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Os processos produtivos agrícolas na zona de amortecimento da Floresta Nacional de Passo Fundo

Agricultural productive processes in the buffer zone of the National Forest of Passo Fundo

Resumo:

A zona de amortecimento da Floresta Nacional (Flona) de Passo Fundo integra o Bioma da Mata Atlântica, uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável. Os processos produtivos agrícolas revelam as decisões dos proprietários de terras em relação às suas necessidades, ao modo de vida, ao nível de renda desejado e à utilização dos fatores de produção. O estudo objetiva (re)conhecer os diferentes tipos de produção presentes na zona de amortecimento da Flona de Passo Fundo, identificando as características socioeconômicas e analisando as motivações dos produtores rurais em relação ao processo produtivo adotado. A pesquisa, de nível descritivo e abordagem qualitativa, resulta da aplicação de entrevistas em profundidade com 18 proprietários rurais. As falas foram tratadas por meio da análise de conteúdo de Bardin. Conclui que a monocultura da soja é dominante nas concepções e percepções dos proprietários rurais entrevistados. O plantio da soja transgênica é priorizado em relação à convencional, o que fomenta o conflito entre os agentes fiscalizadores e os produtores inseridos na zona dos 500 metros em que o cultivo é proibido. A falta de incentivo econômico e a falta de orientação técnica são apontados como limitadores para a implementação de cultivos alternativos e sustentáveis.

Palavras-chave:
tipos de produção; unidades de conservação; uso da terra

Abstract:

The buffer zone of the National Forest of Passo Fundo (Flona) is part of the Atlantic Forest Biome, which is a sustainable use conservation unit. Agricultural production processes reveal the decisions of rural landowners regarding their needs, lifestyle, desired income level, and use of production factors. The objective of this study was to identify the different production types in the buffer zone of Passo Fundo Flona and use this information to determine the socioeconomic characteristics and analyze the motivations of rural producers with respect to the production processes adopted. The descriptive method and qualitative approach were taken. The results were based on in-depth interviews with 18 rural owners whose statements were interpreted via Bardin’s content analysis This study concludes that soy monoculture is dominant in the conceptions and perceptions of rural landowners. The amount of land planted with transgenic soybeans is prioritized over the conventional ones, which incites the conflict between inspection agents and soybean producers inserted in the area of 500 meters where cultivation is prohibited. Furthermore, the lack of technical and economic incentives are the main limiting factors for the implementation of alternative and sustainable crops.

Keywords:
types of production; federal conservation units; land use

INTRODUÇÃO

O meio rural da região Sul do Brasil passou por inúmeras transformações, de modo que alguns elementos que caracterizavam a “pequena agricultura” foram sendo substituídos por práticas novas e diferentes meios de produção (Grisa & Schneider, 2008Grisa, C., & Schneider, S. (2008). “Plantar pro gasto”: a importância do autoconsumo entre famílias de agricultores do Rio Grande do Sul. Revista de Economia e Sociologia Rural, 46(2), 481-515.). Nesse contexto, é possível observar um aumento de determinadas culturas como arroz, trigo, milho e soja, além da bovinocultura e da atividade leiteira (Fritz Filho & Miguel, 2008Fritz Filho, L. F., & Miguel, L. L. A. (2008, maio). A importância do estado na evolução da agricultura no Planalto Médio do Rio Grande do Sul. In Anais do 4º Encontro de Economia Gaúcha. Porto Alegre: Edipucrs.). De outra parte, a agricultura de base familiar foi ganhando mais espaço na produção agropecuária, indo além da produção de alimentos, evoluindo em ritmo semelhante daquelas mais destacadas cadeias produtivas do campo brasileiro (Guanziroli et al., 2012Guanziroli, C. E., Buainain, A. M., & Sabbato, A. (2012). Dez anos de evolução da agricultura familiar no Brasil: (1996 e 2006). Revista de Economia e Sociologia Rural, 50(2), 351-370.; Picolotto, 2014Picolotto, E. L. (2014). Os atores da construção da categoria agricultura familiar no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(Supl. 1), 63-84.).

Parte significativa da agricultura brasileira sofreu profundas transformações nos últimos 50 anos. Essa modernização, como referem Octaviano (2010)Octaviano, C. (2010). Muito além da tecnologia: os impactos da Revolução Verde. Com Ciência, 120, 25-92. e Frederico (2013a) Frederico, S. (2013a). Agricultura científica globalizada e fronteira agrícola moderna no Brasil. Confins, 17, 1-17. pode ser subdividida em dois momentos: um primeiro, entre as décadas de 1960 e 1980, oriundos da adoção do paradigma da Revolução Verde, modelo baseado no uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, e, um segundo momento, a partir da década de 1990, caracterizado pelo uso das novas tecnologias no campo. A região do Planalto Médio do estado do Rio Grande do Sul, seguindo essa tendência, como destacam Fritz Filho et al. (2017)Fritz Filho, L. F., Andrade, M. L., & Fritz, K. B. B. (2017). Diferenciação e dinâmica dos sistemas agrários do município de Passo Fundo no Planalto Médio do Estado do Rio Grande do Sul. Desenvolvimento em Questão, 16(42), 301-341., apresentou novos modos de produção, destacando-se o binômio trigo-soja, o que contribuiu para a substituição de culturas de subsistência por culturas de verão, levando, anos mais tarde, a uma expansão da lavoura de soja, caracterizando uma fase marcada por essa monocultura.

Com a inserção de grandes agroindústrias nessa região, iniciou-se o processo de modernização da agricultura. Para Fritz Filho et al. (2013)Fritz Filho, L. F., Andrade, M. L., & Fritz, K. B. B. (2013). A diversificação produtiva adotada pelos produtores familiares das unidades de produção do município de passo fundo ao longo do tempo uma estratégia de sustentabilidade. IDeAS, 7(1), 135-173., até o início da década de 1970 a produção da soja no estado gaúcho foi responsável por cerca de dois terços da produção nacional de grãos, e, a partir daí, iniciaram-se as transformações das atividades agrícolas no Brasil. Complementam, ainda, que esse processo baseou-se no uso intensivo dos insumos industriais, em máquinas e equipamentos, produtos químicos, além de métodos e técnicas de preparo e uso do solo, impactando e modificando as formas tradicionais da agricultura e as trajetórias percorridas pelos produtores em suas unidades de produção. Concluem que essa tendência fez emergir um novo padrão agrícola e agrário no território.

Esse novo padrão se estabelece ao mesmo tempo em que a sociedade percebe as consequências do modelo produtivista vigente, indicando, como pontua Candiotto (2018)Candiotto, L. Z. P. (2018). Organic products policy in Brazil. Land Use Policy, 71, 422-430., a necessidade de se promover uma relação mais harmoniosa entre a produção de alimentos e a preservação do meio ambiente. O autor destaca que a agricultura de base ecológica emerge, então, enquanto um conjunto de formas alternativas de agricultura, dentre elas a agricultura orgânica, a agricultura natural, a agricultura biodinâmica, ampliando o debate sobre a agroecologia, que por sua vez tem sido trabalhada como um novo paradigma para uma agricultura sustentável.

Essas mudanças recentes justificam a importância de um olhar especial às unidades de conservação, espaços direcionados à preservação e à proteção da biodiversidade, modo peculiar de ordenar um território e não como um entrave ao desenvolvimento econômico e socioambiental. Boa parte dessas unidades de conservação abriga em seu interior, ou em suas zonas de amortecimento, comunidades, que, em sua grande maioria, dependem da produção estabelecida nesse local para a sobrevivência.

Conforme a Lei no 9.985, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUCN) e dá outras providências (Brasil, 2000Brasil. Presidência da República. (2000). Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. § 1°, incisos I, II, III, e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 25 de maio de 2018, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm
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), a Zona de Amortecimento é o entorno de uma unidade de conservação, na qual as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas com o objetivo de minimizar possíveis impactos negativos sobre a unidade. Existem diversas possibilidades de produção nesses locais, as quais vão do extrativismo, com limitações legais, no interior da unidade, até outras formas de cultivo no espaço circundante, como a inserção da agricultura e da pecuária. Essas atividades permitem a articulação entre o uso do solo, a conservação da biodiversidade e a geração de emprego e renda. As unidades de conservação constituem uma forma efetiva de proteção da biodiversidade e dos recursos naturais aliadas à produção. Para Manetta et al. (2016)Manetta, B. R., Barroso, B., Arrais, T., & Nunes, T. (2016). Unidades de conservação. Engenharias On-line, 1(2), 1-10., grande parte das riquezas ambientais existentes nesses locais é usufruída por parte da população e das famílias residentes nessas unidades.

A unidade de conservação avaliada neste estudo foi a Floresta Nacional (Flona) de Passo Fundo, criada pela Portaria no 561, de 25 de outubro de 1968, encontrando-se em uma área de 1.328 hectares da região do Planalto Médio do estado do Rio Grande do Sul, no município de Mato Castelhano (Brasil, 2011aBrasil. Ministério do Meio Ambiente – MAPA. (2011a). Plano de manejo da Floresta Nacional Passo Fundo: resumo executivo. Florianópolis: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).). Ela integra uma das sete categorias do grupo de Unidades de Conservação de Uso Sustentável. As Florestas Nacionais constituem áreas de domínio público, providas de cobertura vegetal nativa ou plantada que atendem os objetivos de: promover o manejo dos recursos naturais, especialmente da produção de madeira e outros produtos vegetais, garantir a proteção dos recursos hídricos, das belezas cênicas e dos sítios históricos e arqueológicos, fomentar o desenvolvimento da pesquisa científica em nível básico e aplicado, da educação ambiental e das atividades de recreação, lazer e turismo (Brasil, 2011aBrasil. Ministério do Meio Ambiente – MAPA. (2011a). Plano de manejo da Floresta Nacional Passo Fundo: resumo executivo. Florianópolis: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).). No entorno da Flona de Passo Fundo, que responde à Lei nº 9.985/2000 (Brasil, 2000Brasil. Presidência da República. (2000). Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. § 1°, incisos I, II, III, e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 25 de maio de 2018, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm
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), está situada a zona de amortecimento, na qual as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. A zona de amortecimento enquadra-se na perspectiva de promover a conectividade entre a unidade de conservação e os fragmentos de Floresta Ombrófila Mista existentes na região, aumentando a viabilidade genética; proteger as nascentes e os cursos d’água que drenam para a Flona; além de buscar a adequação ambiental das propriedades rurais nela localizada, principalmente no que se refere à área de preservação permanente e às reservas legais. Essa zona é regida por diversas normas, entre as quais a “lei dos 500 metros”, espaço em que o agricultor está proibido de realizar o plantio e o cultivo de transgênicos.

A história da Flona de Passo Fundo, como destacam Sá & Gerhardt (2016)Sá, D. N., & Gerhardt, M. (2016). Uma história ambiental da Floresta Nacional de Passo Fundo: a aquisição das terras. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, 13(3), 182-202., apresenta uma característica que é particular: não se originou de um remanescente de floresta com fins de proteção e conservação, mas da compra de terras agricultáveis, as quais incluíam uma pequena área de Floresta Ombrófila Mista nativa, para que fosse implantada uma estação experimental de plantio de árvores nativas. Por esse motivo, como pontuam os autores, “a atual Flona PF é, predominantemente, uma floresta plantada” (p. 183). Relatam que os proprietários de terras do então distrito de Mato Castelhano, pertencente ao município de Passo Fundo, em 1944, informados do interesse do Instituto Nacional do Pinho (INP) em adquirir uma área rural para criar um horto florestal, ofereceram a ele suas propriedades à venda, o que ocorreu em 1946, com a criação do Parque Florestal “José Segadas Viana”, hoje Floresta Nacional.

A esse respeito, Oliveira et al. (2014)Oliveira, S. D. A., Santos, D. E., & Cunha, J. E. (2014). Restrições do uso da terra na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu-Paraná. Revista Ambiência, 10(2), 597-612. evidenciam a necessidade de um olhar diferenciado em relação aos agricultores residentes nesses espaços circundantes às unidades de conservação, pois esses vivenciam pontos de vista diferentes em relação ao uso desse local, o que leva à decisão sobre o que produzir e de que forma produzir. Os autores ressaltam, porém, que as escolhas em termos de produção, nesses espaços, são baseadas nos reflexos lucrativos das atuais atividades produtivas. Portanto, pressupõe-se que, mesmo constituindo-se um espaço diferenciado em termos de produção sustentável, as atividades produtivas desenvolvidas tendem a seguir a racionalidade econômica sinalizada pelo ambiente externo.

O artigo tem como objetivo (re)conhecer os diferentes tipos de produção presentes na zona de amortecimento da Flona de Passo Fundo e as motivações dos produtores rurais em relação ao processo produtivo adotado.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A agricultura moderna surgiu, durante os séculos XVII e XIX, em diversas áreas na Europa, implicando um intenso processo de mudanças tecnológicas, aproximando a prática agrícola e tornando essas atividades cada vez mais complementares (Veiga, 2012Veiga, J. E. (2012). O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica (2. ed). São Paulo: Edusp.). Essa união representou um grande salto no desenvolvimento das civilizações mundiais, reduzindo a escassez crônica de alimentos. As inovações tecnológicas na agricultura e no setor agropecuário, de acordo com Sauer & Balestro (2013)Sauer, S., & Balestro, M. V. (2013). Agroecologia e os desafios da transição agroecológica (2. ed). São Paulo: Editora Expressão popular., iniciaram-se nos anos 1940, como resultado de pesquisas e experimentos realizados por cientistas na Fundação Rockfeller, os quais resultaram em pacotes técnicos baseados na química, mecânica e genética. Os autores destacam que, no Brasil, essas mudanças se espalharam no final dos anos 1960, intensificando-se com incentivos governamentais e crédito farto.

A estrutura do campo brasileira iniciou uma modernização ainda nos anos 1970, pautada na formação dos complexos agroindustriais e na internalização do paradigma da Revolução Verde (Frederico, 2013a Frederico, S. (2013a). Agricultura científica globalizada e fronteira agrícola moderna no Brasil. Confins, 17, 1-17., 2013b Frederico, S. (2013b). Modernização da agricultura e uso do território: a dialética entre o novo e o velho, o interno e o externo, o mercado e o estado em áreas de cerrado. GEOUSP: Espaço e Tempo, 34, 46-61.). Já a partir da década de 1990 foi caracterizada pela emergência da agricultura científica global. Atualmente, como referem Buainain et al. (2013)Buainain, A. M. E., Silveira, J. M. D., & Navarro, Z. (2013). Sete teses sobre o mundo rural brasileiro. Revista de Política Agrícola, 22(2), 105-121., o que impera é o novo padrão de produção, centralizado no desenvolvimento agrário e agrícola, que tende a rebaixar o papel da terra, a qual depende constantemente dos investimentos em infraestrutura, máquinas e tecnologias. Nesse padrão, são deixados de lado, na maioria das vezes, a qualidade da própria terra, os investimentos em recursos ambientais e o treinamento do capital humano, complementam os autores.

Navarro & Campos (2015)Navarro, Z. S., & Campos, S. K. (2015). A “pequena produção rural” no Brasil e as tendências do desenvolvimento agrário brasileiro. Revista de Extensão e Estudos Rurais, 3(1), 25-92., examinando com maior atenção o conjunto de transformações agrícolas nacionais e, especialmente, as regionais, abordam que são inúmeras as mudanças operadas nas regiões rurais brasileiras nos últimos quinze a vinte anos, especialmente na perspectiva do pequeno agricultor familiar. Brandemburg (2010)Brandemburg, A. (2010). Do rural tradicional ao rural socioambiental. Ambiente & Sociedade, 13(2), 417-428. identifica que a grande propriedade, de um lado, e a pequena propriedade familiar, de outro, constituem a base de uma organização social distinta no meio rural. O autor destaca que o Brasil foi formado sob o estigma da grande propriedade, que foi responsável por grandes vazios no meio rural. Destaca que as grandes propriedades e os grandes proprietários estão ligados ao rural, nesse momento apenas como um espaço de atividade econômica ou de lazer e não como espaço de vida. Aborda, ainda, que são os agricultores familiares que, tradicionalmente, expressam um modo de vida distinto da vida urbana, que assumem o papel de grande personagem da construção do rural.

Desde que a ciência, a tecnologia e a informação se uniram em uma marcante força produtiva, o homem intensificou sua velocidade de renovação e, dessa forma, passou a ter um grande poder de interferência na natureza (Elias, 2012Elias, D. (2012). Ensaios sobre os espaços agrícolas de exclusão. Revista Nera, 8, 29-51.). O autor aborda ainda que, com a rapidez da globalização da produção e do consumo, erguem-se as bases materiais que propiciaram a dispersão espacial da produção, assim como o avanço dos transportes e das comunicações, os quais possibilitaram nas últimas décadas, fluxos, de matéria e de informação, até então inimagináveis. Complementa que, diante disso, o espaço da produção em geral, incluindo a agrícola, aumentou e, consequentemente, incluiu áreas consideradas pouco favoráveis à obtenção de alta lucratividade.

A importância da soja emerge nesse contexto. Conforme abordam Okadi et al. (2012)Okadi, K. L., Iguchi, M. M., & Munhoz, T. R. (2012). Contabilizando os custos dos transgênicos. Revista de Contabilidade Dom Alberto, 1(1), 116-131., no final da década de 1960 dois fatores internos fizeram os produtores brasileiros a começar a ver a soja como um produto comercial: o trigo era a principal cultura do Sul do Brasil e a soja surgia como uma opção de verão, em sucessão ao trigo, e, nessa época, o país também iniciava um esforço para produção de suínos e aves, gerando demanda por farelo de soja. Os autores enfatizam, ainda, que, atualmente, a soja é a cultura que detém a maior área de plantio no estado do Rio Grande do Sul e, também, em outros estados como Paraná e Mato Grosso. Contudo, conforme abordam Silva et al. (2010)Silva, F., Foscaches, C. A. L., & Lima, F. (2010). O perfil do consumidor de produtos orgânicos na cidade de Campo Grande-MS. In SEMEAD: Seminários em Administração-Sustentabilidade Ambiental nas Organizações (pp. 1-20)., a agricultura convencional, que inclui a produção da soja, utiliza formas de produção em maior escala.

Nessa direção, como referem Deus & Bakonyi (2012)Deus, R. M., & Bakonyi, S. M. C. (2012). O impacto da agricultura sobre o meio ambiente. Revista Eletrônica em Gestão. Educação e Tecnologia Ambiental, 7(7), 1306-1315., a busca incessante pela expansão da monocultura de soja aumentou as dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores, os quais, nesse processo de expansão, foram forçados a aumentar sua área de plantio, superando os limites da natureza. Zimmermann (2011)Zimmermann, C. L. (2011). Monocultura e transgenia: impactos ambientais e insegurança alimentar. Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, 6(12), 79-100. e Costa & Santos (2010)Costa, R. A., & Santos, F. O. (2010). Expansão agrícola e vulnerabilidade natural do meio físico no sul goiano. Revista Geografia em Atos, 2(10), 23-35. complementam que, apesar de ser apontada como a solução para problemas financeiros, o cultivo da soja gera graves consequências à agricultura, envolvendo desmatamento, uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos, o que reflete na perda da fertilidade do solo.

O surgimento de uma nova agricultura voltada a outras possibilidades de produção para o pequeno agricultor, uma forma de agricultura sustentável como a agroecologia, representa novas perspectivas para viabilizar a produção, na perspectiva da sustentabilidade econômica, social e ambiental. Conforme Dal Soglio & Kubo (2009)Dal Soglio, F., & Kubo, R. R. (2009). Desenvolvimento, agricultura e sustentabilidade (Vol. 1). Porto Alegre: UFRGS., existem várias correntes dentro da agroecologia, como a agricultura biodinâmica, a natural, a permacultura, sendo que a agricultura orgânica é a forma mais popularizada. Os autores complementam que essa transição de uma agricultura tradicional, a qual é focalizada em produções e cultivos mais agressivos, para uma agricultura realizada de forma mais sustentável contribui para que ocorram equilíbrio e estabilidade no ecossistema, reduzindo os problemas ambientais e garantindo a produção de alimentos mais seguros.

Para Caporal & Azevedo (2011)Caporal, F. R., & Azevedo, E. O. (2011). Princípios e perspectivas da agroecologia. Curitiba: Instituto Federal do Paraná., a agroecologia é uma ciência para o futuro sustentável, integrando e articulando conhecimentos de diferentes ciências, assim como o saber popular, permitindo tanto a compreensão, a análise e a crítica do atual modelo do desenvolvimento e de agricultura industrial, como o desenho de novas estratégias para o desenvolvimento rural e de estilos de agriculturas sustentáveis. Santos & Chalub-Martins (2012)Santos, F. P., & Chalub-Martins, L. (2012). Agroecologia, consumo sustentável e aprendizado coletivo no Brasil. Educação e Pesquisa, 38(2), 469-483. Recuperado em 28 de outubro de 2020, de https://www.scielo.br/pdf/ep/v38n2/aop0363.pdf
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complementam que a aplicação de conceitos e princípios ecológicos dos agroecossistemas sustentáveis proporciona a sua valorização, sendo esse método uma forma de melhorar a qualidade do solo, produzindo plantas fortes e sadias, melhorando o quesito de invasão de pragas e promovendo organismos benéficos.

A esse respeito, Roel (2016)Roel, A. R. (2016). A agricultura orgânica ou ecológica e a sustentabilidade da agricultura. Revista Interações, 3(4), 58-62. defende a necessidade de maior inclusão do homem do campo em cultivos alternativos. Complementa que a atividade de um cultivo mais sustentável, de certa forma, resguarda o ambiente de agressões, produz alimentos sem contaminantes, além de diminuir os custos de produção. Souza (2011)Souza, L. R. S. (2011). A modernização conservadora da agricultura brasileira, agricultura familiar, agroecologia e pluriatividade: diferentes óticas de entendimento e de construção do espaço rural brasileiro. Cuadernos de Desarrollo Rural, 8(67), 231-249., na mesma direção, enquadra as ações produtivas pluriativas e a agroecologia como técnicas alternativas inovadoras, as quais permitem, concomitantemente, a formação de produção e renda para a estrutura agrícola familiar de pequena escala e a preservação ambiental. Constitui-se, de acordo com o autor, uma revolução socioprodutiva eficaz, baseada em técnicas alternativas, que valorizam processos não químicos e contemplam as dimensões social, produtiva e ambiental, na perspectiva de um modelo mais justo de produção e de reprodução social. Em se tratando de espaços próximos a uma unidade de conservação, as produções alternativas ganham relevância ainda maior.

METODOLOGIA DA PESQUISA

O presente estudo contempla a população que integra a zona de amortecimento (ZA) da Flona de Passo Fundo, a qual apresenta formas de exploração econômica ainda pouco estudadas. A Flona de Passo Fundo compreende, aproximadamente, 147 km2 e um perímetro aproximado de 58 km. O limite proposto da zona de amortecimento abrange áreas dos municípios de Mato Castelhano (80%) e Marau (20%) (Figura 1). A zona de amortecimento representa a área de maior interface ambiental com a unidade de conservação e maior potencial de influência sobre essa.

Figura 1
Localização e limite da ZA da Flona de Passo Fundo no contexto dos municípios de Marau e Mato Castelhano. Fonte: Brasil (2011a)Brasil. Ministério do Meio Ambiente – MAPA. (2011a). Plano de manejo da Floresta Nacional Passo Fundo: resumo executivo. Florianópolis: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)..

A quase totalidade da zona de amortecimento faz parte do município de Mato Castelhano, que conta com uma área de 238,365 km2, com uma população residente de 2.470 habitantes, destes 78,9% na zona rural e 21,1% na zona urbana (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Cidades@. Rio de Janeiro: IBGE.). A principal fonte de renda do município é o setor primário, representando 58,7% do valor adicionado básico total em 2015 (Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 2017Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – FEE. (2017). FEE dados abertos. Porto Alegre. Recuperado em 28 de outubro de 2020, de https://dados.fee.tche.br/index.php.
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). A pecuária está presente, sobretudo, com a criação bovina, seguida pela criação de aves, de suínos e pela produção de leite. Em termos de lavouras temporárias, a cultura que se sobressai é a produção de soja. Em 2017, 452 propriedades participaram do Censo Agropecuário no município de Mato Castelhano (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2016). Censo agropecuário 2006. Rio de Janeiro: IBGE.). Como principais características do território local, 67,9% delas constituíam a modalidade de agricultura familiar1 1 O Censo Agropecuário adota o que é preconizado pela Lei no 11.326, que classifica como de agricultura familiar o estabelecimento de pequeno porte (até 4 módulos fiscais), com metade da força de trabalho familiar, com atividade agrícola composta, no mínimo, pela metade da renda familiar, além de ter gestão estritamente familiar (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020). . De modo geral, as propriedades são pequenas2 2 Adota-se o critério da Lei no 8.629/1993 na definição de pequena propriedade para imóveis rurais com área compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais, de média propriedade para aqueles imóveis rurais com área superior a 4 até 15 módulos fiscais e de grande propriedade para aqueles com área superior a 15 módulos fiscais (Brasil, 1993). O módulo fiscal para o município de Mato Castelhano é de 16 hectares. : aproximadamente 40,0% delas enquadram-se como minifúndio e 50,0% como pequena propriedade; para as propriedades classificadas como familiares a proporção é ligeiramente superior, 41,0% e 58,0%, respectivamente (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra).).

No presente estudo, foram incluídos e avaliados os proprietários de terras integrantes da zona de amortecimento da Flona de Passo Fundo, pertencentes ao município de Mato Castelhano. O estudo aplicado, em nível descritivo e de abordagem qualitativa, busca enquadrar-se no espaço dos significados das ações e das relações humanas envolvidas no problema de pesquisa. A técnica de pesquisa utilizada foi a entrevista domiciliar em profundidade, realizada no período entre setembro e dezembro de 2017, com os responsáveis das propriedades rurais escolhidos a partir das diferentes características em termos de processo produtivo, com o auxílio de especialistas da Emater e da própria Flona local.

As falas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. O conteúdo das falas foi tratado por meio da análise de conteúdo de Bardin (2016)Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70., contemplando a pré-análise, exploração de material e tratamento dos resultados. A pesquisa seguiu todos os trâmites necessários para a pesquisa com seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo (UPF), pelo parecer de número 2.252.090. Os participantes foram informados do termo de consentimento livre esclarecido (TCLE), o qual foi lido, diante da concordância em participar, e assinado. Foram entrevistados 18 agricultores, todos residentes no espaço delimitado pelos 3 km da zona de amortecimento da Flona de Passo Fundo. Desses, 11 agricultores entrevistados tinham alguns hectares inseridos na faixa dos 500 metros, onde é proibido o plantio de transgênico.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A lógica de produção escolhida pelo agricultor determina, inevitavelmente, o seu comportamento e as suas atitudes com relação à prática de usar a terra e explorar o seu potencial, utilizando mecanismos que aumentem o processo produtivo, e, dessa forma, determine o que será cultivado.

Conforme Fritz Filho (2009)Fritz Filho, L. F. (2009). Análise das trajetórias das unidades de produção agrícolas do município de Passo Fundo/RS (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., a escolha pelo agricultor do processo produtivo que irá inserir em sua unidade de produção é muito importante, pois constituirá o desenho do sistema produtivo da unidade de produção, a qual é definida como o local do trabalho, a terra, o capital e os serviços, que são realizados pelo agricultor e seu grupo familiar. A tomada de decisão por um sistema de produção ocupa o papel de orientação e de estimulação do produtor em termos da maximização dos ganhos, a utilização ou não de produtos químicos, a escolha da cultura, além da utilização do desenvolvimento tecnológico e mecanizado (Fritz Filho et al., 2013Fritz Filho, L. F., Andrade, M. L., & Fritz, K. B. B. (2013). A diversificação produtiva adotada pelos produtores familiares das unidades de produção do município de passo fundo ao longo do tempo uma estratégia de sustentabilidade. IDeAS, 7(1), 135-173.). Os autores argumentam que esses fatores servem para orientar as atividades, além de influenciar suas práticas e sua formação de identidade agrícola, fazendo com que os produtores incorporem os significados de suas escolhas, construindo argumentos ideológicos, bem como criar estratégias de produção, tornando-se agentes ativos de suas propriedades alavancando uma forma produtiva satisfatória.

A faixa etária dos proprietários e demais residentes na unidade de produção pesquisados está entre 27 e 73 anos. Destaca-se que, mesmo os participantes de mais idade, estando aposentados, continuam ativos nas atividades produtivas. Ainda que exista um aparente compartilhamento nas decisões da propriedade, em termos do processo produtivo, o gênero masculino se sobrepõe, sendo que em apenas um caso a responsabilidade pela tomada de decisão é do gênero feminino. Observa-se que mais de uma geração reside na mesma unidade de produção. A primeira e a segunda geração ainda permanecem na propriedade, mas com uma tendência de que a terceira, não mais, pois os mais jovens vão em busca da complementação dos estudos.

A análise das categorias características do processo produtivo e a tomada de decisão pelo tipo de produção possibilitaram a identificação de sistemas de produção próximos daqueles identificados por Fritz Filho (2009)Fritz Filho, L. F. (2009). Análise das trajetórias das unidades de produção agrícolas do município de Passo Fundo/RS (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.. Sobressai-se, nesse sentido, o plantio de soja transgênica, seguido pela produção que integra o plantio de soja transgênica, soja convencional e diversos, para complementar renda, em menor proporção, e, por fim, as propriedades de pequeno porte que se mantêm com o cultivo e produção voltados para um sistema diferenciado.

Portanto, os tipos de produção abordados neste estudo estão baseados no que diz respeito ao conjunto de decisões e às escolhas das respectivas técnicas, como se pode observar nos Quadros 1, 2 e 3.

Quadro 1
- Tipo de produção exclusivamente voltado para o plantio de soja transgênica (tipo de produção 1)
Quadro 2
- Tipo de produção voltado para o plantio de soja transgênica, soja convencional e outros
Quadro 3
- Tipo de produção com cultivo diferenciado

O Tipo de Produção 1 é completamente dependente do cultivo de soja transgênica, além de demonstrar um nível de adoção de tecnologia superior, sobretudo em termos de máquinas e equipamentos. A mão de obra é exclusivamente familiar. Esse modelo responde à tendência dos últimos anos no crescimento de um apelo à monocultura da soja, principalmente soja transgênica. Quando questionados em relação à escolha da produção exclusiva de soja transgênica, a resposta dos produtores é sempre categórica e unânime de que: nesse tipo de cultivo, não se utilizam alguns defensivos agrícolas, e o rendimento em grãos por hectare é muito superior ao rendimento da soja convencional. Durante as entrevistas foi possível reconhecer os principais motivos para a tomada de decisão na hora da produção. As falas que seguem explicitam essa percepção.

Eu não me imagino fazendo outra coisa, porque isso [cultivo da soja] é muito rentável. Sempre faço meu plantio, e planto transgênico, não existe outra cultura que renda mais. [Proprietário 16, 57 anos]

Produzimos só soja transgênica, porque milho não é viável plantar. É mais soja, porque a gente não tem incentivo pra plantar outras coisas né, aí fica na soja. E eu acho que é ruim para quem tem terra e não pode plantar transgênico. Hoje em dia é só transgênico que é rentável. [Proprietário 18, 64 anos e seu filho, Proprietário 19, 40 anos]

Por meio da análise das falas dos agricultores residentes na zona de amortecimento da Flona de Passo Fundo, observa-se que o foco maior nesse tipo de produção 1 é a lucratividade: é a perspectiva de lucro que motiva a adoção dessa cultura e norteia a sua centralidade no processo de decisão. Os agricultores alegam que o plantio de transgênico, em especial a soja, é muito rentável e com poucos gastos, quando comparado ao plantio da soja convencional. Em outros relatos foi possível identificar a percepção dos agricultores de que a soja transgênica polui menos o meio ambiente, considerando-se que a soja convencional requer a utilização, por vezes desenfreada, de agrotóxicos. Observa-se, também, quando questionados em relação à inserção de outras culturas, que os agricultores justificam a centralidade na soja transgênica pela inexistência de incentivo, técnico e financeiro, para realizar plantios diferenciados.

Leitão et al. (2010)Leitão, F. O., Medeiros, J. X., Thomé, K. M., Carvalho, J. M., & Brisola, M. V. (2010). Cultivo de soja transgênica no estado de Mato Grosso: Fatores propulsores e limitativos. Revista de Economia Agrícola, 57(1), 61-74., nesse sentido, explicam que os transgênicos foram adotados pelos produtores como forma de melhor desempenho e competitividade na produção. Complementam que a elevação do preço da soja no mercado internacional e a promessa de maior produtividade e mais baixo custo de produção fizeram com que o governo brasileiro incentivasse a produção da soja transgênica. Silveira & Resendeb (2010)Silveira, J. V. F., & Resendeb, L. M. (2010). Estratégias de mercado no agronegócio paranaense: soja convencional vs. transgênica. Produção, 20(1), 55-65. justificam, ainda, que, com o avanço da fronteira agrícola, a soja está ocupando cada vez mais áreas que antes eram cultivadas com outras culturas, e isso acaba acelerando o crescimento de novas áreas com cultivo de transgênicos. Diante desse fato, observa-se que existe uma enorme lacuna no incentivo ao agricultor para produzir outros tipos de culturas, levando a grande maioria a decidir pela monocultura da soja, em especial pelo cultivo de soja transgênica. A monocultura da soja permite maior lucratividade, o que pode ser comprovado pelo fato de 88,0% do valor da produção das culturas temporárias no município de Mato Castelhano originar-se de seu cultivo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra).).

No Tipo de Produção 2 encontram-se propriedades de pequeno, médio e grande porte e seu foco de produção é a soja convencional e transgênica, indo até a criação de vacas de leite e criação de aves. A mão de obra é familiar, ocorrendo, eventualmente, a contratação de trabalhadores terceirizados.

Em relação à justificativa econômica da introdução da soja transgênica na maioria das propriedades brasileiras, Silveira & Resendeb (2010)Silveira, J. V. F., & Resendeb, L. M. (2010). Estratégias de mercado no agronegócio paranaense: soja convencional vs. transgênica. Produção, 20(1), 55-65. e Fuscaldi et al. (2011)Fuscaldi, K. C., Medeiros, J. X., & Pantoja, M. J. (2011). Soja convencional e transgênica: percepção de atores do SAG da soja sobre esta coexistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, 49(4), 991-1020. argumentam que um dos fatores favoráveis para tanto é o custo de produção. Para Leite & Munhoz (2013)Leite, D. S., & Munhoz, L. L. (2013). Biotecnologia e melhoramento das variedades de vegetais: cultivares e Transgênicos. Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, 10(19), 23-44. e Minozzi et al. (2014)Minozzi, G. B., Monquero, P. A., & Pereira, P. A. (2014). Eficácia de diferentes manejos das plantas daninhas na cultura da soja transgênica. Revista Brasileira de Ciências Agrárias, 9(3), 407-412., a ampliação do cultivo e da importância direcionada à monocultura da soja deve-se ao fato de que seu grão é a principal fonte de óleo vegetal comestível. Os autores complementam que a soja transgênica é, preferencialmente, a escolhida para o plantio da grande maioria dos produtores mundiais, pois a mesma possibilitou a adoção de uma prática cultural para o manejo de ervas daninhas ao longo do desenvolvimento da cultura. Essa característica a tornou muito mais atraente e rentável para os agricultores, tanto de pequena quanto de grande escala, diminuindo, assim, o uso incorreto dos defensivos agrícolas, como quantidade e época de aplicação inadequada.

O Tipo de Produção 2 (Quadro 2) evidencia que a soja é o padrão de produção homogêneo, ou seja, é a cultura predominante, seguida do plantio de milho e da criação de vacas de leite. Leitão et al. (2010)Leitão, F. O., Medeiros, J. X., Thomé, K. M., Carvalho, J. M., & Brisola, M. V. (2010). Cultivo de soja transgênica no estado de Mato Grosso: Fatores propulsores e limitativos. Revista de Economia Agrícola, 57(1), 61-74. explicam que o Brasil tem ocupado lugar de destaque no agronegócio mundial, sendo a soja o carro chefe da exportação. Os autores abordam, ainda, que, com o passar do tempo e com o desenvolvimento agrícola predominante, a monocultura da soja se sobressaiu às culturas mais tradicionais, como, por exemplo, a produção de leite e plantio de outros grãos.

Das propriedades visitadas durante as entrevistas, notou-se que poucos proprietários realizam cultivos de inverno, nos moldes comerciais da soja, como trigo, aveia e cevada, e os que realizam esse cultivo o fazem para silagem, a qual é dada como alimento para os animais, ou cobertura de solo. Existem algumas culturas que poderiam substituir o plantio da soja, e não somente na área dos 500 metros, como o feijão, o qual pode ser inserido de várias cultivares para captar mercados diferenciados.

Quando está presente a criação de aves, mesmo assim os proprietários ainda cultivam soja e criam vacas de leite. Essas produções são inseridas na propriedade como forma de complementar a renda das famílias, as quais alegam prejuízo nos locais onde não conseguem inserir o plantio da soja transgênica, conforme se observa nas falas explicitadas:

Produzimos soja e leite. A placa diz que é para soja resistente ao Roundup [quando questionado se poderia plantar milho transgênico], mas não sei, porque a soja convencional também é resistente, então, é estranho. Eles não querem que a gente plante transgênico, mas na placa diz que é a soja resistente ao Roundup, e não diz nada sobre milho, mas esses dias eles vieram e coletaram amostras de milho, então, é bem contraditório, bem confusa essas informações. A soja é quem segura o leite [em relação à atividade mais rentável], porque a soja é mais estável né, você tem um contrato pré-fixado, aí tu quer, tu compra o produto e já sabe que vai ficar devendo, e o leite é mais complicado, porque tu pode produzir bem um mês e no outro não, e pode cair o preço também. Então, apesar da propriedade estar inviável eu não vejo alternativa, a gente vai ter que tentar segurar essa que a gente tem. É complicado... mas eu estou satisfeito no momento, porque a gente está conseguindo ficar dentro da propriedade, aos trancos e barrancos, mas estamos conseguindo né, e os filhos querem ficar aqui, então esse é o maior desafio que a gente tem né. [Proprietário 2, 64 anos]

Eu planto soja e tenho aviário. Quando podia ser plantada a soja transgênica, eu plantava, e colhia bem mais, mas agora a gente planta a convencional, aí a gente colhe um pouco menos. Então o único lucro certo que tem é no aviário né, esse tanto faz chover ou não, é certo. [Proprietário 9, 75 anos]

Diante das falas dos proprietários, observa-se, novamente, que a preferência pelo plantio da soja transgênica é associada à lucratividade. Com relação à produtividade, segundo os participantes, a soja convencional é inferior à produção possível com a soja transgênica, além de necessitar da utilização excessiva de agrotóxicos, tornando-a ecologicamente nociva. Evidenciam, também, a necessidade da inserção de outras formas de produção, como os aviários e leitarias, em que os entrevistados alegam que é uma forma de complementar a renda defasada, porém que também não é algo seguro e lucrativo como a soja transgênica.

Na região dos 3 km da zona de amortecimento, observa-se, pelo relato dos participantes, que existe um grande conflito entre os agricultores e os diretores da Flona de Passo Fundo, principalmente as unidades de produção inseridas total ou parcialmente dentro da área dos 500 metros, região onde o cultivo de organismos geneticamente modificados está proibido pelo plano de manejo3 3 O artigo 27 da Lei no 9.985, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, especifica que o “Plano de Manejo poderá dispor sobre as atividades de liberação planejada e cultivo de organismos geneticamente modificados nas Áreas de Proteção Ambiental e nas zonas de amortecimento das demais categorias de unidade de conservação, observadas as informações contidas na decisão técnica da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio [...]” (Brasil, 2000). No plano de manejo da Flona de Passo Fundo, conforme consta no resumo executivo, “para os eventos de transgenia em que a CTNBio não se manifestou quanto ao risco para a unidade de conservação e, por consequência, não houve definição de distância mínima para que o evento possa ser plantado em relação aos limites da UC, fica definida, como medida de precaução, a distância mínima de 500 m dos limites da Flona, em projeção horizontal, uma vez que esta é a distância mínima de um evento de transgenia autorizado e vigente” (Brasil, 2011a, p. 22). . Os participantes relatam que esse desentendimento já dura alguns anos, devido à resistência dos produtores dessas áreas em aceitar a inserção do plantio de sementes da soja convencional. A zona de amortecimento, nesse sentido, é vista como uma ameaça por parte dos produtores, fato identificado durante as oficinas de planejamento participativo realizadas no contexto do plano de manejo da Flona local (Brasil, 2011bBrasil. Ministério do Meio Ambiente – MAPA. (2011b). Plano de manejo da Floresta Nacional Passo Fundo: diagnóstico (Vol. I). Florianópolis: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).). A percepção dos produtores locais é a de que as leis não os favorecem e de que as políticas governamentais são uma barreira para o desenvolvimento de suas atividades produtivas. Essa percepção costuma estar presente em zonas de amortecimento de outras unidades de conservação, como identificado nos estudos de Fauro et al. (2014)Fauro, J. C. S., Sereia, D. A. O., & Dias, E. S. (2014). Restrições do uso da terra na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu – Paraná. Ambiência, 10(2), 597-612. e Moraes et al. (2015)Moraes, M. C. P., Mello, K., & Toppa, R. H. (2015). Análise da paisagem de uma zona de amortecimento como subsídio para o planejamento e gestão de unidades de conservação. Revista Árvore, 39(1), 1-8.. Percebe-se que o descontentamento é ainda maior para aqueles produtores que possuem a integralidade da área de suas propriedades na faixa dos 500 metros.

O Tipo de Produção 3 (Quadro 3) caracteriza-se por propriedades de pequeno porte, as quais se focalizam em uma produção voltada ao cultivo de hortaliças, criação de vacas de leite e produção de ovos, sendo o plantio de milho e pastagem direcionado à alimentação animal.

Altieri (2012)Altieri, M. A. (2012). Agroecologia, agricultura camponesa e soberania alimentar. Revista Nera, 16, 22-32. enfatiza que, durante muitos séculos, a agricultura se desenvolveu sobre os recursos locais de terra e água, nutrindo de forma biológica as diversas explorações camponesas, criando resistências e adaptações a climas bem como a pragas e doenças. Para o autor, mesmo com vários empecilhos, felizmente ainda existem diversas explorações tradicionais acontecendo nos sistemas rurais, enfatizando que a produtividade e a sustentabilidade podem ser otimizadas e, dessa maneira, podem formar bases voltadas à soberania alimentar. Complementa, ainda, que essa soberania se define como o direito de cada um a desenvolver sua capacidade de produzir seu próprio alimento, tendo acesso à terra, às sementes e à água, criando autonomia do agricultor em produzir e comercializar seus produtos nos mercados locais, incentivando as redes, de agricultor a agricultor.

Conforme se pode ver no Quadro 3, a produção ocorre de forma diferenciada, pois os produtores evitam ou não utilizam nenhum tipo de fertilizante ou agrotóxico em suas culturas e a criação animal utiliza processos sustentáveis de manejo, sendo as hortaliças e o leite as produções predominantes. Os produtores demonstraram grande interesse em realizar a transição para uma cultura totalmente orgânica e sustentável, porém relataram que existem diversos empecilhos que dificultam essa mudança, pois a maioria das propriedades é circundada por lavouras de soja, e acabam sendo contaminadas pelo uso de agrotóxicos, além da falta de incentivo, tanto para a comercialização quanto para a produção. Das 452 propriedades recenseadas em 2017 no município de Mato Castelhano, território predominante da zona de amortecimento, 411 produziam lavouras temporárias e destas 288 (70,0%) produziam soja (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra).). Outra informação que dá suporte para a caracterização territorial é que, do total das propriedades, 355 (78,5%) faziam uso de agrotóxico, de acordo com o mesmo levantamento. Apenas uma propriedade recenseada informou que utiliza agricultura orgânica ou pecuária orgânica, especificamente direcionada para a produção animal. As falas que seguem mostram essa percepção:

Eu evito o máximo utilizar medicamentos nos bichos, mas às vezes, é preciso né. Mas estou com planos de fazer produção de leite orgânico. A gente planta feijão, batatinha e mandioca, mas é para o nosso consumo, só o leite que eu vendo, e eu procuro cultivar mais de forma natural, porque eu tenho as crianças né. Aí eu crio porco, frango, vaca, e a gente utiliza os estercos para fazer adubo, cobre tudo com uma lona e deixa fermentar e depois coloca na horta. Com o leite, que é a produção que vendo, não estou muito satisfeita, e para aumentar e melhorar a produção eu teria que ter mais vacas, só que o preço está muito baixo do leite, aí não vale. [Proprietária 21, 37 anos]

Minha produção hoje, no momento, não está tão rentável, porque eu estou com uma doença que atacou as hortaliças, mas fora isso eu diria que estou satisfeito sim. E é um produto [hortaliça] que quando tudo dá certinho, ele traz uma renda boa. Eu faço tudo de forma convencional, na terra mesmo, não tem hidroponia, então eu faço os canteiros com o trator, faço o plantio, colheita, depois com o trator novamente, eu viro a terra, adubo, e faço os canteiros. Dá trabalho, mas se fizer bem certinho, de acordo com as regras, e conseguir se inserir no mercado, é bem rentável. Só que, no meu caso, não posso dizer que meu produto é orgânico, porque eu não tenho o selo de orgânico, e eu estou com esse problema das doenças nas hortaliças, então, estou no meio do caminho. Só uma coisa [sobre como cultivar de forma orgânica], se eu cuidar para não usar agrotóxicos nas minhas hortaliças, mas meu vizinho usar e contaminar minha produção, aí já não é mais orgânico né... Então você nota que é muita coisa envolvida, e eu aqui estou cercado de plantação de soja, milho, aí complica muito. [Proprietário 13, 40 anos]

Mediante as falas dos produtores, observou-se que a decisão de inserir uma forma de cultivo diferenciado em suas propriedades foi pelo fato de não querer aderir à monocultura da soja e por ter certo conhecimento de que essa produção diferenciada gera lucratividade, além de colaborar com a preservação do meio onde residem, o que corrobora com o intuito da zona de amortecimento. Não fica evidente nas falas, todavia, que a inserção da sua propriedade em uma zona de amortecimento seja um elemento favorável para a decisão, até porque reconhecem o emprego excessivo de agrotóxicos. De outra parte, os agricultores dessa modalidade produtiva referiram que se sentem isolados dos demais produtores de monoculturas, pois inexiste apoio técnico ou incentivo financeiro para que avancem nesse cultivo diferenciado. Relatam, também, a dificuldade da inserção dos seus produtos no mercado local devido à falta de certificação de produto orgânico como forma de diferenciação e de aumento de valor agregado aos produtos. Santos et al. (2014)Santos, F. C., Stradiotto, S. C., Araújo, E., & Maia, G. Z. (2014). A agroecologia como perspectiva de sustentabilidade na agricultura familiar. Revista Ambiente & Sociedade, 17(2), 34-50. e Santos & Cândido (2013)Santos, J. G., & Cândido, G. A. (2013). Sustentabilidade e agricultura familiar: um estudo de caso em uma associação de agricultores rurais. Revista de Gestão Social e Ambiental, 7(1), 70-86. sinalizam as dificuldades nessa transição da agricultura tradicional e de grande escala para um sistema de produção mais sustentável, visto que envolve não somente a mudança no pensamento, mas, também, nas dimensões econômica, tecnológica, social e cultural. Mostram, ainda, que existe certa resistência por parte do agricultor em aceitar tal mudança devido ao fato de não ocorrer apoio suficiente, principalmente em termos de investimentos e orientações.

A ruptura nessa resistência promoveria o que Alentejano (2015)Alentejano, P. R. (2015). O que há de novo no rural brasileiro? Revista Terra Livre, 15, 87-112. contextualiza como a nova dinâmica no campo brasileiro, marcada pela multiplicação de atividades no meio rural. Esse novo rural, de acordo com o autor, está associado a novos paradigmas de produção agrícola. Complementa ainda que, nesse processo, ficam em destaque a valorização da agricultura familiar, o avanço das diversas formas de produção e a disseminação de novas práticas agrícolas, as quais são, ambientalmente, mais saudáveis, como a produção de alimentos orgânicos.

Por fim, evidencia-se, diante das análises dos três tipos de produção, que as escolhas em relação à produção inserida na unidade vão ao encontro da maior lucratividade, a qual é associada pelo agricultor à necessidade de sobrevivência no campo. Prevalece a visão de que apenas a monocultura da soja, em especial a transgênica, é rentável, sendo os demais cultivos e formas de produção vistos apenas como formas complementares. Portanto, ainda que a Flona de Passo Fundo, enquanto unidade de conservação de alta prioridade (Brasil, 2012Brasil. Ministério do Meio Ambiente – MAPA. (2012). Plano de manejo da Floresta Nacional Passo Fundo: planejamento (Vol. II). Florianópolis: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).), constitua um território potencial para a efetivação de projetos de desenvolvimento sustentável, a postura dos produtores rurais de seu entorno reproduz a lógica tradicional. Essa situação está presente em outros estudos realizados com produtores de áreas próximas às unidades de conservação. A esse respeito, como referem Fauro et al. (2014)Fauro, J. C. S., Sereia, D. A. O., & Dias, E. S. (2014). Restrições do uso da terra na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu – Paraná. Ambiência, 10(2), 597-612., o relacionamento e as ações integradas são fundamentais para a gestão adequada e a proteção de uma unidade de conservação, na mesma medida em que a viabilidade da conservação é determinada pela participação dos grupos sociais e agentes de Estado, direta ou indiretamente, envolvidos no processo de sua institucionalização. A possibilidade de contaminação de recursos hídricos, a perda de biodiversidade e recursos e o isolamento e fragmentação das áreas naturais seguem como uma preocupação no âmbito prescrito pelo plano de manejo. As poucas iniciativas de inserção de atividades pluriativas e sustentáveis são percebidas como isoladas e carecem de apoio técnico e logístico para o seu equacionamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostrou que a produção da soja é dominante nas concepções e percepções dos proprietários rurais pesquisados, principalmente na escolha do plantio da soja transgênica. Alegam ser mais rentável e menos prejudicial à saúde e ao meio ambiente que o cultivo da soja convencional. Suas decisões são norteadas pela possibilidade de aumentarem a lucratividade de suas atividades na produção de culturas que dominam o espaço agrário na região.

Durante as entrevistas foi possível identificar que os proprietários reconhecem a possibilidade de inserção de outras formas de cultivo e cultura, porém sinalizam o desconhecimento sobre produção diferenciada e sustentável, como a orgânica, além de apontarem diversos empecilhos para a adesão à produção orgânica. Considerando-se o objetivo central do estudo, identificar os tipos de produções existentes na região da zona de amortecimento da Flona de Passo Fundo, foi possível verificar a existência de três tipos de produção, quais sejam: aquele voltado, exclusivamente, para o plantio de soja transgênica; um segundo, centrado no plantio de soja transgênica, soja convencional e diversos; e um terceiro, que possui foco em cultivo diferenciado e sustentável.

Em relação ao primeiro, notou-se ser completamente dependente do cultivo de soja transgênica pelo fato de essa ser rentável produtivamente. No segundo tipo de produção, focaliza-se na soja convencional, em áreas que abrangem os 500 metros da zona de amortecimento, na qual é proibido o plantio de transgênicos, sendo nas demais áreas realizado o plantio de soja transgênica, a produção leiteira e a aviária para a complementação de renda. Já no terceiro tipo de produção, que se apresenta diferenciada, observou-se que os produtores estão voltados ao cultivo de hortaliças, à produção de leite e ovos, porém de uma forma mais sustentável e migratória para a cultura orgânica.

Portanto, reconhece-se que a tomada de decisão e a preferência evidenciada pelos agricultores na inserção do cultivo transgênico, em especial a soja, seguem a necessidade de se obter lucratividade. Os agricultores entendem que é viável a produção de forma orgânica e que, de certa forma, favorece o reconhecimento da agricultura familiar, porém destacam que sentem falta de um auxílio, como o técnico, o qual dê clareza em relação a essa e a outras formas de cultivo, proporcionando a adoção de alternativas.

Destaca-se, também, a relação frágil e distante entre o agricultor e a unidade de conservação onde está inserido, o que é preocupante, pois, por ser uma área de conservação e ser um espaço diferenciado, existe a necessidade de uma conscientização entre os agricultores locais e a existência de uma cultura de produção sustentável, que vá além da busca da lucratividade em termos físicos e econômicos, e que possa agregar benefícios ambientais, além de fortalecer o processo de inserção desses agricultores no seu espaço de vivência.

O estudo sugere que são imprescindíveis ações de cunho educacional e informativo, além de programas de apoio técnico para que se crie uma cultura de produção sustentável, disponibilizando aos produtores residentes na área dos 500 metros da Flona novas alternativas de cultivo, indo além da monocultura da soja. De outra parte, é possível identificar a importância da implementação de políticas públicas direcionadas à conscientização e à viabilização de formas de cultivo e criação animal convergentes aos objetivos de uma unidade de conservação, sobretudo em um território que se constituiu de modo artificial, como o caso em questão. De outra parte, a atuação do Conselho Gestor da unidade de conservação é imprescindível não apenas para amenizar os conflitos entre os agentes fiscalizadores e os produtores locais, mas para consolidar ações que contribuam para ações integradas que viabilizem o processo produtivo na direção de um sistema de produção sustentável.

  • 1
    O Censo Agropecuário adota o que é preconizado pela Lei no 11.326, que classifica como de agricultura familiar o estabelecimento de pequeno porte (até 4 módulos fiscais), com metade da força de trabalho familiar, com atividade agrícola composta, no mínimo, pela metade da renda familiar, além de ter gestão estritamente familiar (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra).).
  • 2
    Adota-se o critério da Lei no 8.629/1993 na definição de pequena propriedade para imóveis rurais com área compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais, de média propriedade para aqueles imóveis rurais com área superior a 4 até 15 módulos fiscais e de grande propriedade para aqueles com área superior a 15 módulos fiscais (Brasil, 1993Brasil. Presidência da República. (1993). Lei nº 9.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 10 de março de 2018, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ). O módulo fiscal para o município de Mato Castelhano é de 16 hectares.
  • 3
    O artigo 27 da Lei no 9.985, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, especifica que o “Plano de Manejo poderá dispor sobre as atividades de liberação planejada e cultivo de organismos geneticamente modificados nas Áreas de Proteção Ambiental e nas zonas de amortecimento das demais categorias de unidade de conservação, observadas as informações contidas na decisão técnica da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio [...]” (Brasil, 2000Brasil. Presidência da República. (2000). Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. § 1°, incisos I, II, III, e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 25 de maio de 2018, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ). No plano de manejo da Flona de Passo Fundo, conforme consta no resumo executivo, “para os eventos de transgenia em que a CTNBio não se manifestou quanto ao risco para a unidade de conservação e, por consequência, não houve definição de distância mínima para que o evento possa ser plantado em relação aos limites da UC, fica definida, como medida de precaução, a distância mínima de 500 m dos limites da Flona, em projeção horizontal, uma vez que esta é a distância mínima de um evento de transgenia autorizado e vigente” (Brasil, 2011aBrasil. Ministério do Meio Ambiente – MAPA. (2011a). Plano de manejo da Floresta Nacional Passo Fundo: resumo executivo. Florianópolis: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)., p. 22).
  • Como citar: Souza, C. R., Fritz Filho, L. F., & Moretto, C. F. (2022). Os processos produtivos agrícolas na zona de amortecimento da Floresta Nacional de Passo Fundo. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(2), e216709. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2021.216709
  • JEL Classification: Q01; Q15.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2018
  • Aceito
    10 Abr 2021
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