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O intelectual e seu outro: Foucault e Sartre

The intellect and his other: Foucault and Sartre

Resumos

Foucault pensou o papel do intelectual na contestação a Sartre e aos pressupostos do engagement, em especial os associados à filosofia da consciência e ao humanismo. Depois de 1968, porém, quando os fundamentos políticos do sartrismo desabavam - em particular a proximidade do Partido Comunista - Sartre pôde fazer causa comum com Foucault, ao mesmo tempo que este assumia, de boa ou má vontade, papéis que sempre negara, como o da voz pública.

Foucault; Sartre; humanismo; engajamento; consciência política; papel do intelectual


Foucault reflected upon the role of the intellect by contesting Sartre and the pressupositions of the engagement, especially the ones associated to the philosophy of conscience and humanism. After 1968, however, when the political bases of sartrism crumbled - particularly the proximity of the Communist Party -, Sartre could make common force with Foucault at the same time the latter assumed, willing of not, roles he had always refused, as the one of being a public voice.

Foucault; Sartre; intellect; engagement; politics


Texto completo disponível em PDF.

  • Versão inicial e parcial deste artigo foi publicada no antigo suplemento Cultura, do jornal O Estado de S. Paulo, p. 4-5, em 11 de agosto de 1990.
  • 1
    Evidentemente, seria tolo reduzir a obra de Foucault a uma contestação a Sartre. O confronto decisivo entre ambos se situa precisamente na questão do humanismo, na do engajamento, na da consciência política.
  • 2
    Inédito no Brasil.
  • 3
    Estas cartas, em tradução minha, apareceram no suplemento Mais!, da Folha de S. Paulo, em 14 de agosto de 1994.
  • 4
    Uma última grande aparição de Jeanson ocorre no filme A chinesa, de Godard, quando ele explica a uma estudante maoísta a diferença entre a violência revolucionária que se apóia nas massas (a que a FLN argelina praticara) e uma violência sem ligação com o povo.
  • 5
    Também publicada, como Os intelectuais e o poder. Conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze (1984a).
  • 6
    É inevitável uma referência à Sexpol de Wilhelm Reich: o cientista da sexualidade, militando no PC alemão, iniciava alguns anos antes da tomada do poder pelo nazismo um empreendimento voltado especificamente para os jovens, a fim de enfrentar sua "miséria sexual" através de uma educação libertária e esclarecedora, bem como do incentivo a locais onde pudessem se encontrar para ter uma vida sexual limpa e prazerosa. O Partido apreciou a iniciativa enquanto ela ampliava os quadros de seus membros, mas bloqueou- a depois, devido ao conservantismo de outros militantes. Este é um paradigma da forma pela qual uma luta dita "local" ou "específica" (e no entanto de enorme am-plidão) se vê congelada pela subordinação à luta final. Evidentemente, seria absurdo imaginar que o legado imediato de maio de 68 fosse a contestação deste modelo. Os maoístas, já vimos, mantinham o modelo do PC, desde que "reconstruído" e que agravada sua desconfiança dos intelectuais. Entre os trotskistas, um slogan que se repetia proclamava, pa-ra qualquer problema, "uma única solução, a revolução". A grande organização trotskista chamava-se Liga Comunista. Somente a médio ou longo prazo é que se firma a imagem de 68 como uma crítica, não a um PC traidor de seu próprio ideal, mas à proposta mesma de um PC vanguarda das massas. Digamos, sucintamente, que Sartre endossa mais a primeira crítica, e Foucault a segunda.
  • 7
    Com efeito, a Anistia Internacional defende a libertação de todos os presos de opinião, a supressão da pena de morte, condições decentes de julgamento para todos os réus e de cumprimento da pena para todos os condenados. Seu roteiro é portanto distinto do do GIP, embora se encontrem em vários pontos.
  • 8
    Recorde-se que por essa época faz sucesso na França a trilogia de filmes Français, si vous saviez, sobre a era gaullista, dos quais um - Je vous ai compris - mostra a tomada do poder por de Gaulle em 1958. "Eu vos compreendi" é a frase-chave do discurso que o general profere naquele ano em Argel, perante os colonos franceses cuja revolta, ante a possibilidade de independência da Argélia, fora o fator que o levara ao poder. Ora, quatro anos depois o presidente de Gaulle firmava os acordos que reconheciam uma Argélia independente. Eu vos compreendi passa então a ser o motto de como idéias e sentimentos são anexados, traduzidos e traídos ao se incorporarem naquilo que pretende ser uma racionalidade superior. Contra esse empreendimento de "recuperação", valoriza-se uma concepção de cada discurso como irredutível. E pouco importa, no caso, que tenham sido traídos os setores de extrema-direita: o empreendimento de tradução/traição é visto como dispositivo essencial do poder.
  • 9
    Na nota imediatamente anterior.
  • 10
    Desenvolvemos este ponto em O discurso diferente (Ribeiro (org.), 1985), artigo que republicamos, modificado, em A última razão dos reis - ensaios de filosofia e de política (1993).
  • 11
    Cf. meu artigo O risco de uma ortodoxia (1994).
  • 12
    Na passagem em que afirma que o motivo que o levou a escrever essa obra foi "a única espécie de curiosidade que vale a pena [...]: não aquela que procura assimilar o que convém conhecer, mas a que permite separar-se de si mesmo" (Foucault, 1984b, p. 13).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • FOUCAULT, Michel. (1984a) Os intelectuais e o poder. Conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze. In:______ . Microfísica do poder 4ª edição. Rio de Janeiro, Graal. p. 69-78.
  • ______ . (1984b) História da sexualidade II - O uso dos prazeres. Rio de Janeiro, Graal.
  • RIBEIRO, Renato Janine. (1985) O discurso diferente. In: ______ . (org.) Recordar Foucault São Paulo, Brasiliense.
  • ______ . (1993) A última razão dos reis - ensaios de filosofia e de política São Paulo, Companhia das Letras.
  • ______ . (1994) O risco de uma ortodoxia. Revista USP, São Paulo, nº 23: 6-13.
  • SARTRE, J. P. (s/d) O fantasma de Stalin, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Dec 1995

Histórico

  • Recebido
    Jun 1995
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