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Sucessão geracional e instalação de jovens na agricultura: a percepção de organizações sindicais da Espanha

Generational change and installation of young people agriculture: the perception of trade union organizations in Spain

Resumos

Resumo

A escassez de jovens interessados pela agricultura e as incertezas no processo de sucessão geracional nas propriedades são realidades que afetam muitos países, incluindo a Espanha. Nesse país, menos de um terço dos agricultores são considerados jovens. Assim, o objetivo deste artigo é trazer percepções e reflexões sobre o tema com base em depoimentos de representantes das organizações sindicais espanholas ligadas, sobretudo, à agricultura familiar. Para tanto, doze entrevistas foram realizadas, transcritas e analisadas com base na técnica conhecida como análise de conteúdo. Os resultados refletem a construção de cinco categorias de análise: acesso à terra e investimentos iniciais; formação socioprofissional; rentabilidade dos estabelecimentos; serviços e infraestrutura no meio rural; e, políticas públicas para a juventude rural. No agro espanhol há setores dinâmicos e inovadores. Não obstante, a sucessão geracional se apresenta como um tema de importância transcendental. Representantes das organizações entrevistadas manifestaram preocupação com a escassez de jovens agricultores e com o futuro da agricultura. A pesquisa apontou que sucessão geracional, a instalação de jovens na agricultura e a renovação geracional da população rural são questões complexas, as quais devem ser afrontadas de maneira integral e efetiva, sobretudo porque seus desdobramentos afetam à sociedade como um todo.

Palavras-chave:
renovação geracional; incorporação de jovens; jovens agricultores; juventude rural


Abstract

The shortage of young people interested in agriculture and the lack of generational succession in the agricultural sector is a reality that affects many countries, including Spain. In that country, less than a third of farmers are considered young. Thus, the objective of this article is to bring perceptions and reflections on the subject based on testimonies of representatives of Spanish union organizations linked, above all, to family farming. For that, twelve interviews were carried out, transcribed and analyzed based on the technique known as content analysis. The results boil down to five categories of analysis: access to land and initial investments; socio-professional training; profitability of production units; services and infrastructure in rural areas, and; public policies for rural youth. Although there are more dynamic and innovative segments, generational succession is presented as a peremptory need for the Spanish agricultural sector. Representatives of all organizations interviewed expressed concern about the shortage of young farmers and the future of agriculture. In addition, the research pointed out that generational succession, the installation of young people in agriculture and the generational renewal of the agrarian population is a challenge of great complexity and, therefore, must be tackled in an integral way, involving different sectors of society.

Keywords:
generational renewal; incorporation of young people; young farmers; rural youth


1 Introdução

A falta de jovens interessados pela atividade agropecuária e consequentemente por assumirem unidades produtivas familiares é uma problemática em muitos países. A situação na Espanha não se mostra diferente: a escassez de jovens interessados pela agricultura e pecuária é um tema recorrente na pauta das organizações socioprofissionais e corporações setoriais. Segundo Moyano Estrada (2020)Moyano Estrada, E. (2020). Las movilizaciones agrarias, entre la unidad y la pluralidad. In Agricultura Familiar en España (pp. 29-35). Fundación de Estudios Rurales., os agricultores são conscientes de que a atividade agropecuária parece pouco atrativa para seus filhos, vendo com pessimismo o tempo avançar, em meio à saída de muitos jovens que não vislumbram um futuro promissor no setor.

Há muita especulação em torno do porquê muitas explorações familiares acabam se inviabilizando ante a inexistência de sucessores. Alguns autores carregam as tintas nos aspectos demográficos (envelhecimento dos titulares, queda nas taxas de natalidade na população agrária, etc.), nos fatores econômicos (maior custo de produção acompanhado do progressivo declínio dos preços dos produtos), nos aspectos estruturais (precariedade dos serviços de saúde, educação, energia elétrica, etc.), ao passo que outros dirigem sua mirada em relação a aspectos psicossociais, como no caso da progressiva falta de identificação dos/das jovens com a agricultura e com a realidade rural. O que nos parece lógico é que, isoladamente, nenhuma dessas razões é capaz de oferecer respostas satisfatórias a um fenômeno de tamanha complexidade.

Ao passo que os agricultores envelhecem e não encontram sucessores, o número de titulares de explorações agropecuárias espanholas vem diminuindo. Somente entre o período de 2003 a 2013, o número de titulares de estabelecimentos agropecuários diminuiu 17%, representando uma diminuição de mais de 186 mil pessoas (Flament et al., 2016Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG.). Em Andaluzia, a comunidade autônoma espanhola com maior número de agricultores – 26% em relação ao total espanhol (España, 2020España. Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación – MAPA. (2020). Perspectiva de género y despoblamiento. Documento de partida, Subgrupo de Trabajo del Objetivo Específico 7. Recuperado em 12 de janeiro de 2022, de https://www.mapa.gob.es/es/pac/post-2020/200622_oe71documentopartidav64_1_tcm30-520400.pdf
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) – a diminuição foi de 11%, representando 28.144 titulares de explorações agropecuárias, a menor durante o período analisado. A crise de sucessão e a falta de interesse dos jovens na produção agropecuária são pautas obrigatórias das organizações sindicais, sobretudo porque há claros indícios das incertezas que se impõem sobre o futuro da agricultura espanhola e dos territórios não densamente urbanizados. Paradoxalmente, como referem Flament et al. (2016)Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG., trata-se de um tema pouco abordado no país.

Traçando um paralelo com a realidade brasileira, esse tema também não figura entre os principais objetos de estudos rurais. Vieira et al. (2019)Vieira, J. P. L., Bahiense, D. V., & Silva, S. M. (2019). Produção acadêmica sobre sucessão rural e agricultura familiar: uma análise do contexto brasileiro do período (2003-2018). Extensão Rural, 26(2), 89-103., mapearam a produção científica sobre a sucessão geracional na agricultura familiar publicada no período de 2003 a 2018 e identificaram no banco de dados “Periódicos CAPES” 29 artigos científicos ou trabalhos publicados em anais de congressos. Os autores indicam que grande parte dos trabalhos trazem a juventude rural como um ator invisível perante as políticas públicas e ações governamentais, e o que realmente se percebe é que as políticas existem, mas o seu alcance acaba sendo limitado a determinadas regiões do Brasil (Vieira et al., 2019Vieira, J. P. L., Bahiense, D. V., & Silva, S. M. (2019). Produção acadêmica sobre sucessão rural e agricultura familiar: uma análise do contexto brasileiro do período (2003-2018). Extensão Rural, 26(2), 89-103.).

No entanto, um estudo recente identificou que características socioeconômicas como o percentual da renda familiar do estabelecimento agropecuário, a participação em cursos e palestras e a associação a cooperativas, podem ser importantes aspectos para que ocorra sucessão geracional (Abdala et al., 2022Abdala, R. G., Binotto, E., & Borges, J. A. R. (2022). Family farm succession: evidence from absorptive capacity, social capital, and socioeconomic aspects. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(4), e235777.). Para estes autores, questões relacionadas à formação socioprofissional, capital social e as relações intrafamiliares para a transição geracional podem ser fundamentais na continuidade de estabelecimentos rurais.

Outro estudo recente apontou para a possibilidade de os filhos darem continuidade à profissão dos pais como resultado de um conjunto de fatores, com destaque para a construção de uma identidade de agricultor a partir de aspectos socioculturais, sendo tão importante quanto a rentabilidade e a segurança financeira das unidades produtivas (Monteiro & Mujica, 2022Monteiro, R., & Mujica, F. P. (2022). A identidade sociocultural do jovem agricultor na vitivinicultura familiar e sua relação com a sucessão rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(spe), e235637. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.235637
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). Ao mesmo tempo, os autores identificaram que o acesso à educação, cultura, infraestrutura e bens materiais de qualidade, em um processo de socialização mediado pelo trabalho familiar, mostrou-se ser importante na decisão dos jovens em continuarem morando e trabalhando no meio rural. A participação na gestão dos estabelecimentos rurais e a busca pela formação socioprofissional, formal ou não, também aumentam as chances de sucessão (Monteiro & Mujica, 2022Monteiro, R., & Mujica, F. P. (2022). A identidade sociocultural do jovem agricultor na vitivinicultura familiar e sua relação com a sucessão rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(spe), e235637. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.235637
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).

Não obstante, apesar das possibilidades de sucessão geracional na agricultura brasileira, a população rural do país vem experimentando um declínio acentuado. De 1960 a 2010, a população rural diminuiu de 38,98 milhões para 29,83 milhões, representando no período analisado, em números relativos, uma diminuição de 55% para escassos 15,6% da população brasileira vivendo no meio rural (Sacco dos Anjos et al., 2014Sacco dos Anjos, F., Caldas, N. V., & Pollnow, G. E. (2014). Menos mulheres, menos jovens, mais incertezas: a transição demográfica no Brasil Rural Meridional. Extensão Rural, 21(2), 94-116.). Os fatores envolvidos nesse processo fogem da discussão aqui proposta, mas é inegável reconhecer a diminuição da população rural brasileira, a partir da década de 1970, como reflexo de um câmbio demográfico mais amplo que está diretamente relacionado com as transformações que incidiram no espaço rural e, particularmente, no universo social em que opera a dinâmica da agricultura familiar.

No caso da Espanha, causa assombro aos que buscam examinar a questão o fato de que uma das mais impactantes obras literárias produzidas naquele país nos últimos anos – “La España vacía: viaje por un país que nunca fue” (Del Molino, 2013Del Molino, S. (2013). La España vacía: viaje por un país que nunca fue. Madrid: Editora Turner.) – tenha elegido, como argumento central, a questão do despovoamento de áreas interioranas, não somente a partir de dados e informações gerais, mas também com base no modo como esse quadro dramático é retratado na literatura, na história e na produção cinematográfica desta nação ibérica.

Assim, o foco do presente estudo está centrado na sucessão geracional no setor agropecuário espanhol com base nas percepções de representantes das organizações sindicais ligadas, sobretudo, à agricultura familiar do país. Nesse sentido, o problema de pesquisa aqui proposto pode ser formulado nos seguintes termos: como se apresenta a questão da sucessão geracional no setor agropecuário espanhol? Como as organizações sindicais se posicionam em relação a esta instigante e desafiadora questão? Na percepção dessas organizações, quais as principais necessidades vivenciadas pela juventude rural?

O artigo em tela se estrutura, além desta introdução, em quatro seções. A primeira delas delimita a fundamentação teórica e aborda a questão da sucessão geracional do ponto de vista conceitual. A segunda seção expõe a metodologia empregada na pesquisa, enquanto a terceira apresenta e discute os resultados obtidos na pesquisa de campo. A quarta seção traz as considerações finais da pesquisa. O objetivo central, que aqui se busca evidenciar, é examinar a questão da sucessão a partir da perspectiva das organizações sindicais ligadas à agricultura familiar da Espanha.

2 Fundamentação Teórica

A escassez de jovens agricultores afeta boa parte da União Europeia. Apenas 6% das explorações agropecuárias dos 27 países integrantes do bloco eram propriedade de agricultores com idade inferior a 35 anos (Regidor & Sánchez-Reyes, 2012Regidor, J. G., & Sánchez-Reyes, B. (2012). EU measures to encourage and support new entrants. Recuperado em 15 de dezembro de 2021, de https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/note/join/2012/495830/IPOL-AGRI_NT(2012)495830_EN.pdf
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). Segundo esse mesmo estudo, um dos fatores mais limitantes no ingresso de jovens na atividade agropecuária é a viabilidade econômica dos estabelecimentos rurais. Muitas das explorações não reúnem condições para gerar trabalho suficiente para ocupar integralmente a um jovem produtor rural e gerar renda satisfatória para a família.

A Espanha é um dos países europeus mais afetados pela escassez de jovens no campo (Castillo-Quero & Guerrero-Baena, 2019Castillo-Quero, M., & Guerrero-Baena, M. D. (2019). Caracterización estructural, productiva y financiera de las explotaciones de jóvenes agricultores. ITEA. Información Técnica Económica Agraria, 115, 62-82. http://dx.doi.org/10.12706/itea.2019.004
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). Esse fato pode ser entendido como consequência do duplo impacto ocasionado, de um lado, pelos obstáculos à instalação de novos produtores e, de outro, pela retirada procrastinada das gerações precedentes (Castillo-Quero & Guerrero-Baena, 2019Castillo-Quero, M., & Guerrero-Baena, M. D. (2019). Caracterización estructural, productiva y financiera de las explotaciones de jóvenes agricultores. ITEA. Información Técnica Económica Agraria, 115, 62-82. http://dx.doi.org/10.12706/itea.2019.004
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; Flament et al., 2016Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG.). Fischer & Burton (2014)Fischer, H., & Burton, R. J. (2014). Understanding farm succession as socially constructed endogenous cycles. Sociologia Ruralis, 54(4), 417-438. http://dx.doi.org/10.1111/soru.12055
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associam tal questão ainda a fatores endógenos, em alusão aos ciclos de desenvolvimento das próprias explorações agropecuárias, às relações intrafamiliares e à crescente falta de identidade do sucessor com o estabelecimento rural. Esse último aspecto é igualmente apontado por Castillo-Quero & Guerrero-Baena (2019)Castillo-Quero, M., & Guerrero-Baena, M. D. (2019). Caracterización estructural, productiva y financiera de las explotaciones de jóvenes agricultores. ITEA. Información Técnica Económica Agraria, 115, 62-82. http://dx.doi.org/10.12706/itea.2019.004
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, sendo que essas autoras o relacionam com a falta de valorização social do trabalho agrário e à imagem que a profissão de agricultor possui na sociedade.

García-Bartolomé (2000) indica ainda que os jovens filhos de agricultores podem herdar dos pais o ofício, capital e inclusive reconhecimento social, mas para que a transição geracional se concretize, é necessário que os pais renunciem a sua condição de proprietários, titulares e chefes da unidade produtiva familiar. Os problemas advindos do adiamento ou prolação da decisão da geração mais velha em se desligar da atividade são relacionados em alguns estudos à existência de incentivos diretos pagos pela Política Agrária Comum (PAC) aos produtores rurais (Piras, 2019Piras, F. (2019). La PAC y la instalación de jóvenes agricultores: algunas reflexiones desde Italia. In Agricultura Familiar em España (pp. 88-94). Fundación de Estudios Rurales.; Castillo-Quero & Guerrero-Baena, 2019Castillo-Quero, M., & Guerrero-Baena, M. D. (2019). Caracterización estructural, productiva y financiera de las explotaciones de jóvenes agricultores. ITEA. Información Técnica Económica Agraria, 115, 62-82. http://dx.doi.org/10.12706/itea.2019.004
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). Essa dinâmica se impõe na medida em que as ajudas financeiras da PAC são muitas vezes consideradas como um complemento de renda dos agricultores, inclusive das aposentadorias. Como consequência dessa retirada tardia das gerações mais velhas, há um baixo estoque de estabelecimentos disponíveis para a instalação de jovens agricultores, seja através da transferência do patrimônio familiar, seja através da aquisição ou de arrendamento.

Já no que diz respeito ao problema de disponibilidade de jovens candidatos à instalação, ou seja, obstáculos em relação à entrada de novas pessoas no setor agropecuário, podem incidir fatores de natureza demográfica e econômica (Moyano Estrada & Fernandez, 1990Moyano Estrada, E., & Fernandez, M. C. D. (1990). Teoría y práctica de la instalación de jóvenes en la agricultura. Revista de Estudios Agro-sociales, 154, 7-38.). Sob a lógica das mudanças demográficas ocorridas na Espanha nas últimas décadas, verifica-se que a população do país envelhece rapidamente como reflexo direto do aumento da esperança de vida e da diminuição das taxas de natalidade. No final do século passado, enquanto a taxa média nacional de pessoas com mais de 65 anos era de 13,8%, nos municípios com menos de 2.000 habitantes o mesmo índice se situava em 22,7% (García-Bartolomé, 2000). Além disso, segundo fontes oficiais (España, 2012España. Ministério de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente – MAPA. (2012). Población y sociedad rural. Recuperado em 6 de junho de 2021, de https://www.mapa.gob.es/es/ministerio/servicios/analisis-y-prospectiva/agrinfo.aspx
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), a participação da população residente em municípios essencialmente rurais (até 10.000 habitantes) no que se refere à população nacional viu-se reduzida de 57%, em 1976, para escassos 20% em 2009. Camarero Rioja & Del Pino Artacho (2014)Camarero Rioja, L., & Del Pino Artacho, J. A. (2014). Cambios en las estructuras de los hogares rurales: formas de adaptación y resiliência. Revista Internacional de Sociologia, 72(2), 377-401. indicam que o envelhecimento maior da população rural espanhola, se comparada com a população urbana do país, é motivado pelos efeitos do intenso processo de êxodo rural que se impôs durante a segunda metade do século XX. Tais autores apontam ainda que o esvaziamento de grande parte do território rural espanhol por certas faixas etárias gera impactos profundos sobre as sucessivas gerações.

Além das mudanças demográficas intrínsecas do rural, há também que sopesar o fato de o rural converter-se em espaço pouco atrativo para muitos jovens rurais, que acabam buscando profissões de caráter eminentemente urbano ou não-agrícola (Flament et al., 2016Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG.). Para Castillo-Quero & Guerrero-Baena (2019)Castillo-Quero, M., & Guerrero-Baena, M. D. (2019). Caracterización estructural, productiva y financiera de las explotaciones de jóvenes agricultores. ITEA. Información Técnica Económica Agraria, 115, 62-82. http://dx.doi.org/10.12706/itea.2019.004
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, no ano de 2016 apenas 6,9% dos agricultores espanhóis possuíam idade inferior a 35 anos, enquanto em 2005 esse índice era de 10,2%. Já em relação a agricultores com idade superior a 55 anos, em 2016 esse índice era de 33,7% e em 2005 era 31,6%. Além disso, Flament et al. (2016)Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG. apontam que se em 2003 havia 10,3 titulares jovens para cada 100 titulares com mais de 55 anos, dez anos depois o índice caiu para 4,5. Os autores são taxativos: “[...] el porcentaje de titulares con 55 años o más aumenta al mismo tiempo que el porcentaje de titulares con menos de 35 años va bajando” (Flament et al., 2016Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG., p.24-25).

O processo de êxodo rural na Espanha se apresenta de forma seletiva entre os gêneros feminino e masculino e o continuado êxodo rural de jovens mulheres enseja a masculinização da população rural (Camarero Rioja et al., 2009Camarero Rioja, L., Cruz, F., González, M., Del Pino, J., Oliva, J., & Sampedro, R. (2009). La población rural de España: de los desequilibrios a la sostenibilidad social (Colección Estudios Sociales, No. 27). Barcelona: Fundación La Caixa.). A situação de desequilíbrio de gênero nas áreas rurais, se comparadas com as urbanas, lança incertezas sobre o futuro. Esse quadro é descrito por Camarero Rioja & Sampedro (2008)Camarero Rioja, L., & Sampedro, R. (2008). ¿Por qué se van las mujeres? El continuum de movilidad como hipótesis explicativa de la masculinización rural. Revista Española de Investigaciones Sociológicas, (124), 73-105. http://dx.doi.org/10.2307/40184907
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. Segundo esses autores, na faixa de idade compreendida entre 20 e 34 anos de idade havia 110,5 homens para cada 100 mulheres nos municípios com menos de 5.000 habitantes. Os maiores índices de masculinização, de acordo com esse estudo, estavam justamente onde a agricultura familiar é hegemônica.

Mais recentemente, Larrubia-Vargas & Natera-Rivas (2019)Larrubia-Vargas, R. L., & Natera-Rivas, J. J. (2019). Envejecimiento y masculinización de la población rural Andaluza. Perspectives on Rural Development, 2019(3), 121-152. analisaram a estrutura por sexo da população rural espanhola e evidenciaram duas situações: de um lado, a preeminência da população feminina sobre a população masculina em grupos de idade mais avançadas (acima dos 65 anos) e, de outro, a manutenção da saída prematura das mulheres em idade laboral, o que reforça a dinâmica de masculinização aludida anteriormente. No primeiro caso, a proporção maior de mulheres em relação aos homens se dá, sobretudo, pela maior expectativa de vida do sexo feminino e pelo maior êxodo rural masculino ocorrido em décadas passadas. No segundo caso há o reflexo da saída de mulheres em idade de franca atividade laboral, que partem em busca de oportunidades que se mostram completamente alheias à produção agropecuária.

Além disso, em geral, há que levar em conta o fato de que

[...] los hijos son orientados hacia estrategias de continuación, mientras que las hijas son inducidas hacia el desarraigo de la explotación a través de los estudios o del matrimonio con personas no agricultores, situación que agudiza la problemática de la soltería de los jóvenes que permanecen en las explotaciones agrarias (García-Bartolomé, 2000, p.18).

Dessa forma, uma das características mais marcantes da estrutura demográfica espanhola é a masculinização nos estratos juvenis e adultos da população rural e a feminilização dos grupos geracionais mais velhos, principalmente em zonas de pequenas e médias explorações agropecuárias e no norte do país (García Bartolomé, 2000García Bartolomé, J. M. (2000). Reflexiones sobre la situación de la juventude en la sociedad rural. Estudios de Juventud, 48, 9-19.), onde os processos de despovoamento rural têm sido intensos.

Considerando as dinâmicas demográficas apresentadas, é possível apontar que a concentração da população em reduzidos espaços e, complementarmente, a aparição de um notório esvaziamento rural são dois dos aspectos mais destacados e considerados como dinâmicas contínuas na demografia naquele país (Serrano-Martínez, 2004Serrano-Martínez, J. M. (2004). Resenha de “Atlas de la España Rural ” de F. Molinero Hernando, R Majoral Moliné, J. M. García Bartolomé y G. García Fernández (coords.). Papeles de Geografía, 40, 199-202.), gerando o processo que vem sendo chamado de “España vacía” ou “España vaciada”.

Há que ponderar também os fatores estruturais e as singularidades de cada país. Isso inclui aspectos de natureza física (superfície agrária útil, aproveitamento do solo, orientações produtivas, etc.) e socioeconômica (regimes de posse da terra, tamanho dos estabelecimentos, preço da terra, rentabilidade das explorações, grau de envelhecimento da população rural, etc.) (Moyano Estrada & Fernandez, 1990Moyano Estrada, E., & Fernandez, M. C. D. (1990). Teoría y práctica de la instalación de jóvenes en la agricultura. Revista de Estudios Agro-sociales, 154, 7-38.). Para tais autores, o modo como esses fatores se apresentam pode fazer com que os jovens encontrem maiores ou menores dificuldades para se instalarem como agricultores e viabilizar o próprio projeto de vida e trabalho.

Nesse sentido, Castillo-Quero & Guerrero-Baena (2019Castillo-Quero, M., & Guerrero-Baena, M. D. (2019). Caracterización estructural, productiva y financiera de las explotaciones de jóvenes agricultores. ITEA. Información Técnica Económica Agraria, 115, 62-82. http://dx.doi.org/10.12706/itea.2019.004
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, p.79) apontam que o “acceso a la tierra es una de las principales barreras a las que deben hacer frente los jóvenes agricultores, debido a la escasez o baja disponibilidad del recurso y a su precio […]”. Essas autoras asseveram que as chances de êxito na instalação de jovens na agricultura espanhola são maiores nos casos em que o estabelecimento rural dispõe de uma área suficiente para produzir bons resultados econômicos, sendo mais fácil nos casos onde predominem atividades mais intensivas ou onde estejam presentes estratégias de valorização da produção.

As mudanças socioeconômicas das últimas décadas na Espanha desenharam um cenário de incertezas sobre quem serão os responsáveis das unidades produtivas agrárias atuais para viabilizar a atividade agropecuária do futuro (Flament et al., 2016Flament, S., Macias, B., & Monllor, N. (2016). Incorporación de los jóvenes al campo em España: relevo generacional y nuevos perfiles; barreras a las que se enfrentan y propuestas. Bilbao: Estudio para Mundubat y COAG.). É fundamental considerar que o objetivo central das unidades familiares de produção é – e seguirá sendo – a reprodução social de uma aliança inseparável existente entre a família e a unidade produtiva (Díaz Méndez, 1999Díaz Méndez, C. (1999). Estrategias familiares para el tránsito a la vida activa de la juventud rural: modelos de inserción sociolaboral. Revista Española de Investigaciones Sociológicas (Reis), (85), 47-65.). Porém, as mutações que sofre o mundo rural, cuja expressão visível são as aludidas transformações demográficas e econômicas, podem minar as resistências, em que pese a conhecida capacidade de adaptação das famílias rurais (Shanin, 1976Shanin, T. (1976). Naturaleza y lógica de la economía campesina. Barcelona: Anagrama.).

A condição necessária, mas não suficiente, para que a exploração familiar tenha continuidade é que o empreendimento se mostre viável no médio e longo prazo do ciclo vital familiar. Todavia, as diversas ameaças e incertezas repercutem sobre as escolhas individuais no âmbito de uma sociedade cada vez mais urbanizada. Encontramo-nos diante de um cenário em que o ofício de agricultor/agricultora não se mostra tão atrativo para a juventude rural como se mostrara em outrora (González, 1997González, J. J. (1997). Efectos perversos de las estrategias familiares en la agricultura. In Garrido Medina & Gil Calvo (Eds.), Estrategias familiares (pp. 132-144). Madrid: Alianza Universidad.). Feita essa aproximação teórica, na seção subsequente volta-se a atenção para a metodologia adotada na realização da pesquisa.

3 Metodologia

Os procedimentos metodológicos adotados são reflexos da natureza do objeto de pesquisa, o qual demanda uma metodologia de cunho qualitativo, correspondendo “a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (Minayo, 1992Minayo, M. C. S. (1992). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. In O desafio do conhecimento-pesquisa qualitativa em saúde. ABRASCO - HUCITEC., p. 21-22). Assim, para conhecimento, estudo do contexto e do estado da arte da temática no âmbito espanhol, foi previamente realizada uma revisão bibliográfica, a qual ensejou a construção do referencial teórico apresentado. Já o recorte empírico foi composto por representantes de diferentes esferas organizativas de duas organizações sindicais: a Coordinadora de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos (COAG) e a Unión de los Pequeños Agricultores y Ganaderos (UPA). Além disso, foram entrevistados o Ministro de Agricultura, Pesca e Alimentação da Espanha, Luis Planas, e uma representante do Comitê Europeu de Jovens Agricultores (CEJA). Chegou-se a 12 entrevistas realizadas em profundidade entre junho de 2020 e março de 2021. O objetivo principal dessa fase da pesquisa foi identificar as perspectivas e desafios, no entendimento das organizações mencionadas, em relação à sucessão geracional e à instalação de jovens na agricultura. Importante registrar que as perguntas contidas no roteiro semiestruturado foram colocadas de diferentes formas, confrontando opiniões e percepções dos entrevistados.

Por ocasião da pandemia de Covid-19, a maior parte das entrevistas foi realizada de forma telemática, mediante o uso de diferentes ferramentas (Zoom®, Skype®, Google Meet®). Ainda que as entrevistas tenham sido realizadas de maneira remota, foi utilizado um caderno de campo para apontamentos e observações acerca dos depoimentos e das reflexões sobre temas correlatos. Essas anotações serviram como fontes auxiliares de informação no momento de análise dos discursos dos entrevistados.

Em uma etapa posterior, os depoimentos foram transcritos para a aplicação da técnica conhecida como análise de conteúdo (Chizzotti, 1991Chizzotti, A. (1991). Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Editora Cortez.). No exame e sistematização do material, fez-se uso do ATLAS.ti®, um programa informático destinado a organizar e classificar as categorias e auxiliar na análise qualitativa dos depoimentos. As categorias de análise, apresentadas e debatidas a seguir, foram construídas a partir de uma estreita conexão com o objeto de estudo. Nessa abordagem o foco precípuo é a elucidação do problema de pesquisa de acordo com a perspectiva das organizações sindicais ligadas à agricultura familiar da Espanha, evidenciando os principais temas expostos durante as entrevistas.

4 Resultados e Discussão

As principais necessidades, na perspectiva dos entrevistados, para a sucessão geracional e a instalação de jovens na agricultura, foram agrupadas em cinco categorias de análise: “acesso à terra e investimentos iniciais”; “formação socioprofissional”; “rentabilidade das unidades produtivas”; “serviços e infraestrutura no meio rural”; e, “políticas públicas para a juventude rural”. A seguir tais noções são apresentadas e debatidas de forma articulada e contextualizada.

4.1. Aceso à terra e investimentos iniciais

A categoria de análise “acesso à terra e investimentos iniciais” ganhou destaque nas entrevistas. O próprio Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação da Espanha (MAPA/Espanha) lançou um estudo no qual aponta a rigidez do mercado de terras, o alto preço para aquisição ou arrendamento e os altos investimentos iniciais necessários para a instalação de jovens no setor agropecuário como fatores que dificultam, em conjunto, a sucessão geracional (España, 2021España. Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación – MAPA . (2021). Estudio sobre el acceso a la tierra. Recuperado em 1 de fevereiro de 2022, de www.mapa.gob.es/es/desarrollo-rural/temas/jovenes-rurales/grupo-acceso-tierra). Esses aspectos foram igualmente mencionados ao longo da pesquisa de campo, conforme consta nos próximos parágrafos.

Para os representantes da COAG, o principal aspecto relacionado com as dificuldades de sucessão geracional é precisamente o problema de acesso à terra. O argumento se dá em torno da atual remuneração dos produtos agropecuários e da baixa rentabilidade da agricultura, em meio ao processo especulativo do valor do solo agrícola.

A representante da Federación de Asociaciones de Mujeres Rurales (FADEMUR), entidade vinculada à UPA e responsável pela organização de mulheres no âmbito dessa entidade sindical, enfatizou que é praticamente impossível um jovem, começar na atividade agropecuária de forma autônoma e sem vínculo com alguma família que já seja agricultora.

Segundo outro entrevistado, representante da COAG, há dois fatores que dificultam o acesso à terra, os quais, direta ou indiretamente, tendem a inflacionar seu preço: um é o arraigo cultural que a terra representa para os agricultores; o outro, é o baixo valor das pensões e aposentadorias para agricultores. Por conta disso, muitos produtores, mesmo depois de aposentados, seguem exercendo a agricultura como forma de complementar a renda. Esse interlocutor argumentou que:

¿Y qué ocurre, por qué hay tan poco relevo? Bueno, pues una parte por los mayores, que ya llegan a la edad de pensión, cuando se van, que se jubilan, pues la jubilación del campo es bastante baja. [...] Entonces claro, el jubilado que le queda 600 Euros, digamos, de pensión, pues al final tiene que seguir cultivando la tierra porque no les llega la pensión para sobrevivir. Y luego hay otra cosa también que es el arraigo cultural que hay con la tierra, ser agricultor no es una empresa más. El agricultor tiene un arraigo […]. Entonces, por una parte es el tema económico, y por otra parte es que un agricultor sin su explotación, digamos, que es él que dirija, él que sea que lleva aquello y es su vida, digamos, es una parte de su vida. Y le costa también dejar de trabajar por esa parte y dejar para un hijo la dirección de la explotación. Entonces estas dos partes también dificultan: las pensiones y el arraigo que hay en el campo.

Outra representante da COAG concordou com essa argumentação, mas apontou para a complexidade do tema na medida em que muitos agricultores já aposentados seguem vinculados às suas unidades produtivas e à agricultura. Para ela,

Ese tema es bastante complejo. Tenemos que tener en cuenta cuando nuestros mayores se jubilan, […] la vinculación con la tierra no la pierden porque siguen estando pendientes de su explotación. Pero es cierto que en ese tema de la jubilación, el problema radica en las pensiones. Han estado autónomos toda su vida, han contribuido con sus impuestos con su trabajo y la jubilación que le queda a un autónomo es una miseria. Tal y como está hoy en día lo que es la calidad de vida, o sea el poder adquisitivo, el precio de las cosas, nuestros mayores no pueden vivir con esas pensiones. Entonces claro, no lo voy a justificar. Y tengo el problema de acceso a la tierra, yo lo sufro. Lo sufro yo y sufrimos todos los compañeros jóvenes que me rodean, y eso siempre hablamos del mismo tema, el problema de acceso a la tierra. Los mayores no sueltan la tierra porque es una manera de complementar esa pensión. Entonces habría que plantear a nivel estatal una medida, una solución para que de alguna manera se resuelva el tema de las pensiones. […] Por eso te digo que es un tema difícil de resolver, es muy complejo, no es solamente una parte, hay que ver una parte y la otra, habría que intentar buscar una solución intermedia. Porque lo cierto y verdad es que el campo está envejeciendo y los jóvenes cada vez lo tienen más difícil a la hora de incorporarse. (destaques nossos).

O representante da federação Juventudes Agrarias, vinculada à COAG e responsável pela organização de jovens em torno dessa entidade sindical, mencionou que as subvenções da PAC também servem de complementação da renda de agricultores já aposentados. Para ele, o baixo valor das pensões de aposentadoria é um problema não agrário que, ao fim e ao cabo, é atenuado via recursos da PAC, os quais deveriam ser destinados para questões agropecuárias, como compensar os baixos preços dos produtos agrícolas.

Outro obstáculo que dificulta o acesso à terra se dá no momento da transferência das propriedades dos pais para os filhos. Um dos representantes da UPA comentou que agricultores já aposentados seguem recebendo subvenções da PAC associadas às propriedades, o que dificulta a transferência das terras e desses direitos aos filhos. Esse aspecto faz com que muitos jovens que já estão incorporados ao setor agropecuário e exercendo a agricultura como atividade profissional tenham dificuldade no acesso a terras e ao direito a subvenções da PAC pelo fato de não serem titulares de estabelecimentos rurais. Nesse sentido, para a UPA,

Consideramos que hay mucha población agrícola que está recibiendo las ayudas PAC y con una edad bastante elevada, mucho de ellos ya jubilados ¿no? Y, sin embargo, jóvenes que están trabajando en el campo, pero no son titulares de la explotación, u otros que quieren acceder… [...] mucha gente de edad avanzada sigue cobrando ayudas PAC, derechos, mientras jóvenes que están incluso ya en el campo, trabajando en el campo, pero ayudando su padre y tal, no, no pueden ser titulares.

Um ponto mencionado em diferentes entrevistas diz respeito a fundos de investimento que trabalham de forma especulativa com o mercado de terras. Esses fundos, além de investirem na produção agropecuária, compram uma quantidade grande de terras, o que prejudica jovens que buscam estabelecimentos para sua incorporação ao setor. As terras adquiridas geralmente são aquelas mais bem situadas, mais produtivas, contando com direitos a subvenções da PAC e direitos de irrigação. Sobre isso, a representante da Confederación de Asociaciones de Mujeres del Mundo Rural (CERES), organização vinculada à COAG e responsável pela pauta feminina no âmbito dessa entidade sindical, situou a questão nos seguintes termos:

Y luego otra cosa añadida son los fondos de inversión que están viniendo. Están llegando fondos de inversión, grandes empresas de Holanda, de Alemania, no, de fuera, que llegan… Aquí, alrededor mío, me pueden llegar a mí igual que llegan a mi vecino, y dicen “alquílenme sus tierras”. Alquila la tierra, tú te quedas trabajando como un jornalero, yo me quedaría como una jornalera, pero yo ya no soy dueña de mi tierra. Ellos siembran, hacen y yo soy una trabajadora más.Se están quedando con las tierras. Porque la alimentación es un negocio. (destaques nossos)

Outra representante da COAG destacou que esses fundos de investimento buscam aquelas terras que possuem maior valor agregado, com direitos de irrigação e uso de água, o que permitem, por exemplo, a exploração superintensiva de olivares, gerando um intenso movimento especulativo em grande parte do território espanhol.

Além dos problemas associados à dificuldade de acesso à terra e aos altos investimentos iniciais necessários, também é importante registrar outra questão levantada pelo representante da UPA Joven (responsável pela organização de jovens em torno da UPA): as dificuldades de acesso ao crédito para financiar os projetos de instalação, sendo que há casos de jovens que tiveram que desistir da atividade agropecuária pelas dificuldades de encontrar fontes viáveis de financiamento. Esse interlocutor informou que:

[…] la falta de financiación es otro de los puntales de la problemática a la hora de incorporarse, porque cualquier negocio, lógicamente necesita dinero. Y el caso de la agricultura, mucho. Es verdad también que un hijo de agricultor, un joven o una joven, que la familia ha tenido vinculación con la agricultura previa, lo tiene mucho más fácil que otro que no tiene nada que ver con la agricultura. ¿Por qué? Porque ya tiene las estructuras, en muchos casos ya tiene tierras, tiene maquinarias, bienes, experiencia, lo han vivido más de cerca. Sin embargo, un joven que se ha dedicado a cualquier otra cosa y se quisiera incorporar a la agricultura, lo tiene mucho más complicado, porque la inversión que tiene que hacer en maquinaria, en infraestructuras, en buscar tierras, es muchísimo mayor. Ese es un problema añadido. Acceder a crédito por un joven es difícil, porque si tú no has trabajado en nada, tampoco tienes pocos ahorros, no tienes patrimonio, no tiene quien avaluar, es complicado que un banco te ofrezca o puedas acceder a un préstamo o a un crédito por las líneas convencionales. Entonces, yo creo que ahí la administración tendría que adentrar un poquito (destaques nossos).

Além de facilitar o acesso ao crédito para os jovens, outras possibilidades e alternativas foram levantadas durante as entrevistas, as quais dizem respeito, basicamente, à necessidade de incentivos públicos em diferentes níveis administrativos: comarcal, autonômico e nacional. Exemplo disso é o que foi apontado em uma das entrevistas: a redução do ônus da tributação relativa à transferência de terras como alternativa para facilitar a sucessão geracional e incorporação de jovens na agricultura. O entrevistado, representante da UPA, afirmou que a entidade considera que é necessária uma flexibilidade fiscal (incentivos ou isenções de impostos) para facilitar a transmissão de terras para gerações mais novas. Há que sopesar ainda os fatores de ordem jurídica, especialmente as interfaces relativas ao direito sucessório e da divisão de terras entre herdeiros. De maneira geral, as leis espanholas favorecem a divisão da propriedade entre todos os herdeiros no caso de falecimento de seus proprietários titulares. Nessa área do direito sucessório, em se tratando de propriedades rurais da agricultura familiar, há espaço para ações no sentido de facilitar que a titularidade de uma exploração agropecuária, quando do óbito do cabeça do negócio familiar, possa ser feita com prioridade àquele membro da família que queira se instalar como agricultor.

Sem embargo, com base nos argumentos dos interlocutores, percebe-se que essa temática possui diferentes nuances que, direta ou indiretamente, inflacionam o preço e dificultam o acesso a terras por parte daqueles que buscam se instalar profissionalmente na agricultura. Um primeiro aspecto é o arraigo cultural que a terra representa para agricultores familiares. Com isso, é difícil que as famílias agricultoras disponibilizem suas terras para venda ou arrendamento, diminuindo a oferta e inflacionando o seu preço. O segundo aspecto está relacionado ao baixo valor das pensões de aposentadoria, o que faz com que muitos agricultores, mesmo após aposentados, sigam exercendo tal ofício e cobrando as ajudas financeiras da PAC como forma de complemento de renda.

A última nuance diz respeito à especulação de fundos de investimento no mercado de terras e na atividade agropecuária espanhola como um todo. Esse fato, além de interferir diretamente na oferta de solo agrícola e nos preços para aquisição ou arrendamento, pode influenciar na organização socioprodutiva e no futuro do setor agropecuário em certas regiões, especialmente naquelas onde existem terras férteis, passíveis de irrigação, mecanização e exploração superintensiva. Esse apanágio indica a necessidade de novos estudos sobre a evolução do preço deste fator de produção, mas também de atenção por parte do poder público.

É importante sublinhar o estudo anteriormente referido realizado pelo MAPA/Espanha, que aponta para a dificuldade de acesso à terra por parte de jovens agricultores. Nesse contexto figuram variáveis de diferentes ordens (econômicas, sociais, culturais, etc.), dentro de um dado contexto de ordenação territorial, desenvolvimento rural, de relações urbanas e rurais, e de cooperação privada e pública (España, 2021España. Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación – MAPA . (2021). Estudio sobre el acceso a la tierra. Recuperado em 1 de fevereiro de 2022, de www.mapa.gob.es/es/desarrollo-rural/temas/jovenes-rurales/grupo-acceso-tierra). Essas reflexões, em maior ou menor medida, vão ao encontro dos aspectos discutidos neste artigo.

Encerrada esta seção, a seguir será analisada a questão da rentabilidade das explorações agrárias e da atividade agropecuária em si.

4.2. Rentabilidade das unidades produtivas

No cenário espanhol, é iniludível a escassa rentabilidade de muitas explorações agropecuárias, como reflexo, em geral, dos baixos preços pagos para uma grande parte dos produtos agrícolas. Esse aspecto foi fortemente expresso nas grandes manifestações realizadas no início de 2020 e retomadas no final de 2021, com o lema “Por unos precios justos”. Nesse sentido, esta seção é dedicada a discutir a categoria de análise “Rentabilidade das unidades produtivas”, a partir da apreciação dos discursos dos entrevistados.

O representante da federação Juventudes Agrarias, ligada à COAG, utilizou os seguintes termos para relacionar o tema da sucessão geracional com a problemática dos baixos preços pagos para uma grande parte dos produtos agropecuários:

El tema del relevo generacional muchas veces es complicado porque ni el agricultor que se jubila quiere soltar la tierra, ni hay gente detrás que quiere dedicarse al sector agrario, por la problemática de los precios, porque el campo no lo hace atractivo, porque hay campaña que se lo van a perder y campaña que se lo van a ganar. Y nadie trabaja para perder dinero. El campo, sobre todo europeo, la problemática que tiene son los costes que tiene.

As incertezas dos mercados e a falta de autonomia das famílias produtoras para definirem preços em boa parte de seus produtos também foram aspectos atribuídos por outro representante da COAG, que alude, em sua fala, o baixo interesse de jovens pela atividade agropecuária. Além disso, também foi citado que, ao mesmo tempo em que os preços dos produtos agropecuários estão em uma tendência de queda, os custos de produção têm se elevado, afetando negativamente a rentabilidade das unidades produtivas. Segundo ele,

[…] es que el balance de lo que exportamos y de lo que importamos, somos deficitarios. O sea, nos meten mucho más productos de lo que podemos vender fuera. […] los precios de los productos están cada vez más bajos, por otro lado los costes de producción se disparan porque la semilla, los fertilizantes y el agua, la energía, la mano de obra, todo eso se ha disparado los costes de una forma bastante alta.

A respeito dos diferentes ramos do setor agropecuário, um dos representantes da UPA mencionou que naqueles mais pujantes, rentáveis, tecnificados e que contam com recursos como irrigação e cultivo protegido, é comum que o interesse de jovens pela atividade seja maior. Entretanto, o próprio Ministro de Agricultura, Pesca e Alimentação reconheceu na entrevista durante a pesquisa de campo que as debilidades apontadas sobre a baixa rentabilidade da maioria das explorações agropecuárias precisam ser afrontadas. Nesse sentido, o governo espanhol pôs em marcha, após as manifestações de 2020, uma série de medidas destinadas a enfrentar esse cenário. De acordo com os termos utilizados pelo representante máximo do MAPA/Espanha,

Desde el primer momento en que se produjeron las movilizaciones del sector agrario, el Gobierno mostró su firme voluntad de trabajar para que los agricultores y ganaderos recibieran una remuneración justa y que su trabajo fuera reconocido socialmente. Para ello, en el ministerio convocamos una Mesa de Diálogo Agrario, que permitió intercambiar puntos de con las organizaciones profesionales agrarias, a la que presentamos un paquete de medidas para valorizar el trabajo del sector. Entre estas iniciativas, podemos destacar la modificación de la ley de la cadena alimentaria, para dotarla de mayor transparencia y remunerar de manera más justa al sector productor. En una primera fase, el Gobierno introdujo [...] la obligatoriedad de que el comprador pague por el producto al vendedor a un precio superior al de los costes de producción. Y en una segunda fase, el Consejo de Ministros aprobó a principios de noviembre el proyecto de reforma de la ley de la cadena alimentaria, para incorporar mecanismos de refuerzo y la trasposición al ordenamiento jurídico español de la directiva comunitaria sobre prácticas comerciales desleales.

Não obstante, no cenário continental, para o CEJA, a porcentagem de ganhos dos agricultores está, de fato, bastante baixa. Isso faz com que os jovens busquem melhores oportunidades profissionais fora do âmbito agropecuário. De acordo com a representante do aludido Comitê,

[…] lo que queremos es que el dinero que gana un agricultor sea justo, sea lo que el agricultor merece por todo el trabajo que pone y que no tengamos un porcentaje de ganancias tan bajo, como las de ahora. Entonces, que el sector sea competitivo con otros sectores, porque lo que vemos ahora es que la gente joven no quiere ser agricultor porque, entre todo también, el salario no es competitivo.

Além do exposto até aqui, o representante da UPA Joven relacionou a problemática da baixa rentabilidade das unidades produtivas com a falta de formação específica para a comercialização da produção. Conforme suas palavras,

Hemos hecho mucho esfuerzo, hemos dedicado muchas horas a formarnos desde un punto de vista agronómico, es decir, como producir más con menos, como gastar menos agua, como gastar menos fitosanitarios, como llevar nuestra explotación a un siguiente nivel de rendimiento. Pero sin embargo no hemos gastado ningún minuto, hablo en general y no hemos gastado ningún minuto en formarnos en cómo vender nuestro producto. No somos capaces de escalar en la cadena comercial. No somos capaces de comercializar nuestro producto. Es decir, somos vendedores pasivos. Viene un señor y me compra la cosecha. ¿A qué precio? A que vaya el mercado. El año que va bien, bien. El año que va mal, ruina.

Logo, uma das representantes da COAG, apesar de concordar que os preços pagos para os agricultores estão uma “vergonha”, mencionou que, em sua opinião, as próprias organizações profissionais agrárias precisam mudar o discurso negativo comumente associado à agricultura e ao meio rural e buscar uma melhor organização do setor para melhorar a comercialização e a distribuição da produção. Para ela, os agricultores precisam buscar mais autonomia e subir alguns elos na cadeia de comercialização. Segundo seus termos,

Antes de todo esto [pandemia de Covid-19] ha habido muchas movilizaciones en el campo por el tema de los precios, que son movilizaciones justas, porque es verdad que es una vergüenza el tema de los de los precios que se están pagando en origen, pero creo que también tenemos que dar un poco la vuelta a esos discursos negativos de siempre, no, de dar esa visión del agro como “yo estoy aquí trabajando dejándome la piel para…” Tenemos que volver a ser propietarios y propietarias de esos sistemas de distribución, es decir, si nos están machacando la distribución, organicémonos y seamos nosotras que lo hagamos (destaques nossos).

Nesse sentido, é preciso registrar que a rentabilidade da atividade agropecuária, para além da ação política, requer que o próprio setor agropecuário busque uma melhor organização para ser mais eficiente na sua relação com os demais elos da cadeia de abastecimento agroalimentar. E, para isso, é preciso contar com agricultores dinâmicos, com mentalidade empreendedora, favoráveis à inovação e propensos a projetos de cooperação que transcendam o âmbito estrito da individualidade das unidades produtivas. Para tanto, surge, mais uma vez, a importância da renovação geracional na atividade agropecuária.

Aproveitando o discurso de um dos entrevistados que buscou associar a problemática da baixa rentabilidade das unidades produtivas com a falta de formação específica para a agricultura, a próxima seção visa apresentar e discutir a categoria de análise “Formação socioprofissional”, um tema igualmente relevante dessa complexa realidade.

4.3. Formação socioprofissional

A agricultura atual exige conhecimentos técnicos e administrativos maiores e mais complexos que aqueles transmitidos entre gerações ao longo do tempo. Ainda que seja fundamental a transmissão de saberes populares e conhecimentos locais, é evidente que as formas atuais de gerir as explorações agropecuárias obrigam os agricultores a buscar conhecimentos sobre, por exemplo, o funcionamento dos mercados, as ferramentas digitais, temas fiscais e novas tecnologias disponíveis. À vista disso, esta seção está destinada a analisar o tema da formação e como tal assunto foi suscitado nas entrevistas.

A nível europeu, o próprio CEJA elencou a questão da formação entre os três principais desafios para a sucessão geracional na agricultura. Já na Espanha, para um dos representantes da COAG, a agricultura sempre foi malvista e o entendimento geral da sociedade era que para ser agricultor não havia necessidade de estudar. Mas na opinião desse representante, esse cenário está mudando, sobretudo, na ótica de quem vive na cidade:

La agricultura siempre fue muy mal vista, siempre se ha visto “si no estudias, al campo” […]. Es decir, los que están estudiando sería ilógico que estuvieran en la agricultura, pero tiene que ir cambiando. Yo siempre lo digo, yo estudié, tengo mi carrera y me dedico al campo, y yo aplico todo. Pero todavía anda ese fantasma, sobre todo hace unos años, era eso, “no estudias, vas al campo, a la explotación”. Y en términos eses, yo creo que va cambiando un poco la visión, pero creo que quien cambia de visión es más la gente de la ciudad, no sé si porque van a un grupo de consumo, o por las diferentes actividades del grupo de consumo… Más que la gente del campo, que muchas veces si escucha eso: “si no estudias, aquí te quedas”. Todavía aquí sigue siendo la visión del agricultor como una persona analfabeta, vamos, eso en los años 60, años 70, para que la gente si fuera a la ciudad y lo hicieron en España súper bien (destaques nossos).

Logo, um dos representantes da UPA mencionou que a formação profissional voltada para a agricultura no sistema formal de educação é importante, mas para ele, a prioridade deve estar na formação continuada, ao longo do tempo. Segundo esse interlocutor, pode-se aproveitar as tecnologias de ensino remoto para fomentar a continuidade na formação, principalmente no que afeta o tema da inovação agropecuária.

Para o representante da UPA Joven o apoio econômico para os jovens agricultores é necessário, assim como também é fundamental a formação no sentido de entender, em maior ou menor medida, o caráter profissional da agricultura. Para ele, a agricultura atual precisa de outros pontos de vista se comparada ao modelo que imperava décadas atrás. Conforme suas palavras,

Hay que apoyar los jóvenes económicamente, pero luego también hace falta formarlos. Formarlos mucho. Que sean capaces de entender que la agricultura es como una empresa, y que como tal, no puedo hacer las cosas igual a mi padre o mi abuelo. Tengo que mirarlo desde un punto de vista profesional.

Assim sendo, os representantes entrevistados de ambas as organizações sindicais (COAG e UPA) reforçaram em seus discursos a importância da formação para jovens agricultores. Para o representante da federação Juventudes Agrarias, da COAG, a organização entende que a formação profissional agropecuária é fundamental para o setor. Já para o representante da UPA Joven, o processo de instalação de jovens deve ter uma base mais sólida na formação e, após a incorporação em si, é essencial o acompanhamento dos projetos e planos socioprodutivos. Segundo ele,

Yo creo que el proceso de incorporación a la agricultura tendría que tener una base más sólida por parte de los jóvenes, y esa parte más sólida es formación, formación, formación. Formar, incorporar y luego seguimiento. Y acompañamiento durante los primeros años de esa incorporación, para ayudarle con los pequeños problemas que van surgiendo. Yo creo que eso sería muy importante.

Logo, o representante excelso do MAPA/Espanha afirmou que a pasta está trabalhando para impulsionar a formação de jovens agricultores, facilitando oportunidades de troca de experiências, inovação e digitalização de tarefas agrícolas. Conforme as palavras do Ministro, ações nesse sentido são parte do Plano Estratégico Nacional para a implementação da PAC no atual septênio:

El impulso del conocimiento y de la agricultura inteligente, así como los nuevos modelos de negocio y emprendimiento que estimulen el empleo de calidad, son elementos fundamentales para garantizar el futuro del medio rural. En el ministerio trabajamos para impulsar la formación de los jóvenes agricultores, facilitando el intercambio de experiencias y la digitalización de las tareas agrícolas. En este ámbito, el ministerio ha elaborado el “Estudio de necesidades formativas de la juventud rural”, que incluye actuaciones destinadas a incentivar la incorporación de jóvenes a la agricultura. Este documento se va a incorporar al Plan Estratégico para la aplicación de la Política Agraria Común en España, que actualmente estamos elaborando junto a las comunidades autónomas.

É preciso considerar que o cenário para os agricultores atuais e futuros é muito diferente do que dominava há poucas décadas atrás. Assim, os programas de formação socioprofissional agropecuária (formal e/ou continuada) necessitam ser distintos da educação tradicional, valorizando a agricultura e a pecuária, e agregando conhecimentos técnicos e atuais. Isso não significa dizer que os conhecimentos básicos não são importantes, todavia é necessário incorporar aos saberes populares novos conteúdos temáticos, novas habilidades e ferramentas tecnológicas para afrontar os grandes desafios da agricultura. Tudo isso exige uma grande reforma dos programas educativos, tanto ao nível da educação informal e continuada, quanto da educação formal voltada à formação profissional (níveis secundários e superior universitário). Nesse caso, é necessário que os institutos educacionais valorizem a agricultura, a pecuária e o setor agropecuário, com objetivo de despertar interesse por parte daqueles jovens em processo de formação socioprofissional ante os dilemas da sucessão geracional.

Ademais, a pesquisa de campo revelou a necessidade da formação continuada para aquelas pessoas que já não frequentam os bancos escolares, a qual pode ser ofertada pelas organizações profissionais agrárias (a exemplo da COAG e da UPA). É preciso tratar de temas necessários para a atividade agropecuária atual, contemplando a sucessão geracional.

Finalizando este tópico, é mister mencionar que a falta de serviços e de infraestruturas no meio rural pode dificultar não só o acesso à formação formal ou continuada, mas também a decisão de jovens, homens e mulheres, em permanecer no espaço rural e na atividade agropecuária. É o que será apreciado a seguir, na seção sobre a categoria de análise “Serviços e infraestrutura no meio rural”.

4.4. Serviços e infraestrutura no meio rural

As luzes das cidades seguem sendo um forte atrativo entre os jovens, não só em relação às oportunidades de lazer e recreação, como também pelos maiores e melhores serviços básicos disponíveis no espaço urbano. Isso explica, em parte, o crescente processo de concentração da população mundial nas urbes de todo o planeta. No caso espanhol, o processo de despovoamento rural (España vaciada) tem deixado fortes sinais na demografia do país. Nesse sentido, esta seção está destinada a apresentar e discutir as percepções dos entrevistados sobre a categoria de análise “Serviços e infraestrutura no meio rural”.

De pronto, é preciso registrar que a perspectiva de gênero está fortemente ligada a essa categoria de análise. Ou seja, se poucas mulheres buscam incorporar-se à agricultura e seguir no espaço rural, a falta de serviços e infraestrutura nesse meio parece ser umas de suas principais causas. Para a representante da FADEMUR, é exatamente essa a dificuldade para a instalação de jovens mulheres na agricultura. Em sua fala, destacou a falta de colégios e creches e de centros de cuidado a idosos nos municípios rurais, o que coloca um desafio adicional para as mulheres que almejam seguir no espaço rural, tendo em vista que o cuidado dos filhos ou dos idosos da família geralmente é tarefa feminina. Para ela, as mulheres rurais necessitam estar vinculadas ao território através dessa rede de serviços. A representante da CERES concordou com os argumentos acima, afirmando que a falta de serviços sociais no espaço rural é o principal fator que faz com que as mulheres busquem oportunidades nas cidades. Segundo ela, sem serviços disponíveis nos municípios rurais, dificilmente as mulheres decidem permanecer e/ou viver da agricultura. Ao fim e ao cabo, dificilmente o problema de despovoamento rural na Espanha poderá ser afrontado de forma efetiva se essa temática não for alvo de ações.

Outra representante da COAG também mencionou as dificuldades e a falta de serviços disponíveis para mulheres agricultoras e que têm filhos pequenos. E para ela, é preciso investir em serviços e infraestrutura nos espaços rurais para facilitar a instalação de pessoas jovens no setor agropecuário, especialmente de mulheres:

Si tú quieres trabajar en el campo y tienes niños pequeños en edad no escolar, no hay guardería. Si yo por ejemplo tengo que trabajar, tengo que echar mi jornada de trabajo, tengo que estar pendiente de mi explotación y yo no tengo ahora un recurso que puede hacer una guardería, lo tienes complicado, ¿no? Por eso yo creo que también los jóvenes, lo que buscan es eso... Hay pueblo que, bueno, que están que están luchando por eso, por tener su recurso, por tener su guardería, para que la gente joven no se marche. También que hay apostar, hay que ponerle también las cosas fáciles a los que se van a incorporar, a los que deciden quedarse trabajando en la tierra.

Para além da perspectiva de gênero, a falta de serviços e infraestrutura no meio rural é considerada de maneira geral como um obstáculo que dificulta a sucessão geracional e a instalação de jovens na agricultura. Um dos representantes da UPA alegou, durante a entrevista, que, para além da rentabilidade que uma exploração agrária possa ter, as condições do entorno rural influenciam na decisão dos jovens em exercer o métier de agricultor e formar família no meio rural. O informante mencionou ainda que a UPA entende que as ajudas financeiras da PAC para a incorporação de jovens são importantes, contudo existem outras questões que limitam a sucessão geracional além dos fatores econômicos, a exemplo da falta de serviços e infraestrutura no meio rural. Aliada à falta de colégios e de serviços de saúde, se soma a baixa qualidade do sinal de internet que chega a muitos territórios rurais, restringindo a implantação de determinadas tecnologias ligadas, sobretudo, à digitalização da agricultura.

Sobre isso, a representante da CERES acrescenta: “a todos los lugares no llega la internet. Hay lugares que es imposible, estamos hablando del medio rural”. Tal fato faz com que haja obstáculos não só para a aplicação de novas tecnologias à atividade agropecuária, mas também no que diz respeito ao acesso à informação, à formação (formal ou continuada) ou até mesmo a atividades de ócio e/ou recreação. A própria representante do CEJA mencionou que o desejo da instituição é ver as zonas rurais de toda Europa com oportunidades, com jovens e com infraestrutura, a exemplo do acesso à internet: “Lo que queremos ver son zonas rurales con oportunidades, también con gente joven, zonas rurales que tengan la infraestructura como el wifi, banda ancha, que se requiere para vivir bien hoy en día, por toda Europa”.

Para finalizar esta seção, cabe sublinhar que as entrevistas revelaram a existência de carências no meio rural espanhol, o que tem deixado marcas na demografia do país, refletindo, em maior ou menor medida, no processo de despovoamento rural referido como España vaciada. Portanto, é necessário registrar que a população rural feminina é a mais afetada por esse problema, a exemplo da escassez de colégios, creches ou serviços de atendimento de idosos. Já em relação à infraestrutura, a dificuldade de acesso à internet em muitas zonas rurais esteve entre os pontos mais comentados pelos interlocutores. Assim, as condições do entorno rural também influenciam na permanência e/ou incorporação de jovens na agricultura, na medida em que as cidades seguem atraindo-os. Isso não só pelas opções de lazer e recreação, bem como pela oferta de serviços, bens e oportunidades, que, indubitavelmente, são muito superiores.

É preciso adicionar à discussão ainda, além da usual carência de serviços ou menor qualidade na infraestrutura do meio rural, o tema de políticas agrárias direcionadas à sucessão geracional e instalação de jovens na agricultura. Isso se dá especialmente no contexto europeu, onde existem subvenções econômicas da PAC para tal. Assim, a seção a seguir está direcionada a apresentar e debater os achados de campo atinentes à categoria de análise “Políticas públicas para a juventude rural” no âmbito espanhol.

4.5. A Política Agrária Comum (PAC) e suas medidas para a sucessão geracional e instalação de jovens no setor agrário

Em termos de políticas públicas voltadas à sucessão geracional e instalação de jovens na agricultura, é interessante notar que, de maneira geral, a política agrária europeia sempre abordou a temática a partir de um enfoque de incentivos econômicos com base na implementação de programas de ajuda financeira. Exemplo marcante disso são as ajudas da PAC voltadas a este fim e levadas a cabo desde 1985. Essas medidas estão estritamente centradas em estímulos econômicos, mostrando-se pouco eficazes frente ao problema da renovação geracional na titularidade das explorações agropecuárias. Estudos como o de Piras (2019)Piras, F. (2019). La PAC y la instalación de jóvenes agricultores: algunas reflexiones desde Italia. In Agricultura Familiar em España (pp. 88-94). Fundación de Estudios Rurales. reforçam esse aspecto, assim como depoimentos colhidos na pesquisa de campo que embasa este artigo.

Um dos representantes da COAG explicou que a PAC incentiva a instalação de jovens na agricultura por meio de ajudas econômicas ligadas à linha de desenvolvimento rural, o chamado “segundo pilar” da Política. Para ele, de maneira geral, são os filhos ou filhas de agricultores que acessam esses subsídios em meio à sucessão de seus pais na exploração familiar.

Outro representante da COAG complementou essa informação, mencionando que esses incentivos são financiados, em grande parte, via orçamento da União Europeia e implementados através dos Planos de Desenvolvimento Rural (PDR). No caso espanhol, existe um PDR para cada Comunidade Autônoma, o qual estabelece as linhas regionais de execução da PAC. Esse mesmo interlocutor mencionou ainda que esses recursos podem chegar a 70 mil euros para cada jovem que os solicite.

Outro informante, representante da UPA, explicou ainda que – além dos incentivos financeiros do segundo pilar da PAC – o Governo Espanhol também destinou 2% dos recursos do primeiro pilar (ajudas financeiras destinadas diretamente ao complemento de renda dos agricultores) da referida Política para jovens que se instalaram pela primeira vez na atividade agropecuária. Nesse caso, se trata de pagamentos diretos da PAC que foram priorizados para jovens agricultores. Segundo este entrevistado,

Luego, 2% del primer pilar de la PAC, do que es el pago básico que son las ayudas para la renta… La última reforma que se hizo, se está aplicando ya, desde 2014 hasta 2020, se destinó un 2% del fondo, del fondo que a España ha llegado. Eran unos 100 millones de Euros que se destinaron a jóvenes que se instalan por primera vez en la actividad agraria. Eso se aplica al pago básico, a los derechos que tu tenga en función de las hectáreas admisibles, que tengan digamos, sean elegibles para obtener las subvenciones de la PAC.

Entretanto, o representante da UPA Joven mencionou que grandes proprietários de terras podem receber até 1 milhão de euros, dependendo da área de suas propriedades, através dessas ajudas diretas da PAC. Na opinião desse entrevistado, quem possui uma área agrária tão grande, que pode chegar a essa cifra em ingressos econômicos da PAC, realmente não necessita desses auxílios diretos para complemento de renda. Para ele, é necessário ter um limite superior, para que esses grandes valores possam ser redirecionados a agricultores familiares, sobretudo jovens, que realmente necessitam dessas ajudas. Há, portanto, uma injustiça flagrante cometida na concessão dessas ajudas.

A própria representante do CEJA manifestou a mesma preocupação, indicando que, no contexto europeu, existe uma espécie de mercado de terras associadas a direitos da PAC. Além disso, para ela, é imprecisa a definição de quem é agricultor que, de fato, teria (ou não) direito a se beneficiar destes pagamentos diretos da PAC. De acordo com seus próprios termos:

Relativo a la PAC y al acceso a la tierra, algo muy importante. En el primer pilar de la PAC tiene pagamientos directos a los agricultores. Y eso es por hectárea. Lo que pasa es quela definición de quién es agricultor y quien no es agricultor no es muy buena. Entonces, por ejemplo, el ministro de República Checa, él recibe estos pagamientos, que deberían ir a agricultores. Pero, porque él es dueño de tierra, recibe pagamientos por la tierra que tiene.Mucha gente hace eso: compran tierra porque ellos saben que van a recibir dinero de Europa. Entonces esto es un problema, porque significa que los fondos se van, en vez de a la gente que necesitan de los fondos, se van a gente que no necesita, porque ya tienen un montón de dinero. Entonces CEJA, lo que quiere, es definir mejor quién debería recibir, quién es el agricultor que merece recibir estos fondos. Esa es una de las razones de las cuales también el precio de la tierra es muy alto, por la PAC (destaques nossos).

Para o representante da UPA Joven, os objetivos da PAC teriam que priorizar em maior medida os fatores sociais, buscando evitar o despovoamento rural e fortalecer a sucessão geracional na agricultura. Esse entrevistado argumentou que o dinheiro recebido por grandes proprietários poderia ser direcionado para agricultores familiares, buscando manter o espaço rural povoado e ativo.

Trazendo um recorte de gênero para a discussão desse tema, é importante registrar que a PAC, pelo menos ao nível de discurso, prioriza a incorporação na agricultura de jovens mulheres. Essa prioridade se dá através de uma pontuação extra que elas recebem em comparação a jovens do sexo masculino no momento de solicitarem as ajudas para primeira incorporação na agricultura. Um dos representantes da COAG mencionou que: “Hay una discriminación positiva en la normativa para las mujeres, y en la concurrencia competitiva de las ayudas, tienen más puntuación. No en la intensidad de la ayuda, no más dinero, pero sí en la puntuación para que accedan a eso”.

Outro interlocutor, também representante da COAG, detalhou que

Hay un incentivo a las mujeres, a la cuestión de incentivar todo el tema de la incorporación de mujeres, y estas ayudas están sometidas a una concurrencia competitiva. Entonces, muchas mujeres, sobre todo de familias de agricultores, que tienen varios hermanos o hermanas, muchas veces son ellas que acceden, justamente por esa condición de tener más ventaja para acceder. Porque si hay 25 millones de euros en una convocatoria y se hace un criterio de selección, son 800 solicitantes y de estos, 200 no tienen puntos.

Entretanto, apesar dos inegáveis pontos positivos da PAC, é importante registrar que em vários depoimentos foram mencionadas limitações na concepção e na implementação dessa Política ou aspectos que precisam ser corrigidos. Um desses temas, como já abordado na seção sobre a categoria de análise “Acesso à terra e investimentos iniciais”, é a questão de agricultores já aposentados que seguem recebendo subvenções da PAC. Entretanto esse não foi o único gargalo da PAC apontado pelos interlocutores, outro tema destacado foi a questão das manobras adotadas nos processos de incorporação de jovens à agricultura. O representante da federação Juventudes Agrarias mencionou que existem casos de alguns jovens, de ambos os sexos, que buscam ajudas da PAC para primeira instalação como agricultores, mas essa sucessão (relevo generacional) não é real ou efetiva. Esse entrevistado utilizou os seguintes termos para descrever essa dinâmica:

Existen mujeres que se incorporan porque quieren seguir con la actividad agraria, y mujeres que se incorporan que por ser mujer y tiene más puntos, tienen más posibilidad de acceder a la ayuda. Y muchas veces son relevos ficticios, no son relevos reales. Es una pena que pase eso. Bueno, igual que pasa con las mujeres pasa con los hombres. Existen incorporación de jóvenes que realmente no son reales, que su padre le incorpora a la actividad agraria durante cinco años, y a lo mejor durante eses cinco años se dedica a prepararse una oposición para la administración. […] Yo conozco casos de fincas de explotaciones donde se han incorporado tres jóvenes. Y no que al primero le haya ido mal y venga el segundo y ha ido mal, porque al final son relevos que no son reales

Outro ponto abordado pelos entrevistados nessa categoria de análise diz respeito ao novo período da PAC (2021-2027). O representante da UPA mencionou que há uma tendência de que esta política siga baseada nas mesmas linhas, apesar de sinalizar uma certa autonomia para os países decidirem acerca de algumas prioridades através dos respectivos Planos Estratégicos Nacionais. Esse entrevistado explicou que

Bueno, por lo que sabemos hasta ahora más o menos se basa en la misma línea que teníamos anteriormente, el tema de incorporación de jóvenes va seguir dentro del segundo pilar de la Política de Desarrollo Rural, como una medida de incorporación, que se incrementará la ayuda a principio, aunque tenga que decidir cada país, y a voluntad un poco de cada país, como lo quiere desarrollar en su Política de Desarrollo Rural. […] En cuanto al primer pilar, se va seguir manteniendo un porcentaje de ayuda directamente, eso sería a nivel de España, nivel nacional, un porcentaje del pago compensatorio del primer pilar para los jóvenes que se incorporan.

Em relação à sucessão geracional e incorporação de jovens na agricultura, no atual septênio da PAC (2021-2027), o programa foi reforçado, mantendo-se uma ajuda específica para a instalação de jovens de até 100.000 euros (anteriormente o máximo era de 70.000 euros) para financiar projetos de incorporação. Ademais, foi criado um suplemento (a ser fixado por cada país nos seus Planos Estratégicos Nacionais) para a ajuda direta a jovens que sejam titulares de explorações agropecuárias com direitos a subvenções da PAC.

Nesse sentido, o Ministro de Agricultura, Pesca e Alimentação da Espanha explicou na entrevista durante a pesquisa de campo que, nas negociações da reforma da PAC para o próximo período, a Espanha conseguiu incrementar o orçamento recebido da União Europeia em relação ao septênio anterior. Além disso, reiterou que o governo mantém sua aposta firme para fortalecer o meio rural e facilitar a sucessão geracional e instalação de jovens na agricultura através dos recursos da PAC. De acordo com suas palavras,

En las negociaciones de la reforma de la Política Agraria Común (PAC) para el periodo 2021-2027, España ha conseguido un histórico acuerdo, muy beneficioso para nuestro sector agroalimentario. Desde el punto de vista económico, los agricultores y ganaderos españoles van a disponer de 47.724 millones de euros, cifra sensiblemente superior a la del periodo anterior, que les va a permitir mantener la rentabilidad de sus explotaciones y afrontar con recursos los retos de la próxima década, fundamentalmente los relacionados con los nuevos objetivos medioambientales del Pacto Verde europeo. Además de garantizar la rentabilidad y sostenibilidad de las explotaciones, la nueva PAC incluye medidas para fijar población y atraer talento al medio rural, básicamente para impulsar la modernización y la transformación digital. A nivel nacional, el Gobierno mantiene una apuesta firme por impulsar un medio rural vivo y competitivo, que facilite el necesario relevo generacional. En los presupuestos Generales del Estado para 2021 se ha incorporado una nueva línea de ayuda, dotada con un millón de euros, para desarrollar el programa de acciones formativas para jóvenes agricultores en explotaciones modelo.

É possível inferir que a visão das autoridades se mostra cingida a um tratamento setorial para uma questão – a sucessão geracional e instalação de jovens na agricultura – que transcende a dimensão agrária. Fatores de ordem cultural, jurídica e social exercem forte influência e requerem uma ação articulada e transversal por parte dos atores envolvidos.

É importante notar que até agora, esse assunto foi abordado a partir de um enfoque de incentivos econômicos, baseado na implementação de programas de ajuda financeira à instalação de jovens agricultores. Boa prova disso são as ajudas estabelecidas na PAC há várias décadas, as quais foram reforçadas no atual septênio. Nesse novo período, haverá um suplemento da ajuda direta à renda baseado no primeiro pilar da PAC para o caso em que seja um jovem o titular da exploração agrária beneficiária, além de uma ajuda específica lastreada no segundo pilar da Política para projetos de instalação de jovens na agricultura.

Dada a importância da PAC no continente europeu e na Espanha, o próximo período de programação da política (2021-2027) será uma boa oportunidade para abordar este problema com sentido de Estado, aproveitando os recursos oferecidos pela União Europeia e definindo grandes linhas estratégicas com caráter integral. O estudo sobre o acesso à terra (España, 2021España. Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación – MAPA . (2021). Estudio sobre el acceso a la tierra. Recuperado em 1 de fevereiro de 2022, de www.mapa.gob.es/es/desarrollo-rural/temas/jovenes-rurales/grupo-acceso-tierra) pode servir de base para uma mudança conceitual que se torna crucial para enfrentar os desafios aludidos anteriormente.

Mas a inclusão do tema da sucessão geracional na elaboração do Plano Estratégico Nacional não deve ser um fim em si mesmo, mas a base para desenhar um programa nacional que mobilize o conjunto da sociedade e que permita renovar a agricultura espanhola. É necessário que o assunto seja tratado de um modo integral e pragmático, de forma a ultrapassar os limites da visão centrada unicamente na esfera econômica e setorial da questão.

5 Considerações finais

O estudo sobre a realidade espanhola mostrou que a proporção de titulares das explorações agropecuárias com idade superior a 55 anos é alta. Por mais otimista que sejam as previsões censitárias, grande parte destas pessoas não seguirá à testa de seus estabelecimentos na presente década. Isso não quer dizer que necessariamente deixarão as próprias explorações e os espaços rurais. Entretanto o que parece indiscutível é que a Espanha contará com uma população agrária cada vez mais envelhecida.

Parece correto supor a existência de atores e instituições dispostos a qualificar os processos produtivos, aperfeiçoarem a gestão de explorações agropecuárias, a operarem a necessária transição para uma agricultura mais sustentável, incorporarem os serviços ambientais e a desfrutarem das oportunidades que brindam as políticas públicas nesse âmbito. Todavia, refletir sobre os desafios e impasses acerca da sucessão geracional segue sendo uma necessidade peremptória, seja para os poderes públicos, seja para as organizações socioprofissionais.

Os representantes de todas as organizações entrevistadas manifestaram preocupação com a escassez de jovens agricultores e com o futuro da agricultura, sobretudo, de tipo familiar. A realidade sobre a qual nos debruçamos foi dissecada a partir de grandes categorias de análise (acesso à terra e investimentos iniciais; formação socioprofissional; rentabilidade das unidades produtivas; serviços e infraestrutura no meio rural; e, políticas públicas para a juventude rural), as quais dialogam entre si, a partir de amplas zonas de intersecção.

A categoria de análise relativa ao acesso à terra e os altos investimentos iniciais reflete o peso de fatores de ordem econômica. É uma condição necessária, mas não suficiente para compreender a realidade. Aspectos de natureza econômica dizem respeito à imobilidade do mercado de terras, à baixa disponibilidade de solo agrícola para aquisição ou arrendamento e aos efeitos do processo de especulação imobiliária que vem ocorrendo no espaço rural espanhol. Já os fatores de natureza cultural estão relacionados ao arraigo cultural que a terra representa para os agricultores e agricultoras, em especial, familiares, sendo difícil que disponibilizem suas terras para venda ou arrendamento, diminuindo a oferta de terra e tornando-as mais caras.

Há que considerar ainda aqueles fatores de natureza jurídica, na perspectiva do direito sucessório da propriedade rural. De maneira geral, as leis espanholas (nacionais e autonômicas) favorecem a divisão da propriedade, entre os respectivos herdeiros, no caso de falecimento dos titulares. Assim, nessa área do direito sucessório, em se tratando principalmente da agricultura familiar, parece necessário desenvolver mecanismos para facilitar que a sucessão na titularidade de uma exploração agrária possa priorizar aquele membro da família que queira se instalar como agricultor ou agricultora. A questão remete ao esforço de evitar o excessivo fracionamento.

Sobre a formação socioprofissional, a pesquisa de campo indicou parecer necessária uma reforma dos programas educativos para uma maior valorização da agricultura, da pecuária e do setor agrário como um todo. Além disso, as entrevistas convergiram para a necessidade de apoiar uma formação continuada para aquelas pessoas que já passaram pelo processo educativo formal, as quais poderiam se beneficiar do acesso a informações e questões da atualidade.

No que diz respeito aos serviços e infraestrutura, há uma carência sensível no espaço rural espanhol. Não por obra do acaso o fenômeno de despovoamento rural, conhecido como “España vacía” ou “España vaciada” tem sido descrito em diversos livros e filmes realizados neste país. Obviamente, não é apenas a juventude rural que tem ido em direção às cidades. Nesse contexto, a precariedade dos serviços em certas zonas de Espanha é flagrante.

Concernente à política agrária (PAC) a grande lacuna é a insistência no enfoque centrado nos incentivos econômicos e na lógica de acoplar as ajudas no tamanho das áreas. Um dos efeitos é justamente o de promover uma dinâmica especulativa que se descola da realidade da produção agropecuária, onde reina a estagnação dos preços dos produtos e o incremento dos custos de produção.

Há várias décadas operam programas, no âmbito da PAC, voltados à instalação de jovens agricultores. No entanto, tais medidas, baseadas em incentivos econômicos, não resultaram em alcances efetivos no sentido de atenuar o drama da renovação geracional e o crescente grau de envelhecimento da população rural. Como visto anteriormente, tal fato sobressaiu em grande parte dos depoimentos dos entrevistados e entrevistadas durante a pesquisa de campo que ensejou este artigo.

A sucessão geracional, a instalação de jovens na agricultura e a renovação da população agrária e rural espanhola conformam um mosaico de grande complexidade, o qual deve ser afrontado de forma global através de políticas articuladas entre distintas esferas da ação pública (agricultura, educação, economia, tributação, ordenamento territorial, etc.). O fato é que a sucessão geracional é um assunto que percorre toda a sua geografia rural. Destarte, urge que seja assumido a escala nacional, o que não impede que medidas de enfrentamento sejam tomadas em colaboração com os governos das autonomias que integram o território espanhol.

Agradecimentos

Este trabalho não poderia ter sido realizado sem o apoio ao primeiro autor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico através da concessão de Bolsa de Doutorado (processo nº 140392/2018-1), bem como da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, via concessão de Bolsa de Doutorado Sanduíche (PRINT-CAPES PROGRAM, processo nº 88887.468275/2019-00), a qual viabilizou a pesquisa internacional (2020-2021) junto ao “Instituto de Estudios Sociales Avanzados” (Córdoba), ligado ao “Consejo Superior de Investigaciones Científicas” da Espanha, a quem agradece a acolhida.

  • Como citar: Pollnow, G. E., Caldas, N. V., & Anjos, F. S. (2023). Sucessão geracional e instalação de jovens na agricultura: a percepção de organizações sindicais da Espanha. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e263213. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.263213
  • JEL Classification: J24; R23; D13

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2022
  • Aceito
    08 Set 2022
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