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Efeito da expansão da safra de inverno de milho no Brasil sobre a sazonalidade dos preços spot

The effect of the expansion of the Brazilian winter corn crop on spot price seasonality

Resumo

O objetivo do presente trabalho é analisar o efeito da expansão da safra de inverno de milho no Brasil sobre a sazonalidade do preço spot dessa commodity em diferentes praças de comercialização no país. Para tal, verificou-se a existência de quebras estruturais nas séries de preços de diferentes regiões (Cascavel-PR, Chapecó-SC, Mogiana-SP, Rio Verde-GO e Triângulo Mineiro-MG) por meio do procedimento endógeno de Bai & Perron (2003). Para cada um dos períodos formados, parâmetros harmônicos foram obtidos com o método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). Os resultados obtidos permitem concluir que, devido ao crescimento da safra de inverno de milho no Brasil, a variação dos preços desse grão passou a depender em menor proporção do seu padrão sazonal, com exceção de Rio Verde-GO. Além disso, verificou-se uma mudança do comportamento sazonal das cotações nos anos de 2010, observando-se, em geral, preços menores durante a colheita dessa safra (maio a agosto) e maiores na entressafra (janeiro a março). Tais evidências têm o potencial de auxiliar as estratégias de comercialização e gerenciamento do risco de preços dos agentes do setor, bem como podem contribuir para formulação e execução de políticas atreladas à estabilidade da renda dos produtores.

Palavras-chave:
milho; safra de inverno; preço; sazonalidade

Abstract

The purpose of this work is to analyze the impact of the expansion of the Brazilian winter corn crop on spot price seasonality in different regions of the country. We used the Bai & Perron (2003) procedure to identify structural breaks endogenously, considering spot prices for different regions (Cascavel-PR, Chapecó-SC, Mogiana-SP, Rio Verde-GO, and Triângulo Mineiro-MG). Within each regime identified, harmonic parameters were obtained using the Ordinary Least Squares (MQO) method. Results showed that, with the growth of the winter corn crop in Brazil, the price fluctuation started to depend to a lesser extent on its seasonal pattern, except for Rio Verde-GO. In addition, we found evidence that price seasonality changed in 2010s, with lower prices during the harvest of the winter crop (May to August) and higher prices during the planted period (January to March). These findings should offer insights for marketing and risk management strategies and contribute to the design and execution of policies that aim to reduce the variations in the income of producers.

Keywords:
corn; winter corn crop; price; seasonality

1. INTRODUÇÃO

O Brasil produziu em torno de 911 milhões de toneladas de milho entre os anos safras 2010/11 e 2020/21, patamar superior em, aproximadamente, 153% ao verificado entre os anos safras 1990/91 e 2000/01 (Companhia Nacional de Abastecimento, 2022Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB. (2022). Série histórica das safras. Recuperado em 28 de julho de 2022, de https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-safras/itemlist/category/910-Milho
https://www.conab.gov.br/info-agro/safra...
). Em 2021, de acordo com os dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Brasil, 2022Brasil. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC. (2022). Exportação e importação municípios. Recuperado em 20 de janeiro de 2020, de http://comexstat.mdic.gov.br/pt/municipio/6778
http://comexstat.mdic.gov.br/pt/municipi...
), o valor das exportações desse grão chegou a US$ 4,2 bilhões1 1 Código SH4 nº 1005. . Segundo os dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (United States Department of Agriculture, 2022United States Department of Agriculture – USDA. (2022). Grain: world markets and trade. Recuperado em 28 de julho de 2022, de https://www.fas.usda.gov/data/grain-world-markets-and-trade
https://www.fas.usda.gov/data/grain-worl...
), o Brasil foi, entre 2017/18 e 2020/21, o terceiro maior produtor mundial do grão, atrás dos EUA e China, estando entre os quatro maiores exportadores com, aproximadamente, 18% do comércio internacional nesse período. Assim, além de posicionar a cadeia agroindustrial do milho como uma das mais importantes na agricultura brasileira, esse desempenho coloca o país entre os maiores players na produção e na exportação da commodity no mercado mundial. No entanto, essa significativa representatividade é um fenômeno recente no agronegócio brasileiro, uma vez que, durante o século XX, o país teve pouca participação na comercialização internacional desse produto e dependeu de importações para suprir suas necessidades internas (Pinazza, 2007Pinazza, L. A. (Ed.). (2007). Cadeia produtiva do milho (Vol. 1). Brasília: IICA/MAPA/SPA.; Sanches et al., 2019Sanches, A., Alves, L., & Barros, G. (2019). Oferta e demanda mensal de milho no Brasil: impactos da segunda safra. Revista de Política Agrícola, 27(4), 73-97.).

Diversos fatores foram importantes para o desenvolvimento dessa cadeia produtiva no Brasil. Desde a década de 1980, tal segmento tem passado por profundas transformações estruturais diretamente ligadas às características de seu sistema produtivo. Uma importante iniciativa que surgiu na região Sul do país foi o cultivo do milho no período de inverno, promovendo uma safra alternativa. Na ocasião, os agricultores tinham o intuito de ter mais uma opção de cultivo para o inverno – representando uma pequena parcela da produção nacional, fato que levou os agentes da cadeia a chamá-la de “safrinha”, denominada também de 2ª safra (ou safra de inverno) (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2015Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. (2015). Cultivo do milho. Brasília: Embrapa Milho e Sorgo. Recuperado em 10 de novembro de 2021, de https://www.spo.cnptia.embrapa.br/conteudo?p_p_id=conteudoportlet_WAR_sistemasdeproducaolf6_1ga1ceportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&p_r_p_-76293187_sistemaProducaoId=7905&p_r_p_-996514994_topicoId=8658
https://www.spo.cnptia.embrapa.br/conteu...
; Mattos & Silveira, 2018Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2018). The Expansion of the Brazilian Winter Corn Crop and Its Impact on Price Transmission. International Journal of Financial Studies, 6(45), 1-17.).

Com o passar dos anos, verificou-se um significativo crescimento dessa 2ª safra, especialmente no Centro-Oeste. A produção de milho nessa região passou de uma média anual de 3,2 milhões de toneladas na década de 1980 para 38,7 milhões na década de 2010, sendo cerca de 92% desse último número referente à 2ª safra. Mato Grosso possui destaque nesse contexto – com produção concentrada na 2ª safra, respondeu por 27% da produção nacional na década de 2010; como consequência, a participação da produção de milho do Centro-Oeste em relação ao total nacional elevou-se de 14% para 47% entre as décadas 1980 e 2010. Além disso, a partir de 2011, a safra de inverno passa a superar a safra de verão em volume, ano em que a colheita de inverno atingiu cerca de 39,11 milhões de toneladas (53,6% da produção nacional), mantendo-se nas safras seguintes acima dessa parcela – no ano safra 2020/21, atinge 60,7 milhões de toneladas, cerca de 70% da produção nacional no período.

Uma variável chave para entender o quadro apresentado tem base no desenvolvimento de cultivares de soja (principal cultura de verão) mais precoce, tornando possível o cultivo de milho no inverno. Além disso, outros fatores contribuíram para o dinamismo da 2ª safra de milho no Brasil, tais como a difusão de insumos produtivos mais eficientes, o que permitiu a elevação da produtividade e a intensificação do uso do solo (Alves et al., 2018Alves, L. R. A., Barros, G. S. de C., Sanches, A. L. R., Ribeiro, R. G., & Osaki, M. (2018). Estrutura de mercado e formação de preços na cadeia produtiva de milho. In L. R. A. Alves & C. J. C. Bacha (Eds.), Panorama da agricultura brasileira: estrutura de mercado, comercialização, formação de preços, custos de produção e sistemas produtivos (Vol. 1, pp. 133-173). São Paulo: Alínea.). Como resultado, verificam-se, no país, duas safras anuais de milho. A primeira, denominada de “primeira safra”, chamada também de “safra de verão”, é plantada geralmente entre setembro e dezembro e colhida entre janeiro e abril. A “segunda safra”, chamada inicialmente de “safrinha”, também conhecida como “safra de inverno”, é cultivada, geralmente, logo após a colheita da soja precoce (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2019Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. (2019). Soja: o produtor pergunta, a Embrapa responde. Brasília: Embrapa.)2 2 Conforme Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2019, p. 169), um dos métodos usados para manejo de pragas das raízes de soja é o uso de cultivares precoces. A partir de tal adoção, possibilita-se que “a fase inicial da cultura (fase mais sensível) ocorra antes das pragas se estabelecerem plenamente na área”. , plantada entre janeiro e março, e colhida entre maio e agosto.

Segundo Mattos & Silveira (2018), aMattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2018). The Expansion of the Brazilian Winter Corn Crop and Its Impact on Price Transmission. International Journal of Financial Studies, 6(45), 1-17. ascensão da 2ª safra promoveu três eventos dinâmicos no mercado do milho no Brasil. O primeiro foi a mudança na relação entre oferta e demanda internas ao longo do ano – antes, a safra costumava chegar ao mercado no primeiro semestre do ano; posteriormente, com o significativo crescimento da produção da 2ª safra, o milho cultivado no Brasil passou a também ser ofertado no segundo semestre. O segundo evento foi a crescente participação do Brasil nas exportações mundiais do grão, ao passo que o terceiro promoveu uma ampla demanda por ferramentas de comercialização e gerenciamento de risco no mercado brasileiro – a crescente produção e o maior número de produtores e de agentes no setor aumentaram a importância das operações que buscam minimizar o risco de preço no mercado. Tal fato elevou o volume de negociações na bolsa brasileira, B3 (Brasil, Bolsa, Balcão): passou de 364 mil contratos futuros de milho em 2010 para 3,4 milhões em 2021, o que representa um crescimento anual de 22% (Brasil, Bolsa e Balcão, 2022Brasil, Bolsa e Balcão – B3. (2022). Resumo das operações. Recuperado em 3 de agosto de 2022, de https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/consultas/mercado-de-derivativos/resumo-das-operacoes/estatisticas/
https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-...
). Logo, desde 2014, quando superou o volume de negócio no mercado de boi gordo, o contrato futuro de milho é o derivativo agropecuário mais negociado na B3 em seu segmento de derivativos de commodities.

Nesse contexto, o presente estudo tem o objetivo de avaliar o efeito da expansão da safra de inverno de milho no Brasil sobre a sazonalidade do preço spot dessa commodity em diferentes praças de comercialização no país. Assume-se que a sazonalidade dos preços do milho se modificou e diminuiu com o crescimento da 2ª safra uma vez que se passou a ter uma disponibilidade mais homogênea dessa commodity ao longo do ano.

Geralmente, os preços de commodities agrícolas atingem seu maior pico antes da colheita e declinam, sistematicamente, pouco antes de seu início. Assim, pelo efeito da escassez de quantidade, os preços de commodities agrícolas, especialmente no mercado interno, são maiores na entressafra doméstica, porque o ciclo de plantio e colheita impõe, de certo modo, um padrão típico anual nos preços, conhecido como padrão estacional ou sazonal (Marques & Mello, 1999Marques, P. V., & Mello, P. C. (1999). Mercados futuros de commodities agropecuárias: exemplos e aplicações aos mercados brasileiros. São Paulo: Bolsa de Mercadorias & Futuros.).

Dessa forma, entender o padrão sazonal dos preços do milho é indispensável para o planejamento econômico na produção, dado que subsidia as estratégias de comercialização e gestão de risco de preço dos agentes dessa cadeia. Nesse sentido, a partir de uma análise mensal e com uso do método de média móvel (Goetz & Weber, 1986Goetz, S. & Weber, M. T. (1986). Fundamentals of price analysis in developing countries' food systems: a training manual to accompany the microcomputer Software Program “MSTAT”. In Michigan State University (Ed.), MSU international development papers (Working Paper, No. 29). East Lansing: Dept. of Agricultural Economics, Michigan State University.), recentes estudos buscaram analisar o padrão sazonal no mercado brasileiro do milho (Mattos & Silveira, 2015Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2015). The effects of Brazilian second (winter) sorn crop on price seasonality, basis behavior and integration to international market. In Proceedings of the NCCC-134 Conference on Applied Commodity Price Analysis, Forecasting, and Market Risk Management (pp. 1-30). St. Louis, MO.; Souza et al., 2017Souza, C. C. D., Frainer, D. M., Reis Neto, J. F., Carvalho, L. M., Santos, H. W., & Lemes, L. H. B. (2017). Análise do padrão sazonal e da variação dos preços do milho aos produtores do Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Ciências Agrárias, 40(2), 460-470.; Melo, 2021Melo, C. O. D. (2021). Modificação no padrão de comportamento dos preços do milho no Paraná em 2001-2019. Revista de Política Agrícola, 30(1), 7-19.). Entretanto, esse método apresenta importantes deficiências: i) o método aplicado às 12 observações em cada ano reduz a amostra em seis meses iniciais e seis finais; ii) se a amostra for curta (cinco a 15 anos), esse procedimento pode superestimar a extensão da sazonalidade, principalmente quando não há um padrão sazonal bem definido ou há pouca sazonalidade. Uma forma de minimizar esses problemas é por meio de estimativas de parâmetros harmônicos; ao serem construídos a partir de um processo trigonométrico, esses modelos são, relativamente, mais parcimoniosos, reduzindo substancialmente o número de parâmetros a serem estimados e o viés ascendente gerado pelo modelo de médias móveis na magnitude da sazonalidade (Gilbert et al., 2017Gilbert, C. L., Christiaensen, L., & Kaminski, J. (2017). Food price seasonality in Africa: measurement and extent. Food Policy, 67, 119-132.; Christiaensen et al., 2017Christiaensen, L., Gilbert, C. L., & Kaminski, J. (2017). A refreshing perspective on seasonality. In L. Christiaensen & L. Demery (Eds.), Agriculture in Africa: telling myths from facts (pp. 143-154), Washington: World Bank.).

A partir de tais considerações, o presente trabalho traz contribuições às pesquisas associadas ao mercado de grãos, em especial àquelas que avaliam as dinâmicas dos preços agrícolas. Primeiro, por incluir um cenário recente (década de 2010) de significativo aumento da produção e exportação de milho no Brasil, o que tem impactado a formação de preço do grão no mercado internacional. Segundo, por aplicar um modelo harmônico, o que permite, inclusive, visualizar a base estacional dos preços do milho graficamente de forma mais clara. Terceiro, por trabalhar com dados com amostra de maior amplitude e com periodicidade semanal, investigando se houve alteração significativa do padrão sazonal com a elevação da 2ª safra.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Diversos métodos podem ser empregados para modelar os componentes sazonais de uma série temporal, desde o mais simples, como visualização gráfica e cálculos dos valores médios, passando pelos modelos de Regressão Linear Múltipla com variáveis independentes binárias, além de modelos de análise espectral e os modelos desenvolvidos por Box & Jenkins da classe SARIMA (Seasonal Autoregressive Integrated Moving Average) (Box et al., 2015Box, G. E., Jenkins, G. M., Reinsel, G. C., & Ljung, G. M. (2015). Time series analysis: forecasting and control. Hoboken: John Wiley & Sons.). As aplicações desses modelos estão associadas, a princípio, ao objetivo do pesquisador, que pode estar interessado em analisar os padrões sazonais ou identificar um modelo de previsão que incorpore a sazonalidade para alcançar ganhos de eficácia preditiva. Alternativamente, embora o intuito possa ser dessazonalizar a série para observar com maior precisão os seus movimentos não sazonais, o próprio padrão sazonal da série pode ser decisivo para determinar o método a ser aplicado (Lamounier, 2001Lamounier, W. M. (2001). Comportamento dos preços no mercado “spot” de café do Brasil: análise nos domínios do tempo e da freqüência (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.).

Nesse cenário, uma série de pesquisas buscou analisar a base estacional dos preços em mercados agropecuários, dentre os quais cinco estudos nacionais podem ser destacados. Como exemplo, com o objetivo de determinar os padrões cíclicos da quantidade e preços do feijão, milho e arroz no estado de São Paulo no período de 1949 a 1976 com dados mensais, Cavalcanti et al. (1980)Cavalcanti, J. E. A., Amin, M. M., & Rocha, D. S. (1980). Análise harmônica: uma aplicação para estudos de variações cíclicas de produtos agrícolas. Revista de Economia e Sociologia Rural, 18(4), 673-699., por meio de parâmetros harmônicos, obtiveram evidências de ciclos anuais bem definidos para o milho e arroz, ao passo que o mercado de feijão não apresentou ciclos anuais significativos. Os autores verificaram que os termos harmônicos explicaram 52% da variação dos preços do milho e 62% da variação da quantidade do milho.

Com foco no mercado do milho, Risseto (2001)Risseto, V. V. (2001). Fluxos de produção e consumo de milho no sul e sudeste do Brasil (Dissertação de mestrado). Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Piracicaba., ao aplicar o método de Média Móvel Geométrica nos preços mensais observados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais, observou que os preços desse grão no período de 1990 a 1998 atingiram os menores valores durante a safra de verão, nos meses de março e abril, enquanto os maiores preços foram observados nos meses de novembro e dezembro, evidenciando uma relação padrão entre quantidade e preço interno. Entretanto, Minas Gerais apresentou o movimento mais atípico – os preços mantiveram os menores valores durante seis meses (entre março e agosto), possivelmente, segundo a autora, por não haver escassez de milho ao longo do ano nesta região.

Em complemento, Mattos & Silveira (2015)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2015). The effects of Brazilian second (winter) sorn crop on price seasonality, basis behavior and integration to international market. In Proceedings of the NCCC-134 Conference on Applied Commodity Price Analysis, Forecasting, and Market Risk Management (pp. 1-30). St. Louis, MO., utilizando Média Móvel Geométrica e Regressão Linear Simples, mostraram que houve uma mudança no padrão sazonal do preço do milho no Brasil, comparando dois períodos distintos em Cascavel-PR, Chapecó-SC, Rio Verde-GO, Mogiana-SP e nas cotações da CME Group e BM&FBOVESPA entre 1995 e 2014. Segundo os autores, no período de 2005 a 2014, em função do crescimento da safra de inverno, os preços spots foram maiores no primeiro trimestre, enquanto em período anterior, entre 1995 e 2004, as cotações apresentaram-se abaixo da média anual nesse mesmo trimestre; além disso, a amplitude dos preços diminuiu no segundo período (2005-2014) frente ao primeiro período (1995-2004). Em trabalho posterior, Mattos & Silveira (2018)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2018). The Expansion of the Brazilian Winter Corn Crop and Its Impact on Price Transmission. International Journal of Financial Studies, 6(45), 1-17. focaram na análise da relação entre os preços nacionais e internacionais de milho. Por meio de modelos de cointegração, os autores observaram a existência de uma relação de longo-prazo entre os preços da bolsa de Chicago e preços spot nacionais nos períodos 2002-2010 e 2010-2017, inexistindo tal relação no período inicial (1995-2002). A partir de tais evidências, aponta-se que o aumento das exportações brasileiras de milho (proveniente da expansão da safra de inverno) tem levado a uma maior inserção do país no mercado internacional de grãos, o que, por sua vez, gera uma maior relação entre preços domésticos e internacionais.

Também utilizando Média Móvel Geométrica, além de Regressão Não Linear, Souza et al. (2017)Souza, C. C. D., Frainer, D. M., Reis Neto, J. F., Carvalho, L. M., Santos, H. W., & Lemes, L. H. B. (2017). Análise do padrão sazonal e da variação dos preços do milho aos produtores do Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Ciências Agrárias, 40(2), 460-470. analisaram a variação do nível de preços do milho no estado de São Paulo no período de 2004 a 2015 e verificaram que as cotações desse grão ficaram acima da média entre os meses de outubro a março e abaixo da média entre abril e setembro. Tal comportamento é similar ao obtido por Mattos & Silveira (2015)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2015). The effects of Brazilian second (winter) sorn crop on price seasonality, basis behavior and integration to international market. In Proceedings of the NCCC-134 Conference on Applied Commodity Price Analysis, Forecasting, and Market Risk Management (pp. 1-30). St. Louis, MO., indicando preços menores durante a safra de inverno, quando os estoques se mostram altos. Sanches et al. (2019)Sanches, A., Alves, L., & Barros, G. (2019). Oferta e demanda mensal de milho no Brasil: impactos da segunda safra. Revista de Política Agrícola, 27(4), 73-97. apontam para esse último fato ao analisarem o impacto da safra de inverno sobre o fluxo mensal de oferta e demanda de milho no Brasil; os autores mostram que os níveis de estoque apresentaram, na década de 2010, os maiores níveis no período julho-setembro, com diminuição no período janeiro-março, dada a expansão das exportações do grão no segundo semestre.

O trabalho de Melo (2021)Melo, C. O. D. (2021). Modificação no padrão de comportamento dos preços do milho no Paraná em 2001-2019. Revista de Política Agrícola, 30(1), 7-19., por sua vez, foca nos preços do milho ao produtor verificados no Paraná, comparando dois períodos, julho/2001-junho/2010 e julho/2010-junho/2019. Também usando o método de Média Geométrica Móvel, a autora constatou que o comportamento dos preços foi similar, apontando que os índices sazonais estiveram próximos à média nos dois períodos. Observou, ainda, que as “variações estacionais do preço do milho ao longo do ano não foram significativas para o padrão de comportamento dos preços observados nos dois períodos” (Melo, 2021, pMelo, C. O. D. (2021). Modificação no padrão de comportamento dos preços do milho no Paraná em 2001-2019. Revista de Política Agrícola, 30(1), 7-19.. 15-16). Os resultados da pesquisa também mostraram que os índices do segundo semestre passaram a se situar, com maior intensidade, abaixo de 100, devido ao crescimento da safra de inverno, fato também verificado por Mattos & Silveira (2015)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2015). The effects of Brazilian second (winter) sorn crop on price seasonality, basis behavior and integration to international market. In Proceedings of the NCCC-134 Conference on Applied Commodity Price Analysis, Forecasting, and Market Risk Management (pp. 1-30). St. Louis, MO. e Souza et al. (2017)Souza, C. C. D., Frainer, D. M., Reis Neto, J. F., Carvalho, L. M., Santos, H. W., & Lemes, L. H. B. (2017). Análise do padrão sazonal e da variação dos preços do milho aos produtores do Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Ciências Agrárias, 40(2), 460-470.. Ademais, as evidências obtidas também revelaram uma maior amplitude dos preços entre 2010 e 2019.

Ao analisar os estudos internacionais nessa temática, Sørensen (2002)Sørensen, C. (2002). Modeling seasonality in agricultural commodity futures. Journal of Futures Markets, 22(5), 393-426. estimou os padrões sazonais das cotações do milho, soja e trigo por meio de um modelo de formação de preços com parâmetros harmônicos com base em dados semanais da Bolsa de Chicago para o período de 1972 a 1997. De acordo com o autor, os preços do milho foram maiores nos meses de junho e julho, cerca de dois a três meses antes do início da colheita nos EUA. Como apresentado nos estudos citados, a análise dos fluxos de oferta e demanda (e, por consequência, dos níveis de estoque) é fator chave para entendimento da flutuação dos preços. A pesquisa de Kaminski et al. (2016)Kaminski, J., Christiaensen, L., & Gilbert, C. L. (2016). Seasonality in local food markets and consumption: evidence from Tanzania. Oxford Economic Papers, 68(3), 736-757., por sua vez, foca nos preços do milho e do arroz na Tanzânia, no período de 1995 a 2013; novamente, utilizando modelos trigonométricos, verificaram que, em média, a diferença sazonal média do preço do milho foi de 27%, além da importância de a sazonalidade na volatilidade dos preços ter sido de, aproximadamente, 13,1%. O estudo de Gilbert et al. (2017)Gilbert, C. L., Christiaensen, L., & Kaminski, J. (2017). Food price seasonality in Africa: measurement and extent. Food Policy, 67, 119-132., por sua vez, ampliou a quantidade de países africanos e a cesta de produtos em análise. Os autores investigaram a sazonalidade de 193 mercados para 13 commodities agrícolas em sete países africanos, no período de 2000 a 2012. Por meio de simulação, os autores mostraram que o método da Média Móvel pode gerar um viés ascendente significativo, e que modelos com parâmetros harmônicos e saw-tooth, mais parcimoniosos, minimizam o viés. Verificaram, ainda, que a maior sazonalidade nesses países africanos no período foi apresentada no mercado do milho. Seguindo a mesma temática, porém com foco na Etiópia, Wassie et al. (2019)Wassie, S. B., Kusakari, H., & Sumimoto, M. (2019). Seasonality of staple food prices in Ethiopia: does warehouse service matter? Japanese Journal of Agricultural Economics, 21, 63-67. analisaram a sazonalidade de 128 commodities agrícolas utilizando modelos harmônicos, e obtiveram resultados semelhantes ao de Gilbert et al. (2017)Gilbert, C. L., Christiaensen, L., & Kaminski, J. (2017). Food price seasonality in Africa: measurement and extent. Food Policy, 67, 119-132. e Kaminski et al. (2016)Kaminski, J., Christiaensen, L., & Gilbert, C. L. (2016). Seasonality in local food markets and consumption: evidence from Tanzania. Oxford Economic Papers, 68(3), 736-757., apontando que o maior gap sazonal ocorreu no mercado de milho (igual a 20%).

3. METODOLOGIA

A estratégia empírica deste estudo foi executada em duas etapas. Primeiro, verificou-se a existência de quebras estruturais nas séries de preço por meio do procedimento econométrico endógeno de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22. descrito em Zeileis et al. (2003)Zeileis, A., Kleiber, C., Krämer, W., & Hornik, K. (2003). Testing and dating of structural changes in practice. Computational Statistics & Data Analysis, 44(1-2), 109-123.. Identificadas as quebras, dividiu-se as séries em períodos indicados pelo teste supracitado. Em uma segunda etapa, as equações de preços com variáveis independentes harmônicas foram estimadas por meio do método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) através do software R, sendo possível comparar os resultados ao longo do tempo e entre praças de comercialização. Os dados utilizados têm frequência semanal e foram disponibilizados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/ESALQ-USP), compreendendo o período de janeiro de 1996 a dezembro de 2019, com um total de 1.248 observações.

3.1. Modelo de Quebra Estrutural: Método de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22.

A análise de quebra estrutural em séries de tempo consiste na verificação da possível existência de significativas mudanças no nível, na dispersão e/ou na inclinação de uma variável. Tais mudanças podem interferir nas inferências estatísticas e, consequentemente, nas interpretações econômicas em modelos econométricos (Shikida et al., 2016Shikida, C., Paiva, G. L., & Junior, A. F. A. (2016). Análise de quebras estruturais na série do preço do boi gordo no Estado de São Paulo. Economia Aplicada, 20(2), 265.).

Nesse sentido, métodos foram desenvolvidos com a finalidade de facilitar a identificação de quebras estruturais em séries temporais. A abordagem de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22. consiste em determinar as quebras estruturais por meio de um algoritmo de programação dinâmico que minimiza a Soma dos Quadrados dos Resíduos (SQR) de um modelo de regressão. A vantagem desse procedimento em relação a seus antecessores é devido à possibilidade de verificar mais de uma quebra estrutural em uma série temporal de forma endógena.

Os autores partem de um modelo de regressão linear tradicional dado por:

y t = x t T β t + u t t = 1, , n 1

sendo t o tempo; yt o vetor de observações da variável dependente; xtT um vetor de variáveis independentes; βt um vetor de parâmetros estimados que podem variar no tempo; e ut os resíduos, com média zero e variância constante.

A hipótese a ser testada é:

H 0 : β t = β 0 t = 1, , n 2

em que β0 é um valor constante, contra a hipótese alternativa de que pelo menos um parâmetro varie ao longo do tempo. Segundo Zeileis et al. (2003)Zeileis, A., Kleiber, C., Krämer, W., & Hornik, K. (2003). Testing and dating of structural changes in practice. Computational Statistics & Data Analysis, 44(1-2), 109-123., supõe-se a existência de m quebras estruturais na série, nas quais os parâmetros são distintos. Nesse caso, existem m+1 períodos, em que β é constante.

Assim, a Equação 1 pode ser escrita como:

y t = x t T β i + u i t = t i 1 + 1, , t i , i = 1,..., m + 1 3

sendo i o índice de períodos e Tm,n=t1,,tm o conjunto de quebras, em que i0=0 e im+1=n.

O estimador de βi é obtido por MQO e o resultado da SQR é dado pela Equação 4 (Zeileis et al., 2003Zeileis, A., Kleiber, C., Krämer, W., & Hornik, K. (2003). Testing and dating of structural changes in practice. Computational Statistics & Data Analysis, 44(1-2), 109-123.):

S Q R t 1 , , t m = i = 1 m + 1 s q r ( t i 1 + 1, t i ) 4

em que, sqrti1+1,ti é a SQR do i–ésimo período.

O próximo passo é estimar t1^,,tm^, datas de quebras que minimizem a função:

t 1 ^ , , t m ^ = a r g m i n t i , , t m S Q R t i , , t m 5

sobre todo o período ti,,tm, em que tti1nhk.

O valor de h é escolhido pelo pesquisador (geralmente 0,10 ou 0,15), em que nh=nh. Assim, emprega-se um algoritmo dinâmico para encontrar as m quebras que minimizam a SQR em um modelo com m+1 períodos.

3.2. Modelo Harmônico

De modo geral, as análises da sazonalidade partem da visão clássica dos componentes de uma série de tempo, a qual pode ser representada por:

P t = f T t , S t , C t , ε t 6

em que Pt é o preço spot do milho no tempo t; Tt é um componente de tendência – esse componente mostra a direção que a série assume; St representa as variações sazonais – padrão que se repete com uma certa periodicidade dentro de um ano, como períodos de safra e entressafra; Ct representa a variação cíclica – além das variações sazonais, algumas variáveis podem apresentar flutuações que se repetem com alguma regularidade em intervalos maiores que um ano; e εt representa um componente errático.

Como apontado, variáveis econômicas costumam apresentar variações sazonais ou cíclicas durante o ano – no caso de uma série de preços mensal de um produto agrícola, pode-se chamar de variação estacional ou sazonalidade. Frequentemente, para captar essas variações, ainda que se utilize o método de média geométrica móvel ou variáveis binárias em modelos econométricos, os efeitos sazonais são, geralmente, suaves ao longo de cada período, podendo ser mais eficiente utilizar funções que captem essa suavidade, o que é uma característica das funções cosseno. A metodologia desenvolvida para captar sazonalidade com parâmetros trigonométricos é denominada Série de Fourier, cuja representação gráfica é chamada cossenoide e pode ser usada para construir uma variação suave em um modelo de regressão sazonal (Hoffmann, 2016Hoffmann, R. (2016). Análise estatística de relações lineares e não lineares (1ª ed. digital). Piracicaba: O Autor.; Metcalfe & Cowpertwait, 2009Metcalfe, A. V., & Cowpertwait, P. S. P. (2009). Introductory time series with R. New York: Springer.), doravante modelo harmônico.

O principal interesse deste trabalho é analisar a sazonalidade (St) dos preços do milho no Brasil. Portanto, ao se adotar como método a análise harmônica, o ganho no ajuste de tal modelo ocorre devido à possibilidade de verificar a estrutura da variação sazonal e cíclica em um ano, testando, ainda, se esses componentes são significativos, além de se obter uma visualização gráfica mais suave da sazonalidade. Logo, capta-se seu padrão estacional, avaliando as magnitudes das cotações ao longo do ano.

A construção do modelo harmônico parte de um movimento trigonométrico simples em que λ é a amplitude e ψ é a fase inicial:

P t = λ cos ω t ψ 7

em que

ω = 2 π f T 8

sendo ω a velocidade angular ou pulsação, T o período, t o tempo e f a frequência.

A diferença entre o valor máximo e o valor mínimo de P é igual a duas vezes a amplitude do componente harmônico, ou seja, o valor de P varia entre λ e λ (Hoffmann, 2016Hoffmann, R. (2016). Análise estatística de relações lineares e não lineares (1ª ed. digital). Piracicaba: O Autor.).

Sabendo-se que cosab=cosacos(b)+sena senb, a Equação 7 pode ser reescrita na seguinte forma:

P t = λ cos ψ cos ω t + λ sen ψ sen ω t 9

Assumindo que

λ cos ψ = α 10
λ sen ψ = γ 11

tem-se que

P t = α cos ω t + γ sen ω t 12

As equações 7 e 12 são duas alternativas básicas para representar componentes harmônicos. Se o valor de T é conhecido, ω pode ser calculado e, consequentemente, os parâmetros desconhecidos são α e γ. Nesse caso, pode-se prever os parâmetros através do estimador de MQO. Assim, a partir de dados semanais do preço do milho em diferentes praças de comercialização do Brasil, os componentes harmônicos dos preços foram calculados pelo processo trigonométrico a seguir:

S t = f = 1 T / 2 α f cos 2 π f t T + γ f sen 2 π f t T 13

Estudos recentes utilizaram dois componentes harmônicos de primeira ordem, o que permitiu captar a sazonalidade anual dos preços (Gilbert et al., 2017Gilbert, C. L., Christiaensen, L., & Kaminski, J. (2017). Food price seasonality in Africa: measurement and extent. Food Policy, 67, 119-132.; Wassie et al., 2019Wassie, S. B., Kusakari, H., & Sumimoto, M. (2019). Seasonality of staple food prices in Ethiopia: does warehouse service matter? Japanese Journal of Agricultural Economics, 21, 63-67.). Entretanto, uma série de Fourier de primeira ordem impõe simetria no padrão sazonal, o que não é interessante para a presente pesquisa, uma vez que, geralmente, a sazonalidade dos preços agrícolas não apresenta esse comportamento. É possível contornar esse aspecto utilizando componentes harmônicos de primeira ordem conjuntamente com componentes de ordem superior, como apresentado em Bevis et al. (2019)Bevis, L. E. M., Naschold, F., & Rao, T. (2019). An unequal burden: intra-household dimensions of seasonal health in Tanzania. Food Policy, 89, 101766..

Assim, com base nos estudos de Bevis et al. (2019)Bevis, L. E. M., Naschold, F., & Rao, T. (2019). An unequal burden: intra-household dimensions of seasonal health in Tanzania. Food Policy, 89, 101766., Gilbert et al. (2017)Gilbert, C. L., Christiaensen, L., & Kaminski, J. (2017). Food price seasonality in Africa: measurement and extent. Food Policy, 67, 119-132. e Sørensen (2002)Sørensen, C. (2002). Modeling seasonality in agricultural commodity futures. Journal of Futures Markets, 22(5), 393-426., as sazonalidades regionais do preço do milho foram estimadas por meio de dois pares de componentes trigonométricos, a partir das representações a seguir:

Δ p t = m + δ t + Δ S t + ε t 14

ou,

Δ p t = m + δ t + α 1 Δ c o s π t 26 + γ 1 Δ s e n π t 26 + α 2 Δ c o s π t 13 + γ 2 Δ s e n π t 13 + ε t 15

sendo Δpt a taxa de crescimento do logaritmo de preço do milho no tempo t; π, um número igual a, aproximadamente, 3,142; αi e γi, i=1,2, são os parâmetros sazonais a serem estimados; εt é o termo de erro; e m é o termo constante.

O padrão das variáveis harmônicas utilizadas nas estimativas é apresentado na Figura 1, em que se pode observar o formato do ciclo anual (52 semanas) e semestral (26 semanas) de cada variável harmônica considerada.

Figura 1
– Variáveis harmônicas calculadas com base na Equação 13. Fonte: Elaborado pelos autores.

Uma vez estimada a Equação 15 por MQO, o padrão sazonal do preço de cada região pode ser calculado como:

S t = α ^ 1 c o s π t 26 + γ ^ 1 c o s π t 26 + α ^ 2 c o s π t 13 + γ ^ 2 c o s π t 13 = λ cos π t T ω 16

Assim, St é a sazonalidade e λ é a amplitude, ou seja, λ mede a diferença entre o pico e vale (Figura 1) de cada processo harmônico. O cálculo da função St a partir das estimativas por MQO da Equação 15 permite observar em quais semanas/meses os preços atingem, em média, seus maiores e menores valores.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Análise de Quebra Estrutural

A Tabela 1 apresenta os resultados dos testes de quebra estrutural de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22. para os preços semanais do milho em logaritmo nas regiões brasileiras de Cascavel, Chapecó, Mogiana, Triângulo Mineiro e Rio Verde para o período entre 1996 e 2019. De acordo com os critérios de minimização da SQR e BIC3 3 Bayesian Information Criterion. , ao estabelecer um limite máximo de dois pontos de quebra em cada série devido ao tamanho da amostra, três subperíodos foram obtidos: i) janeiro de 1996 a dezembro de 2001; ii) janeiro de 2002 a dezembro de 2010; iii) janeiro de 2011 a dezembro de 2019.

Tabela 1
Resultado do teste de quebra estrutural de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22. para o logaritmo dos preços semanais do milho no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2019

A Figura 2 apresenta os pontos de quebra nos preços obtidos na região de Cascavel. Observa-se a série de preço semanal com as médias dos três segmentos encontrados para essa região a partir do resultado do respectivo teste de quebra (duas quebras) realizado. Vale observar que as quebras foram bastante similares às obtidas por Mattos & Silveira (2018)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2018). The Expansion of the Brazilian Winter Corn Crop and Its Impact on Price Transmission. International Journal of Financial Studies, 6(45), 1-17.: intuitivamente, a primeira quebra (2002) reflete, como destacado em Pinazza (2007), oPinazza, L. A. (Ed.). (2007). Cadeia produtiva do milho (Vol. 1). Brasília: IICA/MAPA/SPA. início da participação efetiva das exportações brasileiras de milho no mercado internacional, com um volume de cerca de 5,6 milhões de toneladas em 2001 – aproximadamente 7,35% das exportações mundiais naquele ano. A segunda quebra está próxima ao período em que a colheita da 2ª safra do grão superou em volume a colheita da 1ª safra, permitindo uma maior participação brasileira na comercialização internacional dessa commodity desde então, em razão de a safra de inverno ser, predominantemente, exportada.

Figura 2
– Logaritmo do preço semanal do milho em Cascavel dividido em três segmentos, com base no resultado do teste quebra estrutural de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22. para duas quebras. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: As médias dos segmentos foram obtidas a partir do antilogaritmo das constantes estimadas, conforme Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22..

4.2. Análise da Sazonalidade

Para proceder com a análise da sazonalidade, inicialmente, com base nos resultados de quebras encontrados, os modelos harmônicos foram estimados para três períodos distintos: i) janeiro de 1996 a dezembro de 2001 (312 observações); ii) janeiro de 2002 a dezembro de 2010 (468 observações); iii) janeiro de 2011 a dezembro de 2019 (468 observações). Posteriormente, em uma nova seção, foram adicionadas à análise estimativas para os períodos: 1996-2001 (312 observações) e 2002-2019 (936 observações), uma vez que o teste realizado para uma quebra reportou o ano de 2002 como a principal ruptura em todas as séries de preços.

4.2.1. Análise com Três Períodos

A Tabela 2 apresenta os resultados dos coeficientes de determinação (R2) estimados referentes aos modelos mencionados. Essas estimativas indicam o quanto da variação do preço é explicada pela sazonalidade em cada período. Com base nesses resultados, infere-se que, com exceção dos preços praticados em Rio Verde, a importância da sazonalidade na formação de preço do milho nos mercados brasileiros diminuiu entre 1996-2001 e 2011-2019.

Tabela 2
Coeficientes de determinação estimados (R2) dos modelos harmônicos

Em Cascavel, a parcela de importância da sazonalidade na formação de preço do milho foi de, aproximadamente, 3,07% entre 1996 e 2001, caindo para 1,78% em 2002-2010 e, posteriormente, para 1,35% entre 2011 e 2019. A queda mais acentuada foi reportada por Chapecó, chegando a não ser significativa (estatística F) no terceiro período. Entretanto, a dinâmica foi diferente nas praças de Mogiana, Rio Verde e no Triângulo Mineiro, em que a participação da sazonalidade na variabilidade do preço do grão diminuiu do primeiro período para o segundo e elevou-se deste para o terceiro (no entanto, ainda menor em relação ao primeiro).

De modo geral, apesar de uma baixa importância da sazonalidade na formação do preço do milho nos períodos analisados, com exceção de Chapecó no período 2011-2019, os coeficientes de determinação foram significativos. Tal fato corrobora com as evidências obtidas por Melo (2021), oMelo, C. O. D. (2021). Modificação no padrão de comportamento dos preços do milho no Paraná em 2001-2019. Revista de Política Agrícola, 30(1), 7-19. qual aponta que as variações estacionais das cotações desse grão ao longo do ano no Paraná não se mostraram relevantes para explicar o padrão de comportamento dos preços nos dois períodos do estudo (2001-2010 e 2010-2019). Dos coeficientes apresentados, o resultado da praça de Rio Verde teve o maior valor no período 2011-2019; uma possível explicação para tal fato tem base na significativa evolução da safra de inverno na região Centro-Oeste, cuja participação na produção nacional saiu de 20% em 1995/96 para 56% em 2020/21, com mais de 95% de sua produção realizada na 2ª safra.

Observa-se o padrão sazonal do preço do milho em Cascavel na Figura 3 – as demais praças são apresentadas nas Figuras 4 a 7. Observa-se que, entre 1996 e 2001, os preços em todas as regiões atingiram seus maiores valores em setembro e novembro, pouco antes do início da colheita da 1ª safra, declinando a partir daí e atingindo seus menores valores entre os meses próximos de sua colheita (entre janeiro e abril), resultado similar ao encontrado por Risseto (2001)Risseto, V. V. (2001). Fluxos de produção e consumo de milho no sul e sudeste do Brasil (Dissertação de mestrado). Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Piracicaba., que analisou o mercado do grão no Brasil para no período de 1990 a 1998. No período posterior, entre 2002 e 2010, o padrão sazonal se altera: os preços continuam declinando a partir do início da colheita da 1ª safra, apresentando leve elevação a partir de março (em certas regiões), com posterior declínio das cotações no período de colheita da 2ª safra (entre maio e agosto).

Figura 3
Padrão sazonal do preço do milho em Cascavel entre 1996-2001, 2002-2010 e 2011-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.
Figura 4
Padrão sazonal estimado do preço do milho na região de Chapecó em 1996-2001, 2002-2010 e 2011-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.
Figura 7
Padrão sazonal estimado do preço do milho na região de Rio Verde em 1996-2001, 2002-2010 e 2011-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.
Figura 5
Padrão sazonal estimado do preço do milho na região de Mogiana em 1996-2001, 2002-2010 e 2011-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.

Assim, a principal mudança no padrão estacional dos preços do milho entre 1996-2001 e 2002-2010 foi o deslocamento dos meses com menores preços no Brasil. No entanto, a região do Triângulo Mineiro (Figura 6) apresentou mudança sazonal relativamente mais modesta, com menores preços ocorrendo entre março e junho. Risseto (2001)Risseto, V. V. (2001). Fluxos de produção e consumo de milho no sul e sudeste do Brasil (Dissertação de mestrado). Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Piracicaba. também encontrou um movimento relativamente mais atípico para o mercado mineiro, com preços menores perdurando por mais tempo, possivelmente devido a uma menor escassez do grão na região. Essas mudanças podem ser justificadas pela expansão do cultivo em 2ª safra, que permitiu à colheita nacional se estender até meados de julho-agosto, reduzindo, consequentemente, a escassez do grão no mercado interno ao longo do ano, o que, por sua vez, impacta o padrão sazonal do preço dessa commodity.

Figura 6
Padrão sazonal estimado do preço do milho na região Triângulo Mineiro em 1996-2001, 2002-2010 e 2011-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.

Já o terceiro período (2011-2019) é caracterizado pela ascensão da 2ª safra como a maior safra nacional. De acordo com a Figura 3, esse período promoveu um novo deslocamento sazonal em Cascavel, sendo também possível verificar tal fato nas demais praças; porém, dessa vez, alterou-se com maior intensidade os meses nos quais os preços são mais elevados. Entre 1996 e 2001, os maiores preços foram praticados entre setembro-novembro, enquanto uma leve alteração foi verificada no período posterior (2002-2010), em que os maiores preços ocorreram nos meses de novembro-dezembro. No entanto, o padrão se altera de forma mais significativa a partir do terceiro período (2011-2019), em que os preços nessas regiões foram mais altos no início de cada ano, atingindo o maior pico no mês de fevereiro, quando ainda há a colheita da safra de verão. Portanto, entre 2011 e 2019, a colheita da 1ª safra não provocou uma queda dos preços no Brasil, como verificado nos períodos anteriores, evidências que apontam para o fato de, nesse período mais recente, a 2ª safra ter significativa influência no padrão sazonal dos preços do milho no Brasil.

Esse impacto da 2ª safra do milho na sazonalidade do preço do grão nas três décadas consideradas é mais evidente ao observar o padrão sazonal do primeiro período em relação ao terceiro. Esses resultados corroboram os estudos de Mattos & Silveira (2015)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2015). The effects of Brazilian second (winter) sorn crop on price seasonality, basis behavior and integration to international market. In Proceedings of the NCCC-134 Conference on Applied Commodity Price Analysis, Forecasting, and Market Risk Management (pp. 1-30). St. Louis, MO., que analisaram diversas praças brasileiras no período de 1995 a 2014, e Souza et al. (2017)Souza, C. C. D., Frainer, D. M., Reis Neto, J. F., Carvalho, L. M., Santos, H. W., & Lemes, L. H. B. (2017). Análise do padrão sazonal e da variação dos preços do milho aos produtores do Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Ciências Agrárias, 40(2), 460-470., que analisaram o período de 2004 a 2015. Além disso, as evidências obtidas estão de acordo com a pesquisa de Sanches et al. (2019)Sanches, A., Alves, L., & Barros, G. (2019). Oferta e demanda mensal de milho no Brasil: impactos da segunda safra. Revista de Política Agrícola, 27(4), 73-97., na qual se aponta que a disponibilidade interna de milho tem atingido os menores níveis no primeiro trimestre do ano (janeiro a março).

Em suma, as regiões analisadas apresentaram alterações no padrão sazonal do preço da commodity, deslocando e, em certas praças, invertendo o ciclo sazonal dos preços. A região de Cascavel é exemplo de tal fato – no primeiro período (1996-2001), os menores preços foram observados no primeiro trimestre, enquanto no terceiro período esse cenário se inverte, com menores preços no segundo semestre e maiores preços no primeiro trimestre. Essa última evidência para o período 2011-2019 é também apontada em Melo (2021)Melo, C. O. D. (2021). Modificação no padrão de comportamento dos preços do milho no Paraná em 2001-2019. Revista de Política Agrícola, 30(1), 7-19., que avaliou a evolução dos preços do milho recebidos pelos produtores paranaenses.

De forma complementar, a Tabela 3 apresenta a diferença sazonal média dos preços em cada praça nos três períodos considerados, cujos valores refletem a diferença média percentual entre os picos e vales extremos estimados dos padrões sazonais. Como exemplo, a sazonalidade média na região de Cascavel, em 1996-2001, foi de 9,7% – menor diferença sazonal observada entre as praças consideradas neste estudo para o período; por outro lado, o maior patamar apresentado no mesmo período foi no Triângulo Mineiro, com média de 16,8%.

Tabela 3
– Diferença sazonal média estimada

Com exceção da região de Mogiana e Rio Verde, nota-se que houve uma leve redução na diferença média sazonal dos preços do milho no Brasil entre 1996 e 2019. A região Sul apresentou declínio na diferença sazonal em todo o período, enquanto a diferença sazonal dos preços na região Sudeste declinou entre 1996-2001 para 2002-2010; porém, para o período 2011-2019, houve um aumento.

Por outro lado, na região Centro-Oeste ocorreu um aumento em todo o período, chegando em 2011-2019 a uma diferença sazonal de, aproximadamente, 19,5% – ou seja, em média, os preços praticados entre fevereiro e março foram em torno de 19,5% maiores que os preços praticados entre junho e julho nesse período para a região, evidência que reflete a diferença de volume produzido entre as duas safras no Centro-Oeste. No ano safra 1995/964 4 De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (2022). , a safra de verão nessa região foi, aproximadamente, quatro vezes maior em relação à safra de inverno. Posteriormente, esse cenário inverte-se – em 2010/11, a safra de inverno foi 2,3 vezes maior em relação à safra de verão, chegando no ano 2020/21 a ser 18 vezes maior. Enquanto a safra de verão se reduziu pela metade (de 5,6 milhões em 1995/96 para 2,4 milhões de toneladas em 2020/21), a safra de inverno saiu de 1,11 milhões de toneladas em 1995/96 para 46 milhões em 2020/21. Ou seja, o crescimento da produção foi “puxado” pela safra de inverno, tornando-se a safra dominante do padrão sazonal nessa região. Vale observar, por fim, que a diferença observada foi próxima a estudos realizados em países africanos, como os realizados por Kaminski et al. (2016)Kaminski, J., Christiaensen, L., & Gilbert, C. L. (2016). Seasonality in local food markets and consumption: evidence from Tanzania. Oxford Economic Papers, 68(3), 736-757. e Wassie et al. (2019)Wassie, S. B., Kusakari, H., & Sumimoto, M. (2019). Seasonality of staple food prices in Ethiopia: does warehouse service matter? Japanese Journal of Agricultural Economics, 21, 63-67., os quais obtiveram um intervalo sazonal para o milho entre 20% e 30%.

4.2.2. Análise com Dois Períodos

Nesta seção, adicionam-se à análise anterior as estimativas referentes ao período 2002-2019, já que a maior ruptura, de acordo com os testes de quebra, foi em 2002 – ou seja, realiza-se uma análise considerando uma quebra (dois períodos). Os R2 estimados bem como a diferença sazonal calculada a partir dos parâmetros harmônicos estimados são apresentados na Tabela 4 e comparados aos resultados alcançados para o período de 1996-2001.

Tabela 4
– Coeficientes de determinação estimados (R2) e diferença sazonal média estimada dos modelos harmônicos para o período de 1996-2001 e 2002-2019

A partir da comparação desses resultados, infere-se que a importância da sazonalidade na variabilidade do preço do milho no Brasil diminuiu de 1996-2001 para 2002-2019. Esse resultado pode refletir a maior homogeneidade da disponibilidade interna de milho entre os meses de cada ano, permitindo que as quedas e altas de preços do grão sejam menos acentuadas. Os resultados reportados na Tabela 4 ainda mostram que, com exceção dos preços praticados na praça de Rio Verde, as diferenças médias entre os maiores preços e menores preços reduziu entre 1996-2001 e 2002-2019. Esses resultados evidenciam que, possivelmente, a variabilidade dos preços esteja menos dependente do ciclo sazonal das colheitas e o tamanho da sazonalidade de preço do grão nas regiões de Cascavel, Chapecó, Mogiana e no Triangulo Mineiro tenha diminuído. Em outras palavras, o risco de preço no mercado spot do milho no Brasil associado à sazonalidade diminuiu nesse período.

A partir desses resultados, constata-se que o surgimento de safras adicionais cultivadas fora do período tradicional tem o potencial de mitigar o risco de preço associado ao padrão sazonal nos mercados spot agrícolas. Nesse contexto, é importante destacar o início, em estados brasileiros das regiões Norte e Nordeste (Roraima, Amapá, Pernambuco e na região do SEALBA5 5 Sergipe, Alagoas e Bahia. ), de outra safra adicional, conhecida como 3ª safra nacional de milho, cultivada entre abril e setembro. De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (2022), aCompanhia Nacional de Abastecimento – CONAB. (2022). Série histórica das safras. Recuperado em 28 de julho de 2022, de https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-safras/itemlist/category/910-Milho
https://www.conab.gov.br/info-agro/safra...
produção em 3ª safra em 2018/19 foi de 1,2 milhões de toneladas, atingindo na safra 2020/21 1,6 milhões de toneladas, aproximadamente, 1,87% da produção nacional.

A Figura 8 apresenta o padrão sazonal estimado do preço do milho para a região de Cascavel e Chapecó em 1996-2001 e 2002-2019, respectivamente. Para as demais praças, os resultados estão apresentados nas Figuras 9, 10 e 11. Observa-se que, no período de 1996-2001, os preços do grão em Cascavel declinaram a partir do início da colheita da 1ª safra (entre janeiro e abril) e se elevaram quanto mais próximo o término desta colheita. Como consequência, os preços mais elevados nesse período ocorreram entre os meses de outubro e novembro, enquanto os menores preços foram observados entre janeiro e abril. De modo geral, essas características sazonais dos preços ocorrem também nas demais regiões consideradas.

Figura 8
Padrão sazonal do preço do milho na região de Cascavel e Chapecó entre 1996-2001 e 2002-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.
Figura 9
Padrão sazonal do preço do milho na região de Mogiana entre 1996-2001 e 2002-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.
Figura 10
Padrão sazonal do preço do milho na região de Rio Verde entre 1996-2001 e 2002-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.
Figura 11
Padrão sazonal do preço do milho na região do Triângulo Mineiro entre 1996-2001 e 2002-2019. Fonte: Resultados da pesquisa. Nota: A figura foi obtida ao substituir os parâmetros estimados na Equação 16.

Já no período de 2002-2019, com o crescimento do cultivo em 2ª safra, o ciclo sazonal do preço do milho no Brasil sofreu significativas alterações. A principal foi a ascensão da safra de inverno como aquela mais importante na determinação do padrão sazonal da commodity no Brasil, porque, em média, o preço do milho em todas as praças entre 2002-2019 passou a declinar a partir do início da colheita da 2ª safra (entre maio e agosto) e se elevar a partir do fim dessa colheita. Assim, os preços mais elevados do grão passaram a ocorrer no primeiro semestre de cada ano, nos meses de fevereiro, março e abril, enquanto os menores preços, em meados de junho, julho e agosto, período de grande colheita. O padrão sazonal encontrado é similar ao evidenciado em Mattos & Silveira (2015)Mattos, F. L., & Silveira, R. L. F. (2015). The effects of Brazilian second (winter) sorn crop on price seasonality, basis behavior and integration to international market. In Proceedings of the NCCC-134 Conference on Applied Commodity Price Analysis, Forecasting, and Market Risk Management (pp. 1-30). St. Louis, MO., Souza et al. (2017)Souza, C. C. D., Frainer, D. M., Reis Neto, J. F., Carvalho, L. M., Santos, H. W., & Lemes, L. H. B. (2017). Análise do padrão sazonal e da variação dos preços do milho aos produtores do Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Ciências Agrárias, 40(2), 460-470. e Melo (2021)Melo, C. O. D. (2021). Modificação no padrão de comportamento dos preços do milho no Paraná em 2001-2019. Revista de Política Agrícola, 30(1), 7-19., além de corroborar com os achados de Sanches et al. (2019)Sanches, A., Alves, L., & Barros, G. (2019). Oferta e demanda mensal de milho no Brasil: impactos da segunda safra. Revista de Política Agrícola, 27(4), 73-97., que apontam um deslocamento da disponibilidade interna do milho, com a expansão da safra de inverno, do primeiro para o segundo semestre de cada ano.

5. CONCLUSÕES

O presente trabalho analisou o efeito da expansão da safra de inverno de milho no Brasil sobre o padrão sazonal do preço spot dessa commodity em diferentes praças de comercialização no país. Considerou-se o período entre janeiro de 1996 e dezembro de 2019 nas regiões de Cascavel-PR, Chapecó-SC, Mogiana-SP, Rio Verde-GO e Triângulo Mineiro-MG. Partiu-se da hipótese de que a sazonalidade diminuiu e se alterou no período observado, visto que, no decorrer do tempo, a disponibilidade do grão se tornou mais homogênea entre os meses de cada ano. Assim, a partir de séries de preços de frequência semanal, utilizaram-se parâmetros harmônicos por meio do estimador de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), método que permitiu verificar alterações entre os períodos na importância da sazonalidade na formação de preços do milho, na extensão da sazonalidade e no padrão sazonal em cada praça considerada.

Inicialmente, com base nos resultados dos testes de quebras estrutural de Bai & Perron (2003)Bai, J., & Perron, P. (2003). Computation and analysis of multiple structural change models. Journal of Applied Econometrics, 18(1), 1-22., as estimativas foram realizadas e confrontadas para três períodos – 1996-2001, 2002-2010 e 2011-2019 – e, posteriormente, para dois períodos – 1996-2001 e 2002-2019. Essas quebras podem ser explicadas pela maior participação do Brasil no comércio internacional do grão (a partir de 2001) e pela ascensão da safra de inverno como principal colheita de milho do país a partir de 2012.

Os resultados mostraram que, com exceção da praça de Rio Verde-GO, a importância da sazonalidade na formação dos preços do milho no Brasil diminuiu no período. Também é possível concluir que, entre 1996-2001, as cotações foram menores entre janeiro e abril, ao passo que, entre 2011-2019, os menores preços foram verificados entre julho e setembro. Houve também alteração nos meses de maiores cotações – enquanto entre 1996 e 2001 os maiores patamares foram observados em outubro e novembro, entre 2011 e 2019 tal quadro ocorreu entre janeiro e fevereiro, logo antes da colheita da safra de inverno. Essas evidências revelam o impacto da 2ª safra nas flutuações dos preços nos períodos mais recentes, dado que os menores (maiores) preços ocorreram durante a colheita (entressafra) da safra de inverno. Além disso, as estimativas da diferença sazonal permitem inferir que a sazonalidade do milho no Brasil é menor frente a estudos semelhantes sobre os mercados externos, como os de Kaminski et al. (2016)Kaminski, J., Christiaensen, L., & Gilbert, C. L. (2016). Seasonality in local food markets and consumption: evidence from Tanzania. Oxford Economic Papers, 68(3), 736-757., Gilbert et al. (2017)Gilbert, C. L., Christiaensen, L., & Kaminski, J. (2017). Food price seasonality in Africa: measurement and extent. Food Policy, 67, 119-132. e Wassie et al. (2019)Wassie, S. B., Kusakari, H., & Sumimoto, M. (2019). Seasonality of staple food prices in Ethiopia: does warehouse service matter? Japanese Journal of Agricultural Economics, 21, 63-67., que apresentaram intervalo sazonal de 27%, 33% e 20% em mercados africanos, respectivamente, enquanto a presente pesquisa observou o maior intervalo de 19,5% (em Rio Verde).

O presente estudo apresentou ainda evidências que permitem concluir que o crescimento da 2ª safra do grão no Brasil reduziu a importância da sazonalidade na formação de preços do milho na maior parte do país ao longo dos anos considerados nesta pesquisa. Apesar de ter alterado o padrão sazonal dos preços, o crescimento dessa safra reduziu o risco de mercado associado à sazonalidade no país, uma vez que a variação das cotações do grão passou a depender em menor proporção do seu padrão sazonal ao passar dos anos, com exceção de Rio Verde-GO. Nesse sentido, os resultados da presente pesquisa mostram que a sazonalidade em certos mercados agrícolas pode perder a relevância à medida que novas safras (adicionais) cultivadas fora dos períodos tradicionais sejam realizadas. Assim, cultivos como os de 2ª e de 3ª safra têm o potencial de mitigar o risco de mercado associado à sazonalidade nos mercados agrícolas, porque possibilitam diminuir a amplitude das cotações no padrão sazonal.

Dessa forma, este trabalho apresenta novas evidências sobre a dinâmica de preços no mercado nacional de milho, apontando para mudanças no padrão sazonal das cotações dessa cultura em diferentes praças de produção. Tais evidências podem ser úteis aos participantes dessa cadeia produtiva, em virtude do potencial de auxiliar nas estratégias de comercialização e gerenciamento de riscos. Além disso, os resultados obtidos contribuem para formulação e execução de políticas públicas relacionadas à comercialização do milho no país. Trabalhos futuros podem ainda explorar se a dinâmica de relações entre os preços nas diferentes praças de produção e consumo tem se alterado no Brasil, avaliando, ainda, tal relação com as cotações internacionais. Como complemento, novos estudos podem investigar a efetividade das operações de hedge nos mercados futuros da bolsa brasileira (B3) e em bolsas internacionais, a fim de observar a capacidade de gerenciamento de risco de preços ali negociados, proporcionada pelos derivativos aos agentes de mercado.

  • 1
    Código SH4 nº 1005.
  • 2
    Conforme Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2019, pEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. (2019). Soja: o produtor pergunta, a Embrapa responde. Brasília: Embrapa.. 169), um dos métodos usados para manejo de pragas das raízes de soja é o uso de cultivares precoces. A partir de tal adoção, possibilita-se que “a fase inicial da cultura (fase mais sensível) ocorra antes das pragas se estabelecerem plenamente na área”.
  • 3
    Bayesian Information Criterion.
  • 4
    De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (2022)Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB. (2022). Série histórica das safras. Recuperado em 28 de julho de 2022, de https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-safras/itemlist/category/910-Milho
    https://www.conab.gov.br/info-agro/safra...
    .
  • 5
    Sergipe, Alagoas e Bahia.
  • Como citar: Souza, D. K. F., Silveira, R. L. F., & Ballini, R. (2023). Efeito da expansão da safra de inverno de milho no Brasil sobre a sazonalidade dos preços spot. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e262824. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.262824
  • JEL Classification: Q13; G13.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2022
  • Aceito
    03 Set 2022
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