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A TROPICÁLIA: CULTURA E POLÍTICA NOS ANOS 60* Este artigo tem por origem a minha participação na mesa-redonda Os acontecimentos de 1968: memória e história, organizada por Irene Cardoso (Sociologia-USP) na 40ª Reunião Anual da SBPC, julho de 88.

Resumos

A Tropicália foi um dos movimentos artílsticos mais importantes dos anos 60, tendo sido interpretada como uma contestação radical às posições da esquerda, que neste período exercia forte influência sobre a produção cultural. A tese defendida por este artigo é a de que a Tropicália compartilhava a posição defendida pela esquerda de que a obra de arte deve ter por objeto a realidade brasileira e estar associada às lutas por mudanças revolucionárias, tendo construído, no entanto, uma versão própria desta posição. A Tropicália apresentava uma visão mais complexa da realidade brasileira do que a da esquerda, indicando a presença de uma combinação entre o arcaico e o moderno, enquanto a esquerda só enxergava o arcaico. A noção de Revolução defendida pela esquerda foi ampliada, com a incorporação da revolução nos comportamentos individuais às mudanças sociais. Do enraizamento na realidade que marcou o tropicalismo resultaram obras ainda hoje atuais como “Geléia Geral” de Gilberto Gil e “Tropicália” de Caetano Veloso.

“Tropicália”: movimento artístico; ideologia; o arcaico e o moderno; revolução e comportamento individual


Tropicália, one of the most important artistic movements in the 1960’s, has been considered as radically opposed to some left wing views that strongly influenced cultural production in the period. This article argues that Tropicália shared with the left the idea that the work of art must have as its subject Brazilian reality, while being at the same time associated with the struggles to bring about revolutionary changes in it; nevertheless, the movement created its own version of such a view. Tropicália presented a more complex picture of Brazilian reality than the left wing’s, by pointing to the existence of a combination of “modern” and “archaic” elements where the left only saw the “archaic” ones. The left wing idea of Revolution was stretched to integrate revolution in individual behavior into broader social changes. Having deep seated roots in Brazilian reality, Tropicalismo was responsible for the creation of works which are still up to date in contemporary Brazil, such as “Geléia Geral” by Gilberto Gil and “Tropicália” by Caetano Veloso.

Brazil: “Tropicália”; artistic movement; ideology; modern and archaic; revolution and individual behavior


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  • Este artigo tem por origem a minha participação na mesa-redonda Os acontecimentos de 1968: memória e história, organizada por Irene Cardoso (Sociologia-USP) na 40ª Reunião Anual da SBPC, julho de 88.
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    A origem da denominação deste movimento foi uma obra do artista plástico Hélio Oiticica intitulada “Tropicália”. Em seguida, Caetano Veloso compôs uma canção com o mesmo título.
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    A este respeito ver Roberto Schwarz (1978).
  • 3
    Revolução que era, por exemplo, assim caracterizada por Luciano Martins, em artigo redigido em 1963 mas publicado somente após o Golpe de 64: “A Revolução Brasileira, como as revoluções de inúmeros outros países hoje empenhados em esforço de desenvolvimento, corresponde ao processo histórico pelo qual - embora em outras circunstâncias e de formas substancialmente diversas - já passaram todos o países atualmente constituídos em potências mundiais. A Revolução Brasileira deve ser compreendida, pois, como a fase histórica que se caracteriza pela reorientação dos recursos nacionais e a adaptação das estruturas do país às novas formas de produção, de tecnologia e de progresso de nosso século, tendo em vista a satisfação de determinadas necessidades e aspirações sociais internas e tendo em vista a melhoria da posição relativa do país no conjunto da economia e das decisões mundiais” (Martins, 1965MARTINS, Luciano. Aspectos políticos da revolução brasileira. Revista Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, n. 2., maio de 1965. p.15-37., p. 15).
  • 4
    Quanto às posições do PCB ver PCB: Vinte Anos de Política (1958-1979) (Ciências Humanas, 1980); a respeito da “esquerda revolucionária” ver Imagens da Revolução, de Daniel Aarão Reis F” e Jair Ferreira de Sá (Marco Zero, 1985).
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    A este respeito ver a argumentação desenvolvida por Debray em Revolução na Revolução?, texto que influenciou o pensamento de várias organizações armadas brasileiras.
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    Esta organização surgiu de uma dissidência da POLOP (Organização Marxista Revolucionária - Política Operária), tendo, posteriormente, se juntado à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), formando a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (Var-Palmares), uma das organizações mais atuantes da esquerda armada.
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    Análises mais detalhadas desta canção de Caetano Veloso podem ser encontradas em Gilberto Vasconcellos (1977)VASCONCELLOS, Gilberto. Música popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro, Graal, 1977. e Celso Favaretto (1979)FAVARETTO, Celso F. Tropicália: alegoria, alegria. São Paulo, Kairós, 1979..
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    Evidencia-se, aqui, um óbvio ponto de contato com a corrente “antropofágica” do movimento modernista dos anos 20.
  • 9
    Os movimentos feminista e homossexual seriam exemplos desta politização da vida cotidiana. A respeito desta questão ver Cláudio N.P. Coelho (1987)COELHO, Cláudio N.P. Os movimentos libertários em questão. A política e a cultura nas memórias de Fernando Gabeira. Petrópolis, Vozes, 1987..
  • 10
    O depoimento de Polari torna problemáticas interpretações como as de Roberto Schwarz (1978)SCHWARZ, Roberto. Cultura e política, 1964-69. In: O pai de família e outros ensaios. Rio de Janeiro. Paz e Terra 1978. p 61-92) ou Gilberto Vasconcellos (1977)VASCONCELLOS, Gilberto. Música popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro, Graal, 1977., que atribuem ao tropicalismo um conteúdo desmobilizador por afirmar que a realidade brasileira é “absurda”.
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    A Guerrilha do Araguaia promovida pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) é a exceção que confirma a regra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 1989
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