Acessibilidade / Reportar erro

Políticas alimentares e referenciais setoriais na trajetória brasileira

Resumo:

O artigo analisa os referenciais que guiaram o desenho e a implementação de políticas alimentares no Brasil. Baseados em pesquisa documental e revisão de literatura, identificamos seis fases nas políticas alimentares brasileiras: i) 1600-1930, com a presença de um referencial de inação; ii) dos anos 1930 até 1960 com o referencial orientado para a nutrição racional; iii) 1970 a 1980, com o referencial guiado por interpretações produtivistas e de abastecimento alimentar; iv) anos 1990, com o referencial da eficiência comercial e do foco socioassistencial; v) 2000 a 2015 com o referencial da convivência conflituosa entre o produtivismo e a segurança alimentar e nutricional (SAN); e, vi) a partir de 2014, sob o referencial de desmantelamento das políticas alimentares. Ao longo do tempo, as ações mais significativas e constantes foram aquelas que buscaram mudar a dinâmica da produção agrícola, notadamente para a expansão da produção de commodities. As ações que buscaram promover a acessibilidade alimentar, alimentação saudável, diálogo entre agricultura familiar e SAN, agroecologia e valorização dos territórios locais e da alimentação foram frágeis e instáveis, bastante sensíveis às mudanças políticas e econômicas.

Palavras-chave:
políticas públicas; políticas alimentares; referencial; segurança alimentar e nutricional; agricultura familiar

Abstract:

The paper analyses the referentials that has guided the design and implementation of food policies in Brazil. Based on documentary research and literature review, we identified six phases in Brazilian food policies: i) 1600-1930, with the presence of a referential of inaction; ii) from 1930 to 1960, with a referential oriented towards rational nutritional; iii) 1970 to 1980, guided by productivist interpretations and supply actions; iv) the 1990s, with a referential of commercial efficiency and social assistance focus; v) 2000 to 2015, with a referential of conflicting coexistence between productivism and food and nutrition security (FNS); vi) from 2014, under a dismantling sectorial referential. Over time, the most meaningful and constant actions were those that sought to change the dynamics of agricultural production, which were biased towards commodities expansion. The actions that sought to promote food accessibility, healthy diet, dialogue between family farming and FNS, agroecology and the valorization of local territories and food were fragile and unstable, sensitive to political and economic changes.

Keywords:
public policy; food policy; referentials; food and nutrition security; family farming

Introdução

O abastecimento alimentar, a alimentação saudável e a construção de sistemas alimentares sustentáveis tornaram-se problemáticas centrais nas primeiras décadas do século XXI (Le Coq et al., 2022Le Coq, J. F., Grisa, C., Guéneau, S., & Niederle, P. (2022). Public policies and food systems in Latin America. Éditions Quæ.; Preiss et al., 2020Preiss, P. V., Schneider, S., & Coelho-de-Souza, G. (Eds.). (2020). A contribuição brasileira à segurança alimentar e nutricional sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Fouilleux & Michel, 2020Fouilleux, E., & Michel, L. (2020). Quand l’alimentation se fait politique(s). Rennes: Presse Universitaires de Rennes.; Brand et al., 2017Brand, C., Bricas, N., Conaré, D., Daviron, B., Debru, J., Michel, L., & Soulard, C.-T. (2017). Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.). O crescimento da urbanização, as mudanças climáticas, a permanência da fome e a emergência da obesidade são desafios globais que cobram mudanças no sistema alimentar hegemônico. O atual modelo de produção e consumo pauta-se, em grande medida, por uso intensivo da natureza, utilização de insumos (fertilizantes industriais e agrotóxicos), circulação de produtos e alimentos a grandes distâncias, produção de alimentos ultraprocessados, concentração dos meios de produção e distribuição dos alimentos, e implica o agravamento de desigualdades (Fouilleux & Michel, 2020Fouilleux, E., & Michel, L. (2020). Quand l’alimentation se fait politique(s). Rennes: Presse Universitaires de Rennes.; Ioris, 2018Ioris, A. A. R. (2018). Agribusiness and neoliberal food system in Brazil: frontiers and fissures of agro-neoliberalism. Routledge.; Schneider & Gazolla, 2017Schneider, S., & Gazolla, M. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas. In M. Gazolla & S. Schneider (Eds.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 9-24). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Ademais, o sistema alimentar hegemônico caracteriza-se pela presença de diversos intermediários em toda a trajetória dos alimentos, pela perda de contato dos consumidores com o rural, agricultores e com o modo de produzir os alimentos, e pelo controle do sistema alimentar por poucas indústrias e empresas (Bricas et al., 2017Bricas, N., Barles, S., Billen, G., & Routhier, J.-L. (2017). Urbanization issues affecting food systems sustainability. In N. Bricas, D. Conaré, B. Daviron, J. Debru, L. Michel, C.-T. Soulard & C. Brand (Eds.), Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.). Impactos ambientais, econômicos, sociais, culturais e um conjunto de “distanciamentos” são produzidos e intensificados (Bricas et al., 2017Bricas, N., Barles, S., Billen, G., & Routhier, J.-L. (2017). Urbanization issues affecting food systems sustainability. In N. Bricas, D. Conaré, B. Daviron, J. Debru, L. Michel, C.-T. Soulard & C. Brand (Eds.), Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.).

Nesse cenário, urge a necessidade de construir sistemas alimentares sustentáveis, entendidos como aqueles que “asseguram a segurança alimentar e nutricional (SAN) para todos de modo que as bases econômicas, sociais e ambientais necessárias para gerar segurança alimentar e nutricional das gerações futuras não sejam comprometidas” (High Level Panel of Experts, 2014High Level Panel of Experts – HLPE. (2014). Food losses and waste in the context of sustainable food systems: a report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security. Rome., p. 31). De maneira mais detalhada, Bricas et al. (2017)Bricas, N., Barles, S., Billen, G., & Routhier, J.-L. (2017). Urbanization issues affecting food systems sustainability. In N. Bricas, D. Conaré, B. Daviron, J. Debru, L. Michel, C.-T. Soulard & C. Brand (Eds.), Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer. caracterizam sistemas alimentares sustentáveis como aqueles que protegem o meio ambiente e a biodiversidade, e promovem acesso à alimentação suficiente, saudável e culturalmente aceita. Ademais, tais sistemas envolvem uma economia inclusiva, que cria empregos, gera distribuição equitativa do valor adicionado, e reduz a desigualdade social; fortalecem a coesão social e o respeito à diversidade cultural; e restauram a confiança e estimulam os cidadãos a participarem no seu desenvolvimento. Isso implica rever as bases do sistema alimentar hegemônico e promover a agricultura agroecológica, dietas sustentáveis pautadas em alimentos in natura e minimamente processados, os circuitos curtos de comercialização e a relocalização da comida nos territórios.

Como destacado pelo High Level Panel of Experts (2014)High Level Panel of Experts – HLPE. (2014). Food losses and waste in the context of sustainable food systems: a report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security. Rome., múltiplos atores devem se envolver nesse processo: organizações internacionais, movimentos sociais, sociedade geral e os Estados. Para Sonnino et al. (2016)Sonnino, R., Spayde, J., & Ashe, L. (2016). Políticas públicas e a construção de mercados: percepções a partir de iniciativas de merenda escolar. In F. C. Marques, M. A. Conterato & S. Schneider (Eds.), Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS., os Estados são atores estratégicos no que se refere à alimentação e aos sistemas alimentares. Seu poder regulatório, orçamento gigantesco e mandato para atuar em nome do interesse público os dotam de autoridade singular na oferta, consumo e governança dos alimentos. Por meio das políticas alimentares, os Estados influenciam o modo como os alimentos são produzidos, processados, distribuídos e consumidos e, igualmente, organizam os arranjos políticos e a governança do abastecimento alimentar (Lang et al., 2009Lang, T., Barling, D., & Caraher, M. (2009). Food policy: integrating health, environment and society. Oxford University Press.). Assim compreendidas, as políticas alimentares produzem repercussões na agricultura, na saúde, na nutrição, e no desenvolvimento territorial e nacional, influenciado quem come, o quê, quando e como (Lang et al., 2009Lang, T., Barling, D., & Caraher, M. (2009). Food policy: integrating health, environment and society. Oxford University Press.).

Considerando a importância do Estado, das políticas alimentares e suas repercussões nos processos de desenvolvimento, este trabalho analisa a trajetória das políticas alimentares no Brasil, identificando referenciais setoriais fortalecidos em determinados momentos. Em diálogo com a abordagem cognitiva de análise de políticas públicas, procura-se analisar as concepções e as orientações presentes nas políticas alimentares ao longo do desenvolvimento do país e suas repercussões na construção de sistemas alimentares sustentáveis (Muller, 2015Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR.; Jobert & Muller, 1987Jobert, B., & Muller, P. (1987). L’etat en action. Paris: PUF.).

Conforme Muller (2015)Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR., as dinâmicas das sociedades podem ser apreendidas a partir do modo como essas pensam e agem sobre si mesmas, sendo importantes, nesse sentido, as noções de referencial global e referencial setorial. Referencial global concerne a uma “teoria prática do Estado” que diz “a que e a quem serve o Estado (ou a que e a quem ele não deve servir)”, estabelecendo o lugar das políticas públicas no funcionamento das sociedades (Muller, 2015Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR., p. 57). Trata-se de modelos econômicos, sociais e ideológicos dominantes em diferentes períodos do capitalismo (nacional desenvolvimentismo, neoliberalismo, neodesenvolvimentismo etc.), que interferem na dinâmica de diferentes setores ou subsistemas (Ravinet & Palier, 2015Ravinet, P., & Palier, B. (2015). Global, es-tu là? refelxions sur une catégorie fantomatique. In L. Boussaguet, S. Jacquot & P. Ravinet (Eds.), Une french touch dans l’analyse des politique publique? (pp. 27-56). Paris: Presses de Sciences.). Por sua vez, referencial setorial refere-se a um conjunto de questões associadas de maneira mais ou menos institucionalizada a certas populações ou problemáticas (Muller, 2015Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR.). O setor, ou a setorialização da ação pública, é resultado de um processo de aquisição, por parte do Estado, de competências sobre um dado problema, de legitimidade para exercer sua autoridade, participando assim de sua racionalização (Halpern & Jacquot, 2015Halpern, C., & Jacquot, S. (2015). Aux frontières de l’action publique: l’instrumentarion comme logique de (dé)sectorisation. In L. Boussaguet, S. Jacquot & P. Ravinet (Eds.), Une french touch dans l’analyse des politique publique? Paris: Presses de Sciences, pp. 57-83.). Assim, delimitamos as questões alimentares como um setor analítico,1 1 Compreendemos que as questões alimentares são, por sua natureza, intersetoriais. Tal como Muller (2015) ressalta para as questões de gênero, realizamos, aqui, um exercício de tratá-la como um setor analítico visando compreender os ajustamentos sofridos a partir do referencial global. influenciado pelas interpretações e pelas mudanças que ocorrem nos referenciais globais. A cada mudança no referencial global, o referencial setorial sofre tensionamentos para ajustar-se às novas interpretações de mundo, relações de poder, estruturas institucionais e hegemonia política. O modo como ocorre o ajustamento setorial depende da “exposição” do setor ao global, da sua configuração, das margens de jogo disponíveis, e da capacidade dos mediadores setoriais para construírem a hegemonia (Muller, 2015Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR.). Baseado nesses entendimentos e a partir de pesquisa documental (leis, decretos, manuais e relatórios das políticas públicas, outros documentos governamentais, atas e documentos do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, relatórios de organizações da sociedade civil vinculadas à segurança alimentar e nutricional...) e de revisão de literatura (principais publicações sobre sistemas alimentares e políticas alimentares), este artigo discute os referenciais setoriais que influenciaram as políticas alimentares ao longo da trajetória do país.

O artigo foi organizado em sete seções. A primeira aborda o efeito do referencial de inação no período de 1600 a 1930. A segunda apresenta o referencial da alimentação racional que orientou as políticas alimentares entre 1930-60. A terceira seção contempla os anos 1960-80 com a prevalência de um referencial produtivista e de abastecimento alimentar. A quarta discute as repercussões do referencial da eficiência comercial e do foco socioassistencial nas políticas alimentares nos anos 1990. A quinta elucida a influência de um referencial da convivência conflituosa entre produtivismo e SAN nas políticas alimentares no período 2000-2014. A sexta seção apresenta o referencial atualmente em curso, marcado pelo desmantelamento das políticas alimentares. Por fim, são apresentadas algumas considerações sobre o debate aqui realizado.

As políticas alimentares sob um referencial setorial de inação (1600-1930)

O primeiro século da colonização europeia foi retratado por cronistas, religiosos e representantes governamentais como um período de fartura alimentar, sobretudo de produtos naturais, para o qual foi importante a observação (sob o signo da dominação) dos hábitos alimentares das populações indígenas (Cascudo, 1968Cascudo, L. C. (1968). História da alimentação no Brasil (2 v.). São Paulo: Companhia Editora Nacional.). Conforme Linhares (1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura., p. 33), “pode-se admitir que havia fartura de alimentos e que não se poderia colocar qualquer problema de escassez nas primeiras povoações do Brasil.” No entanto, já no século XVII as crises de abastecimento manifestaram-se e agravaram-se à medida que avançou o povoamento, a interiorização e a urbanização (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.). Para Prado Junior (1961, p. 157), a insuficiência alimentar era quase sempre a regra geral nos núcleos de povoamento mais densos: na Bahia e Pernambuco havia “verdadeiro estado crônico de carestia e crise alimentar que frequentemente se tornam em fome declarada e generalizada”. Analogamente, Magalhães (2011Magalhães, S. M. (2011). Polêmicas sobre o desenvolvimento alimentar em Goiás no século XIX. In A. D. S. Moura, M. M. Carvalho & M. A. Lopes (Eds.), Consumo e abastecimento na história (pp. 245-271). São Paulo: Alameda., p. 248) afirma que “o título de ‘celeiro do Brasil’ que Goiás ostenta na contemporaneidade [...] oculta um passado de privações em que a escassez, a carestia e, por vezes, a fome declarada foram constantes, sobretudo nos períodos de 1804 a 1805; 1819; 1823; 1830 a 1834; 1838; 1848; 1859 a 1860; 1865 a 1870; e 1878”.

Diversos elementos contribuíram para esse cenário. Um deles diz respeito à organização da colônia a partir das necessidades econômicas e políticas da metrópole, conferindo atenção prioritária aos produtos de exportação. Sendo a questão alimentar tratada como “uma feitoria comercial” (Prado Junior, 1961) e baseada no trabalho escravo, não houve preocupação em desenvolver sistemas produtivos diversificados e focados na produção de alimentos para o abastecimento do Brasil (Prado Junior, 1961; Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.). Prado Junior (1961, p. 152) relata que a produção de subsistência encontrava-se incluída nos domínios da grande lavoura, sendo realizada pelos escravos e destinada principalmente à “subsistência alimentar daqueles que os habitam e neles trabalham”, e “a par das grandes explorações”, em terras menos férteis, em geral distante dos centros urbanos, e realizada por pequenos lavradores em situação de precariedade.2 2 Havia também situações, menos frequentes, de grandes lavouras dedicadas unicamente à produção de gêneros alimentares destinados para o abastecimento alimentar do país (Prado Junior, 1961). Em ambos os casos, a produção de subsistência não era priorizada dada a preferência para o mercado externo. “As economias de subsistência” (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.) tinham dificuldades em produzir excedentes para o mercado interno, intensificando a vulnerabilidade alimentar em situações de intempéries climáticas, incidência de pragas e doenças ou conflitos políticos (Magalhães, 2011Magalhães, S. M. (2011). Polêmicas sobre o desenvolvimento alimentar em Goiás no século XIX. In A. D. S. Moura, M. M. Carvalho & M. A. Lopes (Eds.), Consumo e abastecimento na história (pp. 245-271). São Paulo: Alameda.; Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.). Soma-se a isso, a precariedade das estradas e dos meios de deslocamento que dificultavam a comercialização e o acesso aos alimentos, e o direcionamento dos alimentos para mercados com preços melhores.

Outro elemento que contribuiu para a ocorrência das crises de abastecimento refere-se às próprias omissões e regulações incipientes e insuficientes do Estado. Diversos autores destacam regulamentações estabelecidas no período colonial para garantir o abastecimento, como: estímulos à criação de feiras semanais nas vilas e povoações em 1548; a obrigatoriedade de plantar mandioca durante a ocupação de Olinda pelos holandeses; a obrigatoriedade, no final do século XVII, de todos os moradores do Recôncavo da cidade da Bahia plantarem, a cada ano, 500 covas de mandioca por escravo, e a penalização para aqueles que estocavam farinha de mandioca para especulação; o tabelamento dos preços e a proibição de exportar alimentos em Minas Gerais no início da mineração (assegurando o abastecimento local); e a criação de celeiros (tulhas) no Rio de Janeiro e Bahia, de 1784-1788, para garantir a estabilidade no abastecimento de certos produtos (Magalhães, 2011Magalhães, S. M. (2011). Polêmicas sobre o desenvolvimento alimentar em Goiás no século XIX. In A. D. S. Moura, M. M. Carvalho & M. A. Lopes (Eds.), Consumo e abastecimento na história (pp. 245-271). São Paulo: Alameda.; Sousa, 2011Sousa, A. P. (2011). Circuitos internos de produção, comercialização e consumo na América Portuguesa: o exemplo da Capitania da Bahia (século XVIII). In A. D. S. Moura, M. M. Carvalho & M. A. Lopes (Eds.), Consumo e abastecimento na história (pp. 137-167). São Paulo: Alameda.; Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.; Prado Junior, 1961). No entanto, todas essas ações foram praticamente ignoradas, combatidas ou ineficientes (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.; Prado Junior, 1961).

Ao longo dessa trajetória, dois produtos alimentares foram objeto principal de atenção no abastecimento – a farinha de mandioca e a carne fresca. A primeira, em função da sua “onipresente atuação diária” e por “conquistar os portugueses” desde o início da colonização (Cascudo, 1968Cascudo, L. C. (1968). História da alimentação no Brasil (2 v.). São Paulo: Companhia Editora Nacional.). A segunda se tornou “vedete” (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.) por duas razões. Uma delas diz respeito aos “distanciamentos” geográficos e econômicos (Bricas et al., 2017Bricas, N., Barles, S., Billen, G., & Routhier, J.-L. (2017). Urbanization issues affecting food systems sustainability. In N. Bricas, D. Conaré, B. Daviron, J. Debru, L. Michel, C.-T. Soulard & C. Brand (Eds.), Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.) que dificultaram o abastecimento alimentar e demandaram regulação. À medida que a produção do gado foi se interiorizando no país, o produtor foi se distanciando do consumidor e novos atores (marchantes, traficantes, administradores e oficiais municipais), dificuldades de logística e controle (da qualidade e da oferta) foram “entrando em cena”. A outra razão (e principal) concerne ao fato de a carne ter sido fonte privilegiada para o recolhimento de impostos e sustentação das Câmaras Municipais. À Câmara cabia organizar os açougues públicos (únicos lugares permitidos ao abate), licitar o direito de corte e venda, e estabelecer os preços de comercialização de acordo com a qualidade e origem da carne. Ainda que pouco eficiente, à medida que a demanda de abastecimento urbano crescia, monopólios estabeleciam-se e ideias liberais ganhavam força no século XIX, a regulação da carne começou a ser questionada (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.).

O século XIX marca a consolidação dos Estados nacionais na América Ibérica e a independência do Brasil. Ainda que se tenha mantido fundamentalmente rural, a população e a urbanização do país foram crescendo, demandando ações de abastecimento. Após a instalação da Corte no país, as políticas de abastecimento envolveram melhorias de caminhos, abertura de novas estradas, construção de trapiches e armazéns, proibição de comércio de cabotagem aos navios estrangeiros, estímulos a feiras e preocupação com a higiene e a organização da venda dos alimentos por meio da criação de mercados públicos. Todavia, no restante do século, as ações governamentais se mantiveram bastante efêmeras acompanhando o crescimento do referencial global liberal e da iniciativa privada na área do abastecimento alimentar. Como cita Linhares (1979)Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura., no início do século XIX as empresas agrícola-mercantis expandiram sua atuação, sendo que, em meados do mesmo século, havia participação hegemônica de comerciantes estrangeiros no comércio de alimentos do Rio de Janeiro e, no final do século, já se encontravam sediadas ou representadas empresas de grande porte do setor alimentar. Ao mesmo tempo, mesmo com a crise alimentar a partir dos anos 1850 e com as mudanças econômicas decorrentes da proibição do trabalho escravo, qualquer intervenção do Estado passou a ser vista “como maior agravo possível à propriedade. Utilizavam-se os liberais de argumentação variada: não há crise [...] ou, então, argumentação mais elaborada: a economia possui leis naturais e qualquer intervenção só provocaria a sua desorganização, mesmo quando um grupo açambarcasse todo o fornecimento de gêneros alimentícios” (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura., p. 189).

No início do século XX, um conjunto de fatores tensionou para o estabelecimento de um novo referencial nas políticas alimentares, tendo como catalisador a crise de abastecimento em 1917-1918. Diversos elementos confluíram para esse cenário, como a grande seca em 1915, as demandas alimentares pelos países bélicos durante a primeira guerra mundial, a gripe espanhola (1918), as greves dos trabalhadores (1917-18) e as “ameaças” da Revolução Russa. Também contribuíram o uso especulativo de estoques alimentares, a monopolização da produção, da comercialização e do crédito por companhias e bancos estrangeiros (que reivindicavam a manutenção de preços alimentares elevados), e as reivindicações da nascente burguesia nacional pelo controle das exportações e dos preços de gêneros alimentícios. Essas problemáticas desencadearam a criação do Comissariado de Alimentação Pública (CAP), que tinha como atribuições a definição dos produtos básicos que poderiam ser exportados, o tabelamento dos preços para venda no mercado interno, a compra de gêneros alimentícios e a destinação para venda direta, a requisição dos estoques privados e destinação ao mercado com a intenção de assegurar o abastecimento e a redução dos preços (Menezes et al., 2015Menezes, F., Porto, S., & Grisa, C. (2015). Abastecimento alimentar e compras públicas no Brasil: um resgate histórico (Série Políticas Sociais e de Alimentação). Brasília: Centro de Excelência Contra a Fome., p. 25). Porém, o CAP enfrentou resistências e logo foi extinto, substituído pela Superintendência de Abastecimento que paralisou as ações de controle e regulação e fomentou (de maneira incipiente) a produção agrícola, com isenção fiscal para os alimentos mais requisitados pelos consumidores, fomento ao cooperativismo e às feiras (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.).

Nota-se, portanto, que, embora tenham sido assíduos ao longo dos séculos, a fome e o desabastecimento entraram na agenda pública de modo pontual e sua expressão em políticas públicas foi praticamente inexistente, ineficiente ou transitória. Orientações “para fora”, ao comércio exterior, somadas às fragilidades do Estado nacional e ao referencial global do “liberalismo sem peias” (Linhares, 1979Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.) – atuante mormente no século XIX – produziram políticas alimentares tímidas, prevalecendo instrumentos de regulação e algumas ações de infraestrutura no Brasil Imperial. A primazia dada ao comércio exterior, à produção de commodities e à iniciativa privada na organização do sistema alimentar resultou da prevalência do referencial de inação nas políticas alimentares.

O referencial da alimentação racional nas políticas alimentares no período 1930-60

A partir de 1930, com o avanço da industrialização por substituição de importações e do nacional desenvolvimentismo (Brum, 2011Brum, A. J. (2011). O desenvolvimento econômico brasileiro. Ijuí: Editora da Unijuí.), um novo referencial para as políticas alimentares foi ganhando espaço. Por um lado, esse novo referencial global demandou mudanças na produção agrícola, com a finalidade de atender as demandas de alimentos no mercado interno, garantir o abastecimento de bens essenciais, contribuir para a produção de combustíveis e apoiar a produção dos produtos de exportação. Em discurso, em 1931, o então Presidente Getúlio Vargas assumia o “compromisso de ampliar as nossas lavouras e aperfeiçoar as nossas indústrias, de forma tal que passe a ser considerado deslize de patriotismo alimentarmo-nos ou vestirmo-nos com tecidos ou gêneros importados.” (Brum, 2011Brum, A. J. (2011). O desenvolvimento econômico brasileiro. Ijuí: Editora da Unijuí., p. 188). Para isso, o cooperativismo foi promovido e algumas iniciativas foram estabelecidas, como a Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, a Comissão de Financiamento da Produção (CFP) e da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), e institucionalidades específicas para o café, álcool, cacau e trigo (Gonçalves Neto, 1997; Linhares & Silva, 1979Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura.). Embora importantes, tais iniciativas viriam a ganhar maior impulso e novas configurações notadamente a partir dos anos 1960 com o estabelecimento de um novo referencial nas políticas alimentares.

Por outro lado – e de modo mais expressivo –, o referencial estabelecido para as políticas alimentares tratou o acesso e a qualidade da alimentação dos trabalhadores como elementos basilares à industrialização. Partia-se da interpretação de que a população apresentava carências alimentares, sendo necessário fornecer alimentos e educá-la em termos de alimentação adequada, higiênica e econômica. Em documentos governamentais, afirmava-se que “[a] vida humana depende do alimento. Bem nutrido, o trabalhador aumenta a capacidade de trabalho e a saúde, e sente maior alegria de viver” (Jornal Amapá, 1945Jornal Amapá. (1945, setembro 15). Alimenta-se bem!, p. 3). Segundo Costa (2016Costa, T. L. P. (2016). Não só de cafezinho com farinha vivia o homem macapaense: a boa alimentação e o paladar macapaense (1940-1956) (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília., p. 32 e 33):

Na esteira para o progresso traçado pelo governo, a alimentação gozava de uma posição de extrema relevância, pois, a partir de uma alimentação adequada, o trabalhador poderia gozar de maior vitalidade física e com isso tornar-se mais produtivo. (...) Dessa forma a alimentação passa a ser encarada como uma ferramenta de auxílio na busca pelo progresso.

Essa mudança foi provocada pela emergência de novos atores no debate acadêmico e pelo “trânsito institucional” (Silva & Oliveira, 2011Silva, M. K., & Oliveira, G. L. (2011). A face oculta(da) dos movimentos sociais: trânsito institucional e intersecção Estado-Movimento: uma análise do movimento de economia solidária no Rio Grande do Sul. Sociologias, 13(28), 86-124.) de vários deles ao espaço político. Com efeito, o final da década de 1930 marca o início dos cursos de Nutrição e a atuação de diversos médicos nutrólogos na gestão pública, a exemplo de Josué de Castro e Dante Costa (L'Abbate, 1988L’Abbate, S. (1988). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: período de 1940 a 1964. Revista de Nutrição, 1(2), 87-138.). A partir da nutrição, profissionais e atores políticos passaram a destacar as carências alimentares e nutricionais e a importância da alimentação baseada nos preceitos da ciência, adequada às necessidades nutricionais dos trabalhadores e acessível financeiramente (Costa, 2016Costa, T. L. P. (2016). Não só de cafezinho com farinha vivia o homem macapaense: a boa alimentação e o paladar macapaense (1940-1956) (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília.).

Partindo da necessidade de melhorar nutricionalmente a alimentação brasileira, o Governo delineou diversos instrumentos articulados em torno do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS) (1940-1967). Entre esses instrumentos estavam os restaurantes populares, que ofereciam refeições com qualidade nutricional a “preços módicos” (Fogagnoli, 2011Fogagnoli, M. M. (2011). “Almoçar bem é no SAPS!”: os trabalhadores e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (1940-1950) (Dissertação de mestrado). Niterói.). Distribuídos em diversas cidades do país, os restaurantes contemplavam: restaurantes construídos e mantidos pelo SAPS, restaurantes de autarquias ou paraestatais administrados pelo SAPS, restaurantes industriais e comerciais fiscalizados pelo SAPS; e restaurante universitário no Rio de Janeiro (Costa, 2016Costa, T. L. P. (2016). Não só de cafezinho com farinha vivia o homem macapaense: a boa alimentação e o paladar macapaense (1940-1956) (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília.). Baseados em preceitos da nutrição, os pratos continham as calorias adequadas à reposição dos nutrientes necessários ao trabalhador (Costa, 2016Costa, T. L. P. (2016). Não só de cafezinho com farinha vivia o homem macapaense: a boa alimentação e o paladar macapaense (1940-1956) (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília.). Os restaurantes ofereciam também ações de educação alimentar (Boletins mensais do SAPS e Consultório de Alimentação Econômica) e atividades socioeconômicas e culturais, transformando o SAPS em um centro de sociabilidades, promoção cultural e formação dos trabalhadores (Fogagnoli, 2011Fogagnoli, M. M. (2011). “Almoçar bem é no SAPS!”: os trabalhadores e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (1940-1950) (Dissertação de mestrado). Niterói.). Além dos Restaurantes Populares, o SAPS também organizou Postos de Subsistência, ou seja, pontos de comercialização por meio dos quais o Estado comprava produção diretamente dos produtores e revendia, de maneira subsidiada, aos trabalhadores, que poderiam, assim, seguir as orientações da alimentação racional. Também se destacava o Auxílio Alimentar, manifesto na distribuição de alimentos racionais aos desempregados (Fogagnoli, 2011Fogagnoli, M. M. (2011). “Almoçar bem é no SAPS!”: os trabalhadores e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (1940-1950) (Dissertação de mestrado). Niterói.).

Nos anos 1950, o debate sobre a alimentação ganhou novo impulso com a institucionalização da Comissão Nacional de Alimentação (CNA), incumbida de “assistir o Governo na formulação da política nacional de alimentação” (Linhares & Silva, 1979Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura., p. 117). Em 1951, a CNA elaborou o Plano Nacional de Alimentação que grifou as relações entre subnutrição-saúde-produtividade, e recomendou reformas socioeconômicas e ações emergenciais, como a alimentação escolar, que viria ser iniciada como Campanha de Merenda Escolar em 1955, contando com doações alimentares de organizações internacionais (L'Abbate, 1988L’Abbate, S. (1988). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: período de 1940 a 1964. Revista de Nutrição, 1(2), 87-138.). Todavia, a atuação da CNA foi tímida nos anos 1950, sendo extinta nos anos 1970.

Embora com diferentes intensidade e instrumentos (L'Abbate, 1988L’Abbate, S. (1988). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: período de 1940 a 1964. Revista de Nutrição, 1(2), 87-138.), esse referencial setorial da alimentação racional foi prevalecente nas políticas alimentares no período de 1930 a 1960. Chama a atenção o lugar estratégico da alimentação no desenvolvimento do país, as preocupações com alimentação saudável (pautada em critérios nutricionais) e as articulações (ainda que incipientes) entre produção e consumo manifestas nos Postos de Subsistência. Ainda que perspectivas ambientais não estivessem presentes (não eram preocupações da época) e o debate sobre alimentação racional limitasse o diálogo com os hábitos alimentares locais,3 3 Partia-se da compreensão de que os trabalhadores não sabiam se alimentar corretamente, sendo necessário a eliminação de hábitos, como o consumo da farinha de mandioca (Costa, 2016). Nutrólogos envolvidos no programa afirmavam que “na alimentação, a razão dirige e o apetite obedece” (Fogagnoli, 2011, p. 20). as políticas alimentares prevalecentes apontavam contribuições relevantes para o que a literatura recente denomina de sistemas alimentares sustentáveis.

O referencial produtivista e de abastecimento nas políticas alimentares (1960-1980)

Ao mesmo tempo em que o referencial global desenvolvimentista avançava nos anos 1950, a questão do abastecimento alimentar foi ganhando maior intensidade. Com efeito, “[a]o iniciar-se a década de 60, a situação do abastecimento para os grandes centros urbanos era cada vez mais grave.” (Linhares & Silva, 1979Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura., p. 144 e 156). Distintos referenciais setoriais disputavam interpretações sobre os caminhos necessários para dar sequência ao projeto desenvolvimentista. Por um lado, alguns reivindicavam a reforma agrária como necessária para o avanço do capitalismo no campo com repercussões necessárias ao urbano (Furtado, 1991Furtado, C. (1991). Formação econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional.; Guimarães, 1968Guimarães, A. P. (1968). Quatro séculos de latifúndios. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), enquanto outros enfatizavam o modo de produção arcaico, a deficiência dos solos, a inferioridade tecnológica da produção agrícola do país e a ausência de políticas públicas para modernizar a agricultura (Linhares & Silva, 1979Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura.). Também havia interpretações que marcavam limitações no transporte, armazenamento, distribuição e comercialização dos alimentos nos espaços urbanos em virtude da presença elevada de intermediários, mercados monopolistas e especuladores. Muitos situavam “os problemas do abastecimento na capacidade de se fazer chegar, com alguma eficácia, os gêneros de primeira necessidade aos consumidores” (Linhares & Silva, 1979Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura., p. 156).

No início dos anos 1960, algumas dessas ideias vinculadas à perspectiva estruturalista cepalina encontraram espaço para sua institucionalização, manifestas na Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal), Companhia Brasileira de Armazenagem (Cibrazem), fortalecimento da Comissão de Financiamento da Produção (CFP) (Linhares & Silva, 1979Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura.) e em experiências embrionárias de Centrais de Abastecimento no Nordeste brasileiro (Recife e João Pessoa). Também avançavam na institucionalização as interpretações sobre a necessidade da reforma agrária e de outras reformas estruturais para garantir o abastecimento e avançar na industrialização do país. No entanto, o início do regime militar garantiria apenas parcialmente a continuidade dessas ideias.

O golpe militar de 1964 deu continuidade ao referencial global desenvolvimentista, cada vez mais aberto aos investimentos internacionais. Para assegurar o crescimento econômico, seriam suficientes as políticas agrícolas (e não a reforma agrária), as quais promoveriam a produção e superariam seu atraso da agricultura. Confluiu para esta interpretação o pressuposto que passou a guiar as políticas alimentares em grande parte dos países a partir dos anos 1940/50, o qual afirmava que, se estimulada a partir da ciência e da tecnologia, a agricultura produziria mais, com repercussões para o bem-estar da sociedade (Lang et al., 2009Lang, T., Barling, D., & Caraher, M. (2009). Food policy: integrating health, environment and society. Oxford University Press.). Ciência e capital poderiam potencializar recursos até então subutilizados, elevar a produção agrícola em determinados países e regiões e alimentar outras que enfrentavam limitações em termos de recursos naturais (Lang et al., 2009Lang, T., Barling, D., & Caraher, M. (2009). Food policy: integrating health, environment and society. Oxford University Press.). Estavam delineadas as bases para a modernização da agricultura, sem alteração na estrutura agrária do país (Graziano da Silva, 1999Graziano da Silva, J. (1999). Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Diversas institucionalidades, políticas e instrumentos agrícolas foram criados visando modernizar os padrões de produção e administração dos estabelecimentos rurais e integrá-los à indústria. Destacamos a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (1965), a reformulação da PGPM (1966), a criação do seguro agrícola (1966), a constituição da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (1972) e da Empresa Brasileira de Assistência e Extensão Rural (Embrater) (1975), os incentivos fiscais às exportações, e os subsídios à aquisição de insumos, máquinas e equipamentos (Gonçalves Neto, 1997; Delgado, 1985Delgado, G. C. (1985). Capital financeiro e agricultura no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP/Ícone Editora.).

Nos anos 1970, concomitante à intensificação das políticas de modernização da agricultura (sobretudo, o crédito rural), as políticas alimentares ganharam novas nuances, coerentes com pequenas mudanças no referencial global. Se, nos anos 1960 e início dos anos 1970, o objetivo principal era o crescimento global da economia (fazer o “bolo” crescer) para garantir a capacidade de investimento de determinados setores, em meados dos anos 1970 a desigualdade social explicitou a necessidade do tratamento do “social”. Para L'Abbate (1989)L’Abbate, S. (1989). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: a partir dos anos setenta. Revista de Nutrição, 2(1), 7-54., elementos como transformar a agricultura de subsistência do Nordeste e Norte, proteger o pequeno produtor e “realizar políticas distributivas enquanto o bolo cresce” passaram a compor o projeto desenvolvimentista. Ademais, a urbanização e o abastecimento das grandes cidades tornaram-se “preocupação constante dos governos militares”, exigindo a intensificação das políticas nutricionais e de abastecimento (Belik & Cunha, 2015Belik, W., & Cunha, A. A. (2015). Abastecimento no Brasil: o desafio de alimentar as cidades e promover o desenvolvimento rural. In C. Grisa & S. Schneider (Eds.), Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil (pp. 217-238). Porto Alegre: Editora da UFRGS., p. 217).

Em 1972 foi criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan) a partir da influência e da atuação tecnocrática da “vertente clínico-laboratorial” da nutrição, destoando das contribuições dadas por médicos-nutrólogos nos anos 1940 (como Josué de Castro e Dante Costa) (L'Abbate, 1989L’Abbate, S. (1989). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: a partir dos anos setenta. Revista de Nutrição, 2(1), 7-54.). Coerentes com o referencial global, diversas ações foram lançadas no I Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (Pronan) (1973-76) com o slogan “nutrição é desenvolvimento”, mas poucas foram efetivas. Já no II Pronam (1976-79), três linhas de ações principais foram fortalecidas: a) suplementação alimentar a gestantes, nutrizes, crianças de zero a seis anos, escolares (Programa Nacional de Alimentação Escolar-Pnae4 4 O PNAE tem suas raízes inscritas na Campanha de Merenda Escolar em 1955 e esteve inicialmente vinculado a um movimento internacional de distribuição gratuita de alimentos. Em 1976, os recursos para a alimentação escolar passaram a ser financiados pelo Ministério da Educação e gerenciados pela Campanha Nacional de Alimentação Escolar e, em 1979, o Programa passou a denominar-se Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), assumindo caráter universal e disseminando-se por todo território nacional. ) e trabalhadores de baixa renda (Programa de Alimentação do Trabalhador); b) atividades de complementação e apoio alimentar (combate às carências nutricionais pelo enriquecimento de alimentos pelas indústrias); e, c) racionalização dos sistemas de produção e comercialização de alimentos, com ênfase no pequeno produtor (Vasconcelos, 2005Vasconcelos, F. A. G. (2005). Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a Lula. Revista de Nutrição, 18(4), 439-457.). Dentre os mecanismos acionados nessa última linha, destacamos o Programa de Racionalização da Produção de Alimentos Básicos (Procab) e o Programa de Alimentos Básicos em Áreas de Baixa Renda (Proab), os quais articulam ações de nutrição e de abastecimento. O Procab comprava alimentos dos pequenos agricultores do Nordeste, a preços mínimos estabelecidos, e destinava os mesmos para ações de suplementação desenvolvidas pelo Inan. Já o Proab viabilizava a compra de alimentos de áreas rurais do Nordeste (principalmente pequenos agricultores) e destinava à comercialização subsidiada ao pequeno varejo localizado na periferia das grandes cidades nordestinas (Petry, 1993Petry, A. L. G. (1993). Aspectos sócio-econômicos e adequação alimentar em áreas periféricas urbanas do Recife (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife.).

Reforçando o abastecimento alimentar, também foi criado o Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento (Sinac -1972), que buscava promover

a modernização e organização das estruturas de produção alimentar, reduzir custos de transação dos produtos e assimetrias de informação entre os agentes da cadeia produtiva, elevar a qualidade dos produtos comercializados, estimular a modernização e eficiências dos equipamentos de varejo e [...] eliminar gradativamente os problemas urbanísticos (principalmente de trânsito e das condições higiênico-sanitárias) decorrentes do sistema de feiras livres (Belik & Cunha, 2015Belik, W., & Cunha, A. A. (2015). Abastecimento no Brasil: o desafio de alimentar as cidades e promover o desenvolvimento rural. In C. Grisa & S. Schneider (Eds.), Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil (pp. 217-238). Porto Alegre: Editora da UFRGS., p. 220).

Ao todo, 22 centrais de abastecimento, 47 entrepostos e mercados expedidores e 158 equipamentos varejistas foram estabelecidos nos principais centros urbanos do país. Complementarmente, em 1978, foi criada a Rede Somar que, operada via Cobal, abastecia o pequeno varejo com alimentos a preços subsidiados, levava os alimentos para áreas isoladas e oferecia treinamento gerencial aos pequenos varejistas para que melhorassem o planejamento de seus negócios (Silva, 1995Silva, A. C. (1995). De Vargas a Itamar: políticas e programas de alimentação e nutrição. Estudos Avançados, 9(23), 87-107.).

Embora esse referencial produtivista e do abastecimento tenha contribuído para o aumento da produção agrícola e para que os alimentos chegassem até as áreas urbanas, suas dinâmicas foram marcadas por problemáticas ambientais, concentração econômica e agravamento da desigualdade social. São recorrentes os estudos que mostram as mudanças na base técnica da agricultura no sentido de perda de autonomia dos agricultores, a crescente integração da agricultura à industria, a financeirização da agricultura, o êxodo rural, os conflitos agrários, a perda da biodiversidade, a intensificação da produção de commodities e as ameaças aos biomas (Graziano da Silva, 1999Graziano da Silva, J. (1999). Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Delgado, 1985Delgado, G. C. (1985). Capital financeiro e agricultura no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP/Ícone Editora.). A “pequena agricultura” foi praticamente desconsiderada das ações do Estado, enfrentando dificuldades de reprodução social e de permanência no meio rural. Ao mesmo tempo, foram frequentes as críticas às Centrais de Abastecimento devido às apropriações privadas, presença de intermediários e agentes comerciais, desconsiderações culturais e sociais e comercialização dos alimentos a grandes distâncias (Belik & Cunha, 2015Belik, W., & Cunha, A. A. (2015). Abastecimento no Brasil: o desafio de alimentar as cidades e promover o desenvolvimento rural. In C. Grisa & S. Schneider (Eds.), Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil (pp. 217-238). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Cunha & Belik, 2012Cunha, A. R. A. A., & Belik, W. (2012). Entre o declínio e a reinvenção: atualidade das funções do sistema público atacadista de alimentos no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 50(3), 435-454.). Apesar das ações focadas na promoção do acesso aos alimentos, não são raros os estudos que destacam o tratamento privilegiado dado aos alimentos industrializados em detrimento daqueles in natura (L'Abbate, 1989L’Abbate, S. (1989). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: a partir dos anos setenta. Revista de Nutrição, 2(1), 7-54.). Todos esses elementos estavam, em grande medida, ajustados ao referencial global focado na industrialização, modernização e crescimento econômico do país.

O referencial da eficiência comercial e da focalização socioassistencial nas políticas alimentares (1990s)

A crise econômica nos anos 1980 e a institucionalização do referencial global neoliberal no final da década produziram mudanças na atuação do Estado brasileiro. O livre mercado e a não interferência do Estado passaram a ser orientações vigentes. Segundo Buainaim & Souza Filho (2001, p. 373),

A proposta é exatamente reduzir o papel do Estado e atribuir ao mercado, em toda a extensão, um papel mais relevante para orientar os movimentos da economia. As intervenções, quando necessárias, não devem ser contra ou em substituição ao mercado; ao contrário, devem procurar reduzir as chamadas falhas de mercado e desenvolver e ampliar o alcance dos mecanismos de mercado.

Seguindo tais interpretações, algumas medidas foram adotadas, como suspensão das barreiras não tarifárias à importação, redefinição de tarifas alfandegárias (afetando a concorrência com os produtos nacionais), estímulo à política de integração regional com os países da fronteira sul e formação de áreas de livre-comércio mais amplas. Ademais, atividades econômicas foram desregulamentadas, companhias estatais foram privatizadas, medidas disciplinares para as finanças públicas foram adotadas e a entrada da iniciativa privada nas ações públicas foi estimulada, implicando redução nos investimentos do Estado (Delgado, 2010Delgado, N. G. (2010). O papel do rural no desenvolvimento nacional: da modernização conservadora dos anos 1970 ao Governo Lula. In N. G. Delgado (Ed.), Brasil rural em debate: coletânea de artigos (pp. 28-78). Brasília: CONDRAF/NEAD.; Leite, 2001Leite, S. P. (2001). Padrão de financiamento, setor público e agricultura no Brasil. In S. P. Leite (Ed.), Políticas públicas e agricultura no Brasil (pp. 53-93). Porto Alegre: Editora da Universidade.).

Tais interpretações repercutiram também no referencial setorial relativo às questões alimentares. Diversos instrumentos de política agrícola foram extintos ou modificados (Sinac, Embrater, Sunab, Cobal, CFP, Cibrazem, modalidade da PGPM de Empréstimo do Governo Federal com opção de venda – relevante para a formação de estoques estratégicos e reguladores), reduziram-se os recursos aplicados em políticas agrícolas e construíram-se instrumentos de ação em conjunto com a iniciativa privada (Delgado, 2012Delgado, G. C. (2012). Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Leite, 2001Leite, S. P. (2001). Padrão de financiamento, setor público e agricultura no Brasil. In S. P. Leite (Ed.), Políticas públicas e agricultura no Brasil (pp. 53-93). Porto Alegre: Editora da Universidade.). Tais ações, somadas às estratégias de abastecimento e de controle da inflação via importações e a redução dos preços das commodities agrícolas, provocaram queda na renda agrícola, que só viria a ser potencializada ativamente pelo Estado no final dos anos 1990, a partir de tensionamentos no referencial global (Bastos, 2012Bastos, P. P. Z. (2012). A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, 21(spe), 779-810.). Com a crise cambial de 1999, o governo mudou a estratégia e passou a buscar o superávit da balança comercial. A partir do 2º mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1999-2002), retoma-se a estratégia de crescimento econômico a partir das exportações do setor primário, recolocando o Estado e as políticas públicas na promoção da produção agrícola (Delgado, 2012Delgado, G. C. (2012). Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). As políticas agrícolas passam a buscar recordes de produção e a transformação do Brasil em um dos grandes líderes no comércio mundial de alimentos e fibras (nos anos seguintes, tratado como celeiro do mundo).

Similar ao ocorrido na agricultura, na primeira metade dos anos 1990, o governo federal também “desencadeou uma brutal redução dos recursos financeiros, esvaziamento e/ou extinção dos programas de alimentação e nutrição” (Vasconcelos, 2005Vasconcelos, F. A. G. (2005). Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a Lula. Revista de Nutrição, 18(4), 439-457., p. 447). Diversas institucionalidades e políticas públicas foram extintas (Proab, Procab, Rede Somar, Inan e Programa Nacional de Leite para Crianças Carentes), programas enfrentaram limitações operacionais e financeiras, e outros viram seus objetivos ou ações fortalecerem práticas de outrora, como a priorização dos alimentos formulados nas ações de suplementação alimentar (Vasconcelos, 2005Vasconcelos, F. A. G. (2005). Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a Lula. Revista de Nutrição, 18(4), 439-457.; Peliano, 2001Peliano, A. M. M. (2001). Assistência Alimentar nas políticas governamentais. Revista de Política Agrícola, 10(1), 20-26.).

Ao longo dos anos 1990, três eventos merecem ser destacados por sua relevância para as políticas alimentares, com rebatimento sobretudo nos anos 2000. O primeiro deles diz respeito a um tensionamento que o referencial global recebeu no período 1992/1994, com o lançamento do Movimento pela Ética na Política, que levou ao impeachment do Presidente Fernando Collor. Em seu lugar, entrou Itamar Franco que conferiu ênfase distinta ao referencial global neoliberal e buscou legitimidade e diálogo com as organizações da sociedade civil (Zimmermann, 2011Zimmermann, S. A. (2011). A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Esse tensionamento do referencial global repercutiu no referencial setorial das políticas alimentares, com a criação da “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida” e da “Campanha Nacional de Combate à Fome”, originadas a partir do Movimento supracitado. Essas mudanças culminaram no lançamento de um Plano de Combate à Fome e à Miséria, na criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), na realização da I Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e na emergência (Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos- Prodea) ou mudanças em alguns programas, como a descentralização da alimentação escolar (Triches, 2010Triches, R. M. (2010). Reconectando a produção ao consumo: a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para o Programa de Alimentação Escolar (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.). Apesar desses tensionamentos nos referenciais global e setorial, esses passariam a ser reajustados novamente aos ideários neoliberais com a entrada de FHC, a partir de 1995. Com efeito, o Consea foi extinto, cresceu o debate sobre focalização das ações (em detrimento da universalidade das políticas e serviços governamentais) e as questões alimentares perderam destaque na agenda pública nacional com a criação do Programa Comunidade Solidária que articulava um conjunto de programas sociais (Maluf, 2007Maluf, R. (2007). Segurança alimentar e nutricional. Petrópolis: Vozes.).

Mesmo com a desestruturação de importantes institucionalidades na área de alimentação e nutrição, uma articulação entre atores governamentais e não governamentais conseguiu pautar a construção da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Pnan-1999). Essa política, embora inicialmente mais limitada a indicações de diretrizes para a SAN na saúde, viria a ganhar “fôlego” nos anos 2000, com o levantamento de dados, monitoramento de indicadores e promoção de ações mais intersetoriais (Alves & Jaime, 2014Alves, P. S. A., & Jaime, P. C. (2014). A Política Nacional de Alimentação e Nutrição e seu diálogo com a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, 19(11), 4331-4340.). A partir desse segundo evento, interfaces entre saúde, SAN e agricultura seriam potencializadas na segunda década dos anos 2000 (Planos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, e Guia Alimentar para a População Brasileira), ainda que de maneira transitória e mais focada em orientações.

O terceiro evento diz respeito ao reconhecimento político e institucional da agricultura familiar, por meio da criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) (1995). Esse reconhecimento resultou de forte pressão política dos movimentos sociais e sindicais da agricultura familiar e de certa aderência de tais ações ao referencial global neoliberal (Grisa, 2012Grisa, C. (2012). Políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil: produção e institucionalização das ideias (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade/UFRRJ.). Com efeito, diversos estudos e documentos governamentais reclamavam a atuação do Estado na construção de um ambiente favorável à inserção nos mercados e à consolidação da agricultura familiar, configurações que não seriam resolvidas pelas “mãos” do mercado (Brasil, 1998Brasil. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. (1998). PRONAF: construindo as instituições do desenvolvimento rural. Brasília: Secretaria de Desenvolvimento Rural/MAARA.). Fundamental à promoção da SAN, as políticas para a agricultura familiar seriam fortalecidas nos anos seguintes a partir das orientações de um novo referencial global.

Assim organizado, o referencial das políticas alimentares nos anos 1990 se pautou pela eficiência comercial (abertura do mercado para assegurar oferta, abastecimento e preços competitivos) para garantir a SAN e atuou nas “falhas de mercado” por meio de políticas sociais focalizadas. Ao reduzir sua intervenção, o Estado deu espaço para as corporações conduzirem a organização do sistema agroalimentar, cujas configurações, por sua vez, incitaram (já estimuladas pela redemocratização) reações de diversas organizações da sociedade civil em torno das questões alimentares (Grisa, 2012Grisa, C. (2012). Políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil: produção e institucionalização das ideias (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade/UFRRJ.; Maluf, 2007Maluf, R. (2007). Segurança alimentar e nutricional. Petrópolis: Vozes.). Na segunda metade da década, mudanças importantes começaram a emergir, as quais foram acentuadas nos anos 2000, configurando o caráter de convivência conflituosa das políticas alimentares.

As políticas alimentares sob um referencial setorial da convivência conflituosa entre produtivismo e SAN (2000-2014)

Na primeira década dos anos 2000, um novo referencial global ganhou maior espaço na agenda político-institucional, o qual apresentava sinais desde o final do segundo mandato de FHC (Bastos, 2012Bastos, P. P. Z. (2012). A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, 21(spe), 779-810.). Trata-se do referencial do neodesenvolvimentismo, novo desenvolvimentismo ou social-desenvolvimentismo conforme as vertentes teóricas associadas. Apesar das diferenças entre elas, os autores convergem em que esse referencial recolocou o Estado na trilha do desenvolvimento, por meio da promoção da estabilidade macroeconômica, de ações de crescimento econômico orientadas ao mercado interno e à inserção no mercado internacional, da competitividade industrial, da promoção do consumo como forma de manter a economia ativada e da redução da pobreza (Bresser-Pereira, 2016Bresser-Pereira, L. C. (2016). Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Revista de Economia Política, 36(2), 237-265.; Bastos, 2012Bastos, P. P. Z. (2012). A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, 21(spe), 779-810.; Siscu et al., 2005Siscu, J., Paula, L. F., & Michel, R. (2005). Por que novo-desenvolvimentismo? In J. Siscu, L. F. Paula & R. Michel (Eds.), Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri: Manole.). Assim organizado, diversas estratégias foram acionadas, algumas delas conflituosas ou contraditórias. Para Favareto (2017Favareto, A. (2017). Concepções de desenvolvimento e de intervenção pública no Brasil rural sob o Governo Temer e Além. Revista Raízes, 37(2), 7-26., p. 17), de um lado, o Estado

apostou pesadamente na primarização de suas economias, via exportação de commodities [...]. De outro, organizou um importante feixe de políticas baseadas na expansão das liberdades e dos direitos dos mais pobres e em instituições inclusivas. Este segundo vetor de políticas compensava, em parte, a concentração e a exclusão estrutural geradas pela dependência das commodities.

Essas contradições igualmente se manifestaram nas políticas alimentares. Por um lado, diversas políticas públicas foram estabelecidas ou fortalecidas visando à produção e ao acesso aos alimentos e à promoção da SAN. Destacamos o fortalecimento do Pronaf, do Garantia Safra, da assistência técnica e extensão rural e do crédito fundiário, e a criação dos Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Bolsa Família, seguro da agricultura familiar, das políticas de garantia de preços para a agricultura familiar e garantia de preços para produtos da sociobiodiversidade (PGPMBio), dos Programas Um Milhão de Cisternas e Uma Terra Duas Águas, da Política e Planos Nacionais de Agroecologia e Produção Orgânica, e do Programa Fomento às Atividades Produtivas Rurais.Também notamos as mudanças na alimentação escolar, o estabelecimento do Guia Alimentar para a População Brasileira, as diversas iniciativas de educação alimentar que permearam outras políticas públicas, a recuperação do salário mínimo (e, em especial, sua repercussão ao público da Previdência Social), o aumento do nível de emprego formal e outras iniciativas de redução da pobreza (Sambuiche et al., 2017Sambuiche, R. H., Mattos, L. M., Moura, I. F., Avila, M. L., Spinola, P. A. C., & Silva, A. P. M. (2017). A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília: Ipea.; Grisa & Schneider, 2015Grisa, C., & Schneider, S. (2015). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Niederle et al., 2014Niederle, P., Fialho, M. A. V., & Conterato, M. A. (2014). A pesquisa sobre agricultura familiar no Brasil: aprendizagens, esquecimentos e novidades. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1, Supl. 1), 9-24.; Brasil, 2014Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: MS.). Várias dessas ações impactavam produção, acesso e promoção da SAN, contribuindo para a construção de políticas alimentares mais integradas. Essas ações foram reivindicadas por organizações da agricultura familiar, organizações do campo agroecológico e da SAN, e foram construídas em diversos espaços de participação social (Consea, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Conferências), com uma “burocracia inserida” (Evans, 1993Evans, P. (1993). O Estado como problema e solução. Lua Nova, (28-29), 107-157.) ou que fazia “ativismo institucional” (Cayres, 2015Cayres, D. C. (2015). Ativismo institucional no coração da Secretaria Geral da Presidência da República: a Secretaria Nacional de Articulação Social no Governo Dilma Rousseff (2011-2014) (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.) em torno das questões alimentares.

Além dessas iniciativas, também sublinhamos um conjunto de institucionalidades e marcos regulatórios que recolocaram a alimentação na agenda governamental, orientaram novas iniciativas e abriram oportunidades (nem sempre exploradas de forma coerente) para tratá-la como um eixo estratégico ao desenvolvimento do país. Destacamos aqui o Projeto Fome Zero (2003), a criação (temporária) do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, e a reconstituição do CONSEA (2003). Também são importantes o estabelecimento da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) (2006), e a declaração da alimentação adequada como um direito e a definição da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) com seus respectivos Planos (2010). Essas institucionalidades vinham fortalecendo a agenda da alimentação adequada e saudável; no entanto, as crises econômicas e políticas instaladas a partir de 2013/15 viriam a desacelerar e, posteriormente, desmantelar as ações delineadas.

Por outro lado – e expressando a face do referencial voltada ao crescimento econômico e às exportações, as amplas alianças políticas que conformaram os Governos Lula e Dilma, e o momento oportuno de demanda de commodities no mercado internacional –, diversas políticas e ações foram estabelecidas para promover o agronegócio, a mineração e os grandes projetos de investimento. No que concerne ao agronegócio, destacamos a retomada do crédito rural (com aumento expressivo para o agronegócio), a manutenção da Lei Kandir, as isenções fiscais para produção e comercialização de agrotóxicos, e as flexibilizações em marcos ambientais e fundiários (Delgado, 2012Delgado, G. C. (2012). Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Fortalecendo o viés agrário-exportador estabelecido desde a colonização, restabeleceu-se um novo pacto de economia política (similar ao ocorrido nos anos 1970/80) conformado por alguns complexos agroindustriais, segmentos políticos do agronegócio, grande propriedade fundiária e Estado (Delgado, 2012Delgado, G. C. (2012). Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Voltado, em grande medida, “para fora”, o Brasil procurava se tornar o “celeiro” do mundo. Contudo, não raro, o fortalecimento da produção de commodities envolveu reduções nas áreas de alimentos destinados ao abastecimento interno (arroz, feijão e trigo), desmatamento, ameaças à sociobiodiversidade, aumento dos conflitos socioambientais, intensificação no uso de agrotóxicos e fertilizantes industriais, contaminação da água e exaustão dos recursos naturais, em dinâmicas caracterizadas como neoextrativistas (Niederle & Wesz Junior, 2018; Delgado, 2012Delgado, G. C. (2012). Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Sauer & Leite, 2012Sauer, S., & Leite, S. P. (2012). Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 50(3), 503-524.; Gudynas, 2009Gudynas, E. (2009). Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo. In CAAP CLAES (Ed.), Extractivismo, política y sociedad (pp. 128-225). Quito: Centro Latinoamericano de Ecologia Social.).

Ademais, podemos destacar ações e inações do Estado em avançar em outras áreas do sistema alimentar. Citamos a falta de regulamentação e controle sobre o setor de distribuição e varejo, em especial, as grandes redes de supermercados, minimizando dinâmicas concentradoras e/ou promotoras de “desertos alimentares” (Truchero, 2015Truchero, G. R. (2015). Revisión teórica y limitaciones del concepto de desiertos alimentarios. Revista de Humanidades, (25), 85-102.). Também a dubiedade no controle da qualidade dos alimentos, posto que, enquanto autorizava a comercialização de alimentos transgênicos, ultraprocessados e convencionais, o governo tinha dificuldades em avançar em novos mecanismos de rotulagem (controle do sal, açúcar e gordura) e adotava regras sanitárias mais rígidas para a comercialização de alimentos artesanais e tradicionais. Outrossim, salientamos os apoios fiscais às indústrias de alimentos e de bebidas ultraprocessados (Correia Neto, 2020), e a necessidade de maior controle e fiscalização sobre a publicidade de alimentos ultraprocessados.

Assim, a partir de um referencial que contemplava a convivência conflituosa entre produtivismo e SAN, ao mesmo tempo em que a fome foi reduzida e houve avanços em termos de inclusão social e SAN, as ações e inações do Estado (na agricultura, distribuição e industrialização) minimizaram os esforços em termos de redução da desigualdade e promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada. Apesar dos avanços em termos de construção de sistemas alimentares saudáveis, vários esforços foram anulados ou encontraram contradições nas próprias ações do Estado.

As políticas alimentares sob um referencial setorial de desmantelamento (2014-2020)

Desde o final do primeiro mandato da Presidente Dilma, algumas mudanças começaram a ocorrer no referencial global, o qual foi ficando mais claro nos Governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Diversos elementos confluíram nesse sentido, como a queda no preço internacional das commodities, a redução dos investimentos estrangeiros, a redução nas intervenções do Estado a partir de medidas econômicas mais ortodoxas, a reorganização e expressividade pública de setores conservadores (na política, judiciário, mídia e religião) e o impeachment ocorrido em 2016. Neoliberal, neoliberal conservador ou populismo de extrema direita são algumas definições para o atual referencial global. Esse referencial se baseia em expressivos ajustes fiscais (redução dos gastos e investimentos públicos) com a finalidade de manter a confiança dos agentes econômicos, e na retomada do crescimento econômico e da competitividade empresarial por meio da atuação do Estado na manutenção da estabilidade econômica, flexibilização de normas e regras trabalhistas, ou ainda em desregulamentações que favorecem a competitividade no mercado externo. Ademais, esse referencial reposicionou o mercado (e não do Estado) como motor dos processos de desenvolvimento, e reforçou valores sociais conservadores na sociedade (Couto, 2020Couto, C. G. (2020). La ultraderecha llega al poder: una evaluación del gobierno de Bolsonaro. In G. Caetano & F. Mayorga (Eds.), Giros políticos y desafíos democráticos en América Latina: enfoques de casos nacionales y perspectivas de análisis (pp. 93-114). Buenos Aires: Clacso.; Balestro & Monteiro, 2019Balestro, M., & Monteiro, C. F. (2019). A onda rosa e o neoliberalismo resiliente. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, 13(2), 45-52.; Andrade, 2020Andrade, D. (2020). Populism from above and below: the path to regression in Brazil. The Journal of Peasant Studies, 47(7), 1470-1496.).

Esse novo referencial global também produziu mudanças no referencial das políticas alimentares. Em relação à agricultura familiar, as mudanças institucionais, políticas e econômicas alteraram ainda mais as relações de poder entre os atores do meio rural brasileiro. O desenvolvimento rural passou a ser pautado – quase que exclusivamente – por organizações, grupos políticos e acadêmicos que representam os interesses do agronegócio, compreendendo o rural a partir de interpretações agrícolas produtivistas e sustentando a existência de uma única agricultura no Brasil (portanto, sem necessidade de políticas diferenciadas) (Niederle et al., 2022Niederle, P., Petersen, P., Coudel, E., Grisa, C., Schmitt, C., Sabourin, E., Schneider, E., Brandenburg, A., & Lamine, C. (2022). Ruptures in the agroecological transitions: institutional change and policy dismantling in Brazil. The Journal of Peasant Studies. No prelo.; Grisa, 2018Grisa, C. (2018). Mudanças nas políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil. Raízes. Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 38(1), 36-50.). Essas ideias, associadas ao ajuste fiscal e ao interesse em atrair investimentos privados, têm confluído para um processo de desmantelamento das políticas públicas, o que implica mudanças diretas, indiretas, ocultas ou simbólicas no sentido de reduzir o número de políticas, instrumentos ou intensidade da ação em uma área particular (Bauer & Knill, 2012Bauer, M., & Knill, C. (2012). Understanding policy dismantling: an analytical framework. In M. Bauer, A. Jordan & C. Green-Pedersen (Eds.), Dismantling public policy: preferences, strategies and effects (pp. 30-55). Oxford: Oxford University Press., p. 35). Dentre as mudanças institucionais, citamos a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), a paralisação das políticas territoriais, a redução dos recursos para a assistência técnica e extensão rural, a diminuição no reconhecimento e titulação das terras indígenas e quilombolas, e a paralisação na criação de assentamentos de reforma agrária e novas orientações e objetivos para essas ações (Sabourin et al., 2020aSabourin, E., Craviotti, C., & Milhorance, C. (2020a). The dismantling of family farming policies in Brazil and Argentina. International Review of Puclic Policy, 2(1), 45-67., 2020bSabourin, E., Grisa, C., Niederle, P., Pereira Leite, S., Milhorance, C., Damasceno Ferreira, A., Sauer, S., & Andriguetto-Filho, J. M. (2020b). Le démantèlement des politiques publiques rurales et environnementales au Brésil. Cahiers Agricultures, 29(31), 31.; Grisa, 2018Grisa, C. (2018). Mudanças nas políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil. Raízes. Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 38(1), 36-50.).

Tais desmantelamentos também repercutiram nas políticas e institucionalidades de promoção do acesso e da alimentação saudável. Com efeito, os grupos políticos que ocuparam os espaços institucionais desde 2016 e, sobretudo, a partir 2019, negligenciam problemas históricos como a fome,5 5 Em encontro com jornalistas, no dia 19 de julho de 2019, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou que “falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. [...] Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo” (El País, 2019). De acordo com o jornal, “Bolsonaro disse ainda que falar de fome é ‘discurso populista’”. (El País, 2019). prezam pela centralidade das decisões e estão focados no ajuste fiscal. A partir dessas interpretações, tais atores promoveram a redução de recursos do Programa Bolsa Família e do Programa Um Milhão de Cisternas (Vasconcelos et al., 2019Vasconcelos, F. A., Machado, M. L., Medeiros, M. A. T., Neves, J. A., Recine, E., & Pasquim, E. M. (2019). Public policies of food and nutrition in Brazil: from Lula to Temer. Revista de Nutrição, 32, e180161.), extinguiram o Consea, não deram continuidade às Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional e não avançaram na construção de um novo Plano de SAN (2020-2013) (Delgado & Zimmermann, 2022Delgado, N. G., & Zimmermann, S. (2022). Políticas públicas para soberania e segurança alimentar no Brasil: conquistas, desmontes e desafios para uma (re)construção. Rio de Janeiro: Fiocruz.). Também extinguiram a Câmara Interministerial e o Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e, igualmente, não avançaram na construção de um novo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (2020-2023). A exemplo dessas, diversas instâncias de participação social que tangenciam as questões alimentares foram extintas ou reduzidas – tais como, Condraf, Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conselho das Cidades, Conselho Nacional de Assistência Social –, aumentando o “distanciamento político” e a perda de controle do sistema alimentar por parte dos cidadãos (Bricas et al., 2017Bricas, N., Barles, S., Billen, G., & Routhier, J.-L. (2017). Urbanization issues affecting food systems sustainability. In N. Bricas, D. Conaré, B. Daviron, J. Debru, L. Michel, C.-T. Soulard & C. Brand (Eds.), Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.).

A pandemia provocada pelo novo coronavírus em 2020, que visibilizou e trouxe à tona diversas problemáticas alimentares – riscos de desabastecimento alimentar, aumento do desemprego e da pobreza, vulnerabilidade ao vírus devido às comorbidades derivadas da má alimentação –, poderia configurar-se como um “momento crítico” ou “evento externo” (Mahoney, 2001Mahoney, J. (2001). Path-dependent explanations of regime change: Central America in comparative perspective. Studies in Comparative International Development, 36(1), 111-141.) que tensionaria o referencial global e, mormente, o referencial setorial. Todavia, em que pesem algumas ações implementadas a partir de forte pressão de organizações da sociedade civil – criação do auxílio Emergencial, ampliação de recursos para o PAA e distribuição emergencial de cestas de alimentos – o referencial setorial do desmantelamento continua presente, expressando-se de diferentes modos, seja de maneira ativa por meio de desregulamentações ambientais e fundiárias ou de vetos à propostas de ações e políticas públicas, ou ainda, de maneira simbólica e discursiva, negando problemas sociais e ambientais relacionados às questões alimentares ou mesmo a própria gravidade da pandemia (Niederle et al., 2022Niederle, P., Petersen, P., Coudel, E., Grisa, C., Schmitt, C., Sabourin, E., Schneider, E., Brandenburg, A., & Lamine, C. (2022). Ruptures in the agroecological transitions: institutional change and policy dismantling in Brazil. The Journal of Peasant Studies. No prelo.; Caponi, 2020Caponi, S. (2020). COVID-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, 34(99), 209-224.).

Esses processos de desmantelamento das políticas alimentares agravam as fragilidades e vulnerabilidades provocadas pelas dinâmicas do sistema agroalimentar hegemônico. Como visto nas seções anteriores, ao longo da história brasileira foram se delineando e afirmando processos e orientações focadas na produção de commodities, expansão produtiva territorial, uso intensivo dos recursos naturais, aumento dos impactos ambientais, concentração dos meios e recursos produtivos, perda da sociobiodiversade, industrialização dos alimentos, desconexões entre produção e consumo, geração de riscos e doenças alimentares e reprodução de desigualdades. Tais processos e orientações se potencializam na ausência ou na redução de diversas institucionalidades, políticas públicas e instrumentos de promoção da agricultura familiar, da agroecologia e da alimentação saudável, que visavam tensionar para a construção de sistemas alimentares sustentáveis.

Considerações finais

Ao resgatarmos a trajetória das políticas alimentares no Brasil, observamos que o tratamento das problemáticas alimentares foi marcado por omissões e pela instabilidade e descontinuidade institucional dos espaços de governança e das políticas públicas. Ao longo do tempo, apenas em três momentos (anos 1940, 1970 e 2000) e com referenciais setoriais distintos (referencial da alimentação racional, produtivista e do abastecimento, e da convivência conflituosa entre produtivismo e segurança alimentar e nutricional), as problemáticas alimentares entraram na agenda governamental com maior afinco e angariaram centralidade na estratégia do desenvolvimento. Todavia não sem tensionamentos, disputas e efeitos questionáveis. Nos anos 1940, com o avanço da industrialização, as políticas alimentares articularam problemáticas relativas ao acesso aos alimentos, à qualidade nutricional-racional e à saúde dos trabalhadores. Nos anos 1970, com o avanço da urbanização, as políticas alimentares procuraram assegurar a produção, o abastecimento urbano, o acesso aos alimentos pelas populações em situação de vulnerabilidade social e a promoção da nutrição, notadamente por meio de alimentos formulados (base dos alimentos ultraprocessados). E, nos anos 2000, em um contexto de retomada do crescimento econômico, as políticas alimentares foram estabelecidas com a perspectiva de responderem a demandas de promoção da cidadania e SAN, e de dinamização econômica a partir do consumo. Como problematizado acima, associadas aos seus respectivos referenciais globais e setoriais, embora importantes e com resultados diferenciados, tais políticas foram permeadas por limitações ou efeitos contraditórios na perspectiva de sistemas alimentares sustentáveis ou mesmo no alcance de seus objetivos.

Ao longo do tempo, as ações mais expressivas e estáveis foram aquelas que procuraram alterar a dinâmica da produção agrícola, com um viés voltado à expansão das commodities. Ainda que nos primeiros quatro séculos as omissões em termos de políticas públicas tenham sido recorrentes, o próprio “não fazer” partia de uma organização política e econômica voltada para o exterior, a partir da agricultura extensiva. Emergentes de forma lenta nos anos 1930, as políticas produtivistas foram potencializadas nos anos 1960/70 e se mantêm vigentes e atuantes (ainda que oscilantes em termos de sua intensidade). Contando com certos apoios do Estado e, especialmente, com as omissões do mesmo em termos de regulação, igualmente ganharam espaço a alimentação industrial e os grandes circuitos de distribuição. As ações que procuraram promover o acesso à alimentação, a promoção da alimentação saudável, o diálogo da agricultura familiar com a SAN, a agroecologia e a valorização dos territórios e dos alimentos locais foram frágeis e instáveis, suscetíveis às mudanças políticas e econômicas. Tais fragilidades se mostram emblemáticas no período recente, com a vigência do referencial setorial de desmantelamento.

A construção de sistemas alimentares sustentáveis é um desafio, diante de elementos e de dinâmicas históricas que se reproduzem ao longo do tempo, ainda que reajustados aos referenciais globais emergentes. Ao invés de, passivamente, seguirmos dinâmicas e processos históricos que definem, a partir dos interesses do mercado, os tipos de alimentos produzidos, a forma como são produzidos e distribuídos, a dinâmica de acesso e de consumo aos mesmos, faz-se necessário que as questões alimentares estejam no centro da estratégia do desenvolvimento do país e, a partir delas, a vida produtiva, social, econômica, ambiental e política do país se reestruture, balizada por parâmetros de justiça.

  • 1
    Compreendemos que as questões alimentares são, por sua natureza, intersetoriais. Tal como Muller (2015)Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR. ressalta para as questões de gênero, realizamos, aqui, um exercício de tratá-la como um setor analítico visando compreender os ajustamentos sofridos a partir do referencial global.
  • 2
    Havia também situações, menos frequentes, de grandes lavouras dedicadas unicamente à produção de gêneros alimentares destinados para o abastecimento alimentar do país (Prado Junior, 1961).
  • 3
    Partia-se da compreensão de que os trabalhadores não sabiam se alimentar corretamente, sendo necessário a eliminação de hábitos, como o consumo da farinha de mandioca (Costa, 2016Costa, T. L. P. (2016). Não só de cafezinho com farinha vivia o homem macapaense: a boa alimentação e o paladar macapaense (1940-1956) (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília.). Nutrólogos envolvidos no programa afirmavam que “na alimentação, a razão dirige e o apetite obedece” (Fogagnoli, 2011Fogagnoli, M. M. (2011). “Almoçar bem é no SAPS!”: os trabalhadores e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (1940-1950) (Dissertação de mestrado). Niterói., p. 20).
  • 4
    O PNAE tem suas raízes inscritas na Campanha de Merenda Escolar em 1955 e esteve inicialmente vinculado a um movimento internacional de distribuição gratuita de alimentos. Em 1976, os recursos para a alimentação escolar passaram a ser financiados pelo Ministério da Educação e gerenciados pela Campanha Nacional de Alimentação Escolar e, em 1979, o Programa passou a denominar-se Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), assumindo caráter universal e disseminando-se por todo território nacional.
  • 5
    Em encontro com jornalistas, no dia 19 de julho de 2019, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou que “falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. [...] Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo” (El País, 2019El País. (2019, julho 19). Bolsonaro: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista”. Recuperado em 20 de julho de 2020, de https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/19/politica/1563547685_513257.html
    https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07...
    ). De acordo com o jornal, “Bolsonaro disse ainda que falar de fome é ‘discurso populista’”. (El País, 2019El País. (2019, julho 19). Bolsonaro: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista”. Recuperado em 20 de julho de 2020, de https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/19/politica/1563547685_513257.html
    https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07...
    ).
  • Como citar: Grisa, C., & Porto, S. I. (2023). Políticas alimentares e referenciais setoriais na trajetória brasileira. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(3), e259390. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.259390pt
  • JEL: A14, Q01, Q18 e Z18

Referências

  • Alves, P. S. A., & Jaime, P. C. (2014). A Política Nacional de Alimentação e Nutrição e seu diálogo com a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, 19(11), 4331-4340.
  • Andrade, D. (2020). Populism from above and below: the path to regression in Brazil. The Journal of Peasant Studies, 47(7), 1470-1496.
  • Balestro, M., & Monteiro, C. F. (2019). A onda rosa e o neoliberalismo resiliente. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, 13(2), 45-52.
  • Bastos, P. P. Z. (2012). A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, 21(spe), 779-810.
  • Bauer, M., & Knill, C. (2012). Understanding policy dismantling: an analytical framework. In M. Bauer, A. Jordan & C. Green-Pedersen (Eds.), Dismantling public policy: preferences, strategies and effects (pp. 30-55). Oxford: Oxford University Press.
  • Belik, W., & Cunha, A. A. (2015). Abastecimento no Brasil: o desafio de alimentar as cidades e promover o desenvolvimento rural. In C. Grisa & S. Schneider (Eds.), Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil (pp. 217-238). Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Brand, C., Bricas, N., Conaré, D., Daviron, B., Debru, J., Michel, L., & Soulard, C.-T. (2017). Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.
  • Brasil. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. (1998). PRONAF: construindo as instituições do desenvolvimento rural. Brasília: Secretaria de Desenvolvimento Rural/MAARA.
  • Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: MS.
  • Bresser-Pereira, L. C. (2016). Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Revista de Economia Política, 36(2), 237-265.
  • Bricas, N., Barles, S., Billen, G., & Routhier, J.-L. (2017). Urbanization issues affecting food systems sustainability. In N. Bricas, D. Conaré, B. Daviron, J. Debru, L. Michel, C.-T. Soulard & C. Brand (Eds.), Designing urban food policies (pp. 1-25). Cham: Springer.
  • Brum, A. J. (2011). O desenvolvimento econômico brasileiro Ijuí: Editora da Unijuí.
  • Buainaim, A. M., & Souza Filho, H. M. (2001). Política agrícola no Brasil: evolução e principais instrumentos. In M. O. Batalha (Ed.), Gestão agroindustrial. São Paulo: Atlas S.A.
  • Caponi, S. (2020). COVID-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, 34(99), 209-224.
  • Cascudo, L. C. (1968). História da alimentação no Brasil (2 v.). São Paulo: Companhia Editora Nacional.
  • Cayres, D. C. (2015). Ativismo institucional no coração da Secretaria Geral da Presidência da República: a Secretaria Nacional de Articulação Social no Governo Dilma Rousseff (2011-2014) (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • Correia Neto, C. B. (2020). Tributação das bebidas açucaradas no Brasil: caminhos para sua efetivação (Estudo Técnico). Brasília: Consultoria Legislativa.
  • Costa, T. L. P. (2016). Não só de cafezinho com farinha vivia o homem macapaense: a boa alimentação e o paladar macapaense (1940-1956) (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília.
  • Couto, C. G. (2020). La ultraderecha llega al poder: una evaluación del gobierno de Bolsonaro. In G. Caetano & F. Mayorga (Eds.), Giros políticos y desafíos democráticos en América Latina: enfoques de casos nacionales y perspectivas de análisis (pp. 93-114). Buenos Aires: Clacso.
  • Cunha, A. R. A. A., & Belik, W. (2012). Entre o declínio e a reinvenção: atualidade das funções do sistema público atacadista de alimentos no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 50(3), 435-454.
  • Delgado, G. C. (1985). Capital financeiro e agricultura no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP/Ícone Editora.
  • Delgado, G. C. (2012). Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Delgado, N. G. (2010). O papel do rural no desenvolvimento nacional: da modernização conservadora dos anos 1970 ao Governo Lula. In N. G. Delgado (Ed.), Brasil rural em debate: coletânea de artigos (pp. 28-78). Brasília: CONDRAF/NEAD.
  • Delgado, N. G., & Zimmermann, S. (2022). Políticas públicas para soberania e segurança alimentar no Brasil: conquistas, desmontes e desafios para uma (re)construção. Rio de Janeiro: Fiocruz.
  • El País. (2019, julho 19). Bolsonaro: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista”. Recuperado em 20 de julho de 2020, de https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/19/politica/1563547685_513257.html
    » https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/19/politica/1563547685_513257.html
  • Evans, P. (1993). O Estado como problema e solução. Lua Nova, (28-29), 107-157.
  • Favareto, A. (2017). Concepções de desenvolvimento e de intervenção pública no Brasil rural sob o Governo Temer e Além. Revista Raízes, 37(2), 7-26.
  • Fogagnoli, M. M. (2011). “Almoçar bem é no SAPS!”: os trabalhadores e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (1940-1950) (Dissertação de mestrado). Niterói.
  • Fouilleux, E., & Michel, L. (2020). Quand l’alimentation se fait politique(s). Rennes: Presse Universitaires de Rennes.
  • Furtado, C. (1991). Formação econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional.
  • Gonçalves Neto, W. (1997). Estado e agricultura no Brasil: política agrícola e modernização econômica brasileira, 1960-1980. São Paulo: Hucitec.
  • Graziano da Silva, J. (1999). Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Grisa, C. (2018). Mudanças nas políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil. Raízes Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 38(1), 36-50.
  • Grisa, C. (2012). Políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil: produção e institucionalização das ideias (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade/UFRRJ.
  • Grisa, C., & Schneider, S. (2015). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Gudynas, E. (2009). Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo. In CAAP CLAES (Ed.), Extractivismo, política y sociedad (pp. 128-225). Quito: Centro Latinoamericano de Ecologia Social.
  • Guimarães, A. P. (1968). Quatro séculos de latifúndios Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Halpern, C., & Jacquot, S. (2015). Aux frontières de l’action publique: l’instrumentarion comme logique de (dé)sectorisation. In L. Boussaguet, S. Jacquot & P. Ravinet (Eds.), Une french touch dans l’analyse des politique publique? Paris: Presses de Sciences, pp. 57-83.
  • High Level Panel of Experts – HLPE. (2014). Food losses and waste in the context of sustainable food systems: a report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Rome.
  • Ioris, A. A. R. (2018). Agribusiness and neoliberal food system in Brazil: frontiers and fissures of agro-neoliberalism. Routledge.
  • Jobert, B., & Muller, P. (1987). L’etat en action. Paris: PUF.
  • Jornal Amapá. (1945, setembro 15). Alimenta-se bem!
  • L’Abbate, S. (1989). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: a partir dos anos setenta. Revista de Nutrição, 2(1), 7-54.
  • L’Abbate, S. (1988). As políticas de alimentação e nutrição no Brasil: período de 1940 a 1964. Revista de Nutrição, 1(2), 87-138.
  • Lang, T., Barling, D., & Caraher, M. (2009). Food policy: integrating health, environment and society. Oxford University Press.
  • Leite, S. P. (2001). Padrão de financiamento, setor público e agricultura no Brasil. In S. P. Leite (Ed.), Políticas públicas e agricultura no Brasil (pp. 53-93). Porto Alegre: Editora da Universidade.
  • Le Coq, J. F., Grisa, C., Guéneau, S., & Niederle, P. (2022). Public policies and food systems in Latin America. Éditions Quæ.
  • Linhares, M. Y. L. (1979). História do abastecimento: uma problemática em questão (1530-1918). Brasília: Ministério da Agricultura.
  • Linhares, M. Y. L., & Silva, F. C. T. (1979). História política do abastecimento (1918-1974). Brasília: Ministério da Agricultura.
  • Magalhães, S. M. (2011). Polêmicas sobre o desenvolvimento alimentar em Goiás no século XIX. In A. D. S. Moura, M. M. Carvalho & M. A. Lopes (Eds.), Consumo e abastecimento na história (pp. 245-271). São Paulo: Alameda.
  • Mahoney, J. (2001). Path-dependent explanations of regime change: Central America in comparative perspective. Studies in Comparative International Development, 36(1), 111-141.
  • Maluf, R. (2007). Segurança alimentar e nutricional. Petrópolis: Vozes.
  • Menezes, F., Porto, S., & Grisa, C. (2015). Abastecimento alimentar e compras públicas no Brasil: um resgate histórico (Série Políticas Sociais e de Alimentação). Brasília: Centro de Excelência Contra a Fome.
  • Muller, P. (2015). La société de l’efficacité globale. Paris: PUR.
  • Niederle, P., Fialho, M. A. V., & Conterato, M. A. (2014). A pesquisa sobre agricultura familiar no Brasil: aprendizagens, esquecimentos e novidades. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1, Supl. 1), 9-24.
  • Niederle, P., & Wesz Junior, V. (2018). As novas ordens alimentares Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Niederle, P., Petersen, P., Coudel, E., Grisa, C., Schmitt, C., Sabourin, E., Schneider, E., Brandenburg, A., & Lamine, C. (2022). Ruptures in the agroecological transitions: institutional change and policy dismantling in Brazil. The Journal of Peasant Studies No prelo.
  • Peliano, A. M. M. (2001). Assistência Alimentar nas políticas governamentais. Revista de Política Agrícola, 10(1), 20-26.
  • Petry, A. L. G. (1993). Aspectos sócio-econômicos e adequação alimentar em áreas periféricas urbanas do Recife (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
  • Prado Junior, C. (1961). Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora Brasiliense.
  • Preiss, P. V., Schneider, S., & Coelho-de-Souza, G. (Eds.). (2020). A contribuição brasileira à segurança alimentar e nutricional sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Ravinet, P., & Palier, B. (2015). Global, es-tu là? refelxions sur une catégorie fantomatique. In L. Boussaguet, S. Jacquot & P. Ravinet (Eds.), Une french touch dans l’analyse des politique publique? (pp. 27-56). Paris: Presses de Sciences.
  • Sabourin, E., Craviotti, C., & Milhorance, C. (2020a). The dismantling of family farming policies in Brazil and Argentina. International Review of Puclic Policy, 2(1), 45-67.
  • Sabourin, E., Grisa, C., Niederle, P., Pereira Leite, S., Milhorance, C., Damasceno Ferreira, A., Sauer, S., & Andriguetto-Filho, J. M. (2020b). Le démantèlement des politiques publiques rurales et environnementales au Brésil. Cahiers Agricultures, 29(31), 31.
  • Sambuiche, R. H., Mattos, L. M., Moura, I. F., Avila, M. L., Spinola, P. A. C., & Silva, A. P. M. (2017). A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília: Ipea.
  • Sauer, S., & Leite, S. P. (2012). Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 50(3), 503-524.
  • Schneider, S., & Gazolla, M. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas. In M. Gazolla & S. Schneider (Eds.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 9-24). Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Silva, A. C. (1995). De Vargas a Itamar: políticas e programas de alimentação e nutrição. Estudos Avançados, 9(23), 87-107.
  • Silva, M. K., & Oliveira, G. L. (2011). A face oculta(da) dos movimentos sociais: trânsito institucional e intersecção Estado-Movimento: uma análise do movimento de economia solidária no Rio Grande do Sul. Sociologias, 13(28), 86-124.
  • Siscu, J., Paula, L. F., & Michel, R. (2005). Por que novo-desenvolvimentismo? In J. Siscu, L. F. Paula & R. Michel (Eds.), Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri: Manole.
  • Sonnino, R., Spayde, J., & Ashe, L. (2016). Políticas públicas e a construção de mercados: percepções a partir de iniciativas de merenda escolar. In F. C. Marques, M. A. Conterato & S. Schneider (Eds.), Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Sousa, A. P. (2011). Circuitos internos de produção, comercialização e consumo na América Portuguesa: o exemplo da Capitania da Bahia (século XVIII). In A. D. S. Moura, M. M. Carvalho & M. A. Lopes (Eds.), Consumo e abastecimento na história (pp. 137-167). São Paulo: Alameda.
  • Triches, R. M. (2010). Reconectando a produção ao consumo: a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para o Programa de Alimentação Escolar (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Truchero, G. R. (2015). Revisión teórica y limitaciones del concepto de desiertos alimentarios. Revista de Humanidades, (25), 85-102.
  • Vasconcelos, F. A. G. (2005). Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a Lula. Revista de Nutrição, 18(4), 439-457.
  • Vasconcelos, F. A., Machado, M. L., Medeiros, M. A. T., Neves, J. A., Recine, E., & Pasquim, E. M. (2019). Public policies of food and nutrition in Brazil: from Lula to Temer. Revista de Nutrição, 32, e180161.
  • Zimmermann, S. A. (2011). A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2021
  • Aceito
    28 Maio 2022
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural Av. W/3 Norte, Quadra 702 Ed. Brasília Rádio Center Salas 1049-1050, 70719 900 Brasília DF Brasil, - Brasília - DF - Brazil
E-mail: sober@sober.org.br