Acessibilidade / Reportar erro

A crítica da razão governamental em Michel Foucault

The criticism of governamental reason in Michel Foucault

Resumos

O artigo examina a crítica da razão governamental moderna efetuada por Foucault sob dois aspectos fundamentais: em primeiro lugar, analisa a noção de crítica a partir de uma certa leitura que faz de Kant, articulada a uma ontologia do presente. Em segundo lugar, investiga o lugar ocupado pelo liberalismo neste procedimento crítico. Procura enfim mostrar que a crítica de Foucault escapa à imputação de reformismo.

Foucault; razão governamental; a atitude crítica; poder; liberalismo


The article examines modern criticism of governamental reason which is focused by Foucault under two main aspects. First he analyses the concept of critique based on his own interpretation of Kant's work, articulated with an "ontology of the present". Besides this, Foucault analyses the place ocuppied by liberalism in this critical procedure. Thus the article intends to show that Foucault's criticism escapes from the imputation of reformism.

Foucault; critical attitude; governamental reason; power; liberalism


Texto completo disponível em PDF.

  • 1
    Sobre a filosofia como contrapoder, e as diferentes figuras do filósofo como antidéspota (o filósofo legislador, o conselheiro do príncipe, ou o cínico que ri do poder) aos quais Foucault acrescenta o esboço de uma outra atitude possível (Foucault, 1994c______ . (1994c) La philosophie analytique de la politique (Tokyo, 1978). In: ______ . Dits et écrits. Vol. III. 1976-1979. Paris, Gallimard., p.537, 539-540).
  • 2
    A palavra, que não é empregada em Omnes et singulatim, (Foucault, 1994c______ . (1994c) La philosophie analytique de la politique (Tokyo, 1978). In: ______ . Dits et écrits. Vol. III. 1976-1979. Paris, Gallimard.) aparece pela primeira vez na quarta lição do curso de 1978 do Collège de France: Segurança, território, população (Foucault, 1994b______ . (1994b) La governementalité. In: ______ . Dits et écrits. Vol. III. 1976-1979. Paris Gallimard., p. 635-657 esp. p. 655).
  • 3
    Para uma "crítica racional da racionalidade"( cf. Foucault, 1994h______ . (1994h) Structuralisme et post-structuralisme. In: ______ . Dits et écrits. Vol. IV. 1980-1986. Paris, Gallimard., p. 440).Foucault assinala sua diferença em relação aos teóricos da Escola de Frankfurt, recusando a idéia de uma racionalidade e de uma bifurcação únicas: "(...) eu, por mim, não falaria de uma bifurcação da razão, mas antes de uma bifurcação múltipla, incessante, uma espécie de ramificação copiosa. Não falo do momento em que a razão se tornou tecni-cista (...)".
  • 4
    Cf. em paricular Dreyfus e Rabinow (1984, p. 313)DREYFUS, H. & RABINOW, P. (1984) Michel Foucault. Un parcours philosophique. Paris, Gallimard., cf. também meu artigo (1993, p. 287-288).
  • 5
    Para uma análise aprofundada, numa perspectiva interpretativa que exigiria aliás uma discussão, cf. Béatrice Han (1995)Han, Béatrice. (1995) Michel Foucault entre l'historique et le transcendental. Val-de-Marne. Tese de doutorado. Université de Paris XII..
  • 6
    Cf. em especial Foucault (1966, cap IX, p. 323 ss.)FOUCAULT, Michel. (1966) Les mots et les choses. Paris, Gallimard., Dreyfus e Rabinow (1984, p. 47-50)DREYFUS, H. & RABINOW, P. (1984) Michel Foucault. Un parcours philosophique. Paris, Gallimard. e Habermas (1988, p. 308-311)______ . (1988) Le discours philosophique de la modernité. Paris, Gallimard..
  • 7
    Foucault (artigo assinado por Maurice Florence (1984, p. 631)FLORENCE, Maurice. (1984) Foucault. Dictionnaire des Philosophes. Paris, D. Huisman, PUF.. O texto começa por uma frase, colocada entre parênteses, de F. Ewald, ratificada por Foucault: "Se Foucault se inscreve em alguma tradição filosófica, é na tradição crítica de Kant (...)".
  • 8
    Ver também Foucault (1994f)______ . (1994f) Qu'est-ce que les Lumières? In: ______ . Dits et écrits. Vol. IV. 1980-1988. Paris Gallimard. p. 562-578., e com o mesmo título, (1994g) (este último texto, extraído de um curso de 1983, é de fato anterior ao precedente).
  • 9
    A respeito desta distinção entre atitude e doutrina, cf. Foucault (1994f, p. 571)______ . (1994f) Qu'est-ce que les Lumières? In: ______ . Dits et écrits. Vol. IV. 1980-1988. Paris Gallimard. p. 562-578..
  • 10
    Que Foucault traduz por "tenha a coragem, a audácia de saber" (1994f, p. 565)______ . (1994f) Qu'est-ce que les Lumières? In: ______ . Dits et écrits. Vol. IV. 1980-1988. Paris Gallimard. p. 562-578..
  • 11
    Esta questão é o objeto da segunda seção da obra, relativa ao conflito da faculdade de filosofia com a faculdade de direito
  • 12
    Cf. Foucault (1990, p. 41)______ . (1990) Qu'est-ce que la critique? In: ______ . Conférence du 27 mai 1978. Bulletin de la Société Française de Philosophie 2, avril-juin. Armand Colin. (estranhamente, este texto não é retomado em Dits et écrits): "(...) em relação à Aufklärung, a crítica será, para Kant, o que ele vai dizer ao saber: sabes até onde podes saber? Raciocina quanto quiseres, mas sabes bem até onde podes raciocinar sem perigo? A crítica dirá, em suma, que nossa liberdade está menos naquilo que empreendemos, com maior ou menor coragem, do que na idéia que fazemos de nosso conhecimento e de seus limites, e que, conseqüentemente, em lugar de deixar outro dizer: "obedecei", é neste momento, quando se tiver uma idéia justa de seu próprio conhecimento, que se poderá descobrir o princípio da autonomia e não se estará mais obrigado de ouvir o obedecei; ou antes, que o "obedecei" estará fundado sobre a própria autonomia".
  • 13
    Cf. supra nota 12.
  • 14
    Sobre esta questão do título cf. Foucault (1990, p. 36, 53)______ . (1990) Qu'est-ce que la critique? In: ______ . Conférence du 27 mai 1978. Bulletin de la Société Française de Philosophie 2, avril-juin. Armand Colin..
  • 15
    Sobre todo este desenvolvimento, cf. Foucault (1990, p. 37-39)______ . (1990) Qu'est-ce que la critique? In: ______ . Conférence du 27 mai 1978. Bulletin de la Société Française de Philosophie 2, avril-juin. Armand Colin..
  • 16
    Sobre a crítica de Kant ao Estado patriarcal do bem-estar, cf. Théorie et pratique (1793, p. 31), "um governo que fosse fundado sobre o princípio da benevolência em relação aos povos, tal com o do pai em relação aos filhos, (...) no qual, conseqüentemente, os súditos (...) são obrigados a se comportar de maneira unicamente passiva, a fim de esperar somente do chefe do Estado a maneira pela qual devem ser felizes (...) - um tal governo, digo, é o maior despotismo que se possa conceber"; denunciando a confusão entre o "princípio da felicidade" e o "princípio do direito", ele escreve que "o soberano que quer tornar o povo feliz segundo a idéia que ele tem de felicidade e (...) se torna déspota"(p. 44-45).
  • 17
    Ideen zu einem Versuch, die Grenzen der Wirsamkeit des Staates zu bestmmen. Este livro só foi publicado em 1851, depois da morte de seu autor. Eu o cito na tradução de H. Chrétien, Paris, 1867. Boa síntese da obra em P. Rosanvallon (1984, p. 74-77)Rosanvallon P. (1984) La crise de l'État-providence. Paris, Éd. du Seuil..
  • 18
    Ver também Foucault, (1994, p. 195)______ . (1994) Dits et écrits. Vol. III, 1976-1979. Paris, Gallimard. e (1975, p. 201-206)______ . (1975) Surveiller et punir. Paris, Gallimard..
  • 19
    (1720-1771). A respeito deste autor, considerado como o principal pensador sistemático do cameralismo alemão do século XVII, cf. em particular, Pierangelo Schiera (1968, p. 434-441)Schiera, Pierangelo. (1968) Il cameralismo e l'assolutismo tedesco. Milão, A. Giuffrè.; e Horst Dreitzel, (1987, p. 158-177)DREITZEL, Horst. (1987) Justis Beitrag zur Politiz\sierung des deutschen Aufklärung. In: BODECKER H. E. e HERMANN U. (ed.). Aufklärung als Politisierung - Politisierung der Aufklärung. Hamburgo, Felix Meiner. p. 158-177..
  • 20
    Justi (1756, prefácio): o autor distingue a "política", que "tem como finalidade a segurança pública tanto interna como externamente", da "polícia" que "tem por fim assegurar a felicidade do Estado pela sabedoria de seus regulamentos, e aumentar suas forças o quanto for capaz". Em seguida, ele explica que a palavra é tomada em dois sentidos diferentes, um, extenso - a "polícia" designando "as leis e regulamentos que concernem o interior do Estado" - e o outro, limitado: neste caso a palavra indica tudo o que pode contribuir para a felicidade dos cidadãos, e principalmente para a manutenção da ordem e da disciplina, [assim como] os regulamentos que tendem a tornar cômoda a sua vida". "A polícia, ele conclui, deve se propor como regra fundamental fazer com que tudo o que compõe o Estado sirva para o fortalecimento e o crescimento de seu poder, assim como para a felicidade pública"(introdução, parág. 2-3,8).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BENTHAM, J. (1977) L'oeil du povoir. In: ______ . Le panoptique Paris, Belfondo.
  • DREITZEL, Horst. (1987) Justis Beitrag zur Politiz\sierung des deutschen Aufklärung. In: BODECKER H. E. e HERMANN U. (ed.). Aufklärung als Politisierung - Politisierung der Aufklärung. Hamburgo, Felix Meiner. p. 158-177.
  • DREYFUS, H. & RABINOW, P. (1984) Michel Foucault. Un parcours philosophique Paris, Gallimard.
  • FLORENCE, Maurice. (1984) Foucault. Dictionnaire des Philosophes Paris, D. Huisman, PUF.
  • ______ . (1994) Foucault - 1984. In: FOUCAULT, M. Dits et écrits Vol. IV. Paris, Gallimard.
  • FOUCAULT, Michel. (1966) Les mots et les choses. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1975) Surveiller et punir. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1979) Naissance la biopolitique Cours. Inédito.
  • ______ . (1984) L'usage des plaisirs, Paris, Gallimard.
  • ______ . (1990) Qu'est-ce que la critique? In: ______ . Conférence du 27 mai 1978. Bulletin de la Société Française de Philosophie 2, avril-juin. Armand Colin.
  • ______ . (1994) Dits et écrits. Vol. III, 1976-1979. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1994a) Est-il donc important de penser? In: ______ . Dits et écrits Vol. IV. 1980-1988. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1994b) La governementalité. In: ______ . Dits et écrits Vol. III. 1976-1979. Paris Gallimard.
  • ______ . (1994c) La philosophie analytique de la politique (Tokyo, 1978). In: ______ . Dits et écrits. Vol. III. 1976-1979. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1994d) Les mailles du pouvoir (1976). In: ______ . Dits et écrits Vol. IV. 1980-1988. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1994e) Omnes et singulatim: vers une critique de la raison politique. In: ______ . Dits et écrits. Vol. IV. 1980-1988. Paris, Gallimard.
  • ______ . (1994f) Qu'est-ce que les Lumières? In: ______ . Dits et écrits Vol. IV. 1980-1988. Paris Gallimard. p. 562-578.
  • ______ . (1994g) Qu'est-ce que les Lumières? In:______ . Dits et écrits Vol. IV. 1980-1988. Paris, Gallimard. p. 679-688.
  • ______ . (1994h) Structuralisme et post-structuralisme. In: ______ . Dits et écrits. Vol. IV. 1980-1986. Paris, Gallimard.
  • Justi, von. (1756) Grundsätze der Policey-wissenschaft. Trad. francesa - Eléments généraux de police. Paris, s/e. 1769.
  • Habermas, J. (1986) Une flèche dans le coeur du temps présent. Critique, Paris, Édition de Minuit, nº 471-472, août-septembre.
  • ______ . (1988) Le discours philosophique de la modernité Paris, Gallimard.
  • Han, Béatrice. (1995) Michel Foucault entre l'historique et le transcendental Val-de-Marne. Tese de doutorado. Université de Paris XII.
  • Paine, Thomas. (1792) Droits de l'homme. 2ª parte, tradução francesa. Paris, s/e.
  • Rosanvallon P. (1984) La crise de l'État-providence Paris, Éd. du Seuil.
  • Schiera, Pierangelo. (1968) Il cameralismo e l'assolutismo tedesco Milão, A. Giuffrè.
  • Senellart, Michel. (1993) Michel Foucault: 'gouvernementalité' et raison d'État. La pensée politique,1, Paris, Gallimard/Le Seuil.
  • Smith, Adam. (1776) La richesse des nations. IV, 2. Garnier/Flammarion. Tomo 2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Dec 1995

Histórico

  • Recebido
    Abr 1995
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br