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Modernidade, identidade a cultura de fronteira

Modernity, identity and border culture

Resumos

Neste trabalho, procedo a uma análise das identidades de raiz sexual, étnica e cultural, à luz do processo histórico que as pretendeu suprimir — aliás sem êxito, como agora se verifica. A propósito, refiro-me às contestações romântica e marxista do reducionismo operado pela modernidade na sua versão hegemônica. Preocupo-me, em especial, com a questão da identidade da cultura portuguesa e proponho uma hipótese de trabalho sobre a sua caracterização.

modernidade; subjetividade; identidade; cultura; cultura de fronteira; Portugal; semiperiferia


In this work, I analyse the identities of sexual, ethnic and cultural roots, in the light of the historic process that intended to supress them - without success, in fact, as has now been proved. With regard, I refer to the romantic and marxist replies of the reductionism carried out by modernity in its hegemonic version. I give special care to the question of Portuguese cultural identity and propose a work hypothesis on its characterization.

Modernity; subjectivity; identity; culture; border culture; Portugal; semiperiphery


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    Paralelamente, Martin Bernal, entre outros, tem chamado a atenção para as raízes africanas e orientais da cultura ocidental, e nomeadamente da Antiguidade Clássica (Bernal, 1987BERNAL, Martin. (1987) Black Athena: afroasiatic roots of classical civilization. Vol. I. London, Free Association.).
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    Talvez isto explique por que razão no Brasil, como foi ultimamente reafirmado por Maria Isaura Pereira de Queiroz, a identidade cultural foi sempre sinônima de identidade nacional.
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    Referindo-se à facilidade com que os escravos foram assimilados na sociedade portuguesa (e também os mouros e os judeus que ficaram), António José Saraiva dá como explicação “uma certa liberdade em relação às fronteiras culturais, uma certa promiscuidade entre o Eu e o Outro, uma certa falta de preconceitos culturais, a ausência do sentimento de superioridade que caracteriza, de modo geral, os povos da cultura ocidental” (Saraiva, 1985SARAIVA, António José. (1985) A cultura em Portugal. Lisboa, Bertrand., p.103).
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    Num texto de 1923, Fernando Pessoa definia melhor o arquétipo cultural da fronteira do que eu o poderia jamais fazer: “O povo português é essencialmente cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português, foi sempre tudo. Ora ser tudo em um indivíduo é ser tudo; ser tudo em uma coletividade é cada um dos indivíduos não ser nada” (Pessoa, 1923PESSOA, Fernando. (1923) Entrevista. In: Revista Portuguesa, 13 de Outubro., p.18). Também Almada Negreiros se exprime no mesmo sentido: “Universal não é estatuto de nação nem da sociedade de todas as nações. Mas é atitude humana que não cabe senão em pessoa individual. Isto é o significado de português. Em português arte significa: espírito universal, presença universal, psíquico universal” (Negreiros, 1971NEGREIROS, José Almada. (1971) Obras completas. Vol. V. Lisboa, Estampa., p.14).
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    Discordo, pois, de Fernando Pessoa quando, num texto de 1928, declara o provincianismo “o mal superior português”, ainda que acrescente que esse fato, sendo triste, não nos é peculiar: “de igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro”. Segundo Pessoa, “o provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndrome provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e a admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e na esfera mental superior, a incapacidade da ironia” (Pessoa, 1980______. (1980) Textos de crítica e de intervenção. Lisboa, Ática., p.159). Embora eu concorde com esta caracterização em geral, discordo que ela, no caso português, componha “o síndrome provinciano”. Em meu entender, o elemento barroco da cultura portuguesa faz com que a mimesis da “civilização superior” ocorra sempre com uma distância lúdica e um espírito de subversão seletiva e superficial, ambiguamente combinados com a dramatização do próprio, do vernáculo, do genuíno.
  • Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no 2º Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, realizado em São Paulo de 4 a 7 de agosto de 1992. Agradeço a Maria Irene Ramalho a ajuda que me deu na preparação do texto para publicação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Dec 1993

Histórico

  • Recebido
    Ago 1994
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