Acessibilidade / Reportar erro

A pintura trágica de Edvard Munch: um ensaio sobre a pintura e as marteladas de Nietzsche

Edvard Munch’s tragic painting: an essay on painting and Nietzsche’s hammering away

Resumos

As relações entre a filosofia de Nietzsche e a pintura de Munch são instigantes e complexas. Os aforismos, modo de expressão primordial em Nietzsche da mesma maneira que o são as séries em Munch, lhe permitem perseguir uma idéia a partir de várias perspectivas possibilitanto, a ambos, experimentos com o pensar. Cada pintura propõe uma interpretação diferente para um mundo onde não existem mais fatos e onde a separação sujeito-objeto foi definitivamente abolida. Assim , ao pintar a dor, os ciúmes, a doença, o grito, a morte, a solidão, a paixão, as mulheres, Munch não mergulha, como poderia parecer à primeira vista, no pessimismo absoluto mas, pelo contrário, diz sim a tudo o que é problemático, colocando-se na direção da superação da morte na vida, sendo e fazendo uma pintura trágica, dionisíaca.

Nietzsche; Munch; aforismos; séries; pintura; mulheres; relação sujeito-objeto; artista trágico; pintura trágica


Relations between Nietzsche’s philosophy and Munch’s painting are instigating and complex. Aphorisms, Nietzsche’s main form of expression, just as series are for Munch, allow him to pursue an idea from several perspectives in such a way that it enables both to make thought experiments. Each painting proposes a different interpretation for a world where facts no longer exist and where an end was definitely put to the separation between subject-object. Thus, in painting pain, jealousy, illness, shouting, death, loneliness, passion, women, Munch does not dive into absolute pessimism, as would seem at first sight, but, on the contrary, say Yes to everything that is problematic, placing himself in the direction of overcoming death in life, being and making a tragic, Dionysian painting.

Nietzsche; Munch; aphorisms; series; painting; women; subject-object; relation; tragic artist; tragic painting


Texto completo disponível em PDF.

  • 1
    Optamos por indicar referências de reproduções de obras de Munch, em virtude de sua inacessibilidade nos museus nacionais. Ver reprodução desse quadro em Messer (1987, p. 30)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda.. A reprodução que consta da introdução ao livro de Munch, da coleção Os Pensadores, Ed. Abril, 1a ed.1973, é um recorte do primeiro citado.
  • 2
    Ver reprodução em Hodin (1985, p. 139)HODIN, J.P. (1985) Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda..
  • 3
    Ver reprodução em Messer (1987, p. 77)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda..
  • 4
    Ver reproduções em Eggum (1984, p. 30, 28, 33, 36 e 49, respectivamente)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 5
    Ver reproduções em Messer (1987, p. 53, 51 respectivamente)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda..
  • 6
    em francês no original alemão.
  • 7
    Ver, por exemplo, reprodução em Torjusen (1989, p. 90)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda. e litogravuras de 1895 (p. 92); Messer (1987, p. 79)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda. óleo de 1883-1884 ou Hodin (1985, p. 72)HODIN, J.P. (1985) Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda. lito de 1895-1902, entre outras.
  • 8
    O que está entre parêntesis foi introduzido por nós.
  • 9
    Ver reproduções em Catálogo (1985, p. 93)Catálogo Exposição Munch. (1985) Roma, Mazzota, 258 p.; Eggum (1984, p. 12, 13)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter. e Torjusen (1989, p. 137)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda..
  • 10
    Estas interpretações estão em Messer (1987, p. 72)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda., em Torjusen (1989, p. 135, 136, 138)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda. em três versões diferentes e em Hodin (1985, p. 48)HODIN, J.P. (1985) Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda..
  • 11
    Ver reprodução em Messer (1987, p. 123)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda..
  • 12
    Ver outras reproduções em Messer (1987, p. 50, 51)MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda. em versões a óleo, litografia e ponta seca.
  • 13
    Ver reproduções em Eggum (1984, p. 19, 18, 20, respectivamente)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 14
    Ver esboços em Eggum (1984, p. 269)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 15
    Ver reproduções em Catálogo (1985, p. 159, 109)Catálogo Exposição Munch. (1985) Roma, Mazzota, 258 p..
  • 16
    Ver reprodução de 1894 em Eggum (1984, p. 115)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 17
    Ver reprodução em Hodin (1985, p. 57)HODIN, J.P. (1985) Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda..
  • 18
    Ver litogravura de 1896 in Torjusen (1989, p. 109)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda., versão sem as duas mulheres do meio.
  • 19
    Seguirei aqui a divisão da obra de Nietzsche em três períodos, o do pessimismo romântico até 1876; o do positivismo crítico até 1882 e o da transvaloração dos valores daí em diante. Para maiores detalhes, ver Marton (1990, p. 24-25)MARTON, Scarlett. (1982) Nietzsche. Coleção Encanto Radical. São Paulo, Brasiliense..
  • 20
    Ver em Torjusen (1989)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda. o poema (p. 50) e o quadro (p. 51).
  • 21
    Ver reproduções em Eggum (1984, p. 266, 251, 177, respectivamente)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 22
    A mesma idéia se repete nas Incursões de um extemporâneo (1974a, DI, #49, p. 94).
  • 23
    Aqui nos contrapomos às interpretações que, vendo em Munch o 'pai' do expressionismo, costumam interpretá-lo a partir das teorias de Worringer (1975)WORRINGER,Wilheim. (1975) Abstraction et Einfühlung. Paris, Klincksieck., a partir da contraposição entre Abstração e Einfühlung. Como mostramos, o que se passa em Munch dificilmente pode ser visto como um processo de abstração, como o defendido por Worringer. Para ele, a “tendência à abstração, a possibilidade de repouso se encontra na purificação dos elementos da natureza reconstruídos segundo uma nova ordem, desligada das flutuações da existência. É a partir disto que se convencionou pensar o Expressionismo como esta tendência à abstração. Relação de angústia que parte da imagem do real mas a transforma na busca de paz interior enquanto construção de forma” (Menezes, 1990MENEZES, Paulo Roberto Arruda de. (1990) Sob as cinzas da representação. Espaço e pintura no começo do século XX. Tese de mestrado. p.266. São Paulo, FFLCH, Universidade de São Paulo., p. 197- 199). Para a relação destas idéias com os vários expressionismos visuais, veja-se Menezes (1990, p. 199-216)MENEZES, Paulo Roberto Arruda de. (1990) Sob as cinzas da representação. Espaço e pintura no começo do século XX. Tese de mestrado. p.266. São Paulo, FFLCH, Universidade de São Paulo..
  • 24
    Título dado inicialmente por Munch a estas pinturas.
  • 25
    Para um interessante estudo sobre a posição do corpo da mulher na pintura, ver Berger (1980)BERGER, John. (1979) L’air des choses. Paris, Maspero..
  • 26
    Ver Catálogo (1985, p. 95)Catálogo Exposição Munch. (1985) Roma, Mazzota, 258 p..
  • 27
    Ver reprodução em Eggum (1984, p. 275)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 28
    Ver reproduções em Eggum (1984, p. 127, 173)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 29
    Ver reprodução em Eggum (1984, p. 126)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 30
    Ver reproduções do óleo e da versão de 1892 em Eggum (1984, p. 147, 94)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter.. Ver xilo de 1897 em Torjusen (1898, p. 87)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda. e quatro variações (1897-1902) em Catálogo (1985, p. 206)Catálogo Exposição Munch. (1985) Roma, Mazzota, 258 p..
  • 31
    Ver reprodução do óleo em Eggum (1984, p. 113)EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies. New York, Clarkson N. Potter..
  • 32
    Ver reproduções em Catálogo (1985, p. 222-223)Catálogo Exposição Munch. (1985) Roma, Mazzota, 258 p.. Para Separações, ver p. 200.
  • 33
    Ver reprodução em Torjusen (1989, p. 104)TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch. London, Thames and Hudson, Ltda..
  • 34
    Para maiores detalhes, cf. Nietzsche, 1974b______. (1974a) Crépuscule des idoles ou Comment philosopher à coups de marteau. Textos e variantes organizados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Jean-Claude Hémery. (MT - maximes et traits; RP - la “raison” dans la philosophie; MA - la morale, une anti-nature; DI - divagations d’un “inactuel”; CA - ce que je dois aux anciens). Paris, Éditions Gallimard. (PL, # 5, p. 136- 138) e (NT, # 2, p. 141).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ALPERS, Svetlana. (1983) The art of describing. Dutch art in the seventeenth century. Chicago, The University of Chicago Press.
  • BERGER, John. (1979) L’air des choses. Paris, Maspero.
  • ______. (1980) Modos de ver. São Paulo, Martins Fontes/Presença.
  • Catálogo Exposição Munch (1985) Roma, Mazzota, 258 p.
  • DELEUZE, Gilles. (1983) Nietzsche Paris, Presses Universitaires de France.
  • EGGUM, Arne. (1984) Edvard Munch. Paintings, sketches and studies New York, Clarkson N. Potter.
  • GOMBRICH,E.H. (1985) Meditations on a hobby horse and other essays on the theory of art. Oxford, Phaidon Press.
  • ______. (1986) Arte e ilusão. Um estudo da psicologia da representação pictórica. São Paulo, Martins Fontes.
  • HODIN, J.P. (1985) Edvard Munch London, Thames and Hudson, Ltda.
  • KOSSOVITCH, Leon. (1979) Signos e poderes em Nietzsche . São Paulo, Editora Ática.
  • LEBRUN, Gérard. (1985) Quem era Dioniso?. In: Kriterion , vol. XXVI, nº 74/ 75, jan/dez. Trad.de Maria Heloísa Noronha Barros. Belo Horizonte. p. 39-66.
  • MARTON, Scarlett. (1982) Nietzsche Coleção Encanto Radical. São Paulo, Brasiliense.
  • ______. (1990) Nietzsche. Das forças cósmicas aos valores humanos São Paulo, Brasiliense.
  • MENEZES, Paulo Roberto Arruda de. (1990) Sob as cinzas da representação. Espaço e pintura no começo do século XX Tese de mestrado. p.266. São Paulo, FFLCH, Universidade de São Paulo.
  • MESSER, Thomas M. (1987) MunchLondon, Thames and Hudson, Ltda.
  • MUNCH, Edvard. (1988) Arte e Natureza. In: CHIPP, H.B. Teorias da Arte Moderna São Paulo, Martins Fontes. p. 111-113.
  • ______. (1989) Words and images. In: TORJUSEN, Bente. Words and images of Edvard Munch London, Thames and Hudson, Ltda.
  • NIETZSCHE, Friedrich. (1971a) Ainsi parlait Zarathoustra Textos e variantes organizados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Maurice de Gandillac. (DS - de la domination de soi). Paris, Éditions Gallimard.
  • ______. (1971b) Par-delà bien et mal Textos e variantes organizados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Cornélius Heim. (PP des préjuges des philosophes). Paris, Éditions Gallimard.
  • ______. (1974a) Crépuscule des idoles ou Comment philosopher à coups de marteau Textos e variantes organizados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Jean-Claude Hémery. (MT - maximes et traits; RP - la “raison” dans la philosophie; MA - la morale, une anti-nature; DI - divagations d’un “inactuel”; CA - ce que je dois aux anciens). Paris, Éditions Gallimard.
  • ______. (1974b) Ecce Homo. In: _______. L’Antéchrist suivi de Ecce Homo Textos e variantes organizados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Jean-Claude Hémery. (PL - pourquoi j’écris de si bons livres; NT - naissance de la tragédie; Z - ainsi parlait Zarathoustra; PD - pourquoi je suis un destin; V - variante). Paris, Éditions Gallimard.
  • ______. (1977) Fragments posthumes. Début 1888 - début janvier 1889. In: _________. Oeuvres philosophiques complètes Vol. XIV. Textos organizados e comentados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Jean-Claude Hémery. Paris, Gallimard.
  • ______. (1978) Fragments posthumes. Automne 1885 - automne 1887. In: _________. Oeuvres philosophiques complètes Vol. XII. Textos organizados e comentados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Julien Hervier. Paris, Gallimard.
  • ______. (1982a) Fragments posthumes. Printemps - automne 1884. In: _________. Oeuvres philosophiques complètes Vol. X. Textos organizados e comentados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Jean Launay. Paris, Gallimard.
  • ______. (1982b) Le gai savoir Textos e variantes organizados por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Trad. de Pierre Klossowski. (P - préface à la deuxième édition; V - variante). Paris, Éditions Gallimard.
  • ______. (1983) Nietzsche. In: Os Pensadores Seleção de Gérard Lebrun. 3ª edição. Trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho.(VP - vontade de potência). São Paulo, Abril Cultural.
  • ______. (1985) El nascimiento de la tragedia Introdução, trad. e notas de Andrés Sánchez Pascual. Madrid, Alianza Editorial.
  • PANOFSKY, Erwin. (1984) Architecture gothique et pensée scolastique. Trad. de Pierre Bourdieu. Paris, Les Éditions de Minuit.
  • TORJUSEN, Bente. (1989) Words and images of Edvard Munch London, Thames and Hudson, Ltda.
  • WORRINGER,Wilheim. (1975) Abstraction et Einfühlung. Paris, Klincksieck.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Dec 1993

Histórico

  • Recebido
    Maio 1993
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br