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O menu da controvérsia: situação atual e perspectivas da alimentação escolar em Espanha

The controversy menu: current situation and prospects for school feeding in Spain

Resumos

Resumo

Os índices de sobrepeso e de obesidade infantil crescem de forma alarmante na Espanha, afetando mais fortemente as famílias pobres face a ingestão de artigos de alto valor calórico e baixo valor nutricional. A pandemia do Covid-19 agravou este cenário. Assegurar o acesso universal e gratuito à alimentação escolar vem sendo apontado como estratégia para o enfrentamento desta questão, bem como para combater a fome e a desigualdade social. A pesquisa que ensejou a elaboração deste artigo desenvolveu-se em Espanha entre 2019-2020. Explora os paradoxos e desafios que envolvem a alimentação escolar neste país europeu e os impasses relativos à criação de programas de tipo “home-grown school feeding”. A pesquisa em tela se situa no âmbito da sociologia da alimentação. Dentre as conclusões, mostra que a pobreza, fome e insegurança alimentar não são aspectos conjunturais, mas problemas de natureza estrutural, cujo enfrentamento requer um marco político e institucional consistente.

Palavras-chave:
segurança alimentar; alimentação escolar; mercados institucionais; políticas públicas; Espanha


Abstract

Childhood overweight and obesity rates are growing at an alarming rate in Spain, affecting poor families more strongly as they consume high-calorie, low-nutritional items. The Covid-19 pandemic has exacerbated this scenario. Ensuring universal and free access to school meals has been suggested as a strategy for tackling this issue, as well as fighting hunger and social inequality. The research that led to the elaboration of this article was carried out in Spain between 2019-2020. It explores the paradoxes and challenges that surround school feeding in this European country and the impasses related to the creation of “home-grown school feeding” type programs. The research on screen is located within the scope of the sociology of food. Among the conclusions, it shows that poverty, hunger and food insecurity are not conjunctural aspects, but problems of a structural nature, the confrontation of which requires a consistent political and institutional framework.

Keywords:
food security; school meals; institutional markets; public policy; Spain


1. Introdução

Em 2003 os Estados Unidos da América iniciavam uma nova campanha bélica no Iraque e pressionavam seus aliados a que apoiassem tal intervenção. A resposta aos EUA e à comunidade internacional, por parte do recém-eleito presidente brasileiro, Luís Inácio da Silva, foi categórica e lapidar: “Nossa guerra é contra a fome”. Tal posição simultaneamente mostrava ao mundo a prioridade maior da agenda nacional e descolava o país de mais um prélio insano liderado pelas nações ricas do ocidente. A postura adotada pelo então mandatário brasileiro antecipava os rumos do que posteriormente converteu-se na mais importante iniciativa de combate a um flagelo mundial que alcança atualmente 828 milhões de pessoas. Não obstante, como assim informam dados oficiais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101749.pdf
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), o Brasil retornou ao mapa da fome após mais de uma década de grandes avanços (2004-2014).

Para o argumento que sustenta o presente artigo importa reiterar que o Brasil se tornou uma referência mundial (Oliveira, 2020Oliveira, O. P. (2020). Policy ambassadors: human agency in the transnationalization of Brazilian social policies. Policy and Society, 39(1), 53-69. http://dx.doi.org/10.1080/14494035.2019.1643646
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; Barbosa Junior & Coca, 2022Barbosa Junior, R., & Coca, E. (2022). Enacting just food futures through the state. Canadian Food Studies, 9(2), 75-100. http://dx.doi.org/10.15353/cfs-rcea.v9i2.540
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) nessa matéria. Sob a égide do Fome Zero acha-se integrada uma plêiade de políticas públicas e 30 programas distintos, cujo foco essencial é o combate às causas estruturais da fome e da insegurança alimentar. Através da Lei 11.947 (Brasil, 2009Brasil. Presidência da República. (2009). Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 5 de maio de 2023, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11947.htm
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) a alimentação escolar é assumida como um dever do Estado e direito dos estudantes da rede de escolas públicas.

Nesse contexto, há que mencionar outras medidas, tais como a ampliação do acesso à terra aos trabalhadores rurais, a construção de restaurantes populares, formação de estoques de alimentos, bem como a criação dos chamados “mercados institucionais”, também conhecidos na literatura internacional como “creative procurements” (Morgan & Sonnino, 2007Morgan, K., & Sonnino, R. (2007). Empowering consumers: the creative procurement of school meals in Italy and the UK. International Journal of Consumer Studies, 31(1), 19-25. http://dx.doi.org/10.1111/j.1470-6431.2006.00552.x
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) e “institutional purchases” (Sidaner et al., 2013Sidaner, E., Balaban, D., & Burlandy, L. (2013). The Brazilian school feeding programme: an example of an integrated programme in support of food and nutrition security. Public Health Nutrition, 16(6), 989-994. http://dx.doi.org/10.1017/S1368980012005101
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).

No caso brasileiro, aos produtores ofertantes de alimentos (agricultores familiares, assentados da reforma agrária, comunidades remanescentes de quilombos, etc.) se oferece a garantia de compra antecipada da produção, mediante preços acordados previamente, a qual se destina às escolas da rede pública, mas também a asilos, creches, hospitais, etc. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) traduzem a mais consistente expressão dessa inovadora classe de mercado.

Sua dinâmica e lógica de funcionamento se opõem frontalmente aos fundamentos do liberalismo econômico e à falácia do mercado autorregulado. Sobre essa questão a obra de Karl Polanyi (1944/2012) expõe, de forma gráfica, as agruras da sociedade de mercado e os fundamentos do pensamento econômico clássico e neoclássico. Segundo Polanyi, a degradação moral de nossas sociedades, regidas pela estreiteza da lei da oferta e da demanda, decorre, especialmente, da ausência de estruturas de regulação.

A criação dos mercados institucionais poderia ser compreendida como um intento de resgate da capacidade de atores públicos e privados no sentido de alcançar três objetivos cruciais: ampliar o acesso de alimentos às populações, promover a inclusão social de produtores familiares e fomentar o desenvolvimento dos territórios. Dentre as grandes virtudes dos mercados institucionais está o fato de articular, em torno de si, os três níveis de governo (municipal, estadual e federal), bem como fomentar a cooperação horizontal e vertical dos agricultores familiares.

No período que poderíamos chamar de dez gloriosos anos do Fome Zero (2004-2014) o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) alcança um universo de 45 milhões de estudantes diariamente atendidos pela merenda escolar, com um investimento que alcança a cifra de 1,94 bilhão de dólares (Sidaner et al., 2013, pSidaner, E., Balaban, D., & Burlandy, L. (2013). The Brazilian school feeding programme: an example of an integrated programme in support of food and nutrition security. Public Health Nutrition, 16(6), 989-994. http://dx.doi.org/10.1017/S1368980012005101
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.991). O êxito de programas desse gênero depende, dentre outros aspectos, de uma boa governança entre os diferentes atores intervenientes nos processos (famílias rurais, agências públicas, gestores, associações, etc.). Como bem destacou Otsuki (2011, pOtsuki, K. (2011). Sustainable partnerships for a green economy: a case study of public procurement for home-grown school feeding. Natural Resources Forum, 35(3), 213-222. http://dx.doi.org/10.1111/j.1477-8947.2011.01392.x
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.214), a excelência das iniciativas “home-grown school feeding” do Brasil reside no incentivo ao engajamento cívico e à cooperação entre diferentes níveis de governo para a institucionalização de parcerias sustentáveis.

Nesta introdução importa observar que o estudo sobre a experiência brasileira serviu de base para o desenvolvimento de uma investigação internacional realizada na Espanha (2019-2020), cujo objetivo foi analisar a questão da alimentação escolar a partir de olhares cruzados de diversos atores sociais, incluindo mães e pais de alunos, cientistas sociais, especialistas, agentes privados, representantes de órgãos da administração pública e de organizações não-governamentais ligadas ao mundo alimentar.

A imersão direta a campo teve por objetivo central examinar como tais atores se posicionam em relação ao estado da alimentação escolar desta nação, assim como do papel do Estado e das ações levadas a cabo para enfrentar os ingentes desafios nessa área. Dois fatores chamavam a atenção já no começo da pesquisa. De um lado, as evidências de crescimento dos índices de sobrepeso, obesidade e pobreza entre crianças e jovens espanhóis. De outro, o clima criado em torno aos impactos diretos e difusos da pandemia do Covid-19 sobre a produção, distribuição e consumo de alimentos.

Paralelamente buscou-se saber, à luz da interlocução estabelecida com nossos entrevistados, se existiam iniciativas similares aos mercados institucionais do Brasil, bem como explorar as possibilidades de que programas semelhantes ao PNAE e PAA pudessem ser edificados em solo hispânico por iniciativa de algum dos três níveis de poder (central, autonômico e provincial). A questão da alimentação escolar acabou ganhando a cena cotidiana durante a realização da pesquisa. E mais, a polêmica em torno do assunto, como a seguir debateremos, está longe de ser pacificada. Foi dentro desse marco geral que se levou a cabo uma investigação que busca arrojar luzes sobre um tema atual e instigante. Esse foi o objetivo central desta pesquisa internacional.

A estrutura deste artigo compreende, além desta introdução, cinco outras seções. A primeira delas emoldura um quadro teórico e conceitual sobre a questão em tela a partir das chaves interpretativas de uma sociologia da alimentação, a qual abriga, em seu interior, uma pluralidade de enfoques e perspectivas. A segunda seção expõe aspectos gerais sobre a segurança alimentar na Espanha a partir da análise e revisão de documentos técnicos e de estudos sobre o assunto. A terceira seção aborda a metodologia empregada no levantamento de dados, tratamento das fontes e realização de inferências. A quarta seção explora o material reunido à luz das questões que nortearam este estudo. A quinta e última seção expõe as conclusões e considerações finais da pesquisa.

2. Fundamentação teórica: Por uma sociologia da alimentação

As grandes cadeias de distribuição jactam-se de poder inundar qualquer canto do mundo com artigos perecíveis produzidos a léguas de distância. Mas para além da logística subjacente a esse regime econômico, do uso estendido de embalagens descartáveis e de grandes desperdícios, vivemos também a era dos grandes escândalos alimentares. Dentre os mais recentes episódios constam o caso das vacas loucas, que atingiu boa parte da Europa, dos hambúrgueres com carne de cavalo no Reino Unido e a crise das dioxinas que se inicia na região de Flandres e se espalha por diversos países da União Europeia.

Na Espanha, país a que se refere este estudo, o escândalo do óleo de colza provocou nada menos que 1.100 óbitos no final dos anos 1980. Não são casos excepcionais, mas a ponta de um grande iceberg que afeta o mundo da alimentação. Tais fatos refletem a sociedade de risco descrita por Beck (1992)Beck, U. (1992). Risk society: towards a new modernity. London: Sage Publications., segundo o qual, se o perigo emerge associado à fatalidade, a noção de risco pressupõe a exposição voluntária e calculada de um dano, bem como a estimativa dos seus desdobramentos.

Com efeito, coincidimos com Fischler (2010)Fischler, C. (2010). Gastro-nomía y gastro-anomía. Sabiduría del cuerpo y crisis biocultural de la alimentación moderna. Gazeta de Antropología, 26(1), 1-19. http://dx.doi.org/10.30827/Digibug.6789
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quando alude ao fato que atualmente vivemos sob o signo de um regime “gastro-anômico”. Tal neologismo evoca a ‘anomia’ de Durkheim para descrever um mundo no qual as pessoas enfrentam medo, incerteza e desinformação sobre o que estão comendo. Segundo suas próprias palavras,

As pessoas estão cada vez mais inseguras com relação ao que comem. São consumidores mais fragilizados, ameaçados cotidianamente com informações sobre pesticidas, aditivos, corantes, conservantes, aromatizantes, produtos que podem provocar doenças graves ou até mesmo matar (Fischler, 2010, pFischler, C. (2010). Gastro-nomía y gastro-anomía. Sabiduría del cuerpo y crisis biocultural de la alimentación moderna. Gazeta de Antropología, 26(1), 1-19. http://dx.doi.org/10.30827/Digibug.6789
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.240).

Mas o mundo da alimentação é também um rio caudaloso que engrossa o mar de desigualdades sociais e desinformação. A última edição do “Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo”, relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), indica que quase 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019, perfazendo um aumento de 10 milhões em relação a 2018 e de aproximadamente 60 milhões em apenas cinco anos.

A mesma fonte estimava que a pandemia de Covid-19 empurraria mais de 130 milhões de pessoas à fome crônica até o final de 2020. Surtos de fome aguda se ampliam como catástrofe ora aguilhoada pelo contexto pandêmico. A outra face da moeda é o aumento dos índices de obesidade, sobrepeso e de doenças associadas à baixa qualidade dos alimentos e de hábitos nocivos de consumo. Nesse contexto, coincidimos com Díaz-Méndez & García Espejo (2014, pDíaz-Méndez, C., & García Espejo, I. (2014). La mirada sociológica hacia la alimentación: análisis crítico del desarrollo de la investigación en el campo alimentario. Política y Sociedad, 51(1), 15-49..15) quando asseveram que:

[...] a fome e a má nutrição são problemas que não desapareceram nas sociedades sobrealimentadas e os analistas associam estas situações a contextos que se aprofundam em virtude das desigualdades, ainda que com uma nova cara. Podemos dizer que a obesidade é a manifestação moderna da pobreza1 1 Todas as citações foram traduzidas para o português pelos autores. .

Uma crise civilizatória se impõe de forma deletéria sobre os mais pobres, tanto por não lhes assegurar o direito a comer, mas sobretudo quando, por obra do descaso e da incúria, são eles forçados a ingerir artigos prejudiciais à saúde e de escasso valor nutricional. As fissuras do atual regime agroalimentar são evidentes, não somente por conta dos fatos aqui relatados, mas também pelo padrão intensivo de produção agropecuária ao qual estão associados, a progressiva destruição dos recursos naturais e os impactos deletérios que o modo intensivo de produzir acarreta para o aquecimento global e a destruição da biodiversidade.

A gravidade do cenário e a complexidade dos fatores implicados estão na origem do processo que ensejou a cunhagem de um neologismo – “sindemia” – recentemente2 2 O termo em epígrafe teria sido proposto por Merrill Singer durante os anos 1990 e representa a síntese de dois vocábulos (sinergia e pandemia). Em 2009 o mesmo autor publica a obra “Introduction to Syndemics. A critical Systems Approach to Public and Community Health” (Singer, 2009). incorporado ao léxico das agências multilaterais na área da saúde, direitos humanos, do combate à pobre e à insegurança alimentar, da agricultura e desenvolvimento, bem como no âmbito dos grandes debates travados na esfera acadêmica e científica. Grosso modo o termo traduz a trágica coincidência de duas ou mais enfermidades que interagem reciprocamente, de tal sorte que o dano causado pelo conjunto da obra é sempre maior do que a soma isolada de cada uma das desgraças.

Dentre as mais renomadas menções ao termo está a publicação liderada por Boyd Swinburn, professor da Escola de Saúde da População da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, em número especial da Revista Lancet, que veio à luz recentemente (2019). A “sindemia” situa a nefasta convergência e as interações estabelecidas entre desnutrição, obesidade e mudanças climáticas. Trata-se de fenômeno que afeta, em maior ou menor medida, às populações de todos os quadrantes do planeta.

O estudo em questão (Swinburn et al., 2019Swinburn, B. A., Kraak, V. I., Allender, S., Atkins, V. J., Baker, P. I., Bogard, J. R., Brinsden, H., Calvillo, A., De Schutter, O., Devarajan, R., Ezzati, M., Friel, S., Goenka, S., Hammond, R. A., Hastings, G., Hawkes, C., Herrero, M., Hovmand, P. S., Howden, M., Jaacks, L. M., Kapetanaki, A. B., Kasman, M., Kuhnlein, H. V., Kumanyika, S. K., Larijani, B., Lobstein, T., Long, M. W., Matsudo, V. K. R., Mills, S. D. H., Morgan, G., Morshed, A., Nece, P. M., Pan, A., Patterson, D. W., Sacks, G., Shekar, M., Simmons, G. L., Smit, W., Tootee, A., Vandevijvere, S., Waterlander, W. E., Wolfenden, L., & Dietz, W. H. (2019). The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the Lancet Commission Report. Lancet, 393(10173), 791-846. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32822-8
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) foi publicado antes da eclosão da pandemia do Covid-19, e embora as estonteantes cifras de óbitos sigam produzindo notável impacto midiático, não se pode minimizar o fato de que o cenário “sindêmico” guarda estreitos vínculos com certos padrões já consagrados no modo de vida contemporâneo, incluindo a atual conformação dos sistemas alimentares, com os hábitos dos indivíduos, com as práticas alimentares e com a qualidade da atuação do Estado. Não há como aceitar soluções improvisadas e de curto prazo, muito menos insistir uma visão setorial que, dentre outros aspectos, aposta na velha fórmula produtivista ao predicar que supersafras teriam o condão de mudar um quadro tão complexo e desafiador. A solução produtivista é cada vez mais vista como um mito na luta pela soberania alimentar.

Em meio a esse cenário eclode um movimento difuso e multifacetado de contestação ao mainstream da produção e distribuição de alimentos, bem como uma plêiade de iniciativas cujo traço recorrente é a busca de saídas à crise agroalimentar e à tirania imposta pelo que se veio a chamar ‘impérios alimentares’ (Ploeg, 2008Ploeg, J. D. V. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: UFRGS Editora.), com suas longas cadeias de distribuição, da banalização dos hábitos de comer e imposição de padrões de consumo que aviltam a razoabilidade.

A noção conhecida como “redes agroalimentares alternativas” abarca, em seu interior, diversas iniciativas e estratégias de atores sociais que pugnam por construir novos itinerários ante à crise alimentar, bem como uma variedade de enfoques teóricos adotados no estudo destes processos. A ênfase no fator local aparece em pesquisas (Renting et al., 2003Renting, H., Marsden, T., & Banks, J. (2003). Understanding alternative food networks: exploring the role of short food supply chains in rural development. Environment & Planning A, 35(3), 393-411. http://dx.doi.org/10.1068/a3510
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; Ilbery & Maye, 2005Ilbery, B., & Maye, D. (2005). Alternative (shorter) food supply chains and specialist livestock products in the Scottish-English borders. Environment & Planning A, 37(5), 823-844. http://dx.doi.org/10.1068/a3717
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) centradas no estudo de cadeias curtas de aprovisionamento e/ou na mensuração das distâncias que separam os âmbitos da produção e do consumo final dos produtos, como no caso do enfoque “food miles” (Smith et al., 2005Smith, A., Watkiss, P., Tewddle, G., McKinnon, A., Browne, M., Hunt, A., Treleven, C., Nash, C., & Cross, S. (2005). The validity of food miles as an indicator of sustainable development. London: DEFRA. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://library.uniteddiversity.coop/Food/DEFRA_Food_Miles_Report.pdf
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).

As longas cadeias demandam um elevado consumo de combustíveis fósseis e desperdícios no transporte e distribuição de frutas, legumes e verduras. Essa foi a conclusão principal do estudo realizado por Pirog & Rasmussen (2008)Pirog, R., & Rasmussen, R. (2008). Food, fuel and the future: consumer perceptions of local food, food safety and climate change in the context of rising prices. Leopold Center for Sustainable Agriculture. Recuperado em 5 de maio de 2023, de http://lib.dr.iastate.edu/leopold_pubspapers/126/
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no estado de Iowa (EUA). Consumidores conscientes ampliam sua percepção em torno ao papel estratégico das cadeias curtas de suprimento (“short food supply chains”), seja no sentido de reduzir os efeitos deletérios das grandes cadeias globais (Ilbery & Maye, 2005Ilbery, B., & Maye, D. (2005). Alternative (shorter) food supply chains and specialist livestock products in the Scottish-English borders. Environment & Planning A, 37(5), 823-844. http://dx.doi.org/10.1068/a3717
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), seja pelo impulso que este tipo de enfoque acarreta para o desenvolvimento rural (Renting et al., 2003Renting, H., Marsden, T., & Banks, J. (2003). Understanding alternative food networks: exploring the role of short food supply chains in rural development. Environment & Planning A, 35(3), 393-411. http://dx.doi.org/10.1068/a3510
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).

O apelo ao local aparece ainda nas “community-supported agriculture” (CSA) que apoiam os agricultores praticantes de formas sustentáveis de produção agropecuária (Parker, 2005Parker, G. (2005). Sustainable food? Teikei, Co-operatives and Food Citizenship in Japan and in the UK, Working Paper in Real Estate and Planning. Reading: Department of Real Estate and Planning, University of Reading.), nos grupos de compras solidárias de alimentos, como assim demonstra o instigante fenômeno GAS na Itália (Anjos & Caldas, 2018Anjos, F. S., & Caldas, N. V. (2018). Uma resposta sólida a um regime agroalimentar em crise: o fenômeno GAS na Itália. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(95), 1-19. http://dx.doi.org/10.17666/329513/2017
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; Brunori et al., 2012Brunori, G., Rossi, A., & Guidi, F. (2012). On the new social relations around and beyond food: analyzing consumer’s role and action in Gruppi di Acquisto Solidale. Sociologia Ruralis, 52(1), 1-30. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-9523.2011.00552.x
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). O fato é que há uma miríade de iniciativas e tendências - bastante heterogêneas entre si - que privilegiam o local em detrimento do global.

Todavia, como bem sublinharam Fonte & Cucco (2018), aFonte, M., & Cucco, I. (2018). The centrality of food for social emancipation: Civic food networks as real utopias projects. In J. L. Vivero-Pol, T. Ferrando, O. De Schutter & U. Mattei (Eds.), Routledge handbook of food as a commons (pp. 342-355). London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9781315161495-22
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defesa do local pode ocultar ideologias protecionistas e neoruralistas, bem como estratégias defensivas e limitadas enquanto aos compromissos éticos mais amplos com a sustentabilidade e com a inclusão social. Não basta ser local para ser sustentável. Nesse sentido, ainda segundo tais autores, o valor heurístico da comida local mostra-se limitado enquanto categoria de análise. Por conta disso, alguns autores (Born & Purcell, 2006Born, B., & Purcell, M. (2006). Avoiding the local trap: scale and food system in planning research. Journal of Planning Education and Research, 26(2), 195-207. http://dx.doi.org/10.1177/0739456X06291389
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) falam de “armadilha local” para destacar os riscos implícitos de se fazer uma defesa incondicional do critério ‘proximidade’ sem levar em conta outros fatores essenciais, como é o caso do impacto ambiental, da justiça social, da equidade e do respeito aos princípios éticos.

Os chamados mercados institucionais, também referidos na literatura como “home-grown school feeding” (HGSF), têm sido vistos como uma estratégia consistente e bem-sucedida no sentido de aliar o fornecimento de alimentos de qualidade (frutas, legumes e verduras) aos alunos de escolas públicas com o incentivo aos agricultores familiares, especialmente os que se dedicam à produção agroecológica no âmbito local.

Essa tem sido a tônica do Programa Mundial de Alimentação levado a efeito pela maior agência (FAO) da Organização das Nações Unidas ao defender os HGSF como uma inovação social que exprime a síntese de uma típica política ‘win-win’ (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2015Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition. (2015). Healthy meals in schools: policy innovations linking agriculture, food systems and nutrition (Policy Brief, No. 3). Londres. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://glopan.org/sites/default/files/HealthyMealsBrief.pdf
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), ou seja, programas em que os benefícios se estendem a todos os atores implicados (estudantes, produtores, famílias, etc.) no processo e ao ambiente natural como um todo.

Ao pensar nos esquemas de tipo HGSF percebemos a expressão mais genuína da transversalidade do ato alimentar, o qual integra, em torno de si, diversos campos do conhecimento (antropologia, economia, agronomia, etc.). Nesse contexto, uma política setorial se mostra completamente anacrônica para alcançar objetivos similares. Em outras palavras, combater a insegurança alimentar não pode ser obra isolada de um ministério ou de uma secretaria de governo, mas de um conjunto de áreas de atuação.

Outro aspecto crucial é que promover esse tipo de política significa romper com a tradição assistencialista que marcou a história da FAO e de outras agências de desenvolvimento. Uma das críticas mais contundentes a esse modelo nos é dada por Lappé et al. (1981)Lappé, F. M., Collins, J., & Kinley, D. (1981). Aid as obstacle: twenty questions about our foreingn aid and the hungry. Califórnia: Institute for Food and Devepment Policy. que aludem ao obstáculo advindo da ajuda alimentar externa, quando esta, não raras vezes, converte-se em instrumento de dominação dos países pobres pelos países ricos. O desconcertante título da obra destes autores - “Aid as obstacle” – traduz a reiterada destruição dos sistemas locais de produção agropecuária praticada, ao longo dos anos 1970, pelas agências mundiais de desenvolvimento. A pretexto de combater a fome as nações ricas inundam os países pobres com sua produção excedentária, impondo uma concorrência desleal (altamente subsidiada na origem) sobre os produtores familiares locais. Nesse contexto, a experiência mostra que cada nação deve encontrar o próprio caminho para enfrentar os problemas ligados à alimentação de sua população.

Eis as chaves para compreender outra faceta importante do debate sobre a natureza das redes construídas entre consumidores, produtores, Estado e sociedade civil, qual seja, a dimensão cívica subjacente a experiências promissoras que obram em favor da cidadania e de uma democracia alimentar (Renting et al., 2012Renting, H., Schermer, M., & Rossi, A. (2012). Building food democracy: Exploring civic food networks and newly emerging forms of food citizenship. International Journal of Sociology of Agriculture and Food, 19(3), 289-307.). Esse engajamento cívico é fundamental no caso dos mercados institucionais, especialmente quando o que está em jogo é a saúde dos estudantes, o combate à fome, mas também da obesidade, a valorização de bons hábitos alimentares, o fomento à produção local, a preservação dos recursos naturais e a geração de emprego e renda.

As duas últimas décadas foram pródigas em termos de produção acadêmica e científica relacionada com o objeto central deste artigo. Não por obra do acaso a própria Revista de Economia e Sociologia Rural tem assumido papel de destaque como espaço de divulgação ao acolher um conjunto amplo e diversificado de trabalhos que tratam de esgarçar o potencial heurístico da alimentação como objeto de reflexão científica a partir de distintos enfoques e perspectivas analíticas. A título de exemplo poder-se-ia citar a vertente de estudos voltados à análise de impacto dos mercados institucionais, tanto no sentido geral (Santos & Torres, 2023Santos, T. T. B., & Torres, R. L. (2023). Efeitos do acesso ao mercado institucional sobre a segurança alimentar e nutricional no município de Almirante Tamandaré, Paraná. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(2), e257596. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.257596
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), como em específico, aludindo a programas como o PNAE (Vilela et al., 2021Vilela, K. F., Vilela, K. F., Freitas, A. F., Braga, G. B., Barbosa, R. A., & Vieira, J. P. L. O. (2021). Programa Nacional de Alimentação Escolar no Instituto Federal Baiano: uma abordagem relacional do processo de implementação. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60, 1-21. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.245586
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) ou do PAA (Schabarum & Triches, 2019Schabarum, J. C., & Triches, R. M. (2019). Aquisição de produtos da agricultura familiar em municípios Paranaenses: análise dos produtos comercializados e dos preços praticados. Revista de Economia e Sociologia Rural, 57(1), 49-62. http://dx.doi.org/10.1590/1234-56781806-94790570103
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).

A experiência relativa à implantação dos Desenvolvimento Local e Segurança Alimentar (CONSADs) foi abordada em estudos (Anjos e Caldas, 2007Anjos, F. S., & Caldas, N. V. (2007). Construindo a segurança alimentar? A experiência recente dos CONSADs no Brasil meridional. Revista de Economia e Sociologia Rural, 45(3), 645-673. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20032007000300005
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; Ortega, 2007Ortega, A. C. (2007). Desenvolvimento territorial rural no Brasil: limites e potencialidades dos CONSADs. Revista de Economia e Sociologia Rural, 45(2), 275-300. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20032007000200003
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) cuja ênfase recaiu na abordagem sobre o difícil diálogo entre Estado e sociedade civil na edificação de novas institucionalidades na área de segurança alimentar e nutricional nas diversas regiões do país. Grisa & Porto (2023)Grisa, C., & Porto, S. I. (2023). Políticas alimentares e referenciais setoriais na trajetória brasileira. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61, 1-20. ttps://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.259390pt
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sugerem um esquema analítico para as distintas fases na trajetória de políticas públicas voltadas à questão alimentar no Brasil, o qual inclui o período atinente aos anos pós-impeachment de Dilma Rousseff, marcado pela destruição das bases que ensejaram a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Cruz et al. (2022)Cruz, M. S., Ribeiro, E. M., Perondi, M. A., Araújo, A. M., & Maltez, M. A. P. (2022). Comprando qualidade: costume, gosto e reciprocidade nas feiras livres do Vale do Jequitinhonha. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(spe), e245926. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.245926
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voltam sua mirada à dinâmica das feiras-livres do Jequitinhonha como sistema de comercialização que opera em espaços recônditos do abastecimento alimentar das cidades. Aproximações à questão da segurança alimentar em sua conhecida acepção de soberania e garantia de direitos fundamentais aparecem em estudos como o de Grigol et al. (2022)Grigol, N. S., Molina, S. M. G., Sant’Ana, G. C., & Garavello, M. E. P. E. (2022). Produção para autoconsumo e segurança alimentar entre assentados rurais do Alto Xingu, Mato Grosso, Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(2), e233195. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2021.233195
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, Soares et al. (2018)Soares, K. R., Ferreira, E. E., Seabra Junior, S., & Neves, S. M. A. S. (2018). Extrativismo e produção de alimentos como estratégia de reprodução de agricultores familiares do assentamento Seringal, Amazônia Meridional. Revista de Economia e Sociologia Rural, 56(4), 645-662. http://dx.doi.org/10.1590/1234-56781806-94790560406
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entre grupos rurais, mas também no âmbito urbano, como na pesquisa realizada por Costa et al. (2013)Costa, L. V., Gomes, M. F. M., Lírio, V. S., & Braga, M. J. (2013). Produtividade agrícola e segurança alimentar dos domicílios das regiões metropolitanas brasileiras. Revista de Economia e Sociologia Rural, 51(4), 661-680. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20032013000400003
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em domicílios urbanos de regiões metropolitanas.

Compreender os distintos matizes desses processos exige um arsenal teórico e metodológico que vá além da superficialidade adotada no estudo de cadeias singulares de suprimento alimentar, a exemplo da produção orgânica ou de outras formas de apelo à distinção. É preciso reconhecer os desafios cognitivos que tais iniciativas encerram enquanto objeto da reflexão científica. Convergimos com aqueles que advogam acerca da importância de uma sociologia da alimentação (Poulain, 2002Poulain, J. P. (2002). Sociologies de l’alimentation. Paris: PUF.) como campo do conhecimento apto a superar os limites impostos pela visão disciplinar e setorial que soe se impor no debate acadêmico e científico.

A sociologia da alimentação é um campo de estudo multidisciplinar centrado nas relações sociais, culturais, econômicas e políticas relacionadas à produção, distribuição, consumo e significado da comida. Dentro desse campo, existem várias tendências e vertentes teóricas que abordam diferentes aspectos e perspectivas da alimentação. Nos parágrafos precedentes enunciamos algumas das principais tendências e vertentes teóricas mais importantes.

Com efeito, poder-se-ia pensar os mercados institucionais, e as ações em torno à alimentação escolar, como a materialização de um processo de construção social levado a efeito pelos atores que operam dentro de um campo nos termos definidos de Bourdieu (1980)Bourdieu, P. (1980). Quelques propriétès des champs. In P. Bourdieu (Ed.), Questions de sociologie (pp. 113-120). Paris: Minuit.. À guisa dessa perspectiva se reconhece a existência de um espaço de lutas ou de uma arena marcada pela interação de agentes que ocupam diversas posições (no caso em tela, pais, professores, alunos, agentes públicos e privados, empresas, etc.) em meio à disputa de bens públicos e da produção de consensos sobre uma questão que, como vimos anteriormente, cobra cada vez mais importância. O caso espanhol, como veremos na próxima seção, reflete as nuances deste debate, mas também paradoxos e dilemas que afetam o âmbito interno e externo das escolas e o respectivo papel dos atores sociais implicados.

3. Metodologia

Estudar o estado da segurança alimentar num outro país, rastrear e explorar as fontes secundárias e primárias de informação requer uma imersão profunda e exaustiva da realidade. Nesse contexto, a pesquisa cujos dados ensejaram este artigo se desenvolveu durante doze (12) meses de uma missão internacional de estudo realizada em solo espanhol junto a um conceituado centro de pesquisa em ciências humanas e sociais durante o espaço de tempo compreendido entre os meses de setembro de 2019 e agosto de 2020. A investigação envolveu o inventário de bases empíricas sobre a população escolar em situação de insegurança alimentar, de indicadores de pobreza, de incidência de obesidade, do número de refeitórios, de registros e do marco legal relacionado à contratação pública, bem como da legislação geral e específica que rege o funcionamento de experiências de alimentação escolar, tanto em nível do Estado espanhol como no âmbito das comunidades autônomas.

Paralelamente ao levantamento de dados e diversos registros estatísticos sobre aspectos centrais e conexos ao objeto da pesquisa, houve por bem construir um instrumento específico de coleta de depoimentos, correspondente a um roteiro semiestruturado de questões fechadas e abertas. O foco central era conhecer a posição de especialistas na questão da segurança alimentar e nutricional, membros de organizações não-governamentais, associações de pais de alunos, professores e diretores de escolas públicas. Os primeiros entrevistados foram convidados a participar das entrevistas através de indicações de pesquisadores e informantes-chaves, a partir de então outras pessoas e instituições foram se incorporando à pesquisa, trazendo sua posição e percepções sobre aspectos da pesquisa.

Através do Quadro 1 é possível ter uma visão geral sobre a diversidade da condição dos entrevistados que participaram da investigação. Desse modo foi possível construir uma abordagem bastante diversificada, cruzando olhares sobre um mesmo assunto – alimentação escolar na Espanha – a partir de perspectivas diferenciadas em termos da relação das pessoas com o tema, do interesse no assunto e da influência que ele exerce sobre o modo como atuam enquanto agentes sociais.

Quadro 1
Descrição dos entrevistados segundo a condição e/ou relação com o objeto da investigação

A pesquisa de campo se iniciou antes da eclosão da pandemia do Covid-19. Todavia, no decorrer do processo foi adquirindo novos contornos diante da necessidade de realizar as entrevistas pela via remota. Por conta disso, lançou-se mão de diversos aplicativos (WhatsApp, Skype, Google Meet e Zoom) segundo a preferência dos entrevistados e domínio destas ferramentas de comunicação social. Ao final logrou-se reunir um ingente material decorrente dos depoimentos colhidos em dezessete entrevistas em profundidade que geraram 33 horas de gravação, os quais foram integralmente transcritos e organizados segundo os grandes eixos de análise.

4. Resultados e discussão

4.1 A segurança alimentar em Espanha

A Espanha é uma monarquia parlamentar constituída por 17 comunidades autônomas (CCAA), onde vivem atualmente 47,432 milhões de habitantes (España, 2022bEspaña. Instituto Nacional de Estadística – INE. (2022b). Cifras de población. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.ine.es/dyngs/INEbase/es/operacion.htm?c=Estadistica_C&cid=1254736176951&menu=ultiDatos&idp=1254735572981
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). Promulgada em julho de 2011, a lei nº 17, de segurança alimentar e nutricional estabelece que o governo, de forma articulada com as CCAA, deve atuar no sentido de elaborar uma estratégia para fomentar uma alimentação saudável, promover a atividade física como forma de inverter a tendência crescente de obesidade (infantil e juvenil), bem como as doenças a ela associadas (España, 2021aEspaña. (2021a). Ley 17/2011, de 5 de julio, de seguridad alimentaria y nutrición. Boletín Oficial de España. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.boe.es/eli/es/l/2011/07/05/17/con
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). Recomenda, outrossim, que nas concessões de serviços de restauração as administrações públicas devem primar por requisitos que assegurem uma alimentação variada, equilibrada e adaptada às necessidades nutricionais dos usuários.

Todavia, na leitura deste documento torna-se evidente que se está diante de um marco legal cuja ênfase recai na questão da segurança do alimento (“safety food”) e não propriamente da segurança alimentar (“food security”) e nutricional. Em outras palavras, a lei em vigor não se mostra identificada com o esforço de tornar o Estado um fiador incondicional do acesso a alimentos de qualidade e em quantidade compatível com as necessidades da população escolar. Nesse contexto, não há o reconhecimento explícito de que a alimentação é simultaneamente um direito dos cidadãos e dever do Estado.

Fontes oficiais (España, 2020España. Ministerio de Consumo, Agencia Española de Seguridad Alimentaria. (2020). ALADINO 2019: informe breve. Estudio sobre la alimentación, actividad física, desarrollo infantil y obesidad en España. Recuperado em 5 de maio de 2023, de http://www.aesan.gob.es/AECOSAN/docs/documentos/nutricion/observatorio/Informe_Breve_ALADINO2019_NAOS.pdf
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) mais recentes indicam que 40,6% das crianças espanholas, com idade compreendida entre 6 e 9 anos, apresentam excesso de peso, sendo que destas, 23,3% estão em níveis de sobrepeso e 17,3% em níveis de obesidade. Todavia, estudos situados numa perspectiva longitudinal atestam o aprofundamento deste problema. Com efeito, pesquisa realizada por Bravo-Saquicela et al. (2022)Bravo-Saquicela, D., Sabag, A., Rezende, L. E. M., & Rey-López, J. P. (2022). Has the prevalence of childhood obesity in spain plateaued? A systematic review and meta-analysis. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(9), 5240. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph19095240
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refere que a prevalência de excesso de peso corporal (sobrepeso mais obesidade) em crianças espanholas (2 a 6 anos de idade), saltou, respectivamente, de 23,3% no período 1999-2010 para 39,9% no período 2011-2021. Na faixa etária dos 7 aos 13 anos, tal indicador, para os mesmos intervalos de tempo, se viu aumentado, passando de 32,3% para 35,3%. Trata-se de uma epidemia que está longe de estabilizar-se no caso espanhol, sendo assumida, no aludido estudo, como uma “bomba-relógio” (Bravo-Saquicela et al., 2022, pBravo-Saquicela, D., Sabag, A., Rezende, L. E. M., & Rey-López, J. P. (2022). Has the prevalence of childhood obesity in spain plateaued? A systematic review and meta-analysis. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(9), 5240. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph19095240
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.6) que demanda estratégias de enfrentamento condizentes com a sua gravidade.

Mas há outros paradoxos desconcertantes no caso espanhol, se temos em mente o recente relatório elaborado pela FAO (Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura, 2020Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura – FAO. (2020). El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo. Transformación de los sistemas alimentarios para que promuevan dietas asequibles y saludables. Roma: FAO. http://dx.doi.org/10.4060/ca9692es
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) – Estado da segurança alimentar no mundo – segundo o qual, nesse país europeu, há 4 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Na pesquisa realizada por Moragues-Faus & Magaña-González (2022)Moragues-Faus, A., & Magaña-González, C. R. (2022). Alimentando un futuro sostenible Estudio sobre la inseguridad alimentaria en hogares españoles antes y durante la COVID-19, 2022. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.ub.edu/alimentandounfuturosostenible/documents/informe-alimentacion_una-pag.pdf
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a magnitude dos problemas relacionados à alimentação em Espanha ganha cores ainda mais intensas. Trata-se de pesquisa que avalia o grau de segurança alimentar a partir da uma métrica validada internacionalmente (“Food Insecurity Experience Scale”) e de uma amostra representativa dos domicílios. Segundo esta fonte, nada menos que 13,3% dos lares espanhóis experimentam alguma forma de insegurança alimentar. Em números absolutos tal fenômeno afeta a 2,5 milhões de domicílios e 6,235 milhões de pessoas.

Moragues-Faus & Magaña-González comparam a situação antes e depois da pandemia da Covid-19, mostrando que a insegurança alimentar se viu dilatada, havendo sido registrado um incremento de 656.418 pessoas nessa condição. Dentre as conclusões dessa pesquisa consta que o problema dos lares espanhóis em dispor de uma alimentação adequada consiste num fenômeno estrutural e não meramente conjuntural. Some-se a isso o fato de a Espanha não assegurar o direito a uma alimentação adequada à própria população, além de não dispor de estatísticas que permitam monitorar a evolução deste fenômeno através do tempo.

Outros países do núcleo central do capitalismo vivenciam este mesmo cenário, a exemplo do Reino Unido, onde o número de pessoas que não logram alimentar-se de forma adequada foi multiplicado por quatro, após o auge da pandemia, alcançando 16,2% de sua população (Loopstra, 2020Loopstra, R. (2020). Vulnerability to food insecurity since the COVID-19 lockdown Report Food Foundation. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://foodfoundation.org.uk/sites/default/files/2021-10/Report_COVID19FoodInsecurity-final.pdf
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). Vale dizer ainda que:

Os efeitos da Covid-19 destaparam esta realidade, sendo as ‘filas da fome’ uma de suas imagens mais recorrentes para ilustrar o impacto socioeconômico da pandemia e demonstrar o papel essencial da alimentação na vida das pessoas (Moragues-Faus & Magaña-González, 2022, pMoragues-Faus, A., & Magaña-González, C. R. (2022). Alimentando un futuro sostenible Estudio sobre la inseguridad alimentaria en hogares españoles antes y durante la COVID-19, 2022. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.ub.edu/alimentandounfuturosostenible/documents/informe-alimentacion_una-pag.pdf
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.12, destacado no original).

A partir dos dados aqui apresentados e da literatura consultada é possível extrair duas conclusões. A primeira delas é que a pobreza e a insegurança alimentar são claramente subestimadas na Espanha, sendo que a pandemia do Covid-19 agravou ainda mais esta mazela social. A segunda delas é que esse país europeu não dispõe de um marco legal e institucional consistente, capaz de dar respostas claras e efetivas a estes ingentes desafios. A maior parte das competências nesse âmbito é transferida às Comunidades Autônomas, havendo enormes discrepâncias na eficácia das ações adotadas, especialmente no caso das iniciativas que afetam ao âmbito da alimentação escolar, questão que será abordada na próxima seção deste artigo.

4.2. Paradoxos da alimentação escolar em Espanha

Dados mais recentes do Ministério da Educação e Cultura espanhol (2021) referem a existência de 6.507.067 estudantes matriculados, sendo que 24,9% correspondem a alunos da educação infantil (0-6 anos), 43,7% ao nível de educação primária (6-12 anos) e 31,4% ao nível de educação secundária obrigatória (12-16 anos). A mesma fonte (Giamello et al., 2022Giamello, C., Blanco, C., Álvarez, M., & Salinas, P. (2022). Comedor escolar universal y gratuito: un objetivo alcanzable y urgente. Madrid: EDUCO/KSNET. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://educowebmedia.blob.core.windows.net/educowebmedia/educospain/media/docs/landing/informe-becas-comedor-2022/educo-2022-comedor-escolar-universal-y-gratuito-un-objetivo-alcanzable-y-urgente.pdf
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) reitera que 66,4% dos matriculados referem-se a centros públicos e o restante (33,6%) a redes privadas.

Nos centros públicos de educação primária (ano letivo 2019-2020) o percentual médio de alunos espanhóis usuários de refeitórios (comedores) era de apenas 44,8%. Todavia, como mostra a Figura 1, quando cotejamos, entre si, as diversas comunidades autônomas, as diferenças são gritantes.

Figura 1
Percentagem de alunos da educação primária que utilizam o refeitório de escolas públicas de Espanha no ano letivo 2019-2020 segundo Comunidades Autônomas. Fonte:Giamello et al. (2022)Giamello, C., Blanco, C., Álvarez, M., & Salinas, P. (2022). Comedor escolar universal y gratuito: un objetivo alcanzable y urgente. Madrid: EDUCO/KSNET. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://educowebmedia.blob.core.windows.net/educowebmedia/educospain/media/docs/landing/informe-becas-comedor-2022/educo-2022-comedor-escolar-universal-y-gratuito-un-objetivo-alcanzable-y-urgente.pdf
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Com efeito, se no País Basco, Comunidade Valenciana e Catalunha o mesmo dado alcança 78%, 60% e 54%, na Andaluzia, Castela La Mancha, Estremadura e Murcia tem-se escassos 33%, 23%, 21% e 16% respectivamente (Giamello et al., 2022Giamello, C., Blanco, C., Álvarez, M., & Salinas, P. (2022). Comedor escolar universal y gratuito: un objetivo alcanzable y urgente. Madrid: EDUCO/KSNET. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://educowebmedia.blob.core.windows.net/educowebmedia/educospain/media/docs/landing/informe-becas-comedor-2022/educo-2022-comedor-escolar-universal-y-gratuito-un-objetivo-alcanzable-y-urgente.pdf
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).

A realização da pesquisa que ensejou o presente artigo coincidiu com o escândalo envolvendo a alimentação escolar na Comunidade de Madrid no começo de 2020. A polêmica refere-se à decisão do governo autonômico de adquirir lanches rápidos de três grandes cadeias de “fast food” para fornecê-los a estudantes em situação de vulnerabilidade social e beneficiários de ajudas públicas (renda mínima de inserção). Tal escândalo foi amplamente reverberado em grandes veículos de imprensa. Esse é o caso das matérias publicadas no jornal “El País” em maio de 2020, denunciando a espúria decisão do governo de Madri em fornecer pizzas industriais, nuggets de carne de frango e outros produtos ultraprocessados para estudantes em situação de risco de vulnerabilidade social da rede pública de ensino.3 3 Ver a propósito: Ferrero (2020). O argumento da pandemia do Covid-19 foi utilizado na tomada de uma decisão que contraria totalmente os princípios nutricionais mais elementares, especialmente no que tange ao aludido combate aos maus hábitos alimentares, bem como às bases éticas que deveriam reger as relações entre o poder público e os interesses privados. Nesse caso, a instância máxima de poder de uma comunidade autônoma, onde residem 6,6 milhões de espanhóis, foi objeto de duras críticas por parte de diversos segmentos da sociedade civil.

Tal episódio trouxe à tona, num contexto mais amplo, as contradições que envolvem a alimentação escolar na Espanha. Nesse país existem dois modelos ou regimes no que afeta à administração dos refeitórios escolares: de um lado, os que operam sob gestão direta, que corre a cargo dos governos (local ou regional) ou de associações de pais e mães; de outro, os refeitórios de gestão indireta, realizada por empresas de catering (subcontratação) que chegaram a tal condição por meio de processos licitatórios.

Na Espanha se impôs, a partir do começo dos anos 1990, o regime de subcontratação (gestão indireta), predominando o sistema de ‘linha fria’, ou seja, comida pré-elaborada em cozinhas centrais, cuja distância é variável em relação aos refeitórios, a qual é acondicionada em recipientes plásticos para ser depois reaquecida nos centros escolares e oferecida aos estudantes. Dados recentes apontam o caráter oligopolizado de um setor no qual quatro grandes empresas controlam nada menos que 58% deste mercado (Del Campo al Cole, 2018Del Campo al Cole. (2018). Del diagnóstico a las propuestas de mejora. Informe sobre la alimentación escolar en España. Recuperado em 5 de maio de 2023, de http://delcampoalcole.org/investigacion
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). Mas há outros paradoxos na alimentação escolar de Espanha.

Aprovada em 2017, a nova lei de contratação pública estabelece a necessidade de uma maior transparência nos processos, de introduzir critérios socioambientais, bem como da divisão dos contratos em lotes menores. No último caso tem-se um intento de criar condições para que empresas de menor porte possam participar das licitações. Ainda assim, o sistema segue bastante preso à questão do preço mais baixo e ao aludido regime de subcontratação nos processos licitatórios. O testemunho de um de nossos entrevistados, membro de organização não-governamental (ONG), cuja atuação se volta à questão da alimentação saudável, é bastante eloquente ao comparar o caso espanhol com o de outros países europeus:

Eu comparo a Espanha com o contexto mais próximo em nível internacional. Nesse caso, por exemplo, com o que conheço da situação na França e também na Itália, e é enormemente negativa para o caso espanhol. No caso da França eles levam uma série de anos impulsionando a compra pública de alimentos no âmbito escolar para ampliar o consumo de produtos ecológicos e de proximidade, e no caso da Itália ocorre o mesmo4 4 Os depoimentos dos entrevistados (em espanhol) foram traduzidos para o português. (destaques nossos).

O último depoimento reflete, em maior ou menor medida, os dados apresentados na Tabela 1. Nesses termos é possível observar que, diferentemente do Grupo 1 de países europeus que asseguram acesso universal e gratuito à população escolar, a Espanha opta por assegurar a gratuidade a um percentual insuficiente de famílias que necessitam de ajuda do Estado. Além de injusto, tal sistema acaba por causar a estigmatização das crianças beneficiadas (Giamello et al., 2022, pGiamello, C., Blanco, C., Álvarez, M., & Salinas, P. (2022). Comedor escolar universal y gratuito: un objetivo alcanzable y urgente. Madrid: EDUCO/KSNET. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://educowebmedia.blob.core.windows.net/educowebmedia/educospain/media/docs/landing/informe-becas-comedor-2022/educo-2022-comedor-escolar-universal-y-gratuito-un-objetivo-alcanzable-y-urgente.pdf
https://educowebmedia.blob.core.windows....
.22), assim como um processo de segregação (España, 2022c, pEspaña. Save the Children. (2022c). Garantizar comedor escolar sano y gratuito a toda la infancia en riesgo de pobreza. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.savethechildren.es/sites/default/files/2022-05/Garantizar_comedor_escolar_sano_gratuito_a_toda_infancia_en_riesgo_de_pobreza.pdf
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.16) dentro do ambiente onde transcorre a vida escolar. Nota-se que países que não oferecem ajudas (Dinamarca e Países Baixos) são aqueles em que a fome e a pobreza inexiste. Todavia, decididamente, não é o caso da Espanha como indicam os dados aqui apresentados.

Tabela 1
Distribuição dos países de países europeus segundo a modalidade de ajudas concedidas à alimentação escolar.

A importância da alimentação escolar se amplia, dentre outros fatores, a partir de dados oficiais (Pesquisa de condições de vida) que informam que a pobreza infantil em Espanha supera a pobreza geral, havendo se ampliado (0,7%) em função da pandemia (España, 2021bEspaña. (2021b). Estadística de las enseñanzas no universitarias. Curso 2019-2020. S.G. de Estadística y Estudios del Ministerio de Educación y Formación Profesional. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.educacionyfp.gob.es/servicios-al-ciudadano/estadisticas/no-universitaria.html
https://www.educacionyfp.gob.es/servicio...
). A mesma fonte indica a existência de 2,379 milhões de crianças em situação de pobreza nesse país em 2021.

Os dados são contundentes e demandam medidas compatíveis com a gravidade da questão, sobretudo quando há evidências claras de que a pobreza se associa à fome e à insegurança alimentar, mas também ao sobrepeso e à obesidade infantil devido à ingestão de produtos de alto conteúdo calórico e baixo valor nutricional.

Na aludida investigação realizada por Moragues-Faus & Magaña-González essa atroz associação foi ressaltada. Segundo estas autoras:

Diversos estudos revelam que as pessoas que sofrem enfermidades relacionadas com a dieta são aquelas que experimentam situações socioeconômicas precárias. Assim, por exemplo, 47,3% das meninas e meninos que vivem em entornos familiares com rendas inferiores a 18.000 Euros anuais sofrem problemas de sobrepeso e obesidade, situação que acomete a 33,7% dos menores que vivem em lares com rendas anuais que superam os 30.000 Euros (Moragues-Faus & Magaña-González, 2022, pMoragues-Faus, A., & Magaña-González, C. R. (2022). Alimentando un futuro sostenible Estudio sobre la inseguridad alimentaria en hogares españoles antes y durante la COVID-19, 2022. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.ub.edu/alimentandounfuturosostenible/documents/informe-alimentacion_una-pag.pdf
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.12)

Muitas são as soluções apontadas pelas organizações sociais e instituições espanholas no sentido de enfrentar esse cenário. Uma delas preconiza a alimentação escolar gratuita a todos as crianças (nível primário) das escolas públicas, seguindo o exemplo de outras nações (Finlândia, Suécia, Estônia). Esse é o caminho indicado pela ONG Educo, a qual estima que tal decisão envolveria um investimento público da ordem de 1,664 milhões de Euros anuais, o que equivaleria a 0,13% do PIB espanhol.

O governo do País Basco regulamentou a questão dos refeitórios escolares há mais de vinte anos, assegurando a universalização desta política dentro desta CCAA espanhola. Todavia, mesmo nessa região não foi priorizada a gestão autônoma do espaço, a elaboração in situ das refeições ou a compra de produtos locais (Del Campo al Cole, 2018Del Campo al Cole. (2018). Del diagnóstico a las propuestas de mejora. Informe sobre la alimentación escolar en España. Recuperado em 5 de maio de 2023, de http://delcampoalcole.org/investigacion
http://delcampoalcole.org/investigacion...
). Desse modo, a opção recaiu na manutenção de um sistema exclusivamente baseado na subcontratação do serviço, o que leva a reproduzir os problemas já apontados.

A insatisfação dos pais com a alimentação fornecida aos seus filhos nas escolas espanholas varia substancialmente entre as CCAA. Um dos progenitores entrevistados define, nos seguintes termos, a situação dos refeitórios escolares na Andaluzia, no sul da Espanha:

Eu lhes dou uma cifra que indica que 51% dos menores de Andaluzia5 5 Ver a propósito: Benitéz (2020). estão em risco de exclusão social, estão em situação de pobreza. Então, mais da metade. Bom, pois se dá a circunstância de que há muitas crianças que vão à escola sem comer, sem o desjejum. Chegou-se a um acordo em muitas escolas, por decisão própria das AMPAS6 6 Associação de Mães e Pais de cada centro escolar. e da direção dos centros, de que há que se oferecer a essas crianças um desjejum. Por quê? Como se pode esperar que crianças que não se alimentam aguentem 6 ou 7 aulas em classe? É uma situação muito complicada e que é muito invisível.

As denúncias da Federação de Associações de Pais e Mães de alunos de Sevilha quanto à baixa qualidade das refeições servidas foram noticiadas na imprensa da capital andaluza. As queixas dos pais residem também no fato de serem eles impedidos de entrar nos “comedores” para ver o que é servido às crianças. A matéria alude a um fato que foi mencionado de modo recorrente nas entrevistas que realizamos e no protesto que as associações de pais realizam junto à administração pública. Muitas Associações de Pais cobram do Estado espanhol mudanças profundas no sistema e na legislação que rege o funcionamento dos refeitórios escolares. A gratuidade do serviço e a universalização da alimentação escolar ganham espaço nos debates sobre o assunto, especialmente num contexto de crise econômica e de perda do poder aquisitivo das famílias, as quais são obrigadas a arcar com o pagamento (parcial ou total) das refeições servidas nas escolas.

As ajudas econômicas oferecidas pelo Estado espanhol, no ano letivo 2021-2022, beneficiaram apenas 11% dos estudantes nos três níveis de ensino, segundo dados da organização “Save the Children” (España, 2022cEspaña. Save the Children. (2022c). Garantizar comedor escolar sano y gratuito a toda la infancia en riesgo de pobreza. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.savethechildren.es/sites/default/files/2022-05/Garantizar_comedor_escolar_sano_gratuito_a_toda_infancia_en_riesgo_de_pobreza.pdf
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). Tais dados foram amplamente divulgados na mais importante rede de imprensa espanhola (RTVE), num contexto em que a pobreza, nestas faixas etárias, alcança nada menos que 27,4% do total. Segundo a mesma fonte, mais de um milhão de menores se situam abaixo do limite da pobreza e não têm acesso a um refeitório escolar ou às ajudas econômicas correspondentes (bolsas de estudo).

E se isso não fora bastante, as empresas de catering reclamam uma subida no preço das refeições servidas devido ao aumento do custo de insumos básicos e do transporte em decorrência do atual conflito Rússia-Ucrânia. A polêmica se aprofunda num contexto de retração da atividade econômica, de aumento da pobreza e da exclusão social.

Elaborado pelo Centro de Estudios Rurales y de Agricultura Internacional (2019)Centro de Estudios Rurales y de Agricultura Internacional – Cerai. (2019). Sistemas alimentarios territorializados en España: 100 iniciativas locales para una alimentación responsable y sostenible. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://cerai.org/organizacion
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, em colaboração com organizações ambientais europeias, o documento intitulado “100 iniciativas locais para una alimentação responsável e sustentável” reúne uma série de experiências promissoras dentro da geografia espanhola no sentido da identificação com os princípios da soberania alimentar, da economia social e solidária, da agroecologia e valorização dos circuitos de proximidade. Algumas destas iniciativas se voltam concretamente à questão da alimentação escolar e da restauração coletiva (hospitais, universidades, etc.). Todavia, para além do voluntarismo dos atores sociais, resta a falta de uma diretriz ou de um marco de referência por parte do Estado espanhol.

Dentro desse contexto, o mérito de estudos como o de Moragues-Faus & Magaña-González (2022)Moragues-Faus, A., & Magaña-González, C. R. (2022). Alimentando un futuro sostenible Estudio sobre la inseguridad alimentaria en hogares españoles antes y durante la COVID-19, 2022. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.ub.edu/alimentandounfuturosostenible/documents/informe-alimentacion_una-pag.pdf
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reside em três aspectos que merecem destaque. O primeiro deles é pelo fato de adotar uma metodologia validada mundialmente para aferir a extensão da insegurança alimentar da Espanha. Em segundo lugar, pelo esforço no afã de reduzir o grau de opacidade que paira sobre o assunto. Por fim, mas não menos importante, por ser portador de dados que tensionam o Estado em prol da criação de um sistema confiável e transparente de monitoramento da insegurança alimentar. Ao introduzir o trabalho realizado por Moragues-Faus & Magaña-González a Diretoria da Fundação responsável pela pesquisa insiste nesse aspecto: “Agora que temos os dados deste problema estrutural, é chegado o momento de atuar, de buscar soluções porque, às vezes, aquilo que não se mede, não existe. É o começo” (Moragues-Faus & Magaña-González, 2022, pMoragues-Faus, A., & Magaña-González, C. R. (2022). Alimentando un futuro sostenible Estudio sobre la inseguridad alimentaria en hogares españoles antes y durante la COVID-19, 2022. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.ub.edu/alimentandounfuturosostenible/documents/informe-alimentacion_una-pag.pdf
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.9).

A concessão de ajudas às famílias, incluídas as que têm filhos matriculados em escolas, serve atualmente como lenitivo frente um quadro social que se viu agravado pela pandemia. Na atual conjuntura 63% das famílias espanholas recebem algum tipo de ajuda econômica, seja da administração pública (58%), seja de outras fontes (familiares, amigos e vizinhos, ONGs e entidades privadas). Enfrentar problemas desse calado requer mudanças estruturais e uma agenda que coloque, em seu centro, a questão da universalização da alimentação escolar. A criação dos mercados institucionais e de iniciativas de tipo “home-grown school feeding” revelam sua eficácia tanto nos países do capitalismo central como em nações em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, Equador, Honduras, Namíbia, Peru, Gana, Quênia ou Moçambique (World Food Programme, 2013World Food Programme – WFP. (2013). State of school feeding worldwide 2013. Rome: WFP. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.wfp.org/publications/state-school-feeding-worldwide-2013
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).

Os benefícios advindos dessas medidas não residem apenas na requalificação dos processos, na retomada do controle da gestão dos refeitórios pela cidadania em geral, na geração de emprego e renda, na redução do grau de opacidade de um sistema dominado pelas empresas de catering, no combate à insegurança alimentar e nutricional, mas na reorientação dos processos em prol da criação de sistemas alimentares mais justos, saudáveis, ecológicos e sustentáveis e que promovam a inclusão social das famílias rurais. A qualidade do alimento, em última instância, vai muito além dos atributos intrínsecos da comida. O sentido pedagógico e socializante da alimentação não pode ser menosprezado.

No âmbito da União Europeia há um movimento no sentido de orientar os Estados Membros com vistas a promover a aquisição de bens e serviços de baixo impacto ambiental. Nesses termos, o Estado é visto como um ator chave para ensejar mudanças que minimizem os efeitos do câmbio climático. Todavia, inexiste, nas atuais circunstâncias, uma menção explícita à questão da alimentação escolar como atribuição precípua das administrações públicas do ponto de vista legal e institucional.

Apesar de ser signatária de vários acordos firmados no âmbito europeu (incluindo o Pacto de Milão), a Espanha não avançou nessa matéria. Algumas prefeituras e CCAA desenvolvem projetos inovadores em prol da retomada da gestão dos refeitórios e da promoção das compras públicas verdes. Não obstante, há também casos, a exemplo dos governos autonômicos de Madri e de Castilla-León, que impedem qualquer outra forma de operação que não seja através da modalidade de catering (subcontratação).

Mais recentemente o governo espanhol publica o Plano de Contratação Pública Ecológica para o septênio 2018-2025 (España, 2022aEspaña. (2022a). Plan de contratación pública ecológica. Boletín Oficial de España. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://www.miteco.gob.es/es/ministerio/planes-estrategias/plan-de-contratacion-publica-ecologica
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). Todavia, trata-se de um documento de caráter geral e vago, aplicável a diversas áreas da administração pública (compras de bens e equipamentos, contratação de serviços, etc.), cujos desdobramentos, no âmbito específico da alimentação escolar, nem de longe são visíveis à luz dos dados e informações aqui reunidos e dos estudos a que tivemos acesso.

O refeitório escolar não pode ser visto como um local onde as crianças realizam refeições, mas um espaço onde se afirmam valores éticos a partir de uma interlocução direta e indireta com as famílias. Oferecer uma alimentação saudável, seguindo os princípios da gratuidade e da universalidade, converte-se num poderoso mecanismo de redução das desigualdades sociais, sobretudo no caso de famílias cujas mães precisam trabalhar o dia inteiro e não têm com quem deixar os filhos no turno da tarde.

No caso da Espanha alguns estudos (Giamello et al., 2022, pGiamello, C., Blanco, C., Álvarez, M., & Salinas, P. (2022). Comedor escolar universal y gratuito: un objetivo alcanzable y urgente. Madrid: EDUCO/KSNET. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://educowebmedia.blob.core.windows.net/educowebmedia/educospain/media/docs/landing/informe-becas-comedor-2022/educo-2022-comedor-escolar-universal-y-gratuito-un-objetivo-alcanzable-y-urgente.pdf
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.22) ressaltam que as crianças cobertas por este tipo de auxílio podem sofrer um processo de estigmatização pelos demais colegas ao serem beneficiárias de um serviço destinado apenas aos pobres. Todavia, ao universalizar o serviço de refeitório abre-se um horizonte de possibilidades de integração das crianças vulneráveis dentro do próprio ambiente escolar.

Mas o refeitório escolar precisa impulsionar as chamadas parcerias sustentáveis, engendrar engajamento cívico e a cooperação para além dos muros da escola, sobretudo com a produção ecológica local ou regional. As iniciativas “home-grown school feeding” (HGSF) do Brasil mostraram ao mundo que isso é possível. No auge do Programa Nacional de Alimentação Escolar mais de 45 milhões de estudantes brasileiros foram atendidos.

Entrementes, a experiência brasileira mostrou a necessidade de criar um ambiente aberto e consentâneo à participação dos agricultores familiares nos Editais que ensejarão os contratos de entrega dos produtos destinados à alimentação escolar. Ao analisar o caso brasileiro, Otsuki chama a atenção para outros aspectos que precisam ser levados em conta para assegurar o êxito de iniciativas de tipo HGSF:

Isso significa que o HGSF requer cooperação e comunicação entre uma gama mais ampla de atores (produtores e consumidores, governos e setor privado), incluindo intermediários, comerciantes, agentes de extensão rural, atacadistas, especialistas em marketing e as organizações às quais esses atores pertencem. (Otsuki, 2011, pOtsuki, K. (2011). Sustainable partnerships for a green economy: a case study of public procurement for home-grown school feeding. Natural Resources Forum, 35(3), 213-222. http://dx.doi.org/10.1111/j.1477-8947.2011.01392.x
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.215).

Entrementes, assegurar o direito à alimentação escolar e converter esse desiderato das famílias em dever do Estado é uma condição necessária, mas não suficiente, para construir iniciativas promissoras de tipo “home-grown school feeding”. Analisando o caso espanhol percebe-se a necessidade de um marco legal e institucional coerente e articulado com tal imperativo, mas também do que Callon, Méadel & Rabeharisoa (2002)Callon, M., Méadel, C., & Rabeharisoa, V. (2002). The economy of qualities. Economy and Society, 31(2), 194-217. http://dx.doi.org/10.1080/03085140220123126
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definem como ‘dispositivos sociotécnicos’, ou seja, condições e mecanismos que tornem possível a edificação de uma verdadeira economia de qualidades, como no caso dos restaurantes escolares e dos mercados institucionais no contexto da realidade espanhola.

Dentre os dispositivos sociotécnicos há que se destacar, dentre outros fatores, os instrumentos de regulação das compras públicas, o treinamento dos produtores para participar deste processo, a qualificação dos profissionais envolvidos e dos espaços destinados à alimentação escolar. A aludida economia de qualidades supõe subverter a lógica da quantidade e abolir o preço como critério norteador das aquisições dos artigos a serem utilizados na elaboração das refeições.

Mas a alimentação escolar e a criação dos mercados institucionais não podem ser entendidas como ponto de chegada, senão como a base para engendrar mudanças mais profundas. Nesse sentido, países como a Itália e do Japão, como ressalta Otsuki (2011, pOtsuki, K. (2011). Sustainable partnerships for a green economy: a case study of public procurement for home-grown school feeding. Natural Resources Forum, 35(3), 213-222. http://dx.doi.org/10.1111/j.1477-8947.2011.01392.x
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.251), institucionalizaram a questão da qualidade da alimentação como parte de um programa educacional mais amplo. No caso japonês há exatos dez anos foi instituída a recomendação de que ao menos 30% dos alimentos adquiridos para as refeições escolares sejam produzidos localmente, ou seja, o mesmo critério adotado no PNAE brasileiro em sua profícua trajetória a que fizemos menção na primeira seção deste artigo.

5. Conclusões

Publicado em 2013, o livro de Jean Ziegler (Destruição massiva: Geopolítica da fome), que foi relator da ONU para o direito à alimentação entre os anos 2000 e 2008, é um libelo demolidor contra a incúria dos governos, a sanha dos grandes conglomerados do agronegócio mundial e a omissão da sociedade civil frente à fome e à pobreza. A fome causa a morte de uma criança a cada cinco segundos em nosso planeta. Diante da gravidade dos fatos, a opinião pública mundial responde, como sublinha Ziegler (2013, pZiegler, J. (2013). Destruição em massa: geopolítica da fome. São Paulo: Cortez..11), “com uma indiferença glacial”.

Mas a fome não é a única mazela ligada à alimentação das pessoas e das crianças no mundo atual. A outra face da moeda é a epidemia do sobrepeso e de obesidade causada pelo sedentarismo das crianças, mas especialmente pela péssima qualidade dos produtos consumidos. Tal fenômeno, como sublinhamos anteriormente, está intimamente ligado aos grupos mais fragilizados que consomem produtos ultraprocessados, altamente calóricos, nocivos à saúde e vazios enquanto ao seu conteúdo nutricional. Eis aí a abissal diferença que separa um alimento, em seu sentido pleno (frutas, legumes, verduras), e um produto alimentício, carregado de estabilizantes, conservantes, gorduras e açúcares.

A investigação realizada durante o biênio 2019-2020 explorou o estado da alimentação escolar na Espanha, bem como as condições para a criação de iniciativas de tipo “home-grown school feeding” levadas a termo, hodiernamente, em diversos países do mundo. A imersão realizada na Espanha trouxe à tona a polêmica que envolve a atuação do Estado e as reivindicações de diversos setores da sociedade, sobretudo com relação ao modo como são geridos os refeitórios escolares e à qualidade do que é servido aos alunos nas escolas públicas.

Como bem destacou Polanyi ([1944] 2012)Polanyi, K. (2012). A grande transformação. Rio de Janeiro: Elsevier., a degradação moral de nossas sociedades reside, dentre outros aspectos, na aceitação tácita da falácia do mercado autorregulado. A forma de contratação pública das empresas que operam os refeitórios é regida pela máxima liberal, mediante o uso do critério do preço mais baixo pelo serviço prestado ou a ser contratado. Os princípios e a dinâmica que regem o funcionamento dos mercados institucionais se mostram em uma posição diametralmente oposta ao regime de subcontratação que impera nos refeitórios de Espanha.

A situação de pobreza, obesidade e insegurança alimentar são o resultado de problemas estruturais que se agravaram a partir da pandemia da Covid-19. Nesse sentido, a pesquisa mostrou a necessidade de um giro copernicano na atuação do Estado espanhol. A experiência universal torna evidente que a garantia de uma alimentação saudável, gratuita e universal aos alunos da rede pública não é uma quimera, mas uma ferramenta eficaz de combate às desigualdades sociais e de promoção de uma agricultura sustentável.

Eis um tema que traduz, de forma ineludível, a transversalidade da questão alimentar e o imperativo de uma abordagem intersetorial. A construção de pactos em torno à viabilização de mercados institucionais não é tarefa exclusiva de uma área ou domínio do Estado, senão do concerto de diversos órgãos da administração pública (saúde, agricultura, educação, assistência social, etc.). O enfoque baseado nos direitos dos cidadãos preconiza o acesso universal à alimentação por parte dos alunos e da população em geral, bem como o dever do Estado em assumir tal atribuição.

Organizações mundiais reconhecem a liderança do Brasil no que tange à construção de pactos em torno ao combate à fome e à insegurança alimentar. Os mercados institucionais representam uma inovação social que serviu de marco referencial para que aflorassem experiências similares em diversos países do mundo. Esta modalidade singular de mercado opera sob a égide de parcerias construídas entre Estado e sociedade civil, as quais mostram a capacidade de conciliar o acesso a uma alimentação saudável, a inclusão social de produtores familiares e o enfrentamento das desigualdades sociais.

6. Agradecimentos

Este trabalho não poderia ter sido realizado sem o apoio ao primeiro autor por parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico através da concessão de Bolsa de Produtividade (processo nº 302862/2021-8). A pesquisa foi realizada durante estâncias de ambos autores junto ao Instituto de Estudos Sociais Avançados (IESA-CSIC) em Córdoba, Espanha (2019-2020), sob a égide do Programa CAPES-PRINT-UFPel, por meio do qual o primeiro autor foi agraciado com bolsa de Professor Visitante Sênior (Processo nº 88887.363956/2019-00) e o segundo autor com bolsa de Professor Visitante Júnior (Processo nº 88887.363881/2019-00).

  • 1
    Todas as citações foram traduzidas para o português pelos autores.
  • 2
    O termo em epígrafe teria sido proposto por Merrill Singer durante os anos 1990 e representa a síntese de dois vocábulos (sinergia e pandemia). Em 2009 o mesmo autor publica a obra “Introduction to Syndemics. A critical Systems Approach to Public and Community Health” (Singer, 2009Singer, M. (2009). Introduction to syndemics: a critical systems approach to public and community health. John Wiley & Sons.).
  • 3
    Ver a propósito: Ferrero (2020)Ferrero, B. (2020, outubro 5). Puchero en Toledo y ‘nuggets’ en Madrid: así alimentan las autonomías a los niños más vulnerables. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://elpais.com/espana/2020-05-10/puchero-en-toledo-y-nuggets-en-madrid-asi-alimentan-las-autonomias-a-los-ninos-mas-vulnerables.html
    https://elpais.com/espana/2020-05-10/puc...
    .
  • 4
    Os depoimentos dos entrevistados (em espanhol) foram traduzidos para o português.
  • 5
    Ver a propósito: Benitéz (2020)Benitéz, M. (2020, maio 7). Polémica en los colegios de Sevilla: las lentejas del Joaquín Turina están secas. ABC Sevilla. Recuperado em 5 de maio de 2023, de https://sevilla.abc.es/sevilla/sevi-polemica-colegios-sevilla-lentejas-joaquin-turina-estan-secas-201906131146_noticia.html
    https://sevilla.abc.es/sevilla/sevi-pole...
    .
  • 6
    Associação de Mães e Pais de cada centro escolar.
  • Como citar: Anjos, F. S., Caldas, N. V. (2024). O menu da controvérsia: situação atual e perspectivas da alimentação escolar em Espanha. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(2), e274542. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.274542
  • JEL Classification: Q18, Q28, A14.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2023
  • Aceito
    17 Jul 2023
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