. Comportamiento del sector carne vacuna en 2005 y perspectivas para el 2006 MGAP, Oficina de Programación y Política Agropecuaria, Montevideo Anuario 2005.
  • SCHROEDER, T. Reasons for and impacts of changing Fed Cattle Procurement Practices Kansas State University, Department of Agricultural Economics. 2000.
  • URUGUAY, MGAP, Dirección de Estadísticas Agropecuarias La ganadería en Uruguay. Contribución a su conocimiento. Montevideo, 2003.
  • URUGUAY. INAC, INIA, CSU. Auditoria de calidad de la carne vacuna INIA-FPTA. 2003
  • WILLIAMSON, O.E. The Mechanisms of Governance Oxford University Press, Inc. 429p., 1996.
  • WILLIAMSON, O.E. Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives Administrative Science Quarterly, n. 36, p. 269-296, June, 1991.
  • WILLIAMSON, O.E. Strategizing, Economizing, and Economic Organization. Strategic Management Journal, Vol. 12, Fundamental Research Issues in Strategy and Economics, pp. 75-94, 1991b
  • WILLIAMSON, O. The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting New York: Free Press, 1985.
  • WOOLDRIDGE Jeffrey M. Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data Cambridge, MA: MIT, 2002.
  • ZYLBERSZTAJN, D. Measuring Costs and Transaction Costs Perspectives of the Firm: Two Views About the Same Subject ISNIE Conference, Barcelona, 2005.
  • ZYLBERSZTAJN, D.; FARINA, E.M.M.Q. Strictly coordinated food-systems: exploring the limits of the coasian firm International Food and Agribusiness Review, v.2, n.2, p.249-65, 1999.
  • ZYLBERSZTAJN, D. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da Nova Economia das Instituições 238p. Tese (Livre-Docência) - Departamento de Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
  • ZYLBERSZTAJN,D. Governance Structures and Agribusiness Coordination: A Transaction Cost Economics Based Approach In Goldberg, R. Research in Domestic and International Agribusiness Management. Harvard University. JAI Press,310 p. 1996.

Apêndice

  • 1
    Os autores agradecem aos professores Elizabeth Farina, Carlos Paolino e Sylvia Saes, pelos valiosos comentários e sugestões. Agradecemos também os comentários recebidos nas apresentações no seminário "Oficina Pensa" (Universidade de São Paulo, maio 2007), no XLV Congresso da SOBER (Londrina-PR, julho 2007) e no Workshop do Ronald Coase Institute (Boulder-CO, USA, set 2006). Esta pesquisa recebeu apoio financeiro da CAPES
  • 2
    Universidade de Missouri - Columbia-Missouri, USA
  • 3
    Universidade de São Paulo, PENSA - Centro de Conhecimento em Agronegócios
  • 4
    O conceito de sistema agroindustrial estritamente coordenado foi apresentado em Zylbersztajn e Farina (1999).
  • 5
    Ganhos de eficiência economizando custos de transação
  • 6
    Um investimento é específico quando cria um ativo específico, e o grau de especificidade é dado pela perda de valor provocada pelo redirecionamento do ativo de uma transação para a sua segunda melhor opção.
  • 7
    PENSA: Centro de Conhecimento em Agronegócios. Programa interdisciplinar de pesquisa da Universidade de São Paulo
  • 8
    Dados: (i) de superfície DIEA (2003); (ii) de produção de gado para abate DICOSE 2004/05.
  • 9
    A distância euclidiana (mais curta) é uma aproximação da distância via estrada.
  • 10
    O intermediário participa em vendas de produtores de menor volume.
  • 11
    O valor industrial depende de: (i) do leque de negócios de cada indústria que indica o preço de cada corte e subprodutos, e (ii) do peso de cada corte e subprodutos que se obtém a partir de cada carcaça.
  • 12
    Espessura de gordura na 10ª-11ª costela
  • 13
    Com base nos acordos entre produtores CREA e frigorífico NIREA-SJ (2006)
  • 14
    Novilhos superprecoces (1-2 anos), novilhos precoces (2-3 anos), boi gordo (> 3 anos), novilhas (1-2 anos e 2-3 anos), bezerros(as), vacas e touros.
  • 15
    Classificam-se as categorias de gado em três níveis de especificidade (1; 0.5; 0). Envolvendo especificidade = 1, os novilhos(as) precoces e superprecoces; especificidade = 0.5, os bois com mais de 3 anos e os bezerros; especificidade = 0, as vacas gordas e touros.
  • 16
    Forma de cálculo da freqüência: para cada par Pi-Fj, soma-se o número de transações realizadas (Jul-2004 a Jan-2006).
  • 17
    As hipóteses são referidas à escolha do arranjo contratual direto. Onde arranjo direto (=1) e arranjo via intermediário (=0).
  • 18
    Division Contralor de Semovientes (DI.CO.SE.-MGAP) (
    www.mgap.gub.uy/dgsg/DICOSE/). Dados levantados diariamente no formulário obrigatório "guia de propriedade e trânsito". Todos os produtores devem preencher esse formulário no momento de venda e transporte de gado para o abate. A informação do formulário não tem propósito fiscal, portanto, reduz os incentivos dos produtores a não informar devidamente.
  • 19
    Com informações repetidas ao longo do tempo, pode-se controlar o efeito específico de cada unidade (indivíduos ou firmas), capturando todas as características não observáveis inerentes ao indivíduo e invariantes no tempo. Essas características possivelmente estão correlacionadas com o termo aleatório e com as variáveis explicativas, de forma que sua exclusão impossibilitaria o processo de identificação da relação causal de interesse (MENEZES FILHO, 2001, p.438-9).
  • 20
    Odds ratio= e
    b, onde b é o coeficiente logit.
    Interpretação do odds ratio: Frente ao incremento em uma unidade na variável explicativa a probabilidade de escolha do arranjo contratual direto (
    versus o arranjo via intermediário) aumenta/reduz em um fator dado pelo
    odds ratio ou em uma porcentagem dada pela equação: [(
    odds ratio - 1)*100]
    . Note-se que se o coeficiente logit for negativo o
    odds ratio estará no intervalo entre 0 e 1. Caso contrario, se o coeficiente logit for positivo, o
    odds ratio será maior a 1.
  • 21
    Na análise econométrica as transações coordenadas via acordos foram contabilizadas como arranjo direto devido à impossibilidade de identificar essas situações na base de dados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2008
    Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural Av. W/3 Norte, Quadra 702 Ed. Brasília Rádio Center Salas 1049-1050, 70719 900 Brasília DF Brasil, - Brasília - DF - Brazil
    E-mail: sober@sober.org.br