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Federação, autoritarismo e democratização

Federation, authoritarian rule and democratization

Resumos

O artigo analisa as relações federativas no Brasil durante o regime militar-autoritário, surgido depois do golpe militar de 1964. São estudadas as diferentes formas assumidas pelas relações federativas em diferentes períodos: na fase de máximo autoritarismo, que durou até 1973; nos anos de liberalização, de 1974 até 1982; e durante o ocaso do regime militar, de 1983 até início de 1985, período em que o Estado entrou em crise e os militares foram impedidos de continuar no poder por um processo de democratização política. São enfatizadas na análise as diferentes dimensões das relações intergovernamentais (econômicas, político-eleitorais e militares). Também se discute, à luz da experiência histórica em questão, a pertinência das interpretações correntes que identificam centralismo com autoritarismo e descentralização federativa com democracia.

Brasil; federação; militares; autoritarismo; democratização; estado; crise; transição política; desenvolvimento


The article deals with the federative relations under the Brazilian authoritarian regime, settled in 1964 by a military coup d'État. Federative relations are studied in diferent phases of the authoritarian period: the first and hardest one which remains untill 1973; the liberalization phase , from 1974 to 1982; and the decadent phase of the military rule , from 1983 untill the beginning of 1985. The article underlines the different features of federative relations (economical, electoral and military). The article also debates usual interpretations of Brazilian federative relations which consider authoritarism the concentration of power in central government and democracy the increased authonomy of the federative states.

Brazil; federation; military forces; authoritarism; democratization; State; crisis; political transition; development


Texto completo disponível em PDF.

  • Este artigo é uma versão consideravelmente ampliada do texto elaborado para a pesquisa Balanço e Perspectivas do Federalismo no Brasil desenvolvida pelo Instituto de Economia do Setor Público da Fundap, órgão do governo do Estado de São Paulo.
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    Isso se deu, no plano econômico, através duma expansão extraordinária do capital financeiro. Ver a esse respeito José Carlos de Assis (1988, cap. I e II)ASSIS, José Carlos. (1988) Análise da crise brasileira: da internacionalização bancária com Castelo à capitulação externa com Sarney. Rio de Janeiro, Ed. Forense..
  • 2
    A mudança da forma da federação entre 1964 e 1973 não ocasionou mudança importante em termos de desenvolvimento regional. Como até 1973 a política econômica tratou basicamente de estimular as atividades econômicas já estabelecidas, o desenvolvimento industrial continuou concentrado em São Paulo (cerca de 50% do produto industrial), tanto quanto o era no fim da década de 50. Consultar sobre isso Wilson Cano (1979).
  • 3
    A denominação "federalismo de integração" aparece por vezes em documentos oficiais do período analisado.
  • 4
    Consultar sobre o assunto Maria Helena Moreira Alves (1990, p. 90-95)ALVES, Maria Helena Moreira. (1990) Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 4ª edição. Petrópolis, Ed. Vozes..
  • 5
    Consultar sobre a reforma tributária do início do regime autoritário Fabrício Augusto de Oliveira (1981)OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. (1981) A reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no Brasil. São Paulo, Ed. Brasil/Debates..
  • 6
    Mesmo quando "apenas" se restringe a propaganda gratuita no rádio e na TV, nas eleições municipais de 1976, o objetivo é o de favorecer as máquinas partidárias estaduais governistas. Bloqueava-se a difusão das críticas da oposição nas grandes cidades, onde ela era forte, mas dava-se livre curso à máquina partidária e governamental da ARENA, dominante nas pequenas e médias cidades do interior.
  • 7
    Consultar sobre a desconcentração tributária desse período Rui Affonso (1988)AFFONSO, Rui. (1988) Federalismo tributário e crise econômica (Brasil: 1975-85). São Paulo, dissertação (Mestrado). Instituto de Economia, Universidade de Campinas..
  • 8
    Consultar a respeito Guilherme da Silva Dias e Basilia Aguirre (1993)DIAS, Guilherme da Silva & AGUIRRE, Basilia. (1993) Crise políticoeconômica: as raízes do impasse. In: SOLA, Lourdes (org.). Estado, mercado e democracia. Rio de Janeiro, Paz e Terra..
  • 9
    Num dos extremos parece estar, por exemplo, o grupo liderado por Antônio Carlos Magalhões na Bahia. No outro, estaria o caso de São Paulo, onde a polarização Janio Quadros/Ademar de Barros cedeu espaço para a "direita moderna" de Paulo Maluf.
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    A decisão da cúpula militar de abafar o episódio do Rio Centro, quando dois militares feriram-se ao prepararem bombas que explodiriam no show de música popular comemorativo do 1º de maio de 1981, sinalizou a derrota da facção militar vinculada ao ex-presidente Geisel que sustentava o projeto de liberalização. Foi vencida pela facção militar mais conservadora e profissional que decidiu impedir o julgamento de companheiros de farda vinculados à área de segurança de informação que combatiam a política "de abertura". Como resultado, o general Golberi demitiu- se do ministério Figueiredo. Esta reafirmação "revolucionária" da intocabilidade dos militares, projetou-se no plano partidário, eliminando a flexibilidade política introduzida pela multiplicação dos partidos e impedindo a absorção dos moderados da oposição (o Partido Popular) no bloco de sustentação da "abertura política" conduzida pelo governo.
  • 11
    Segundo reportagem da Revista Isto é: "Esse complicado quadro de candidatos do PDS não surgiu gratuitamente. Sua construção pode ser atribuída ao poder de que os governadores gozam dentro da máquina partidária – conquistado graças aos casuísmos com que foi definida a legislação eleitoral. O primeiro passo para o domínio dos governadores foi dado ainda na fase de organização inicial dos partidos... (quando)... todo o trabalho (foi)... apoiado na ação dos governadores. Expirado o prazo, Brasilia prorrogou por mais dois anos o mandato dos diretórios, possibilitando que os governadores continuassem a controlálos. [...] A concentração de poder se acentuou com a derrubada das sublegendas no Congresso Nacional, em prol da qual trabalharam silenciosamente vários governadores. Sem a possibilidade de recorrer à sublegenda para apresentar candidatos próprios, as correntes dissidentes ficaram com reduzida margem de manobra... O golpe final nas dissidências foi desferido pela vinculação total dos votos.[...] Nada impede, porém, que as correntes derrotadas nas convenções tentem boicotar o candidato escolhido no próprio dia da eleição. Para isso, basta que tais correntes recomendem aos seus seguidores o uso do 'voto camarão' – no qual a cabeça da chapa, justamente onde está o nome do governador, é deixada em branco". (Isto é, 12/05/1982).
  • 12
    A Emenda Constitucional 22, de junho de 1982, estabeleceu que os 6 representantes de cada estado no Colégio Eleitoral seriam eleitos pela bancada do partido majoritário na respectiva assembléia legislativa, e não mais pela assembléia como um todo, o que dava mais peso aos governadores.
  • 13
    Analiso de forma mais extensa esta fase da transição política brasileira em Labirintos - dos generais à nova república (Sallum Jr., 1996SALLUM JR., Brasilio. (1996) Labirintos – dos generais à nova república. São Paulo, Ed. Hucitec., cap. 2).
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    A Resolução nº 831 do Banco Central data de 9/06/83 e determinava a fixação de tetos periódicos (normalmente inferiores às correções monetária e cambial) para a expansão das operações de crédito das instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil ao setor público. Isso quer dizer que o BC fixava os limites máximos de "rolagem" das dívidas e, portanto, um montante mínimo de pagamento do principal. Ver, a esse respeito, Tomás B. de Paula et alii (1992, p. 11-28)PAULA, Tomás B. et alii. (1992) Estudo sobre o controle dos limites de endividamento da união, estados e municípios. (mimeo). São Paulo, Projeto IPEA-PNUD/FUNDAP.
  • 15
    Os governadores vinculados à oposição mantiveram certa distância e discrição em relação à essa disputa. Temiam provocar reações do governo que lhes tirassem as conquistas políticas obtidas.
  • 16
    Consultar a respeito do uso das máquinas políticas estaduais Fernando Abruccio (1995, esp. cap. III e IV)ABRUCCIO, Fernando.(1995) Os Barões da Federação. São Paulo, dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo..
  • 17
    Em 15 de janeiro de 1985, o candidato da Aliança Democrática, Tancredo Neves, obteve 480 votos contra 180 de Paulo Maluf. Houve 17 abstenções e 9 ausências. Após as eleições de 1982, calculava- se uma diferença de 38 votos a favor do PDS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ABRUCCIO, Fernando.(1995) Os Barões da Federação. São Paulo, dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
  • AFFONSO, Rui. (1988) Federalismo tributário e crise econômica (Brasil: 1975-85). São Paulo, dissertação (Mestrado). Instituto de Economia, Universidade de Campinas.
  • ALVES, Maria Helena Moreira. (1990) Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 4ª edição. Petrópolis, Ed. Vozes.
  • ASSIS, José Carlos. (1988) Análise da crise brasileira: da internacionalização bancária com Castelo à capitulação externa com Sarney. Rio de Janeiro, Ed. Forense.
  • CANO, Wilson. (1979) As raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo, Difel.
  • CARDOSO, Fernando Henrique. (1973) O Modelo Político Brasileiro. 2ª edição. São Paulo, Difel.
  • DIAS, Guilherme da Silva & AGUIRRE, Basilia. (1993) Crise políticoeconômica: as raízes do impasse. In: SOLA, Lourdes (org.). Estado, mercado e democracia Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • HOLANDA, Sergio Buarque de. (1993) Raízes do Brasil. 25ª edição. Rio de Janeiro, José Olympio Editora.
  • KLEIN, Lúcia. (1978) Brasil pós-64: a nova ordem legal e a redefinição das bases de legitimidade. In: ______. & FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e coação no Brasil pós-64. Rio de Janeiro, Forense-Universitária.
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  • OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. (1976) As forças armadas: política e ideologia no Brasil (1964-69). Petrópolis, Vozes.
  • OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. (1981) A reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no Brasil. São Paulo, Ed. Brasil/Debates.
  • PAULA, Tomás B. et alii (1992) Estudo sobre o controle dos limites de endividamento da união, estados e municípios. (mimeo). São Paulo, Projeto IPEA-PNUD/FUNDAP.
  • SALLUM JR., Brasilio. (1996) Labirintos – dos generais à nova república. São Paulo, Ed. Hucitec.
  • VIANA Filho, Luís. (1976) O governo Castelo Branco 3ª edição. Rio de Janeiro, José Olympio Editora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Dec 1996

Histórico

  • Recebido
    Ago 1996
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