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Segurança pública e seqüestros no Rio de Janeiro 1995-1996

Public security and kidnappings in Rio de Janeiro (1995-1996)

Resumos

O crime de extorsão mediante seqüestro, em regra praticado por quadrilhas, tornou-se um problema e desafio para a política de segurança pública e a ação policial. A alta incidência de seqüestros, os efeitos sociais dramáticos que gera e sua repercussão sobre a opinião pública e a imagem da cidade, fizeram dessa prática delituosa um ponto de referência significativo no debate social e político sobre crime organizado. Seqüestros motivaram protestos sociais, inclusive, o movimento Reage Rio (Caminhada pela Paz). Este trabalho tenta contextualizar o problema dos seqüestros. Discute a política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro tendo em vista o projeto de uma cidade voltada aos negócios, uma cidade internacional, que é desejada pelas elites empresariais e políticas dominantes no Rio neste período. Focaliza o ascenso do movimento de "lei e ordem" e as ações anti-seqüestro das polícias. Por fim, apresenta dados coletados, num projeto de pesquisa em andamento, que procura estudar o chamado "crime organizado" e a política de segurança pública, a partir de delitos comumente associados à quadrilhas como seqüestros extorsivos, narcotráfico, assaltos a bancos e outros.

seqüestros; política de segurança pública; política criminal; Rio de Janeiro; criminalidade urbana violenta; crime organizado; direito penal; Operação Rio


Abduction and detention of a person for ransom (kidnapping), a crime committed generally by gangs, has become a serious problem and challenge to public safety and police action.The high incidence of kidnappings, their dramatic ocurrence and their repercussions on public opinion and image of the city of Rio, have made this offense an outstanding point of reference for social and political debate on organized crime. Kidnappings have motivated public protests, including in part, the huge demonstration Reage Rio (a peace march). This paper strives to be contextual. It discusses the public safety policy of the State of Rio de Janeiro in view of the project of a business-oriented, international city, desired by the entrepreneurial and political elite. It focuses on the rising"law and order" movement and the anti-kipnapping police efforts. Finally, it reveals data collected in a on-going research project that attempts to study criminal conduct commonly associated with "organized crime", such as kidnappings, illegal drug trafficking and bank robberies, in order to, eventually, help formulating more effective and democratic public safety policy.

kidnappings; public security policy; Rio de Janeiro; urban violence; organized crime; police; criminal law; operation Rio


ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO POLICIAL NO ESTADO CONTEMPORÂNEO

Segurança pública e seqüestros no Rio de Janeiro 1995-1996

Public security and kidnappings in Rio de Janeiro (1995-1996)

Cesar Caldeira

Professor da Universidade Federal Fluminense

RESUMO

O crime de extorsão mediante seqüestro, em regra praticado por quadrilhas, tornou-se um problema e desafio para a política de segurança pública e a ação policial. A alta incidência de seqüestros, os efeitos sociais dramáticos que gera e sua repercussão sobre a opinião pública e a imagem da cidade, fizeram dessa prática delituosa um ponto de referência significativo no debate social e político sobre crime organizado. Seqüestros motivaram protestos sociais, inclusive, o movimento Reage Rio (Caminhada pela Paz). Este trabalho tenta contextualizar o problema dos seqüestros. Discute a política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro tendo em vista o projeto de uma cidade voltada aos negócios, uma cidade internacional, que é desejada pelas elites empresariais e políticas dominantes no Rio neste período. Focaliza o ascenso do movimento de "lei e ordem" e as ações anti-seqüestro das polícias. Por fim, apresenta dados coletados, num projeto de pesquisa em andamento, que procura estudar o chamado "crime organizado" e a política de segurança pública, a partir de delitos comumente associados à quadrilhas como seqüestros extorsivos, narcotráfico, assaltos a bancos e outros.

Palavras-chave: seqüestros, política de segurança pública, política criminal, Rio de Janeiro, criminalidade urbana violenta, crime organizado, direito penal, Operação Rio.

ABSTRACT

Abduction and detention of a person for ransom (kidnapping), a crime committed generally by gangs, has become a serious problem and challenge to public safety and police action.The high incidence of kidnappings, their dramatic ocurrence and their repercussions on public opinion and image of the city of Rio, have made this offense an outstanding point of reference for social and political debate on organized crime. Kidnappings have motivated public protests, including in part, the huge demonstration Reage Rio (a peace march). This paper strives to be contextual. It discusses the public safety policy of the State of Rio de Janeiro in view of the project of a business-oriented, international city, desired by the entrepreneurial and political elite. It focuses on the rising"law and order" movement and the anti-kipnapping police efforts. Finally, it reveals data collected in a on-going research project that attempts to study criminal conduct commonly associated with "organized crime", such as kidnappings, illegal drug trafficking and bank robberies, in order to, eventually, help formulating more effective and democratic public safety policy.

Keywords: kidnappings, public security policy, Rio de Janeiro, urban violence, organized crime, police; criminal law, operation Rio.

Este trabalho versa sobre a atuação policial na prevenção e repressão de uma prática delituosa - extorsão mediante seqüestro - durante os primeiros dois anos da administração Marcello Alencar no Rio de Janeiro. Na primeira seção apresenta-se uma reflexão sobre a construção social da imagem da cidade do Rio de Janeiro como um local ideal para investimentos empresariais. Na segunda seção, situa-se a política de segurança pública, iniciada com a chamada Operação Rio, que visa restabelecer a "lei e a ordem" adequada ao projeto-cidade. Destaca-se aí a interpretação dominante sobre a criminalidade urbana violenta e organizada e alguns pontos de referência explicitados pelos operadores oficiais da política de segurança, principalmente o Secretário de Segurança General Nilton Cerqueira. Na terceira seção, descreve-se quem responde pelas ações oficiais na área de segurança pública, em particular na atuação policial anti-seqüestros, durante o período 1995-1996. Na quarta seção, examina-se a política de segurança pública do ponto de vista de seus gestores e críticos, dando-se atenção a um episódio de mobilização pública em torno do problema dos seqüestros: a caminhada Reage Rio. Por fim, são apresentados os resultados preliminares de um levantamento sobre a chamada "indústria de seqüestros" no Rio. Neste texto os dados selecionados referem-se tão-somente a uma parte bastante limitada da pesquisa: a atuação policial anti-seqüestros. A ênfase será, portanto, na ocorrência do delito, perfil da vítima e dos seqüestradores, e detalhamento da investigação policial. Outros aspectos fundamentais para uma avaliação da eficácia da política de segurança pública - como, por exemplo, a atuação do Ministério Público e da Magistratura no processo judicial - serão examinadas em outra oportunidade. Este texto pretende oferecer apenas um mapeamento de problemas e questões que serão abordadas em fases posteriores do estudo.

1. A cidade do Rio como projeto1 1 A propósito desta introdução, cf. Manuel Castells e Jordi Borja (1996, p. 152-166).

O Rio de Janeiro vem definindo seus rumos como uma "cidade internacional" (cf. Santos, 1993)2 2 Observação: o Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro se refere ao conceito de "cidades globais" (p. 18). Cf. também Ribeiro (1996). Segundo o autor, o projeto de cidade "se reduz aos objetivos de criar uma plataforma de serviços para atrair os capitais internacionais" (Ribeiro, 1996, p. 177). Para o urbanista, as mudanças econômicas e sócio-espaciais da metrópole do Rio de Janeiro indicam que a globalização pode reforçar as tendências de dualização e fragmentação já presentes no quadro de desindustrialização regressiva, a qual gera também aumento de desassalariamento e crescente precarização dos assalariados. Para uma visão alternativa e moderadamente otimista do futuro da cidade ler a entrevista com o economista Carlos Lessa, coordenador do Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro (1994. p. 28-32). Para uma discussão sobre os efeitos da globalização, cf. Anthony Giddens (1991). Para uma discussão sobre políticas de city marketing, em Curitiba, cf. Ribeiro e Garcia (1996). . Os resultados das eleições estaduais de 19943 3 Foi eleito governador Marcello Alencar (PSDB), derrotando o candidato brizolista Anthony Garotinho (PDT). e as municipais de 19964 4 Foi vitorioso o arquiteto urbanista Luís Paulo Conde (PFL), candidato do prefeito César Maia (PFL), presidente do Conselho Adminsitrativo do IPLAN-RIO e responsável pelas reformas urbanísticas do Rio Cidade e Favela Bairro. Foi derrotado o candidato Sérgio Cabral Filho (PSDB), apoiado pelo governador Marcello Alencar. consagraram discursos políticos que afirmam a reurbanização, a imposição da ordem e segurança pública, o embelezamento da cidade como atributos de uma cidade moderna e competitiva, adequada para atrair investimentos5 5 Nesse sentido foi derrotado um discurso, tipicamente ligado aos pedetistas, que afirmava prioritariamente objetivos sociais, mesmo que, na prática, visasse a captar clientelas políticas. O discurso privatista, neoliberal marcou as administrações estaduais e municipais no período 1995-1996. O Governo Marcello Alencar apregoou ter lançado o primeiro programa de desestatização no País e ter tornado o Estado do Rio um dos principais alvos dos investidores estrangeiros. A inauguração pelo Presidente Fernando Henrique da fábrica da Volks, em Rezende em 1 o de novembro de 1996, é apresentada como exemplo de tendência à modernização industrial apoiada em investimentos externos. O Porto de Sepetiba é anunciado como o vértice comercial do Mercosul, por onde circularão as mercadorias, capitais e serviços da Região Sudeste, tranformando aquela cidade num centro de negócios internacionais. O Rio, por sua vez, terá o Teleporto, que ambiciona ser o mais moderno pólo empresarial da América Latina. Uma área de 250 mil metros quadrados, junto à Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio, foi urbanizada pela Prefeitura que pretende recuperar seu investimento com a venda futura venda de 14 edifícios de escritórios, ligados por fibras óticas e ideais para abrigar serviços com forte demanda por telecomunicações. Estas são algumas das ações e planos que evideciam um notável intervencionismo estatal para promover e atrair investimentos privados, nacionais e estrangeiros. Para uma leitura abrangente da propaganda governamental dirigida ao setor empresarial, cf. Documento Especial/Oportunidades de investimentos: As melhores opções no Estado do Rio, (Jornal do Commercio, 15 e 16/12/96). Cf. "Sepetiba, o coração do Mercosul: estudo da FIRJAN propõe novo uso para o porto como distribuidor de carga para a região" (O Globo, 30/01/97, p. 25). Cf. "Rio receberá US$ 4,4 bilhões em cinco anos: investimentos virão de agências internacionais de financiamento e serão aplicados em projetos dos governos estadual e municipal" (Jornal do Brasil, 19/11/95, p. 32). O Prefeito César Maia, nos anos de 1995-1996, sitiou o carioca com obras feitas simultaneamente em 15 bairros - do Fundão à Barra da Tijuca - e iniciou a construção da Linha Amarela que vai ligar a Barra a Bonsucesso. O Rio Cidade, a Linha Amarela e outros projetos da administração Maia geraram 23.302 postos de trabalho em obras, o que explica, em parte, o apoio recebido politicamente por setores populares. O município tinha no final de 1996 uma dívida de cerca de 2 bilhões de dólares. Cf. Caderno Especial: O Rio de Marcello e César (Jornal do Brasil, 13/11/96, p. 1-6). A propósito, o setor da construção civil foi dos que mais empregaram em 1996 no Rio (+ 7,2%) (cf. Jornal do Brasil, 30/01/97, p. 14). . Empresários6 6 Os empresários vêm participando de iniciativas que estão definindo o projeto da cidade. É exemplo o Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro, que foi elaborado pelo Conselho da Cidade - formado de representantes da sociedade civil - a partir de um convênio entre a Prefeitura, a Federação das Indústrias do estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e a Associação Comercial do Rio. "Plano Estratégico mostra resultados" (cf. Jornal do Brasil, 22/10/96, p. 23). Outros exemplos são o do lançamento da candidatura do Rio para ser sede dos Jogos Olímpicos de 2004 e a feitura do chamado "Master Plano" do Rio (cf. Jornal do Brasil, 13/11/96, p. 19). Para a documentação oficial, cf. Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro: Rio sempre Rio (1996); Relatório da cidade 2: plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro (1996). , políticos7 7 As articulações dos políticos são pluripartidárias. Existe também apoio do próprio Presidente Fernando Henrique que tem afiançado a candidatura do Rio para ser sede das Olimpíadas, tem anualmente despachado com os seus ministros no Palácio Rio Negro, em Petrópolis e recebido pedidos de tratamento especial para o Rio de Janeiro (cf. Jornal do Brasil, 13/11/96, p. 19 e 23/01/97). e organizações não-governamentais8 8 O Viva Rio, rede que inclui empresários e lideranças sindicais e populares, tem atuado em várias campanhas, inclusive na Rio 2004, nas quais tenta afirmar uma identidade coletiva positiva do carioca. Sobre o início do Viva Rio. cf. Zuenir Ventura (1994). Para um depoimento sobre o Viva Rio, cf. Soares (1996). Cf. ainda: "Marcello e Maia usam trabalho de ONGs" (Jornal do Brasil, 17/12/95, p. 38). cooperam na produção de uma imagem positiva do Rio9 9 Um belo exemplo da contribuição de artistas neste processo é o clip promocional das Olimpíadas Rio 2004 cantando Aquele Abraço, música de Gilberto Gil. . A cidade-metrópole tem problemas, mas possui recursos físicos10 10 O Rio continua a ser associado com um cartão postal do Brasil, e é visto pelos cariocas como uma cidade atraente. O reconhecimento desse fato se encontra, por exemplo, em produção cinematográfica brasileira recente na qual o cenário carioca predomina (cf. Jornal do Brasil, 20/08/95, p. 31). Ao lado de um dos maiores centros urbanos do país se encontra a mais vasta floresta urbana do mundo (Floresta da Tijuca). Vales, restingas, lagos, lagoas e praias famosas completam um mapa natural de grande potencial turístico. , econômicos11 11 O estado do Rio é o maior produtor de petróleo (442 mil barris-dia), gás natural (com 28,20% das reservas nacionais), aço bruto e de ferro do país. Possui o segundo maior parque industrial e o maior aeroporto em movimento nas áreas nacional e internacional. A partir de 1995, o Rio recuperou o segundo lugar no ranking do Produto Interno Bruto nacional. , culturais12 12 O patrimônio histórico e cultural da ex-capital do Brasil é também notável, destacando-se o Paço Imperial, as praças e jardins do centro do Rio e os museus e galerias de artes. Possui ainda grandes recursos de lazer, especialmente na vida noturna. , humanos13 13 As maiores universidades federais e importantes centro de pesquisa estão no Rio. A taxa de alfabetização do Rio (90%) está entre as maiores do país. e políticos14 14 Com significativa bancada de deputados federais e burocratas dentro do aparelho estatal, a articulação e defesa de interesses do Rio é potencialmente alta. para superar suas dificuldades. Esta é a base do moderado otimismo da elite empresarial e política. Aposta-se na recuperação da indústria fluminense, em novos investimentos estrangeiros e até na implantação de uma grande infra-estrutura esportiva para acolher a desejada Olimpíada de 200415 15 Estima-se que seriam investidos cerca de 703 milhões de dólares na preparação para o evento (cf. Jornal do Brasil, 01/09/96, p. 27). O prefeito Luís Paulo Conde afirma que seu modelo de gestão urbana será o de Barcelona, Espanha (cf. Jornal do Brasil, 17/11/96). .

A atual fase (1995-1996) de realização do projeto estratégico de inserção do Rio no novo mercado mundial está facilitada devido a alguns fatores. Primeiro, a diminuição notável da inflação depois do Plano Real16 16 No ano de 1995, a alta do custo de vida no Rio foi de 27,85%. Em 1996, a inflação anual dos preços ao consumidor, medida pela Fundação Getúlio Vargas, foi de 11,54 % no Rio de Janeiro. A menor inflação desde 1950 (Jornal do Brasil, 09/01/97, p. 13). , de julho de 1994. Segundo, as derrotas eleitorais sucessivas dos partidos (PT e PDT)17 17 A vitória de César Maia (PFL) sobre Benedita da Silva (PT), na disputa pela prefeitura carioca, parece ter marcado um ponto de significativa rejeição da função social do urbanismo. O Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, que estabelece as condições legais para o crescimento da cidade, foi aprovado pela Câmara Municipal em julho de 1992. Este Plano Diretor foi amplamente discutido e possui consideráveis avanços em termos da função social da cidade. O Prefeito César Maia não realizou as determinações no Plano. Já em 1993, o Prefeito promovia o Plano Estratégico da Cidade, que passou a orientar sua Administração, ao invés de complementar o Plano Diretor aprovado pela Câmara Municipal. Para uma visão do que poderia ser um Plano Diretor de orientação democrática-popular. ver Grazia (1990). que se opunham ao projeto neo-liberal no Estado e no município do Rio. Terceiro, a fraqueza do associativismo18 18 Na pesquisa Lei, Justiça e Cidadania, realizada pela Fundação Getúlio Vargas e ISER, entre setembro de 1995 e julho de 1996, na qual foram ouvidos 1574 moradores nos municípios dos Rio, Niterói, São Gonçalo, Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, revela-se esta fragilidade do associativismo. Vejamos as perguntas: 1) É filiado a sindicato? e a expansão da criminalidade urbana violenta19 19 A temática da criminalidade violenta teve grande importância nas campanhas eleitorais de 1992 (principalmente, os arrastões nas praias que favoreceram politicamente o candidato a prefeito César Maia), 1994 (a reivindicação da Operação Rio, usada contra o candidato do brizolismo a governador, Anthony Garotinho), e 1996 (as balas perdidas, usadas parcialmente para indicar a ineficácia da política de segurança pública do governador Marcello Alencar). Para um exemplo das críticas de César Maia durante a campanha eleitoral ver Jornal do Brasil (07/09/96, p. 16). A imagem que se constrói dessa criminalidade violenta é racista e classista: bandido é negro, pobre e favelado, envolvido com tráfico de drogas. A favela passa a ser vista preponderantemente como a base de operações do crime organizado na cidade do Rio de Janeiro. "No novo modelo de segregação espacial, favelas e periferia são marcadas pela retração do antigo tecido associativo e pela expansão de formas criminosas e perversas de sociabilidade. tal mudança reforça a disseminação da cultura do medo que reconstrói os significados das favelas e periferia: deixam de ser territórios de coagulação de valores e signos positivos, referências de identidades coletivas, e passam crescentemente ao papel de estigmatizadores e diabolizadores dos pobres, na medida em que se busca associá-los como o lugar e a origem da chamada violência urbana" (Ribeiro, 1996, p. 177). Sobre o assunto, ver também Fausto Neto (1995, p. 417-38). .

2. O plano estratégico do Rio20 20 Para ver as recomendações feitas pelo Plano na área de segurança pública, consulte Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro: Rio sempre Rio (1996, p. 70-73). Convém, lembrar que as operações na área de segurança pública - polícia ostensiva e judiciária - são de competência do Estado Federado e não do Município. Daí, neste artigo tentar-se articular a dimensão de construção estratégica da cidade com a dimensão de segurança pública comandada pelo governo estadual. Para uma análise jurídica completa da questão da organização das competências na área de segurança consulte Caldeira (1994). O diretor-executivo do Conselho da Cidade, Rodrigo Lopes afirma que a segurança é a área onde o Rio encontra ainda maior dificuldade. "Os governos estadual e municipal ainda não chegaram a um consenso nessa área" (Jornal do Brasil, 22/10/96). A análise que segue está baseada, em parte, no documento Nota Técnica - Violência escrito por Rosanna Zraick, da equipe de consultores do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, datado de março de 1995. Zraick reconhece no seu texto que: "Os indicadores de criminalidade utilizados neste trabalho foram extraídos dos estudos sobre violência e criminalidade realizados pelo Núcleo de Pesquisa do ISER, com apoio da FAPERJ. Esses mesmos dados foram utilizados pelo movimento Viva Rio em sua análise da violência no Rio de Janeiro, e são fruto de um cuidadoso e demorado trabalho de levantamento junto aos órgãos de segurança pública do estado" (p. 3). e a política de segurança pública

O Projeto-Cidade para ser eficaz depende, entre outros fatores, de 1. construir e/ou modificar a imagem que a cidade guarde de si e revela no exterior (marketing urbano); 2. diagnosticar os problemas que precisam ser resolvidos para efetivar o projeto; 3. mobilizar atores públicos e privados (p. ex. associações de empresários, organizações não-governamentais) e efetivar medidas e campanhas, de imediato, para efetivar o plano.

Um dos problemas mais importantes para a imagem da cidade, e para vida dos cariocas, permanece sendo a criminalidade violenta e a atmosfera de medo coletivo vivenciado pela população21 21 A sensação de crise na área de segurança está amplamente documentada em jornais e revistas. Para uma visão desta crise no final do governo Moreira Franco /PMDB (1987-1990) que havia prometido acabar com a insegurança em 6 meses, combatendo o crime organizado localizado nas favelas e ocupando-as com uma polícia forte, cf. "Rio em Crise", caderno especial da Folha de S. Paulo (05/08/90). A pesquisa DataFolha publicada então mostra que 57% dos entrevistados afirmam ser a segurança e violência o principal problema do Rio. O custo de vida está em segundo lugar com 17% das respostas dos entrevistados. Cf. "Carioca quer abandonar a sua cidade" (Folha de S. Paulo, 05/08/90. p. 1). .

A criminalidade urbana violenta foi interpretada, na visão político-social dominante, como gerada e continuamente agravada, pela atuação dos narcotraficantes, pesadamente armados e bastante violentos, que prosperaram e passaram a controlar as favelas cariocas devido à "falência" ou "ausência"22 22 Na Nota Técnica - Violência (supra cit.) lê-se na conclusão: "O diagnóstico da situação do Rio de Janeiro no que se refere à violência aponta para a ausência do Estado, como principal causa dos níveis e do tipo de criminalidade que assola a cidade" (p. 27). Mas, esta interpretação está presente na análise feita pela imprensa, como por exemplo, no editorial "A morte chegou mais cedo" (cf. Folha de S. Paulo, 11/01/94, p. 1-2). do Estado. Para superar a crise de segurança pública o diagnóstico apontava para a necessidade de mudança política (entenda-se, derrotar o brizolismo e seus aliados), a contenção ou destruição do ator político emergente (o narcotraficante e sua rede de "criminalidade organizada" sediada nas favelas), e a reforma modernizadora do aparato de segurança pública23 23 Cf. L. Silva (1995). A propósito das interpretações: cf. Coelho (1992). Para um texto sofisticado e abrangente, representativo dessa interpretação dominante - e que não apoia a truculência policial - cf. Abranches (1994). Para uma análise crítica dessa interpretação sóciopolítica dominante, cf. J. Silva (1996, p. 497-519). .

Esta interpretação justifica uma política de segurança linha-dura que passou a ser detalhada no período 1995-96 pelo Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro General Nilton Cerqueira24 24 Nilton de Albuquerque Cerqueira, 66, general-de-brigada da reserva do Exército. Deputado federal licenciado, eleito com 40 mil votos - em grande parte de policiais - pelo PP/RJ, partido que apoiou a candidatura do governador Marcello Alencar. Dirigiu a PM/RJ no período 1981-82, época em que instituiu o sistema de promoção por bravura. Chefe do Doi-Codi da Bahia durante a ditadura militar. Cerqueira foi o responsável pela morte do capitão Carlos Lamarca, líder guerrilheiro, em 1971. O Grupo Tortura Nunca Mais divulgou um Dossiê Nilton Cerqueira, datado de 19 de maio de 1995 e assinado pela sua presidente Cecília Coimbra, que afirma que: "Em 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca e José Campos Barreto, também militantes do MR-8, foram assassinados a sangue frio por tropa comandada pelo major Nilton Cerqueira" (cf. Jornal do Brasil, 18/5/95, p. 23 e 12/5/95, p. 12). Cerqueira substituiu o primeiro secretário de segurança do governo Marcello Alencar, o general da reserva Euclimar da Silva, que pediu demissão, no dia 15 de maio de 1995, depois de cinco meses e meio de atuação, sem ter conseguido reverter a situação de violência no Rio e, principalmente, debelar a onda de seqüestros existente. Euclimar deixou ao cargo, entre outras razões, por não ter sido consultado sobre a extinção da Divisão Anti-seqüestro (DAS), que se mostrava então ineficaz para resolver casos de seqüestros e era objeto de inúmeras críticas. O governador disse que a escolha de Cerqueira atendia a "dois grandes desafios" do governo: a reforma das instituições policiais e o "combate em caráter emergencial" ao crime (cf. Folha de S. Paulo, 18/05/95. p. 3-1). Para um perfil completo do general Cerqueira, consulte "Bala na agulha", Revista Manchete (24/06/95, p. 14-23). . A partir dos seus escritos e declarações pode-se enumerar os seguintes pontos principais da política governamental de segurança pública:

Primeiro, a "estratégia principal é a reativação da ação da polícia em todo o Estado do Rio de Janeiro, não mais se admitindo, como em tempos idos, áreas de exclusão à ação das Forças Públicas"25 25 Nilton Cerqueira, "Nota aos policiólogos" {Jornal do Brasil, 08/05/96, p. 9). Aqui está um bordão típico desta política: a acusação de que o ex-governador Brizola não deixava a polícia invadir as favelas. Cf. Folha de S. Paulo (19/05/95, p. 3-4) para declarações de Cerqueira no mesmo sentido, no momento em que tomava posse como Secretário de Segurança. Segundo o noticiário atual, a polícia efetivamente invade as favelas. Mas o Governo Estadual para realizar obras saneadoras em 53 favelas vem pagando uma taxa extra de "segurança", cf. "Governo paga para entrar em favelas: guias são contratados para evitar que traficantes atrapalhem obras e ameacem trabalhadores" (O Globo, 17/03/96, p. 18). .

Segundo, a "prioridade é combater os redutos do tráfico, capturando os bandidos e desenvolver programas de natureza cívico social em comunidades carentes"26 26 " Nota supra cit. (Jornal do Brasil, 08/05/96). .

Terceiro," a questão do narcotráfico, talvez a maior preocupação atual dos sistemas de segurança, ultrapassa divisas e fronteiras, tendo sido observado, no Rio de Janeiro de há muito e já em outros estados, que os narcotraficantes vem se utilizando de práticas próprias de guerrilha27 27 Fontes do Comando Militar do Leste informaram que só em 1995 foram descobertos 15 casos de militares e ex-militares envolvidos com traficantes no Rio. Todos são ou foram das forças especiais, com curso de guerrilha. Cf. "Militares se envolveram com o tráfico" (O Globo, 20/12/95, p. 1; 28). Existe também uma ligação antiga entre militares, traficantes de drogas e venda de armas (cf. O Dia, 24/11/96, p. 26; Folha de S. Paulo, 18/11/96, p. 3-9; Jornal do Brasil, 18/11/96, p. 17; Folha de S. Paulo, 28/06/95, p. 3-3). e de terrorismo urbano28 28 Os jornais noticiaram a existência de supostas "bases" assemelhadas a de guerrilheiros no morro do Andaraí, Grajaú. (cf. Jornal do Brasil, 29/07/95, p. 22; Folha de S. Paulo, 29/07/95, p. 1-2). como estratégia para fazer com que os governos recuem da repressão legal, deixando livre o caminho para sua expansão"29 29 Nilton Cerqueira. "Uma visão de realidade" (Folha de S. Paulo, 26/08/96, p. 3). Ver ainda: "Rio é uma área de guerrilha, diz secretário" (Folha de S. Paulo, 15/12/95, p 3-3). "Cidade tem áreas de risco", (Folha de S. Paulo 16/12/95, p. 1-12); "Cerqueira diz que Rio vive guerra não declarada" (Jornal do Brasil, 17/10/96, p. 26). O ex-prefeito César Maia enfatiza também o papel estratégico das bases territoriais dos narcotraficantes. "A questão de fundo, que diferencia o Rio e torna o seu caso específico, é a existência de bases territoriais, com fronteiras ostensivamente controladas pelo crime. As bases territoriais são decisivas para o tipo de organização que o crime tem no Rio. São tão decisivas que as gangues precisam de armas pesadas para conquistar e manter territórios. As bases territoriais facilitam o tráfico, a guarda e a comercialização de drogas. Permitem a banalização dos seqüestros... É grave também pensar que se trata de uma questão estadual. Não é. É uma questão federal, porque caracteriza a ruptura da unidade de Estado. A solução não é simples. Mas é só uma. Ocupar as bases territoriais dos traficantes e não sair mais delas. Simultaneamente, levar o Estado às comunidades a partir da segurança pública. Esta operação não necessariamente seria sangrenta. Basta, para isso, que se tenham efetivos e organização. A segurança pública no Rio é hoje, principalmente, segurança do Estado. Sem essa não haverá segurança do cidadão" (O Globo, 12/11/ 95, p. 32). Para uma crítica não conservadora ao tráfico de drogas, a sua organização e suas conexões com o exterior, consulte Marcelo Lopes de Souza (1996). .

Quarto, "além da repressão a traficantes e consumidores, é preciso, mais do que nunca, identificar os financiadores e os intermediários do tráfico de drogas, em larga e pequena escala"30 30 Cf. Folha de S. Paulo (26/08/96, p. 3). Ler sobre as considerações criminológicas do General Cerqueira em "Obsessão pela segurança" (Jornal do Brasil, 22/05/96, p. 11). Neste artigo ele afirma que "há uma relação estreita entre o aumento de impunidade e o deslanche da criminalidade nas áreas metropolitanas"(...) "Um estudo sociológico feito recentemente constatou que nos últimos 10 anos, período em que se verificou vertiginoso crescimento da criminalidade violenta no Rio e São Paulo, declinou o número de prisões e condenações". Leia, ainda, a defesa feita por Cerqueira da repressão policial em "Carta aberta a um jurista" (Jornal do Brasil, 16/01/97, p. 11). "O estranho é que a qualidade de vida nas favelas melhorou consideravelmente nos últimos anos, enquanto paradoxalmente a violência aumentou. Os barracos de madeira foram substituídos pelos de alvenaria, do mesmo modo que a coleta de lixo e a distribuição de água melhoraram em muitos locais, mas, coincidentemente, ocorreu a disseminação da violência. Será que agora a iluminação mais intensa se constitui, comprovadamente, um instrumento preventivo eficaz? É o bastante para inibir bandido armado de AR-15 pronto para matar?" .

Quinto, violência se combate com violência. "O policial deve atirar primeiro do que o seu agressor (sic) para não morrer", a afirmação consta de ofício enviado pelo General Cerqueira ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deputado Nilmário Miranda (PT-MG).O secretário afirma que "a lei não exige que o policial espere o marginal atirar primeiro" e que "basta a iminência de agressão para a defesa ser legítima"31 31 Cf. Folha de S. Paulo (01/06/95, 3-3). "Cerqueira reafirma que polícia deve atirar primeiro" (Folha de S. Paulo. 29/05/95, p. 3-3); "Nilton Cerqueira recomendou à polícia que não socorra supostos marginais baleados em tiroteio" (Folha de S. Paulo, 25/05/95, p. 3-1); "Nossa recomendação é para o policial atirar primeiro. O primeiro tiro tem que ser dado pela polícia, não pelo bandido" (Folha de S. Paulo, 21/05/95, p. 1-2). .

Sexto, levar adiante a reforma das polícias civil e militar32 32 O General Cerqueira chegou a sugerir a extinção da Polícia Civil. "General é ameaçado ao propor fim de polícia" (cf. O Estado de S. Paulo, 4/8/95, p. C7). Sobre mudanças na polícia civil (cf. O Dia, 27/07/95, p. 13; Jornal do Brasil, 6/11/95, p. 15; Folha de S. Paulo, 05/12/95, p. 3-3). Sobre os vários aspectos das reformas cf. a entrevista de Cerqueira, na revista Manchete, 24/06/95. . A reforma modernizadora é multifacetada. Entre seus objetivos estão: combater a corrupção interna33 33 Cf. "Corrupção atinge 80% da Polícia" (Jornal do Brasil, 06/11/95, p. 1 e 15). Os indícios de corrupção policial são, de fato, amplos e bem documentados na imprensa. "Celular revela ligação entre tráfico e polícia" (Jornal do Brasil, 07/09/96). Rastreamento da Telerj pedido pela Justiça pegou entre 300 telefonemas feitos pelo traficante Marcinho VP, chefe do morro Dona Marta, várias ligações para a sede da Polícia Civil do Rio, para o BOPE, da PM, além da Assembléia Legislativa. Cf. Jornal do Brasil (31/10/96, p. 25); "Policiais seqüestravam traficantes" (O Dia, 27/07/95, p. 1). Sobre a intenção de punir corruptos, ler Jornal do Brasil (04/06/95, p. 19). , valorizar os policiais combativos com gratificações por ato de bravura (mérito especial)34 34 Em novembro de 1995, o governador Marcello Alencar criou uma gratificação para os agentes policiais que se destacam em ações - a conhecida gratificação "faroeste" (decreto 21.753). De acordo com análise da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa do Rio - baseada em números fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública, antes da gratificação "faroeste" a média de civis suspeitos mortos em tiroteios com policiais era de dez por mês. Depois da gratificação subiu para 25. O que gera uma promoção por bravura? 1) Localização e invasão de cativeiro, resgate do seqüestrado e prisão dos criminosos; 2) Ações em favelas que resultem em prisão dos traficantes, apreensão de armas e fechamento de pontos-de-venda de cocaína e maconha. 3) Quando um policial, mesmo em inferioridade, reage contra criminosos e tem êxito. "Rio gratifica policial que mata mais: desde que o Estado criou a gratificação "faroeste", número de civis mortos cresceu 150% e o de policiais, 37,5%" (Folha de S. Paulo, 19/07/ 96, p. 3-1). Cf. a longa reportagem "PM do Rio mata cada vez mais" (Jornal do Brasil, 07/04/96, p. 1, 27-29). Esta política implantada tem recebido muitas críticas (cf. Jornal do Brasil, 05/12/96. p. 9 e 31/01/97, p. 13). Premiações foram dadas sem cumprimento de requisito de apresentação de, pelo menos, duas testemunhas insuspeitas da ação que justifica o benefício (82,5% dos 103 casos analisados, e que resultaram na promoção de 180 Pms). "Bravura sem testemunha" (cf. Jornal do Brasil, 07/07/96, p. 34). Outro aspecto que é importante: nove entre dez policiais militares mortos entre junho de 1995 e março de 1996 não estavam a serviço, segundo informação prestada pela Secretaria de Segurança. Provavelmente muitas mortes ocorreram quando os policiais estavam fazendo bicos como seguranças particulares (cf. Jornal do Brasil, 17/05/96, p. 24). , reequipar as corporações35 35 Cf. Jornal do Brasil (07/09/95. p. 16). Cf. ainda: "Rio compra equipamento inadequado: Secretaria de Segurança Pública gastou R$ 7,8 milhões em material considerado ruim por oficiais da PM" (Folha de S. Paulo, 07/04/95, p. 3-5). .

Sétimo, recuperar "a credibilidade das instituições policiais, obter o apoio da sociedade e a redução a níveis suportáveis dos índices de criminalidade no Estado"36 36 Cf. declarações de Cerqueira sobre prioridades como secretário de Segurança (Manchete, 24/06/95, p 19). . A participação da sociedade no combate à criminalidade deveria se dar, principalmente, através da colaboração com a polícia por meio de informações anônimas: o Disque-Denúncia37 37 Cf. "Carioca põe o crime na linha" (Veja/Rio, 08/11/95, p. 8-12); "Disque-denúncia vira central onde carioca reclama de tudo" (Jornal do Brasil, 26/05/96, p. 30). . Criado com ajuda de empresários, este serviço parece ser um caso de sucesso. Entre agosto de 1995 e início de dezembro de 1996, recebeu 67.002 ligações38 38 Jornal do Commércio (05/12/96, p. A-5). , tendo contribuído para solução de seqüestros39 39 São exemplos os casos dos estudantes Marcos Chiesa e Carolina Dias Leite. e prisões de traficantes.

A política de segurança pública acima delineada tem sido saudada pelo governador como de êxito40 40 Cf. "Resgate da confiança", Jornal do Brasil, seção Opinião (27/10/96, p. 11). . Baseando-se, em grande parte, nas estatísticas da Secretaria de Segurança41 41 Convém citar uma declaração do próprio Gal. Nilton Cerqueira, quando já exercia o cargo de Secretário de Segurança do Rio, sobre as estatísticas de criminalidade no Rio: " As estatísticas não merecem crédito, porque não correspondem à verdade. E isso se deve, principalmente, ao fato de as pessoas não acreditando nas polícias, não registrarem as ocorrências de que são vítimas". Cf. "Bala na agulha" (Manchete, 24/06/95. p. 18). argumenta-se que diminuíram o número de homicídios, seqüestros extorsivos, roubos e furtos de veículos. Por outro lado, aumentaram as apreensões de drogas, prisões em flagrante por tráfico, posse e uso de drogas. Críticas à política de segurança no período 1995-1996 foram recebidas como se fossem ataques políticos, como quando feitas pelo Prefeito César Maia42 42 César Maia diz o seguinte sobre o Gal. Cerqueira: "Ele pensa que está na guerra do Paraguai. Só fala em quantos bandidos foram abatidos, quantas armas pegaram. É um relatório de guerra. Quero ver é dizer quantas pessoas foram condenadas devido à investigação da polícia. Daqui a sete meses o caos nessa área ficará claro para todos" (Jornal do Brasil, 31/12/96, p. 5). , por pesquisadores ou penalistas43 43 Ler, entre outros textos do Gal. Cerqueira, "Nota aos policiólogos" (Jornal do Brasil, 06/05/96, p. 9); "Carta aberta a um jurista*' (Jornal do Brasil, 16/01/97). Escreve o General: " A crítica dos intelectuais de polícia, os quais denominamos de 'policiólogos', é outro fator adverso ao trabalho policial no nosso país, em particular, e no mundo, em geral, funcionando como proteção ao crime e aumentando os lucros da 'indústria do crime', esquecendo-se do verdadeiro sujeito dos direitos constitucionais, o cidadão". Cf. Nilton Cerqueira, "Uma visão da realidade" (Folha de S. Paulo, 26/08/96, p. 1-3). , ou organizações de defesa de direitos humanos44 44 Cf. "Cerqueira diz que ONG é coisa de vagabundo: relatório sobre direitos humanos no Rio irrita secretário de Segurança, governador e prefeito" (O Globo, 31/01/96, p. 12). Ler ainda, os comentários do General ao 20° relatório anual sobre direitos humanos do Departamento de Estado norte-americano que criticou a chamada "lei faroeste", apontada no documento como responsável pelo aumento de morte de suspeitos por policiais militares (cf. Jornal do Brasil, 01/02/97, p. 8). .

O debate sobre a atual política de segurança está apenas começando45 45 Dentre os artigos mais completos de crítica à atual política de segurança pública estão Cerqueira (1996a) e Jorge da Silva (1996). . Por um lado, o governo estadual esforçou-se para demonstrar combatividade e recuperação de controle sobre a situação. No plano psicossocial, provavelmente as expectativas mais negativas, relativas à omissão do Estado, foram revertidas. Mas a credibilidade nas instituições de segurança pública ainda é muito baixa. Pesquisas indicam, por exemplo, que: 1) o sentimento de insegurança do carioca é elevado46 46 Ler "Carioca sob o domínio do medo" (Jornal do Brasil, 12/11/95, p. 40-41). Na pesquisa do Data Brasil, realizada em março e maio de 1995 - 600 pessoas de diversas classes sociais, com mais de 16 anos - 54,2% dos entrevistados responderam que "o Rio de Janeiro comparado a outras cidades do mundo é mais violento. e que ele tem mais medo que confiança na Polícia Civil do Rio47 47 Para 57% dos cariocas entrevistados pela DataFolha a Polícia Civil inspira mais medo que confiança (cf. Folha de S. Paulo, 14/01/96, p. 3-3). ; 2) metade dos cariocas já foi roubado48 48 Pesquisa Jornal do Brasil-Petrobrás mostra que 51% entrevistados no município do Rio de Janeiro (a média do Estado é 48%) já foram roubados. O GERP entrevistou 2400 pessoas nos 24 principais municípios do Estado durante o mês de julho de 1996. Cf. "Rio, um estado de medo" (Jornal do Brasil, 28/07/96, p. 28). e que 77% dos fluminenses nunca registraram queixa na polícia49 49 Mesma pesquisa, nota supra (Jornal do Brasil, 28/07/96, p. 29). . O temor dos juizes eleitorais com a segurança nas eleições de 1996 também sugeriram que segmentos importantes da elite fluminense não estão ainda plenamente convencidos do controle policial no Estado50 50 "PM confirma falta de segurança" (O Globo, 16/09/96, p. 3). . A preocupação com a segurança está bem presente no planejamento da viagem do Papa ao Rio51 51 "Hospedagem do Papa causa preocupações" (Jornal do Brasil, 16/01/97, p. 25). e no projeto de candidatura do Rio para sede das Olimpíadas em 200452 52 Jornal do Brasil (01/09/96, p. 27). . A redução do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de cerca de 300 mil imóveis situados perto de favelas e áreas de violência indica outro desdobramento da deterioração urbana53 53 Críticos afirmaram que a medida consistia no reconhecimento oficial da violência. A lei atinge imóveis residenciais e comerciais, além de terrenos, de 4.626 ruas ou trechos. Cf. "Violência reduz IPTU de 300 mil imóveis" (Jornal do Brasil, 07/11/96, p. 1 e 08/11/96, p. 24). . Ocorreu, por fim, um certo deslocamento nos temas tratados pela imprensa na área da segurança pública: se em 1995, a questão mais notável talvez tenha sido os casos de seqüestros extorsivos, em 1996, as chamadas "balas perdidas' e o crescente número de vítimas foram um tema constante54 54 Foram inúmeras matérias jornalísticas relatando casos de vítimas inocentes de disparos de armas. Até o dia 28 de novembro de 1996, havia 82 vítimas, com 20 mortos e 62 feridos (cf. Jornal do Brasil, 06/12/96, p. 24). Cf. ainda, "Balas perdidas agora são preocupação até da polícia" (Jornal do Brasil, 03/11/96, p. 1 e 26-27). De acordo com levantamento feito pelo Jornal do Brasil, em 1994, 49 pessoas foram baleadas, sendo que destas 16 foram mortas. Em 1995, foram 41 vítimas, entre elas 14 não resistiram e morreram. Cf. "Bala perdida" (Jornal do Brasil, 14/07/96, p. 27). .

3. Breve nota sobre os principais operadores na área da segurança pública e combate aos seqüestros no período 1995-1996

O governo Marcello Alencar começa durante a Operação Rio55 55 Para uma análise crítica cf. Caldeira (1995). Este trabalho foi originariamente apresentado no XIX Encontro Anual da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em Caxambú, em outubro de 1995. Um artigo que resume aquele trabalho está publicado em Caldeira (1996). Segundo pesquisa do DataFolha, 89% dos entrevistados em novembro de 1994, desejavam a manutenção dos militares na Operação Rio em 1995. "Cariocas querem ação do Exército também em 1995" (cf. Folha de S. Paulo, 27/11/94, p. 1-7; Jornal do Brasil, 07/12/94. p. 21). . Portanto, destaca-se neste período inicial o Comandante da Operação Rio, general Jugurtha Câmara Senna e o Comandante Militar do Leste, general Edson Alves Mey. As tropas militares disponíveis durante a Operação somavam 125.850 homens56 56 Eram 85 mil soldados (30 mil do Exército, 40 mil da Marinha e 15 mil da Aeronáutica), mais 28.500 policiais militares, 11.500 policiais civis e 850 policiais federais (cf. Resende, 1995, p. 46). que deveriam combater um contingente estimado, pela 2a Seção da PM-RJ, de 11.340 bandidos-traficantes57 57 Seriam 4.800 traficantes-chefes, 4.400 soldados armados, 1.400 olheiros e 740 passadores de drogas (cf. Resende, 1995, p. 46). Outras estimativas existem: as investigações da Polícia Federal levam a crer que o chamado "Cartel do Rio" emprega 100 mil pessoas. 'Tráfico emprega 100 mil pessoas", (cf. Jornal do Brasil, 10/09/95, p. 29). O Serviço reservado da PM, em 1994, elencava 344 pontos de tráfico de drogas no Rio, que vendiam por mês, duas toneladas de maconha e cocaína. Para uma listagem dos 15 pontos mais movimentados cf. Resende (1995, p. 61-64). .

a. 1o Secretário de Segurança Pública (01/01/95- 16/05/95)

O general-de-brigada do Exército, da reserva, Euclimar Lima da Silva58 58 Lima da Silva foi secretário-executivo da Comissão Especial de Investigação da SAF (Secretaria de Administração Federal) criada para combater a corrupção no poder Executivo federal e participou da montagem do esquema de segurança da Eco-92 (Conferência Internacional Sobre Ecologia e Meio Ambiente), ocorrida no Rio em junho de 1992. Foi para a reserva em 31 de março de 1994. Antes disso ocupou a função de chefe do Estado-maior do Comando Militar do Leste, sediado no Rio. Também comandou a 1ª Brigada de Cavalaria Mecanizada e dirigiu o Centro de Avaliações do Exército (cf. Folha de S. Paulo, 01/12/94, p. 1-10). foi nomeado pelo Governador Alencar como secretário de Segurança, de um secretaria reorganizada, à qual ficaram subordinadas as chefias de Polícia Civil e de Polícia Militar59 59 Cf. organograma da nova secretaria de Segurança (Jornal do Brasil, 13/01/95, p. 13). . Suas prioridades eram: reorganizar as polícias estaduais, combater a corrupção policial e possibilitar a transferência da Operação Rio para o Estado, tirando, assim, o Exército da linha de frente das ações60 60 Cf. entrevista do General Lima da Silva (Jornal do Brasil, 11/12/94, p. 13). . Além dessas, destacavam-se a importância em aumentar o policiamento ostensivo, tornar a polícia judiciária mais atuante e "limpar"61 61 A expressão é do Gal. Lima da Silva, que também usava a expressão "ganhar essa guerra" quando se referia à Operação Rio. Cf. entrevista supra cit. (Jornal do Brasil, 11/12/94, p. 13). as favelas para que depois a política social se instaurasse. De fato, o general era o elo de ligação entre os militares que comandavam a Operação Rio "conjuntamente" com o Secretário de Segurança. Na medida que a Operação foi sendo desativada sua importância dentro do governo Alencar foi sendo reduzida.

O delegado-chefe neste período foi Dilermaro Amaro62 62 Na posse, o novo chefe da Polícia Civil, Dilermando Amaro, criticou o Ministério Público por "invadir" competências da Polícia Civil no trabalho de polícia judiciária e investigação policial. Foi uma referência à atuação do MP no caso da lista do bicho (livro-caixa) encontrado no escritório do bicheiro Castor de Andrade, em março de 94, com mais de 200 nomes que receberiam propinas. O MP investigou o caso sozinho. Da lista constavam nomes de mais de 60 delegados e policiais civis, que estão sendo processados na Justiça. "Acho que o MP talvez tenha ultrapassado o limite de sua competência nesse caso". Amaro, 49, era chefe do Departamento Administrativo do ex-secretário Mário Covas. (cf. Folha de S. Paulo, 06/01/95, p. 1-11). e o comandante-geral da Polícia Militar foi Dorasil Castilho Corval63 63 Dorasil Corval, 46, era coronel da PM há dois anos. Bacharel em administração e direito, fez carreira na Polícia Militar no setor de ensino e formação de quadros. Na posse disse que a PM "não precisa mudar" e que não é corrupta (cf. Folha de S. Paulo, 06/01/95, p. 1-11). . A partir do final de janeiro, o Exército passou a transferir o comando de operações nas favelas e morros para a polícia militar64 64 Cf. "PM passa a comandar ações" (Folha de S. Paulo, 24/01/95, p. 1-12). Ver ainda, pelo convênio assinado entre Estado do Rio e Forças Armadas que o policiamento do Exército será nas ruas e 'áreas estratégicas'. Cf. "Militar não sobe morro na 2' fase da ação" (Folha de S. Paulo, 28/03/95, p. 1-12). .

a1. Durante a Operação Rio houve um recrudescimento dos seqüestros extorsivos. Atenção especial foi dedicada ao problema no início do governo Alencar. O primeiro chefe da Divisão Anti-seqüestro (DAS) foi o delegado Agra Lopes, que havia assumido a direção após o afastamento do delegado Hélio Vigio, ainda no governo de Nilo Batista65 65 "DAS terá novo chefe" (Jornal do Brasil, 21/02/95, p. 18). . Lopes permaneceu no DAS até 21 de fevereiro de 1995. Durante o período ampliou o quadro da Divisão, tendo conseguido 23 policiais para reforçar a equipe de 70 agentes66 66 Cf. nota supra cit. .

O delegado Ícaro da Silva67 67 Ícaro da Silva foi diretor da Divisão de Fiscalização de Armamentos e Explosivos (DFAE). substituiu Lopes. A atuação da DAS no seu período também não agradou ao governador Marcello Alencar, que havia estabelecido o combate aos seqüestros como uma das prioridades de sua administração. Na época, o general Lima da Silva apresentou ao Ministro da Justiça Nelson Jobim planos de reestruturar a DAS, criando equipes de investigação que contariam até com integrantes das Forças Armadas68 68 "Seqüestro traz ministro da Justiça ao Rio" (Jornal do Brasil, 07/02/95, p. 19). . Dois episódios desagradaram particularmente ao governador Alencar. O primeiro, em maio, quando a polícia de Minas Gerais entrou em território fluminense e libertou a estudante Patrícia Zamboni, 13, seqüestrada em Além Paraíba (MG) no dia 24 de abril. A polícia do Rio não atuou nas investigações sobre o caso69 69 Cf. Folha de S. Paulo (17/05/95, p. 3-1). .Nem a família da vítima nem a polícia mineira quiseram sua ajuda. O segundo, quando Governador se irritou mais ainda com as críticas de parentes de Juliana Lutterbach, 13, à atuação da DAS na apuração do seqüestro da menina, encerrado à mesma época. Os parentes disseram considerar suspeita a atuação da DAS, devido a uma suposta negligência dos policiais70 70 Criticou-se a inoperância da DAS que não conseguiu localizar o orelhão de onde eram feitas as chamadas telefônicas, apesar de terem sido vinte ligações ao todo, dentre elas uma de doze minutos. Sobre o seqüestro de Juliana Leutterbach, o líder do PP, deputado Rubens Tavares, acusou a polícia de ter roubado o dinheiro do resgate, no valor de R$ 1 milhão (cf. O Globo 20/04/95, p. 4; 13/05/95, p. 18; 15/05/95, p. 9; e 22/05/95, p. 10). . Face à crise na DAS, Alencar decidiu extingui-la sem consultar o Secretário de Segurança. Esta decisão precipitou o pedido de demissão de Lima da Silva, que há tempos já não se entendia bem com o governador71 71 Cf. "Cai secretário de Segurança do Rio: general pede demissão do cargo por discordar da extinção da DAS" (cf. Folha de S. Paulo, 17/05/95, p. 3-1; Jornal do Brasil, 18/05/95, p. 24). Segundo a própria DAS, 25 pessoas estariam em poder de seqüestradores no dia 19 de abril de 1995. Este é um período em que o nome de alguns seqüestrados é guardado em sigilo pela DAS, como, por exemplo, uma sobrinha do médico Ivan Lemgruber (O Estado de S. Paulo, 20/04/95). .

b. 2oSecretário de Segurança (17/05/95 em diante)

O general Nilton Cerqueira foi escolhido por Alencar e sua nomeação contou com apoio do Executivo federal e das Forças Armadas72 72 Cf. "Nelson Jobim aprova nomeação" (cf. Jornal do Brasil, 18/05/95, p. 24). . Face aos problemas notórios da DAS, Cerqueira indicou logo o delegado Hélio Luz73 73 Cf. "Secretário ordena devassa completa na DAS: Hélio Luz, novo titular da Divisão Anti-seqüestro, assume e avisa que acabou a fase em que policiais participavam dos crimes" (Jornal do Brasil, 30/05/95, p. 20). Cf. ainda, "Secretário nomeia novo diretor para a DAS" (Folha de S. Paulo, 26/05/95, p. 3-1). como novo titular da divisão em 27 de maio de 1995. "A partir de agora a Anti-seqüestro não seqüestra mais"74 74 Ver, nota supra cit (Jornal do Brasil, 30/05/95, p. 20). disse Luz, que teria como uma de suas atribuições principais conduzir uma devassa na DAS. Luz pretendia ainda coibir as atividades de policiais que ofereciam e cobravam por seus serviços a famílias de seqüestrados e não permitir o uso de X-9 (informantes)75 75 Ver, nota supra cit. .

Cerqueira inicialmente manteve os chefes das polícias Civil e Militar, nomeados pelo ex-secretário Euclimar da Silva76 76 Cf. Jornal do Brasil, 01/06/95, p. 25. . Depois de um período de avaliação, manteve o comandante da PM Dorasil Dorval77 77 O coronel Corval permaneceu no cargo durante todo o período deste estudo. e resolveu substituir o delegado Dilermano Amaro78 78 Entre as justificativas aventadas para a substituição de Dilermano Amaro estavam: 1) a falta de liderança e desprestígio do Delegado perante os policiais; 2) o aparecimento do seu nome no inquérito feito sobre o chamado "escândalo das quentinhas" pelo Ministério Público. Nada foi comprovado contra o delegado e, por isso, o MP pediu o arquivamento do inquérito. "Marcello faz mudanças na cúpula da Polícia: Hélio Luz substitui Dilermano Amaro que não se adaptou à política de Cerqueira" (cf. Jornal do Brasil, 28/06/95, p. 21). por Hélio Luz, para a Chefia da Polícia Civil. Durante um breve período, o substituto de Luz, delegado Elias Barbosa respondeu pelo DAS (28/06/95 - 04/07/95)79 79 Cf. Jornal do Brasil (28/06/95, p. 21). .

b1. Depois de Hélio Luz, a DAS esteve sobre a direção do delegado Alexandre Neto80 80 Cf. Jornal do Brasil (4/11/95, p. 17). durante quatro meses (5/07/95 - 4/11/95). Atuou durante o seqüestro de Eduardo Eugênio Gouveia Vieira, sem sucesso. Supõe-se inclusive que tenha divulgado precipitadamente que Eduardo Eugênio teria sido libertado pela DAS81 81 Folha de S. Paulo, 30/10/95, p. 3-1. Cf. "Demitido diretor da Divisão Anti-seqüestro" (O Globo, 04/11/95, p. C-6). Alexandre Neto, 36, delegado de confiança de Hélio Luz, teve uma trajetória controvertida. O ex-diretor da DAS foi eventualmente suspenso por 43 dias pelo secretário da Segurança, Nilton Cerqueira.O motivo da suspensão foi a entrega por Neto de um revólver a um comerciante da Baixada Fluminense. A Corregedoria de Polícia Civil concluiu que Neto cedeu a arma de forma indevida (cf. Folha de S. Paulo, 14/12/95, p. 3-3). .

O delegado Paulo Roberto Maiato82 82 Cf. "Diretor da DAS não acredita em resultado rápido" (Jornal do Brasil, 06/11/95, p. 15). assumiu a chefia da DAS no dia 5 de novembro de 1995. Saiu no dia 25 de janeiro de 96.

O delegado Antônio das Graças Francisco Ragozzo83 83 Ex-escrivão, previamente havia trabalhado exclusivamente em delegacias do interior do estado: Campos, Miracema, Santo Antônio de Pádua e Trajano de Moraes. Antes da assumir a DAS comandou a Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (O Globo, 27/02/96, p. 16). assumiu então a Chefia da DAS, permanecendo no cargo de fevereiro de 1996 até 20 de março de 1996. Tentou reduzir as atividades burocráticas na DAS e remanejou para a rua os policiais que estavam na administração. Dos 115 homens que a DAS tinha tido, ele conseguiu reduzir o efetivo para 80.

No dia 21 de março de 1996, o delegado Herald Paquett Spindola Filho84 84 "DAS tem novo diretor" (Jornal do Brasil, 21/03/96, p. 24). tomou posse como diretor da DAS. Já trabalhava na divisão há um ano, mas só com a entrada de Ragozzo passou a ocupar o cargo de chefe de operações e coordenar as investigações sobre seqüestros85 85 O delegado Herald Spíndola permaneceu como Chefe do DAS durante o restante do ano de 1996. .

4. Breve comentário sobre a política de segurança pública (1995-1996): gestores, críticos e crises

Analisando-se, a atuação dos gestores do aparato de segurança pública estadual no período 1995-1996 constatam-se algumas continuidades. Primeiro, os dois Secretários de Segurança Pública - generais Da Silva e Cerqueira - comungaram com os objetivos gerais da política de "lei e ordem" exposta pelo candidato a governador Marcello Alencar, conduzida durante a Operação Rio e mantida durante o biênio inicial de seu governo. Os dois generais promoveram ações na área de segurança pública interna orientados por valores, crenças e concepções oriundas da doutrina militar86 86 Para uma análise detalhada do que é chamado "militarização ideológica", cf. J. Silva (1996). . Ambos partilham da percepção que estão comandando ações numa guerra interna. Usam de táticas militares como "blitzes", "cercos", "tomadas", "ocupações" de morros e favelas onde se encontra o "inimigo" (o narcotraficante pesadamente armado). A diferença no período do General Cerqueira está em que nas ações empregam-se apenas as polícias estaduais e não mais as Forças Armadas87 87 As megaoperações policiais continuam no início de 1997, de maneira assemelhada à Operação Rio. Por exemplo, no dia 24 de janeiro foram ocupadas 100 morros e favelas do Rio por 4000 homens das Polícias Civil e Militar, e apoio da PF e da Polícia Rodoviária, para combater tráfico de drogas e apreensão de armas (cf. Jornal do Brasil, 25/01/97 p. 19; O Dia, 25/01/97, p. 15). . É importante frisar que essa notável militarização da política de segurança pública parece encontrar amplo apoio na população88 88Criou-se na opinião pública um entendimento que não há outra alternativa senão o uso cada vez maior e não controlado da força militar contra os "bandidos". Existe, por outro lado, uma crise de valores na sociedade. Cf. entrevista do psicanalista Jurandir Freire Costa comentando a aprovação que foi dada pela maioria da população à execução a sangue-frio de um assaltante por um policial, nas imediações de um shopping center no Rio, em março de 1995, que foi mostrada pela televisão (Jornal do Brasil, 13/03/95, p. 13). Cf. na pesquisa Lei, Justiça e Cidadania, realizada pela Fundação Getúlio Vargas e ISER, entre setembro de 1995 e julho de 1996, o resultado das respostas feitas à pergunta seguinte: Os bandidos não respeitam os direitos dos outros, por isso não merecem ter seus direitos respeitados (%). e na imprensa89 89 A imprensa reflete o ascenso dos chamados Movimentos de Lei e Ordem no Brasil que ditam políticas criminais que afirmam: 1) que a pena se justifica como castigo e retribuição; 2) que os crimes hediondos sejam punidos com a morte ou penas de privação de liberdade longas; 3) que a prisão provisória seja ampliada; 4) que se devem abrir mais prisões de segurança máxima. Para uma introdução ao tema, consulte Araújo Jr. (1991 e 1997). , pelo menos, por enquanto. A oposição política mais notável é do ex-prefeito César Maia que critica, principalmente, o Chefe de Polícia Hélio Luz por defender direitos humanos90 90 O tiroteio verbal é, às vezes, bem humorado. César Maia disse que mandaria "internar o Hélio Luz numa colônia de hippies" (Folha de S. Paulo, 06/12/96, p. 3-1). . Organizações não governamentais, em particular de defesa de direitos humanos, não fazem críticas e/ou não têm expressão pública, com algumas poucas exceções91 91 Entre as exceções deve-se registrar a atuação do Grupo Tortura Nunca Mais e do Centro de Defesa de Direitos Humanos Rubens Requião. Existe ainda um trabalho importante e de qualidade que é feito pela ONG Human Rights Watch/Americas (cf. 1996), de documentação e denúncia de violações de direitos humanos. Para uma análise crítica da atuação das ONGs de defesa de direitos humanos durante a Operação Rio, cf. Caldeira (1996). , além de mostrarem-se incapazes de formular alternativas de políticas democráticas de segurança pública92 92 O Viva Rio, liderado por Rubens César Fernandes, durante o período 95-96, fez críticas pontuais à política de segurança pública - mas, ao contrário do que parece imaginar o gal. Nilton Cerqueira - para posicionar-se mais como parceiro que contestador. Por exemplo, o Viva Rio defende o policiamento comunitário. A experiência patrocinada pelo Viva Rio em Copacabana era uma de suas principais propostas, tendo sido, inclusive, levada às autoridades militares antes da Operação Rio no manifesto "O Rio Unido contra a Violência" (cf. Folha de S. Paulo: 10/08/94, p. 3-3). O general Cerqueira acabou com o experimento porque causava disputa entre os policiais que gostariam de levar uma "vida boa", inclusive com agrados dos membros da comunidade-alvo, e porque retirava combatentes das ações policiais mais imediatas e do controle do trânsito. O policiamento comunitário tinha apoio dos moradores da Zona Sul (cf. Folha de S. Paulo, 13/09/95, p. 3-3). O Viva Rio e o General Cerqueira, ainda como Presidente do Clube Militar, em 1994, foram incentivadores da intervenção federal na questão da criminalidade urbana do Rio, e mobilizaram-se pela Operação Rio. Para um depoimento favorável de Rubem César sobre a ação das Forças Armadas nas favelas, cf. sua entrevista (Fernandes, 1994). Por fim, ambos estiveram, e estão, solidários na campanha de desarmamento no Rio. . A formulação de propostas alternativas veio, sem grande impacto político prático, do Legislativo estadual, através de uma Comissão Mista de Segurança Pública93 93 Esta comissão conduziu debates - lamentavelmente não disponíveis para consulta de pesquisadores - com os principais operadores públicos e privados diretamente interessados na questão. Produziu um documento indicando "propostas para a segurança pública do Rio de Janeiro" que constitui um embrião de uma superação da atual política. Mas as forças políticas articuladas na comissão não tiveram capacidade de dar publicidade e pressionar pelas políticas enunciadas. A Comissão Mista teve pouca atuação pública durante 1996. Junto ao ISER (Instituto Superior dc Estudos Religiosos) vem conduzindo um estudo dos "autos de resistência" registrados na PMRJ entre janeiro de 1993 e março de 1996, que poderá constituir-se numa contribuição à discussão sobre violência policial. . Apenas uma revista - Discursos Sediciosos - dirigida pelo ex-governador e jurista Nilo Batista, vem combatendo sistematicamente, no plano doutrinário, a política de segurança do governo Marcello Alencar94 94 Foram lançados dois números da revista até fevereiro de 1997. Para uma proposta de política de segurança alternativa, representativa da linha da revista, cf. Cerqueira (1996b). .

a. Caminhada Reage Rio

A ampla mobilização contra a violência, efetuada no final de novembro de 1995, evidencia as ambigüidades e contradições entre os atores políticos e sociais que participam do debate público sobre a questão da segurança.

Em primeiro lugar, o governo estadual afirmava na época que havia restabelecido controle sobre a violência urbana, o que era desmentido pelos fatos95 95 Cf. Fernandes e Carneiro (1995). Este estudo argumenta que o declínio da atividade econômica no Rio é anterior ao período em que os índices de violência dispararam na década de 80. E que a recuperação da economia no Rio começou, apesar dos dados relativos à criminalidade evidenciarem que crimes de maior especialização e densidade financeira - como roubo a banco, roubo de carga e extorsão mediante seqüestro - terem aumentado no 1 o semestre de 1995 (época que abrange a Operação Rio) em relação ao 1 o semestre de 1994, segundo dados da Polícia Civil do Rio de Janeiro. .

O Secretário de Segurança ordenava que se destacassem os aspectos positivos das ações policiais, evitando-se críticas às polícias civis e militares96 96 Cf. " Secretário veta 'aspecto negativo' da polícia do Rio" (Folha de S. Paulo, 25/08/95, p. 3-4). , principalmente em relação aos insucessos no combate aos seqüestros extorsivos. Naquela conjuntura, imediatamente posterior às ameaças do general Cerqueira de acabar com a Polícia Civil97 97 Cf. "Cerqueira já admite acabar com Polícia Civil" (Jornal do Brasil, 02/08/95, p. 20); "General perde a paciência: se até o final do ano a Polícia Civil não tomar jeito vai acabar" (O Dia, 03/08/95, p. 11); "Cerqueira dá ultimato à Polícia Civil" (O Globo, 03/08/95, p. 12). É preciso destacar que em dois meses e meio, a administração do general Cerqueira havia iniciado um número considerável de investigações como parte da "limpeza" na polícia: 87 inquéritos e 174 sindicâncias (cf. O Globo, 03/08/95, p. 12). Por outro lado, nos primeiros seis meses do governo Marcello Alencar foram exonerados 33 policiais civis subalternos e apenas um delegado. Cf. " Processo de expulsão nunca chega ao fim" (Jornal do Brasil, 03/08/95, p. 23). , havia um clima de contestação e indisciplina98 98 Cf. "Policiais civis se rebelam no Rio" (Folha de S. Paulo, 04/08/95, p. 3-1); "General é ameaçado ao propor fim de polícia" (O Estado de S. Paulo, 04/08/95, p. C7). na corporação, além de grande insatisfação salarial99 99 Os policiais esperavam que a promessa de um aumento salarial de 53,6% feita pelo Governador fosse cumprida (cf. Folha de S. Paulo, 04/08/95, p. 3-1). . Esses fatores fomentavam uma crise interna na polícia, que só foi parcialmente contornada quando o governador Marcello Alencar reafirmou sua total confiança política no Secretário de Segurança100 100 "Governador não admite que Cerqueira deixe a Secretaria"' (Jornal do Brasil, 07/08/95, p. 13). . Mesmo assim, a questão salarial permaneceu na ordem do dia, dando origem, inclusive, a uma das propostas mais bizarras do governador para resolver o problema da falta de recursos - o chamado "imposto caça-bandido"101 101 "Vem aí o imposto caça-bandido: Marcello que aumentar a arrecadação para aparelhar a polícia" (O Dia, 27/09/95. p. 1); "Marcello que criar imposto para segurança: proposta original prevê cobrança de novo tributo apenas para empresário" (Jornal do Brasil, 27/09/95, p. 20); "Bancos pagam o caça-bandido: Governador diz que imposto para melhorar a segurança deverá ser cobrado do setor financeiro, o maior beneficiado com as ações policiais" (O Dia, 28/09/95, p. 16). a ser cobrado apenas de empresários. E também nesse período que é decidida, e começa a ser implementada, a estratégia de premiações de policiais civis por bons serviços, como um mecanismo de pacificação interna102 102 Cf. Folha de S. Paulo (18/08/95, p. 3-3). Cf. ainda, "Promoções vão beneficiar 250 policiais civis" (O Globo, Rio. 17/11/95. p. 16). .

Em suma, no período que antecede a caminhada Reage Rio, ocorre um esforço deliberado do Secretário de Segurança, e do Chefe da Polícia Civil, em ganhar efetivo controle sobre setores do aparato de segurança103 103 Entre as crises da conjuntura, houve a demissão pelo governador do diretor do C1SP (Centro de Inteligência da Secretaria de Segurança), coronel Sérgio Krau. Cf. "Marcello demite assessor de Cerqueira" (Jornal do Brasil, 15/08/95, p. 20). e implementar minimamente uma "limpeza". Episódios divulgados pela imprensa sinalizam que esta tarefa era (e continua a ser) muito difícil, sendo que importantes aliados na Polícia Civil talvez tenham sido alijados104 104 Sobre as sucessivas crises e demissões na Corregedoria da Polícia Civil, cf. "Briga com Luz afasta corregedor de polícia: desgastado, Manoel Vidal se reuniu com Cerqueira, pediu férias e avisou que não voltará ao cargo na cúpula da Polícia Civil" (Jornal do Brasil, 16/10/95, p. 24); "Corregedor de Polícia briga com Luz e pede demissão: subcorregedor Mário Covas também deixará o cargo se pedido de Luiz Gonzaga for aceito, abrindo nova crise na instituição" (Jornal do Brasil, 13/11/95, p. 13); "Cerqueira contorna a crise" (Jornal do Brasil, 14/11/95, p. 20); "Gonzaga assume cargo de cúpula na Segurança" (Jornal do Brasil, 21/11/95, p. 23). Cf. "Secretária, pivô da crise na polícia" (Jornal do Brasil, 27/11/95, p. 16). . Este tipo de problema interno na área estadual pode ter incentivado uma postura que encarava campanhas e mobilizações como potencialmente hostis e desestabilizadoras para chefias institucionais. Porém, havia simultaneamente interesse governamental105 105 O governo estadual colaborou efetivamente para que a caminhada Reage Rio fosse bem sucedida, liberando inclusive seus servidores do trabalho antes do evento e oferecendo transporte gratuito no metrô, trens suburbanos e nas barcas da Baía de Guanabara (cf. Folha de S. Paulo, 28/11/95, p. 3-1). em obter apoio na opinião pública para legitimar sua política de segurança pública. Para as autoridades estaduais, era preciso avaliar se a campanha Reage Rio seria percebida como uma colaboração social com o governo ou como uma contestação da sua política. Mais precisamente, as questões principais seriam como a campanha abordaria (ou omitiria) a violência policial contra os segmentos pobres e favelados da população, a participação criminosa de policiais em seqüestros e outros delitos, e a corrupção policial. Na reta final de organização da caminhada, o Governador passou a criticar o evento e, particularmente, os seus organizadores, como o Viva Rio106 106 Cf. "Marcello ataca Reage Rio" (Jornal do Brasil. 24/11/95, p. 23); "Governador é contra a passeata" (Folha de S. Paulo, 26/11/95, p. 3-1). . A partir da descoberta de um esconderijo de cocaína na Fábrica de Esperança, projeto patrocinado pelo Viva Rio, cinco dias antes da caminhada, as autoridades passaram a sugerir a conivência das ONGs com o narcotráfico107 107 "Cocaína na Fábrica da Esperança" (O Globo, 24/11/95, p. 18); "Cocaína abala Esperança" (Jornal do Brasil. 24/11/95, p. 22); "Fábrica de Esperança pode ser fechada" (Jornal do Brasil, 25/11/95, p. 1); "ONGs sofrerão devassa" (Jornal do Brasil, 27/11/95, p. 16); "Cocaína: polícia acredita em conivência" (O Globo, 30/11/95. p. 16). .

Em segundo lugar, o Presidente Fernando Henrique contribuiu também para a mobilização do Reage Rio. Mostrou apoio à iniciativa, recebeu seus organizadores e prometeu recursos especiais para combater a violência no Rio de Janeiro108 108 Cf. FH antecipa verba para o Rio: Presidente dará apoio formal à luta contra a violência no estado, antecipando um programa especial para reforçar a segurança" (Jornal do Brasil, 16/11/95, p. 16); "Reage Rio ganha apoio de FH" (Jornal do Brasil, 15/11/95, p. 1). . A federalização da questão da segurança no Rio é um aspecto bastante importante na discussão pública109 109 Ver neste sentido a Carta do Rio, preparada pela Associação Comercial do Rio de Janeiro, onde se encontram propostas para uma Política Nacional de Segurança Pública. O resumo do seminário internacional "Violência Urbana: o desafio das grandes cidades", no qual se encontra o referido documento, está em encarte especial de O Globo (15/12/95). Ver, mais precisamente, o artigo de Humberto Mota. Presidente da Associação Comercial, ao convocar para a caminhada: "A opção pela paz" (20/11/95, p. 16). . Em parte devido à Operação Rio, o envolvimento direto de forças militares na segurança pública interna já havia evidenciado o interesse federal no problema. Além disso, as elites cariocas sempre apontaram a ineficácia da Polícia Federal no combate ao tráfico internacional de drogas e contrabando de armas no Rio110 110 Quanto à ineficácia da ação da PF no combate ao contrabando de armas, cf. a crítica feita pelo Secretário de Segurança Pública: "Críticas à Polícia Federal" (Jornal do Brasil, 26/4/95, p. 18). No final de 1996, a atuação da PF parece um pouco mais positiva segundo a imprensa. Cf. "Repressão reduz tráfico no aeroporto" (Jornal do Brasil, 02/09/96, p. 17). Para uma análise da atuação da PF durante a Operação Rio, cf. César Caldeira (1996, p. 50-74). , principalmente pelo aeroporto do Galeão. Isto sem contar que a PF é tida como uma instituição marcada pela corrupção111 111 Cf. "Polícia Federal exonera superintendente: delegado do Rio teria sido omisso em suposta extorsão de brasileiros com contas bancárias ilegais nos EUA" (Folha de S. Paulo, 28/6/95, p. 3-3); "Fuga de traficantes da PF custou RS 70 mil" (Jornal do Brasil, 25/8/95. p. 18). .

Em terceiro lugar, os organizadores da caminhada Reage Rio eram bastante heterogêneos. Entre os grupos que lideraram publicamente a mobilização destacaram-se os dirigentes de ONGs (como Rubem César, Betinho e o pastor Caio Fábio), e os empresários (como donos de jornais, publicitários, dirigentes de associações empresariais).

Pela perspectiva de Rubem César, o evento seria "um imenso desabafo do Rio de Janeiro". E teria dois temas centrais para o dia seguinte: "integração da favela à cidade e reforma da polícia"112 112 Cf. Entrevista de Rubem César Fernandes (Jornal do Brasil. 26/11/95, p. 14). Cf. ainda, "A caminhada é um basta" (O Globo, 17/11/95, p. 14) e "Viva Rio tem propostas" (Jornal do Brasil, 28/11/95, p. 19). .

Do ponto de vista dos empresários, especialmente os proprietários dos jornais113 113 O jornal O Globo usou no período a figura de uma pessoa armada, com a legenda "seqüestro", para referenciar as notícias sobre o Reage Rio. Cf. por exemplo, a edição do dia da caminhada (O Globo, 28/11/95). , a caminhada foi interpretada como um protesto contra a "onda de seqüestros"114 114 Dentre os seqüestrados mais importantes do período estavam o filho do Presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), o estudante Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira Filho e o empresário José Zeno, seqüestrado no Condomínio Novo Leblon, na Barra da Tijuca. Nesta época da caminhada do Reage Rio, a imprensa divulgava o crescente número de seqüestros, mesmo em relação à administração brizolista anterior. Cf. "Seqüestro cresce 23% no Rio em 95: estudo indica que cidade está mais violenta este ano; roubo a banco teve maior elevação, de 89%" (Folha de S. Paulo, 13/11/95, p. 3-1). e uma reivindicação de maior proteção policial e repressão aos narcotraficantes nos morros e favelas115 115 Para um argumento sobre o significado da caminhada semelhante ao apresentado, cf. Márcia Pereira Leite (1996). .

Esta discrepância de significados para a caminhada pela Paz entre dois dos principais grupos organizadores evidencia os próprios limites aliança mobilizadora. Perante a divergência de agendas, o que se tornou ponto comum foi a demanda por mais recursos, que afinal virou slogan da passeata: "Um milhão de pessoas por um bilhão de reais116 116 Cf. "Passeata pede R$1 bi para o Rio: metade do dinheiro virá de banco internacional, outra metade depende do governo e de empresas" (Folha de S. Paulo, 27/11/95, p. 3-1; O Globo, 18/11/95, Rio, p. 19). .

Em quarto lugar, entre aqueles que criticaram a caminhada Reage Rio, além do Governador, destacaram-se o Prefeito César Maia117 117 Cf. "César tenta ligar pastor e Betinho a políticos" (O Globo, 30/11/95. Rio, p. 14). que afirmou que o ato provocava expectativa e depois frustração pela impossibilidade de viabilizar os pleitos, e a CUT-RJ que cunhou a expressão Reage Rico para designar a caminhada.

b. Reage Rio e os seqüestros extorsivos

A caminhada de 28 de novembro focalizou a atenção dos meios de comunicação de massa e da opinião pública no combate aos seqüestros transformando-os numa prioridade política indiscutível para as autoridades governamentais e, em particular, as da área de segurança. Tornou-se urgente obter sucesso em termos de prisão de supostos seqüestradores. Mas, a mobilização do Reage Rio impulsionou também os ímpetos reformistas em relação às polícias estaduais. Por outro lado, o governo estadual passou a fustigar mais sistematicamente as ONGs, principalmente o VIVA RIO118 118 Cf. "Marcinho VP pede ajuda ao Viva Rio" (Jornal do Brasil, 18/05/96, p. 23); "ONG contesta as acusações de Cerqueira" (Jornal do Brasil, 24/05/96. p. 18): "Viva Rio decide processar Cerqueira" (Jornal do Brasil. 25/05/96, p. 24); "Cerqueira volta a atacar ONGs" (Jornal do Brasil,20/09/96, p. 28). , questionando sua liderança e atuação. Em resumo, as autoridades acolheram como significado da caminhada a demanda prioritária por mais vigor na ação policial contra traficantes e seqüestradores nas favelas e morros. Reformas nas polícias precisariam ser realizadas para torná-las mais eficazes no combate a esses criminosos.

Não foi incorporada a demanda de uma agenda social visando superar a "cidade partida" ou de se repensar qual a polícia e política de segurança pública que a sociedade civil quer. Essas discussões fundamentais parecem adiadas até a próxima grande crise, ou restrita a pequenos grupos de estudiosos e pesquisadores119 119 O Instituto Superior de Estudos Religiosos (ISER) passou a promover um seminário intitulado "Lei e Liberdade" a partir do 2 o semestre de 1995, e que funcionou durante todo o ano de 1996, dedicado a discutir pesquisas e propostas de reformas na área de segurança pública. O resumo das apresentações feitas estão publicadas nas "Comunicações do ISER", Rio de Janeiro. Outro evento acadêmico marcante para discussão entre pesquisadores foi o Ciclo de Debates Cidadania e Violência, organizado pela Copea/UFRJ em 1996. Para o registro deste Ciclo e seus debates, cf. Velho e Alvito (1996). .

Porém, a incorporação das demandas empresariais de resultados na atuação policial serviu para fortalecer o secretário de segurança, general Cerqueira, e o Chefe de Polícia Civil, Hélio Luz, que ao longo de 1996 conseguiram remanejar pessoal e retirar obstáculos internos à implementação da política de segurança pública120 120 Várias crises ocorreram e foram superadas em 1996. Dentre elas destaca-se a de março, em que o Chefe de Polícia Hélio Luz chegou a pedir exoneração do cargo. Nessa crise desgastante pareceu evidente que a manutenção de Luz, apesar de todos os conflitos criados por suas reivindicações que incluíam aumentos salariais para policiais, era um recurso político importante para a área de segurança. Ler a respeito: "Salário faz Hélio Luz pedir demissão" (Folha de S. Paulo, 08/03/96, p. 3-1); "Hélio Luz fica e ganha mais força na Polícia", (09/03/96, p. 1-12); "Luz permanece no cargo" (Jornal do Brasil. 12/03/96, p. 15). . Houve centralização de poder decisório121 121 Cf. por exemplo, sobre a mudança do inspetor-geral da Secretaria de Segurança Pública, em que prevaleceu a indicação de uma pessoa de confiança do Chefe de Polícia (Jornal do Brasil, 17/07/96, p. 23 e 18/07/96, p. 28). Para a modificação da estrutura da Polícia Civil do Rio, cf. Folha de S. Paulo (05/12/95, p. 3-3). e o orçamento da Secretaria de Segurança - o terceiro maior do Estado - cresceu122 122 Em 1995, a Secretaria, dividida em Polícia Militar e Civil, obteve 668 milhões de reais; em 1996, o orçamento unificado foi de 1,4 bilhão de reais; em 1997 é de 1.5 bilhão de reais (cf. Jornal do Commércio, 13/12/96, p. A-2). . A exigência de "mostrar serviço" para obter premiações e promoções influiu no número crescente de prisões, que já parecem ter esgotado o espaço nos presídios e delegacias123 123 Segundo o Chefe de Polícia Hélio Luz, o seu maior problema são os "6,3 mil presos que temos em delegacias dos quais 3 mil estão condenados. As condições são péssimas. Haveria espaço para, no máximo, 2,5 mil presos. Eles se revezam para dormir, por falta de espaço. Tem gente que dorme de pé amarrada na grade. A Polícia Civil existe para investigar, mas grande parte de nossa capacidade de trabalho fica empatada em funções de guarda". Cf. entrevista com Hélio Luz (Atenção,1996, 5:61). . Tentou-se também acabar com os aspectos mais públicos e notáveis de impunidade policial: havendo escândalo, consegue-se punições. A partir dos seus próprios objetivos, a política de segurança implementada foi bem sucedida124 124 Num momento de júbilo, o secretário de Segurança Nilton Cerqueira já chegou a dizer que resolveu o problema de segurança do Rio, com a prisão dos grandes chefões do tráfico de drogas. Cf. "Cerqueira diz que resolveu segurança" (Jornal do Brasil, 08/01/97, p. 20). .

O quadro geral, no entanto, mudou pouco. O combate ao tráfico de drogas e a seqüestradores se dá nas favelas e morros125 125 As prisões constantes de traficantes pela polícia, no período, levou a uma mudança no perfil das quadrilhas. Segundo a polícia, houve crescimento em 50% de adolescentes e mulheres no comando das gangues. Cf. "Sucessão disputada a tiros no tráfico" (O Globo, Rio, 16/02/97, p. 25). . Na zona Sul do Rio compra-se drogas sem dificuldades com flanelinhas, camelôs126 126 "Camelô no Rio já vende cocaína" (Jornal do Brasil, 17/09/95, p. 1; 29). e outros que suprem o mercado consumidor de classe média alta127 127 'Traficante vende cocaína até em igreja da Zona Sul" (O Dia, 25/09/95, p. 1); "PM fecha os olhos para o brilho de Ipanema: número de flagrantes é muito maior nas áreas pobres da cidade" (O Dia, 23/09/95, p. 1); "A elite e as drogas: a clientela 'vip" muda perfil do tráfico do Rio" (Jornal do Brasil, 20/12/95, p. 20). O chefe da Polícia Civil admitiu que: "A polícia só atua na faixa que ganha até mil reais. Não consegue mexer com quem lava dinheiro do tráfico e do bicho" (cf. O Dia, 27/7/95, p. 13). Cf. ainda. "Polícia só prende quem é pobre" (O Dia, 27/07/95, p. 1, 13). . O jogo do bicho permaneceu funcionando regularmente durante todo o período, inclusive quando toda a cúpula delinqüente estava encarcerada128 128 Os últimos banqueiros do bicho condenados por formação de quadrilha pela juíza Denise Frossard em sentença histórica de 1993, deixaram a cadeia no final de 1996. Cf. "Nenhum bicheiro preso" (Jornal do Brasil, 18/12/96, p. 21). . Em 1997, os bicheiros que lideram o setor mais organizado do crime carioca retomaram o controle do Carnaval129 129 "O bicho refaz seu bloco na avenida" (Jornal do Brasil, 12/02/97, p. 1, 11). Cf. ainda, "Bicho financia os seqüestros e o tráfico", entrevista com o jurista João Marcelo de Araújo Jr. (O Globo, Rio, 20/11/95, p. 15). . Continuam a existir áreas da cidade em que correios e coletores de lixo, por exemplo, não tem acesso porque os traficantes não permitem130 130 Cf. "Violência impede acesso a serviços" (Folha de S. Paulo, 16/02/97, p. 3- 1, 2). . Seguranças particulares, predominantemente vinculados à empresas de segurança clandestinas, continuam a proliferar por toda a cidade131 131 Cresceu o número de seguranças particulares como um todo, mas o crescimento dos serviços de segurança clandestinos diminuiu em 23% o número vigilantes de empresas legalizadas no Rio no período 1992-1996. Em 1992, havia cerca de 60 mil vigilantes registrados em 60 empresas credenciadas pela Polícia Federal. Em 1996, existiam 50 mil seguranças particulares, vinculados à 108 empresas legalizadas. O crescimento do número de empresas legalizadas deve-se. em parte, à pressão do Sindicato de empresas de Segurança do Estado do Rio que fez 195 denúncias de empresas clandestinas só em 1995. Mas o número de seguranças clandestinos cresceu muito mais: estima-se que 100 mil seguranças clandestinos atuavam no Rio em 1996, principalmente em casas de espetáculo, bares, boates, condomínios e ruas da zona sul. Cf. "Contratações legais caem 23% no Rio", (Folha de S. Paulo, 17/03/96, p. 3-2). Cf. ainda, denúncia de venda de proteção particular através de um telefone do 2 o Batalhão da PM feita pelo Jornal do Brasil, nas reportagens dos dias 15/09 e 16/09/96. 60% dos policiais entrevistados pela Infoglobo declararam na pesquisa que têm segundo emprego nas horas vagas. Desses, 54,6% são seguranças, aproveitando-se da carteira e da arma dadas pela instituição.(cf. "A corrupção no cotidiano da Polícia". O Globo 24/03/96, Rio, p. 18). , sinalizando um processo de privatização da segurança. Armas cada vez mais sofisticadas132 132 Sobre o fluxo de armas para o Rio, cf. "Rio é o maior comprador de armas no mercado negro" (O Globo, 18/09/96, p. 1; 17-8); "Armas: Governo cobra informações de general" (O Globo, 09/09/96, p. 1;16). Sobre as armas sofisticadas que são usadas no Rio, ler: (Folha de S. Paulo, 05/01/97, p. 3-3). são empunhadas por narcotraficantes.

Por fim, deve-se insistir neste ponto: não surgiram ainda na agenda pública carioca alternativas substantivas de políticas de segurança pública com maior articulação social e apelo popular. Mesmo o Viva Rio, que foi duramente criticado pelos governantes estaduais e municipais, propõe como medidas para "integrar a cidade partida"133 133 Cf. Fernandes e Carneiro (1995. p. 54). basicamente programas sociais oficiais do Estado (Baixada Viva, Centros Comunitários de Defesa da Cidadania), do município (Favela-Bairro) e do governo federal (Comunidade Solidária).

5. Seqüestros extorsivos no Rio: 1995-1996

a. História recente dos seqüestros134 134 Uma versão condensada desse texto cobrindo um período diferente de seqüestros extorsivos (01/01/95 - 31/05/96) já foi publicada (cf. Caldeira. 1996b). O presente texto foi reescrito e revisto. Foram também refeitas tabelas e excluídas as anteriormente publicadas.

O seqüestro político do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, no dia 4 de setembro de 1969135 135 No ano seguinte, o embaixador da então Alemanha Ocidental, Ehrenfield von Holleben, foi também seqüestrado por razões políticas no Rio de Janeiro. A década de 70 não é, entretanto, marcada por numerosos seqüestros extorsivos. Estão fora do escopo do presente artigo os seqüestros praticados por autoridades policiais e militares contra adversários políticos do regime militar, realizados principalmente após o Ato Institucional n° 5 de 13 de dezembro de 1968. , é um marco na história dessa prática delituosa no Rio. Duas organizações de esquerda - o MR-8 e a ALN - seqüestraram o embaixador e exigiram a libertação de opositores do regime militar. Dois dias depois, 15 presos políticos saíram do País. O embaixador foi solto no dia seguinte.

Na década de 80, o número de seqüestros no estado do Rio de Janeiro aumentou consideravelmente: foram 24 casos de extorsão mediante seqüestro136 136 É crime contra o patrimônio previsto no Código Penal brasileiro no artigo 159. Corresponde ao vocábulo inglês kidnapping. Não deve ser confundido com rapto, termo que, em linguagem jurídica, só se refere ao seqüestro para fins libidinosos. Código Penal, art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1 o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e multa. § 2 o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 24 (vinte e quatro) anos, e multa. § 3° Se resulta a morte: Pena - reclusão, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. Atenção: O Presidente Fernando Henrique sancionou no dia 2 de abril de 1996 uma lei que reduz de um a dois terços a pena do cúmplice de seqüestro que denunciar o crime, facilitando a libertação do seqüestrado. A lei, cujo projeto foi do ex-senador Francisco Rollemberg (PFL-SE) entrou em vigor alterando o artigo 159 do Código Penal. A Lei n° 8.930 de 6 de setembro de 1994, que dá nova redação ao art. 1 o da Lei 8.072 de 25 de julho de 1990 que dispõe sobre os crimes hediondos, reafirma que extorsão mediante seqüestro, e na forma qualificada é considerado crime hediondo. A Lei 8.072/90 havia introduzido duas modificações básicas ao art. 159 do Código Penal: a) agravamento do mínimo legal, com referência à pena privativa de liberdade, quer no tocante ao crime básico, quer no que tange às suas formas qualificadas; b) exclusão da pena pecuniária. Ficou a seguinte redação: Art. 159 - (...) . Estes seqüestros não têm mais fundo ideológico e político. São seqüestros com intuito de lucro.

Apesar do crescimento dos seqüestros no Estado do Rio, este número era ainda inferior ao total do Estado de S. Paulo: 38 casos de seqüestro na década de 80.

1. fonte: Gomes (1993)137 137 Tabela criada a partir dos dados apresentados por Gomes (1993).

Dez anos atrás, o Estado de S. Paulo tinha 9 entre os 12 doze seqüestros registrados no Brasil138 138 O Governador paulista era Orestes Quércia - PMDB e o Presidente da República José Sarncy. O Congresso Constituinte elaborava a atual Constituição. Na economia ainda repercutia o plano Cruzado II até que o ministro da Fazenda Dilson Funaro passasse o cargo para Bresser Pereira. .

Em 1989139 139 Foi o primeiro ano da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. A chamada "Constituição cidadã", na expressão de Ulysses Guimarães, previa no art. 5 o, XLIII a posterior regulamentação dos crimes hediondos, entre os quais figurou afinal a "extorsão mediante seqüestro", uma prática delituosa em constante ascenso durante a década, conforme mostram as tabelas. Em 1989, era governador fluminense, Moreira Franco (PMDB) (1987-90). ocorreu o pico da onda de seqüestros na década: registraram-se 40 seqüestros. É neste ano que, no Rio de Janeiro, surge a chamada "indústria de seqüestros" (15 casos). Em 1988/1989 se deu também uma difusão dos seqüestros por outros estados da federação brasileira, principalmente na Bahia (6), Minas Gerais (4) e Paraná (4).

Na década de 80, foram registrados 94 casos de seqüestros extorsivos: 40 % deles ocorreram no Estado de S. Paulo e 26 % no Rio. No entanto, o fato é que na década seguinte a " indústria dos seqüestros" veio a se instalar no Estado do Rio de Janeiro devido a fatores que ainda carecem de estudo adequado, não tendo a mesma prosperado na primeira parte da década de 90 em São Paulo.

Na década de 90 ocorre uma escalada de ocorrências de seqüestros no Estado do Rio de Janeiro. Entre 1990 e 1995 foram oficialmente registradas 479 ocorrências de extorsão mediante seqüestro.

Entre 1991 e 1992 140 140 Durante a segunda administração de Leonel Brizola (1991-1994). No governo federal, estava inicialmente Fernando Collor (1990-1992), e depois do seu "impeachment", o Vice-Presidente Itamar Franco, que patrocinou o convênio "Operação Rio". A respeito, cf. Caldeira (1995). , os dois primeiros anos da administração Brizola, ocorre um aumento acelerado de seqüestros acumulando-se 119 casos só em 1992. Ou seja, em um ano apenas, um acúmulo maior de casos que em toda a década passada em todo o Brasil. Em 1993 há uma queda para um patamar ainda elevado: 62 casos, ou, em média cinco seqüestros por mês. E, no último ano de sua administração, que sofreu uma intervenção "branca" na área de segurança pelo governo federal (a Operação Rio), os seqüestros voltaram a crescer.

2. fonte: Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP). Chefia de Polícia Civil

Em 1995, na administração Marcello Alencar - apoiada pelo governo federal do correligionário tucano Fernando Henrique Cardoso e pela atuação das forças armadas nas questões de segurança interna do Rio - os seqüestros extorsivos atingiram o mesmo pico da administração brizolista -119 casos. Até 16 de dezembro de 1996, 65 pessoas haviam sido reconhecidas como seqüestradas no Rio, segundo a Divisão Anti-seqüestro141 141 Cf. Jornal do Brasil (17/12/96, p. 22). É muito importante frisar que as estatísticas oficiais citadas sobre seqüestros nos jornais freqüentemente são contraditórias. Para constatar rapidamente este fato cf. Jornal do Brasil (06/02/95, p. 12; 26/10/95, p. 1) e O Globo (26/10/95. p. 19). .

b. Seqüestros no rio: a justificativa do levantamento de dados

Durante a elaboração de um trabalho sobre a chamada Operação Rio142 142 Cf. Caldeira (1996). procurei estudos que abordassem a chamada "indústria de seqüestros" no Rio de Janeiro. Um dos raros estudos sociológicos sobre seqüestros na sociedade brasileira encontrado foi feito por um pesquisador ligado ao NEV (USP), Glaúber Silva de Carvalho (1994)143 143 Uma versão condensada do texto encontra-se em Carvalho (1996) cf. ainda: "Algumas considerações dobre o seqüestro no Brasil", Os Direitos Humanos no Brasil, 95. USP - Núcleo de Estudos da Violência e Comissão Teotônio Vilela. São Paulo, 1995. Para uma visão de um especialista da polícia militar de São Paulo sobre o assunto, cf. Wanderley Mascarenhas de Souza (1993). . Mas, para participar da discussão sobre aspectos jurídicos do "crime organizado" - uma categoria nova no direito positivo brasileiro144 144 Cf. Prado e Douglas (1995), Gomes e Cervini (1995) e A. Fernandes (1995). que vem gerando muitas polêmicas145 145 "Mesa Redonda sobre Crime Organizado" (1994). realizada no XV Congresso Internacional de Direito Penal, Rio dc Janeiro, setembro; Zaffaroni (1996); Maciel (1995); Jesus (1995); Terra (1995). - precisava-se de informações mais precisas sobre o novo padrão de criminal idade no Rio. Mais ainda, para se fazer um exame crítico das opções de política de segurança pública são necessárias mais informações sobre as práticas delituosas realmente existentes146 146 Para uma visão geral da política criminal no Brasil cf. Capeller (1995). .

Assim, surgiu a idéia de montar um bancos de dados informatizado e geo-referenciado sobre os vários delitos que aparecem comumente associados às organizações criminosas. O levantamento sobre seqüestros é apenas uma das práticas delituosas que precisa ser mais sistematicamente examinada.

Este levantamento preliminar partiu das notícias sobre seqüestros extorsivos publicadas em três jornais cariocas (O Globo, Jornal do Brasil e O Dia), dois jornais paulistas (O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo) e duas revistas nacionais (Veja e IstoÉ)147 147 Este levantamento foi efetuado com a participação de alunos de duas faculdades de direito cariocas: a Cândido Mendes Ipanema e a Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO). A informatização e sistematização dos dados coletados só foi possível pela colaboração inestimável do Professor Carlos Dörner da Faculdade de Direito Cândido Mendes-Ipanema, que trouxe ainda observações valiosas para a análise dos dados. A responsabilidade sobre os eventuais equívocos de interpretação neste projeto é apenas do autor. num período de 17 meses (01/01/95 a 31/12/96). O objetivo básico do levantamento está em obter dados não oficiais que possibilitem: 1) contextualizar as práticas delituosas e as respostas institucionais, 2) contrastar, numa etapa posterior do estudo, esses dados não oficiais com as estatísticas e documentos produzidos oficialmente.

Seqüestro extorsivo é crime de ação pública incondicionada148 148 Sendo crime de ação pública incondicionada - aquele cuja propositura da ação pelo órgão do Ministério Público independe de qualquer condição - a autoridade policial dele tomando conhecimento deve instaurar o inquérito (cf. Tourinho Filho, 1984. p. 193-194). . A autoridade policial que dele tomar conhecimento deve instaurar o inquérito policial (art. 5o do CPP). A notitia criminis (o fato infringente da norma) publicada no jornal é notícia do crime de "cognição imediata"149 149 Segundo Tourinho Filho, a notícia do crime de "cognição imediata" ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato infringente da norma por meio das suas atividades rotineiras: ou porque o jornal publicou a respeito, ou porque um dos seus agentes lhe levou ao conhecimento, ou porque soube por intermédio da vítima, etc. (cf. Tourinho Filho. 1984, p. 193). . Cabe à autoridade, portanto, o dever jurídico de fazer as investigações para apurar o fato infringente da norma e sua autoria, e isto por iniciativa própria, sem a necessidade de qualquer ofício nesse sentido150 150 Cf. Tourinho Filho. 1984. p. 194. .

c. Resultados preliminares do levantamento sobre seqüestros extorsivos no estado do Rio de Janeiro (01/01/95 a 31/12/96)

No período de dois anos do levantamento foram noticiados 188 ocorrências de seqüestros extorsivos na imprensa. Nota-se, de início, que o presente levantamento exibe um número menor de casos que aquele reconhecido oficialmente pelas autoridades policiais. Em 1995, foram encontrados 102 casos na imprensa. Menos, portanto, que os 119 seqüestros que a Secretaria de Segurança divulgou151 151 A Divisão Anti-seqüestro tem divulgado para a imprensa o número de 106 seqüestros no ano de 1995 (cf. Jornal do Commércio, 14/08/96, p. A-12). . Em 1996, foram colhidas 63 ocorrências de seqüestros na imprensa, um total, portanto, um pouco menor do que reconhece o DAS oficialmente152 152 65 casos até 16/12/96 (cf. Jornal do Brasil, 17/12/ 96. p. 22). . A imprensa aparentemente não exagerou no número de casos; e talvez tenha até omitido alguns seqüestros.

O acompanhamento da imprensa é bastante seletivo - dando ênfase aos casos que envolvem grandes empresários e notáveis - e parcial - em relação aos seqüestros de bagatela ou de indivíduos de menos projeção social. Além disso, a própria polícia estima que 33% dos casos não foram comunicados às delegacias153 153 "Crescem seqüestros não registrados no Rio" (Folha de S. Paulo, 1/11/95, p. 3-3). Segundo estimativa da polícia, a média de casos não comunicados era de 25% em 1994. . Tudo isso nos leva a concluir que o número de seqüestros realmente ocorridos no Rio deve ser bem mais elevado. Por outro lado, é através da imprensa que a opinião pública informada toma conhecimento dos seqüestros e forma, em parte, sua imagem deles.

d. Vítimas de seqüestros extorsivos

O perfil das vítimas no período do levantamento é o do gráfico 3.

A proporção de seqüestrados do sexo masculino é de cerca de 79%154 154 No artigo publicado na revista Archè sobre seqüestros no período de 01/01/95 a 31/05/96 lê-se: "no período de dezessete meses, foram noticiados casos com um total de 157 vítimas: 121 do sexo masculino e 36 do sexo feminino". Não há, portanto, nenhuma variação significativa no perfil do sexo da vítima nos dois períodos. . A observação básica é de que, aproximadamente, 4 em cada 5 seqüestrados são homens.

3.

4.

Neste período, em 41 dos 188 casos não havia a idade da vítima na notícia. Dentre os restantes, a faixa etária de maior risco é a entre 31 e 40 anos, com 31 ocorrências. Logo em seguida, vem a faixa dos 21 aos 30 anos, com 29 vítimas155 155 Nota-se que houve um crescimento no período junho/dezembro de 1996 das vítimas na faixa dos 31 aos 40 anos, que veio a inverter a situação do período do artigo anterior. No texto da revista Archè lê-se: "A faixa etária de maior risco está entre 21 e 30 anos: 29 seqüestros no período. Em segundo estão as pessoas entre 31 e 40 anos: foram 21 vítimas" (p. 111). . Ocorreram seqüestros de 14 pessoas com menos de 18 anos de idade.

Verifica-se que o "seqüestrável" na faixa de 41 a 50 anos é o menos atingido: 19 casos. Isto pode surpreender quem esperava que o empresário financeiramente consolidado na faixa de 40 anos fosse o alvo preferencial dos seqüestradores.

5.

Quanto ao perfil profissional da vítima, o empresário é o mais freqüente: 43 % dos casos de seqüestros noticiados. Foram 81 empresários seqüestrados em 2 anos. Ou seja, na média, um empresário é seqüestrado a cada 9 dias. Os parentes de empresários são o segundo grupo mais capturado pelos seqüestradores. 31 filhos de empresários foram levados pelos criminosos. Entre os profissionais liberais, a preferência é pelos médicos (8 vítimas) - quatro vezes mais seqüestrados que os advogados.

Deve-se assinalar que apenas 5 executivos foram capturados. Este parece ser um número baixo, para uma categoria relativamente numerosa no Rio.

Por fim, temos também um caso de 2 seqüestradores que foram seqüestrados por policiais: foram "mineirados", como se diz na gíria policial156 156 Ver a matéria: " 'Mineira' é hábito comum na Polícia" (Jornal do Brasil, 1/11/95, p. 18). Uma fonte ouvida pelo Jornal do Brasil explicou porque os policiais mineradores parecem ler fácil acesso a traficantes e seqüestradores. "A mineira prende e extorque porque contra ela não há delação. Entretanto, quando a polícia está em missão oficial, o próprio minerador vende a informação da caçada ao criminoso, permitindo que ele fuja. Com isso ele já garante uma propina: a oferecida como recompensa pelo bandido", explica. .

6.

Dentre os setores econômicos mais visados pelos seqüestradores estão, em primeiro lugar, os lojistas, com 15 vítimas. Em segundo, encontram-se os empresários da área de transporte, com 11 seqüestrados. De acordo com levantamento do Jornal do Brasil, de 1990 até 1996, 37 donos de empresas de ônibus ou seus familiares foram seqüestrados157 157 O número se refere apenas aos casos informados à polícia civil e publicados em jornais. No referido período duas das vítimas foram mortas. Cf. "Fortuna atraiu os seqüestradores", (Jornal do Brasil, 08/09/96, p. 30). . O setor de serviços teve 9 vítimas e os donos de hospitais estavam em 8 ocorrências. Com 7 seqüestrados ficam os moveleiros, o setor de confecções, industrial e metal-mecânico. Por fim, destacam-se com 6 vítimas o donos de redes de supermercados do Rio. Deve-se salientar que o presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios (BGA) afirma que, em dois anos e meio, cerca de 40 donos de supermercados foram seqüestrados158 158 Cf. "Seqüestro atinge donos de mercados" (Folha de S. Paulo, 21/11/96, p. 3-5). . Se isto puder ser evidenciado, ter-se-á um claro indício de como ocorrem inúmeros seqüestros extorsivos que não são reportados pela imprensa ou levados ao conhecimento da polícia.

Um outro problema sério com as notícias sobre seqüestros está no fato de que a cobertura trata prioritariamente do momento de sua ocorrência. Existe um número bastante elevado de casos em que o leitor desconhecerá o desenlace do seqüestro. Isto ocorre mais freqüentemente com vítimas que têm menor projeção social. Mas é provável que pedidos da família e dos negociadores de manter afastada a imprensa e a polícia dos casos contribua para essa situação.

7.

A precariedade das informações a respeito do desenlace fica patente quando se constata que em 98 ocorrências - mais da metade dos casos - não se sabe com detalhes como terminou a história. Dos 188 casos, 60 vítimas foram libertadas e 14 fugiram do cativeiro.

e. Seqüestradores

A dificuldade em inventariar os supostos seqüestradores presos no período foi grande. O primeiro problema está em que várias notícias indicam o nome do suspeito preso, porém não mencionam o nome da vítima. O segundo problema está em que as megaoperações policiais nos morros e favelas - muito freqüentes no período - voltadas à captura de narcotraficantes e apreensão de drogas e armas também resultam em prisões de supostos seqüestradores envolvidos com ocorrências anteriores a 1995.

O banco de dados registra atualmente o conjunto de suspeitos presos no período, inclusive aqueles que cometeram delitos em relação às vítimas de antes de 1995. Adotou-se este critério por duas razões principais: 1) foi feito um levantamento dos casos de seqüestros desde 1989 noticiados na imprensa. Por isso interessa registrar todos os suspeitos presos para etapas futuras da pesquisa que está sendo feita sobre a "indústria de seqüestros". 2) foi preciso evitar uma grande distorção entre o grande número de prisões de seqüestradores efetuadas e os casos que não foram noticiados como elucidados pela polícia. Para se ter a dimensão deste problema, oficialmente, constam 146 prisões de supostos seqüestradores em 1995; 116 prisões até o final de outubro de 1996159 159 Dados citados pelo subsecretário de Planejamento Operacional, coronel Helmo Dias (cf. Folha de S. Paulo, 21/11/ 96, p. 3-5). Observação importante: O Diretor do DAS, Herald Paquetl Spindola em declaração ao Jornal do Brasil, três semanas depois, dizia que "mais de 60 seqüestradores foram presos este ano" (cf. Jornal do Brasil, 1 7/12/96, p. 22). . Seriam, pelo menos, 262 suspeitos presos no período estudado.

O presente banco de dados registra 240 supostos seqüestradores presos segundo as notícias da imprensa no período 1995-1996.

Dos supostos seqüestradores 78 % são do sexo masculino. Portanto, quase 8 entre 10 seqüestradores detidos são do sexo masculino (212 homens).

8. Sexo dos seqüestradores

A faixa etária de maior incidência de seqüestradores está entre 21 e 30 anos - 67 seqüestradores. Se esta faixa for somada àquela dos 31 aos 40 anos (42 seqüestradores), teremos 80% dos seqüestradores cuja idade foi divulgada pela imprensa.

9. Idade dos seqüestradores

10. Funções dos seqüestradores

Entre os seqüestradores apanhados pela polícia predominam aqueles que desempenhavam a função de carcereiros (59 pessoas). Depois seguem os supostos "chefes da quadrilha" (31 pessoas) que, de fato, tendem a ser os planejadores e chefes das operações realizadas relativas ao seqüestro. E, em terceiro lugar, estão os captores das vítimas (21).

A tendência é a polícia capturar aqueles que atuam na parte operacional dos seqüestros extorsivos. O carcereiro deve ficar imobilizado vigiando a vítima e poderá ser preso quando se "estourar" o cativeiro. Os "chefes de quadrilha" freqüentemente estão envolvidos diretamente com os captores na linha de frente das operações de seqüestro. Aparentemente, houve um crescimento considerável de capturas de "chefes" no ano de 1996, algo que precisa ser examinado mais adiante na pesquisa.

O perfil dos supostos seqüestradores talvez resulte da seletividade da persecução policial que se volta quase que exclusivamente para as favelas e zonas carentes do Rio.

A hipótese é de que os seqüestradores detidos aparentam constituir um segmento de intermediário para baixo (setor de operações) da estrutura do crime organizado no Rio.

À cúpula desta estrutura de crime organizado talvez caiba escolher a pessoa a ser seqüestrada, fixar o valor do resgate e estipular a quantia mínima que poderá ser aceita durante as negociações. Diretamente ligados à cúpula podem estar outras conexões com o contrabando de armas e narcotráfico de ramificações nacionais e internacionais, lavagem do dinheiro proveniente dos resgates e, talvez, até grupos de extermínio para realizar "queimas de arquivos"161 161 O autor agradece ao engenheiro-cartógrafo Lúcio Graça pela elaboração dos 4 mapas incluídos no texto. A responsabilidade pelos dados e sua interpretação são minhas. .

11. Profissão dos seqüestradores

Nesta tabela vale a pena frisar o peso de policiais e militares da ativa, além de informantes da polícia, entre os seqüestradores: 11 % do total, ou seja, 29 pessoas.

A presença significativa de agentes policiais como seqüestradores pode ser um indicador de um traço típico do "crime organizado". Este padrão de criminalidade sempre contou com a participação e cumplicidade de autoridades e agentes de autoridade pública, como policiais, políticos, militares e outros.

Entre os supostos seqüestradores presos estão 40 traficantes de drogas e 21 suspeitos cuja atividade principal parece ser seqüestrar. Aparece também um suspeito que é engenheiro e analista de sistemas, e é tido como um importante planejador de seqüestros.

ƒ. Ocorrências de seqüestros extorsivos

12. Locais mais visados para capturar vítimas de seqüestros161 161 O autor agradece ao engenheiro-cartógrafo Lúcio Graça pela elaboração dos 4 mapas incluídos no texto. A responsabilidade pelos dados e sua interpretação são minhas.

As capturas de vítimas de seqüestros extorsivos, cuja precisa localização foi obtida no levantamento, concentram-se no município do Rio de Janeiro (99 casos), e nos seus bairros da zona Sul.

A Barra da Tijuca lidera com 13 ocorrências162 162 A Barra da Tijuca, bairro cujo consumo per capita é de cerca de US$ 7,260, é o terceiro colocado em poder aquisitivo na cidade do Rio de Janeiro, só perdendo para Copacabana (US$ 8,187) e Botafogo (US$ 7,636). Porém, estima-se que a maior parte da população local (41,7%) está concentrada na classe A. Em Botafogo, apenas 27,3% dos moradores são da classe A, que na média do Rio representa somente 8,36% da população (cf. O Globo, 1/09/96, p. 41). A propósito, a Barra da Tijuca já havia sido apontada como recordista de casos de seqüestros: 100 casos nos últimos 4 anos (cf. O Globo, 04/03/95, Rio, p. 15). . Depois surgem os bairros de Botafogo (6 casos) e Copacabana e Leblon (5 casos), todos na zona Sul. Na zona Norte, lidera o bairro de Madureira com 5 ocorrências. Duas vias se destacam como área de risco: a avenida Brasil (4 casos) e a via Dutra (3 casos). A Ilha do Governador, composta de vários bairros, é também uma área de expressivo número de casos (pelo menos 5 casos), de localização menos precisa, talvez devido à facilidade de acesso e fuga numa área inadequadamente policiada.

Quando a atenção é focalizada no Estado do Rio, percebe-se que em torno do município do Rio estão alguns municípios industriais ou áreas de dormitório onde significativo número de capturas ocorrem.

Duque de Caxias163 163 Duque de Caxias está a cerca de 20 minutos de carro do Aterro (centro do Rio), pela Linha Vermelha. O município se caracteriza por ter um área de miséria repleta de loteamentos sem saneamento, luz ou policiamento. Caxias possui cerca de 700 mil habitantes que vivem basicamente da indústria e comércio. lidera com 10 ocorrências. São Gonçalo, Itaboraí, Petrópolis e Nova Iguaçu tiveram 4 casos; Niterói e Magé, três capturas.

13. Capturas de vitimas nos municípios

Os "cativeiros" - locais onde as vítimas do seqüestro são mantidas - apresentam outra espacialização. Favelas e morros destacam-se como locais de cativeiro (7 casos). Os "motéis" também aparecem com freqüência (4 casos), o que poderá sugerir hipóteses de investigação futura. São Cristóvão com 4 cativeiros e Padre Miguel, Madureira e Campo Grande (3 cativeiros) dão destaque à zona Norte nas áreas de cativeiro. A Floresta da Tijuca aparece como área de 3 cativeiros.

O mapa de cativeiros do Estado do Rio revela que, apesar das capturas se concentrarem no município do Rio (99 casos), os locais de guarda das vítimas estão um pouco mais equilibrados. Duque de Caxias lidera também como área de cativeiros (9 casos)164 164 Reportagem do Jornal do Brasil refere-se a 16 vítimas de seqüestros que foram mantidas em cativeiro em Duque de Caxias somente em 1995, porém sem dizer quem são essas vítimas. Notícias como estas que sugerem números mais elevados de cativeiros ou vítimas de seqüestro não entram no banco de dados porque não têm o grau de informação necessário para contribuir ao levantamento. Cf. "Cativeiros proliferam em Duque de Caxias" (Jornal do Brasil, 03/12/95, p. 36). seguido de Magé e São João de Meriti (3 casos). Por fim, cativeiros de vítimas do Rio foram encontradas em três outros estados federados.

14. Locais de cativeiros nos bairros do Rio

15. Locais de cativeiros nos municípios fluminenses

g. Atuação policial

A atuação das polícias nos casos de seqüestros extorsivos é marcada, pelo menos, por alguns fatores fundamentais: 1) existe uma Divisão Anti-seqüestro (DAS) especializada em investigações sobre esse delito; 2) dependendo do perfil socioeconômico da vítima e da conjuntura política, vários recursos policiais são simultaneamente mobilizados para resolver casos determinados, e; 3) ocorre notável competição entre as polícias, e setores da mesma polícia, em certos casos. Face a um conjunto grande de casos de características diversas, como ocorre no presente levantamento, as generalizações não são, em regra, adequadas. O estudo de cada caso concreto é evidentemente possível. Mas, na presente fase exploratória do projeto de pesquisa, será mais econômico, e prudente, manter uma perspectiva descritiva.

16. Atuação policial: prisões

A Divisão Anti-seqüestro efetuou 77 prisões de supostos seqüestradores, de acordo com as notícias publicadas. A Polícia Civil prendeu 35; 20 foram presos pela PM; 11 por outras polícias especializadas e 5 pelas polícias de outros Estados da federação. A precariedade desses números é devida, em parte, à não identificação clara de quem atuou na ação policial. Pois, é certo que aparecem listados 240 nomes de seqüestradores capturados no período. Aliás, repita-se o que já foi escrito anteriormente, o número de suspeitos presos pode ser consideravelmente maior, devido à dificuldade de reunir notícias de capturas de suspeitos de envolvimento em seqüestros nas múltiplas ações policiais em morros e favelas. É comum ler que alguém é traficante, mas que possivelmente também está envolvido em um ou outro seqüestro.

A tendência observada, a partir dos dados coletados em que aparece a identificação de quem fez a captura, é de que a DAS elevou consideravelmente o número de prisões de suspeitos no ano de 1996, o que pode ser um indício de maior eficácia policial165 165 A rigor, somente exame dos registros oficiais poderão esclarecer estas questões. A eficácia policial também terá que ser vista em relação à qualidade das provas incriminadoras do suspeito. Para uma comparação com os dados aqui levantados cf. "Polícia já prendeu, extorquiu e soltou suspeitos de seqüestro" (Jornal do Brasil, 01/11/1995, p. 1). "Dos 70 seqüestros de maior repercussão nos últimos 6 anos - período que ocorreram, oficialmente, 568 casos, - a polícia só conseguiu solucionar 12, ou seja, 17% do total. Dos 70 casos, os empresários são a maioria entre as vítimas". A Central de Inquéritos do Ministério Público do Rio de Janeiro informou que no período de 1/01/95 a 31/04/96 haviam sido abertos um total de 163 inquéritos sobre casos de extorsão mediante seqüestro: 136 inquéritos foram instaurados em 1995 e 27 em 1996. Este total de inquéritos versa sobre 164 vítimas de seqüestro. Foram indiciados 45 réus. Foram arquivados 3 inquéritos. Mas nenhuma denúncia foi oferecida pelo Ministério Público. Casos de prisão em flagrante por seqüestro extorsivo não passam pela Central de Inquéritos. Esses casos vão direto para as varas criminais. .

A tabela seguinte, que deve ser interpretada com a muita prudência devido à precariedade dos dados obtidos da imprensa em relação aos seqüestradores, sugere algum avanço em termos de quantidade de suspeitos presos, que coincide com o período da caminhada Reage Rio e a concessão de premiações por atos de bravura (novembro de 1995), e talvez a atuação do DAS num período de maior estabilidade (segundo semestre de 1996).

17. Ocorrências de seqüestro e capturas de suspeitos

É difícil perceber, a partir das notícias da imprensa, se a atuação policial foi, de fato, aprimorada. Quando se examina como a polícia obteve as informações sobre os seqüestradores, nota-se que a investigação policial não parece ser importante. As denúncias, a obtenção de confissão de uma pessoa supostamente envolvida no delito, testemunhas continuam a prevalecer sobre técnicas investigativas mais modernas166 166 Foi em 26 de outubro de 1995 que chegou o primeiro computador à DAS (cf. "Inteligência substitui o estilo 'bateu-levou' ", Jornal do Brasil, 27/10/95, p. 25). Quando o delegado Hélio Luz assumiu a direção da DAS, uma de suas primeiras providências foi obter um perito para realizar perícias em casos de seqüestros. E mais ainda, desde a época do delegado Hélio Vigio que a DAS não possuía arquivos, porque eles foram levados supostamente para uso particular (cf. "Diretor da DAS enfrenta primeiro seqüestro", Jornal do Brasil, 01/06/95, p. 25). Segundo Hélio Luz, num momento de desabafo, "se o Vigio entendesse de seqüestros, teria prendido algum seqüestrador. Na sua gestão a sua equipe seqüestrava. Herdamos a Divisão sem um arquivo de seqüestradores. Não houve sequer uma condenação dos detidos pelo Vigio", cf. 'Shadow Cabinet' dá primeira gafe (Jornal do Brasil, 13/01/96, p. 20, grifo nosso). Não existe, por exemplo, uma listagem, no DESIPE (Departamento do Sistema Penitenciário), sobre presos condenados por seqüestro (cf. "Falta de dados prejudica as investigações". Jornal do Brasil, 05/11/95, p. 36).

18. Apuração do seqüestro

Por fim, num período de intenso combate policial a imprensa registrou um número relativamente pequeno de seqüestradores mortos.

19.

6. Observações finais

a) A política de segurança pública no Rio de Janeiro foi abordada neste trabalho como um conjunto de procedimentos, de caráter preventivo e repressivo, através dos quais autoridades governamentais e elites do poder negociam e organizam respostas ao fenômeno criminal167 167 Para uma introdução à discussão sobre "política criminal", cf. Delmas-Marty (1992). No texto preferi usar a expressão "política de segurança pública" para: 1) delimitar mais claramente o alcance da discussão pertinente à cidade e ao estado federado; 2) centrar a atenção nos aspectos relevantes da formulação e implementação da política governamental pelas instituições e seus agentes. A abordagem metodológica adotada neste trabalho encontra-se nas várias obras de Harold D. Lasswell. Cf. Richard Arens e Harold D. Lasswell (1961); Myres S. McDougal, Harold D. Lasswell e Lung-Chu Chen (1980). . Tentou-se situar esta política governamental do Estado do Rio dentro de uma discussão sobre o projeto da cidade-metrópole do Rio. Pretendeu-se descrever a política de "lei e ordem" adotada nos dois primeiros anos do Governo Marcello Alencar, destacando a política anti-seqüestros extorsivos. Foram relatadas as críticas e recomendações dos oponentes da política governamental. Deu-se ênfase à caminhada Reage Rio como mobilização pública centrada no problema dos seqüestros. Por fim, foram mostrados dados levantados pela nossa pesquisa exploratória sobre seqüestros extorsivos168 168 Vários aspectos do levantamento não foram mostrados neste texto porque já haviam sido previamente publicados pelo autor, na versão resumida do texto (Caldeira, 1996). .

b) Nas próximas etapas do levantamento haverá, principalmente, maior atenção para: 1) o levantamento de dados sobre os supostos seqüestradores e suas organizações; 2) mudanças nos padrões de seqüestros (seqüestros relâmpagos, terceirização das atividades criminosas, etc); 3) fugas de seqüestradores de presídios e delegacias; 4) relação entre seqüestros extorsivos e outras práticas delituosas associadas ao chamado crime organizado169 169 Para um trabalho jornalístico amplo e atual sobre crime organizado, cf. Arbex Jr. e Tognolli (1996). , como o narcotráfico e assaltos a bancos no Rio de Janeiro.

c) Por fim, é preciso estudar experiências de formulação e implementação de políticas democráticas de segurança pública que possibilitem uma atuação policial eficaz, menos corrupta e que garanta os direitos do cidadão170 170 Sobre os obstáculos à efetivação de um Estado Democrático de Direito no Brasil, cf. Vieira (1996). .

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Recebido para publicação em março/1997

Notas:

O associativismo religioso, no entanto, não parece estar enfraquecido no Rio de Janeiro. O potencial da dinâmica de criação de identidades coletivas e ajuda recíproca abre portas para emergência de comunidades parciais e movimentos sociais (cf. Novaes, Catela & Nascimento, 1996).

Cf. Fernandes c Carneiro (1995, p. 42) e também "Crescem assaltos a banco e seqüestros", (Folha de S. Paulo, 18/ 08/95. p. 3-3).

Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

§ 1o-. (...)

Pena - reclusão de doze a vinte anos.

2o - (...)

Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.

§3° - (...)

Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.

Observe-se que a exclusão da pena de multa deu origem a uma regra penal mais favorável que tem aplicação retroativa. Assim, a pena pecuniária não poderá ser aplicada aos seqüestros extorsivos aplicados praticados antes da Lei 8.072/90 e ainda não julgados, nem poderá ser executada se já tiver sido aplicada (cf. Franco, 1994, p. 268). A Constituição de 1988 faz restrições, no art. 5o, XLIII. a direitos e garantias que ela própria afirma ao estabelecer que "a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". A Constituição afirma que serão alcançados pela Lei dos Crimes Hediondos os autores e todos os que concorrerem, por ação e por omissão, para a prática desses delitos. Mas o texto usa uma noção de omissão muito ampla para ser penalmente relevante. "Esse 'poder fazer algo', que não foi feito, para evitar a prática delituosa só terá interesse, de conotação penal, quando é também imposto ao omitente, o 'dever fazer algo' para obstar a concretização delituosa. A omissão só tem relevância penal quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado ou de uma situação de ingerência, em obstar o advento do resultado típico. Só, portanto, nas hipóteses fáticas em que cabia, ao omitente, com base nas fontes geradoras de um especial dever de agir, o papel de garante do bem jurídico, é que se pode vislumbrar, no seu procedimento, uma omissão criminosa" (Franco, 1994, p. 31).

A Lei 8.072/90 estabelece que os crimes hediondos são insuscetíveis de anistia, graça e indulto (art. 2o, I) e de fiança e liberdade provisória (art. 2o). A pena por "extorsão mediante seqüestro" será cumprida integralmente em regime fechado (art. 2o, § 1o) e em presídio de segurança máxima (art. 3o).

Jurisprudência:

a) "A efetiva obtenção do benefício ou proveito, neste como no crime de extorsão simples, é irrelevante para a configuração jurídica da infração penal, podendo apenas, ser considerada como medida da pena" (JTA Crim 81/501).

b) "A extorsão mediante seqüestro é crime pluriofensivo, uma vez que envolve ofensa à liberdade individual e ao patrimônio. Consuma-se, porém, com a efetivação do seqüestro, independentemente da obtenção da vantagem indevida. Trata-se de crime permanente, iniciando-se a execução com o seqüestro"(RT 595/374).

Cf. ainda, "Polícia emperra as investigações" (O Globo, Rio, 19/11/95, p. 32).

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  • Zaffaroni, Eugênio Raul. (1996) Crime organizado: uma categorização frustrada. Revista Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 1(1): 45-68, 1° semestre.
  • 1
    A propósito desta introdução, cf. Manuel Castells e Jordi Borja (1996, p. 152-166).
  • 2
    Observação: o Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro se refere ao conceito de "cidades globais" (p. 18). Cf. também Ribeiro (1996). Segundo o autor, o projeto de cidade "se reduz aos objetivos de criar uma plataforma de serviços para atrair os capitais internacionais" (Ribeiro, 1996, p. 177). Para o urbanista, as mudanças econômicas e sócio-espaciais da metrópole do Rio de Janeiro indicam que a globalização pode reforçar as tendências de dualização e fragmentação já presentes no quadro de desindustrialização regressiva, a qual gera também aumento de desassalariamento e crescente precarização dos assalariados. Para uma visão alternativa e moderadamente otimista do futuro da cidade ler a entrevista com o economista Carlos Lessa, coordenador do Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro (1994. p. 28-32). Para uma discussão sobre os efeitos da globalização, cf. Anthony Giddens (1991). Para uma discussão sobre políticas de
    city marketing, em Curitiba, cf. Ribeiro e Garcia (1996).
  • 3
    Foi eleito governador Marcello Alencar (PSDB), derrotando o candidato brizolista Anthony Garotinho (PDT).
  • 4
    Foi vitorioso o arquiteto urbanista Luís Paulo Conde (PFL), candidato do prefeito César Maia (PFL), presidente do Conselho Adminsitrativo do IPLAN-RIO e responsável pelas reformas urbanísticas do Rio Cidade e Favela Bairro. Foi derrotado o candidato Sérgio Cabral Filho (PSDB), apoiado pelo governador Marcello Alencar.
  • 5
    Nesse sentido foi derrotado um discurso, tipicamente ligado aos pedetistas, que afirmava prioritariamente objetivos sociais, mesmo que, na prática, visasse a captar clientelas políticas.
    O discurso privatista, neoliberal marcou as administrações estaduais e municipais no período 1995-1996. O Governo Marcello Alencar apregoou ter lançado o primeiro programa de desestatização no País e ter tornado o Estado do Rio um dos principais alvos dos investidores estrangeiros. A inauguração pelo Presidente Fernando Henrique da fábrica da Volks, em Rezende em 1
    o de novembro de 1996, é apresentada como exemplo de tendência à modernização industrial apoiada em investimentos externos. O Porto de Sepetiba é anunciado como o vértice comercial do Mercosul, por onde circularão as mercadorias, capitais e serviços da Região Sudeste, tranformando aquela cidade num centro de negócios internacionais. O Rio, por sua vez, terá o Teleporto, que ambiciona ser o mais moderno pólo empresarial da América Latina. Uma área de 250 mil metros quadrados, junto à Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio, foi urbanizada pela Prefeitura que pretende recuperar seu investimento com a venda futura venda de 14 edifícios de escritórios, ligados por fibras óticas e ideais para abrigar serviços com forte demanda por telecomunicações. Estas são algumas das ações e planos que evideciam um notável
    intervencionismo estatal para promover e atrair investimentos privados, nacionais e estrangeiros. Para uma leitura abrangente da propaganda governamental dirigida ao setor empresarial, cf. Documento Especial/Oportunidades de investimentos:
    As melhores opções no Estado do Rio, (Jornal do Commercio, 15 e 16/12/96). Cf. "Sepetiba, o coração do Mercosul: estudo da FIRJAN propõe novo uso para o porto como distribuidor de carga para a região"
    (O Globo, 30/01/97, p. 25). Cf. "Rio receberá US$ 4,4 bilhões em cinco anos: investimentos virão de agências internacionais de financiamento e serão aplicados em projetos dos governos estadual e municipal"
    (Jornal do Brasil, 19/11/95, p. 32).
    O Prefeito César Maia, nos anos de 1995-1996, sitiou o carioca com obras feitas simultaneamente em 15 bairros - do Fundão à Barra da Tijuca - e iniciou a construção da
    Linha Amarela que vai ligar a Barra a Bonsucesso. O
    Rio Cidade, a
    Linha Amarela e outros projetos da administração Maia geraram 23.302 postos de trabalho em obras, o que explica, em parte, o apoio recebido politicamente por setores populares. O município tinha no final de 1996 uma dívida de cerca de 2 bilhões de dólares. Cf. Caderno Especial: O Rio de Marcello e César
    (Jornal do Brasil, 13/11/96, p. 1-6). A propósito, o setor da construção civil foi dos que mais empregaram em 1996 no Rio (+ 7,2%) (cf.
    Jornal do Brasil, 30/01/97, p. 14).
  • 6
    Os empresários vêm participando de iniciativas que estão definindo o projeto da cidade. É exemplo o
    Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro, que foi elaborado pelo
    Conselho da Cidade - formado de representantes da sociedade civil - a partir de um convênio entre a Prefeitura, a Federação das Indústrias do estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e a Associação Comercial do Rio. "Plano Estratégico mostra resultados" (cf.
    Jornal do Brasil, 22/10/96, p. 23). Outros exemplos são o do lançamento da candidatura do Rio para ser sede dos Jogos Olímpicos de 2004 e a feitura do chamado "Master Plano" do Rio (cf.
    Jornal do Brasil, 13/11/96, p. 19). Para a documentação oficial, cf.
    Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro: Rio sempre Rio (1996);
    Relatório da cidade 2: plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro (1996).
  • 7
    As articulações dos políticos são pluripartidárias. Existe também apoio do próprio Presidente Fernando Henrique que tem afiançado a candidatura do Rio para ser sede das Olimpíadas, tem anualmente despachado com os seus ministros no Palácio Rio Negro, em Petrópolis e recebido pedidos de tratamento especial para o Rio de Janeiro (cf.
    Jornal do Brasil, 13/11/96, p. 19 e 23/01/97).
  • 8
    O Viva Rio, rede que inclui empresários e lideranças sindicais e populares, tem atuado em várias campanhas, inclusive na Rio 2004, nas quais tenta afirmar uma identidade coletiva positiva do carioca. Sobre o início do Viva Rio. cf. Zuenir Ventura (1994). Para um depoimento sobre o Viva Rio, cf. Soares (1996). Cf. ainda: "Marcello e Maia usam trabalho de ONGs"
    (Jornal do Brasil, 17/12/95, p. 38).
  • 9
    Um belo exemplo da contribuição de artistas neste processo é o
    clip promocional das Olimpíadas Rio 2004 cantando
    Aquele Abraço, música de Gilberto Gil.
  • 10
    O Rio continua a ser associado com um cartão postal do Brasil, e é visto pelos cariocas como uma cidade atraente. O reconhecimento desse fato se encontra, por exemplo, em produção cinematográfica brasileira recente na qual o cenário carioca predomina (cf.
    Jornal do Brasil, 20/08/95, p. 31). Ao lado de um dos maiores centros urbanos do país se encontra a mais vasta floresta urbana do mundo (Floresta da Tijuca). Vales, restingas, lagos, lagoas e praias famosas completam um mapa natural de grande potencial turístico.
  • 11
    O estado do Rio é o maior produtor de petróleo (442 mil barris-dia), gás natural (com 28,20% das reservas nacionais), aço bruto e de ferro do país. Possui o segundo maior parque industrial e o maior aeroporto em movimento nas áreas nacional e internacional. A partir de 1995, o Rio recuperou o segundo lugar no
    ranking do Produto Interno Bruto nacional.
  • 12
    O patrimônio histórico e cultural da ex-capital do Brasil é também notável, destacando-se o Paço Imperial, as praças e jardins do centro do Rio e os museus e galerias de artes. Possui ainda grandes recursos de lazer, especialmente na vida noturna.
  • 13
    As maiores universidades federais e importantes centro de pesquisa estão no Rio. A taxa de alfabetização do Rio (90%) está entre as maiores do país.
  • 14
    Com significativa bancada de deputados federais e burocratas dentro do aparelho estatal, a articulação e defesa de interesses do Rio é potencialmente alta.
  • 15
    Estima-se que seriam investidos cerca de 703 milhões de dólares na preparação para o evento (cf.
    Jornal do Brasil, 01/09/96, p. 27). O prefeito Luís Paulo Conde afirma que seu modelo de gestão urbana será o de Barcelona, Espanha (cf.
    Jornal do Brasil, 17/11/96).
  • 16
    No ano de 1995, a alta do custo de vida no Rio foi de 27,85%. Em 1996, a inflação anual dos preços ao consumidor, medida pela Fundação Getúlio Vargas, foi de 11,54 % no Rio de Janeiro. A menor inflação desde 1950
    (Jornal do Brasil, 09/01/97, p. 13).
  • 17
    A vitória de César Maia (PFL) sobre Benedita da Silva (PT), na disputa pela prefeitura carioca, parece ter marcado um ponto de significativa rejeição da função social do urbanismo. O Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, que estabelece as condições legais para o crescimento da cidade, foi aprovado pela Câmara Municipal em julho de 1992. Este Plano Diretor foi amplamente discutido e possui consideráveis avanços em termos da função social da cidade. O Prefeito César Maia não realizou as determinações no Plano. Já em 1993, o Prefeito promovia o
    Plano Estratégico da Cidade, que passou a orientar sua Administração, ao invés de complementar o Plano Diretor aprovado pela Câmara Municipal. Para uma visão do que poderia ser um Plano Diretor de orientação democrática-popular. ver Grazia (1990).
  • 18
    Na pesquisa
    Lei, Justiça e Cidadania, realizada pela Fundação Getúlio Vargas e ISER,
    entre setembro de 1995 e julho de 1996, na qual foram ouvidos 1574 moradores nos municípios dos Rio, Niterói, São Gonçalo, Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti,
    revela-se esta fragilidade do associativismo. Vejamos as perguntas:
    1) É filiado a sindicato?
  • 19
    A temática da criminalidade violenta teve grande importância nas campanhas eleitorais de 1992 (principalmente, os arrastões nas praias que favoreceram politicamente o candidato a prefeito César Maia), 1994 (a reivindicação da Operação Rio, usada contra o candidato do brizolismo a governador, Anthony Garotinho), e 1996 (as balas perdidas, usadas parcialmente para indicar a ineficácia da política de segurança pública do governador Marcello Alencar). Para um exemplo das críticas de César Maia durante a campanha eleitoral ver
    Jornal do Brasil (07/09/96, p. 16). A imagem que se constrói dessa criminalidade violenta é racista e classista: bandido é negro, pobre e favelado, envolvido com tráfico de drogas. A favela passa a ser vista preponderantemente como a
    base de operações do crime organizado na cidade do Rio de Janeiro. "No novo modelo de segregação espacial, favelas e periferia são marcadas pela retração do antigo tecido associativo e pela expansão de formas criminosas e perversas de sociabilidade. tal mudança reforça a disseminação da cultura do medo que reconstrói os significados das favelas e periferia: deixam de ser territórios de coagulação de valores e signos positivos, referências de identidades coletivas, e passam crescentemente ao papel de estigmatizadores e diabolizadores dos pobres, na medida em que se busca associá-los como o lugar e a origem da chamada violência urbana" (Ribeiro, 1996, p. 177). Sobre o assunto, ver também Fausto Neto (1995, p. 417-38).
  • 20
    Para ver as recomendações feitas pelo Plano na área de segurança pública, consulte
    Plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro: Rio sempre Rio (1996, p. 70-73). Convém, lembrar que as operações na área de segurança pública - polícia ostensiva e judiciária - são de competência do Estado Federado e não do Município. Daí, neste artigo tentar-se articular a dimensão de construção estratégica da cidade com a dimensão de segurança pública comandada pelo governo estadual. Para uma análise jurídica completa da questão da organização das competências na área de segurança consulte Caldeira (1994).
    O diretor-executivo do Conselho da Cidade, Rodrigo Lopes afirma que a segurança é a área onde o Rio encontra ainda maior dificuldade. "Os governos estadual e municipal ainda não chegaram a um consenso nessa área"
    (Jornal do Brasil, 22/10/96).
    A análise que segue está baseada,
    em parte, no documento
    Nota Técnica - Violência escrito por Rosanna Zraick, da equipe de consultores do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, datado de março de 1995. Zraick reconhece no seu texto que: "Os indicadores de criminalidade utilizados neste trabalho foram extraídos dos estudos sobre violência e criminalidade realizados pelo Núcleo de Pesquisa do ISER, com apoio da FAPERJ. Esses mesmos dados foram utilizados pelo movimento
    Viva Rio em sua análise da violência no Rio de Janeiro, e são fruto de um cuidadoso e demorado trabalho de levantamento junto aos órgãos de segurança pública do estado" (p. 3).
  • 21
    A sensação de crise na área de segurança está amplamente documentada em jornais e revistas. Para uma visão desta crise no final do governo Moreira Franco /PMDB (1987-1990) que havia prometido acabar com a insegurança em 6 meses, combatendo o crime organizado localizado nas favelas e ocupando-as com uma polícia forte, cf. "Rio em Crise", caderno especial da
    Folha de S. Paulo (05/08/90). A pesquisa DataFolha publicada então mostra que 57% dos entrevistados afirmam ser a segurança e violência o principal problema do Rio. O custo de vida está em segundo lugar com 17% das respostas dos entrevistados. Cf. "Carioca quer abandonar a sua cidade" (Folha de S. Paulo, 05/08/90. p. 1).
  • 22
    Na
    Nota Técnica - Violência (supra cit.) lê-se na
    conclusão: "O diagnóstico da situação do Rio de Janeiro no que se refere à violência aponta para a ausência do Estado, como principal causa dos níveis e do tipo de criminalidade que assola a cidade" (p. 27). Mas, esta interpretação está presente na análise feita pela imprensa, como por exemplo, no editorial "A morte chegou mais cedo" (cf.
    Folha de S. Paulo, 11/01/94, p. 1-2).
  • 23
    Cf. L. Silva (1995). A propósito das interpretações: cf. Coelho (1992). Para um texto sofisticado e abrangente, representativo dessa interpretação dominante - e que não apoia a truculência policial - cf. Abranches (1994). Para uma análise crítica dessa interpretação sóciopolítica dominante, cf. J. Silva (1996, p. 497-519).
  • 24
    Nilton de Albuquerque Cerqueira, 66, general-de-brigada da reserva do Exército. Deputado federal licenciado, eleito com 40 mil votos - em grande parte de policiais - pelo PP/RJ, partido que apoiou a candidatura do governador Marcello Alencar. Dirigiu a PM/RJ no período 1981-82, época em que instituiu o sistema de promoção por bravura. Chefe do Doi-Codi da Bahia durante a ditadura militar. Cerqueira foi o responsável pela morte do capitão Carlos Lamarca, líder guerrilheiro, em 1971. O
    Grupo Tortura Nunca Mais divulgou um
    Dossiê Nilton Cerqueira, datado de 19 de maio de 1995 e assinado pela sua presidente Cecília Coimbra, que afirma que: "Em 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca e José Campos Barreto, também militantes do MR-8, foram assassinados a sangue frio por tropa comandada pelo major Nilton Cerqueira" (cf.
    Jornal do Brasil, 18/5/95, p. 23 e 12/5/95, p. 12). Cerqueira substituiu o primeiro secretário de segurança do governo Marcello Alencar, o general da reserva Euclimar da Silva, que pediu demissão, no dia 15 de maio de 1995, depois de cinco meses e meio de atuação, sem ter conseguido reverter a situação de violência no Rio e, principalmente, debelar a onda de seqüestros existente. Euclimar deixou ao cargo, entre outras razões, por não ter sido consultado sobre a extinção da Divisão Anti-seqüestro (DAS), que se mostrava então ineficaz para resolver casos de seqüestros e era objeto de inúmeras críticas. O governador disse que a escolha de Cerqueira atendia a "dois grandes desafios" do governo: a reforma das instituições policiais e o "combate em caráter emergencial" ao crime (cf.
    Folha de S. Paulo, 18/05/95. p. 3-1). Para um perfil completo do general Cerqueira, consulte "Bala na agulha",
    Revista Manchete (24/06/95, p. 14-23).
  • 25
    Nilton Cerqueira, "Nota aos
    policiólogos" {Jornal do Brasil, 08/05/96, p. 9). Aqui está um bordão típico desta política: a acusação de que o ex-governador Brizola não deixava a polícia invadir as favelas. Cf.
    Folha de S. Paulo (19/05/95, p. 3-4) para declarações de Cerqueira no mesmo sentido, no momento em que tomava posse como Secretário de Segurança. Segundo o noticiário atual, a polícia efetivamente invade as favelas. Mas o Governo Estadual para realizar obras saneadoras em 53 favelas vem pagando uma taxa extra de "segurança", cf. "Governo paga para entrar em favelas: guias são contratados para evitar que traficantes atrapalhem obras e ameacem trabalhadores"
    (O Globo, 17/03/96, p. 18).
  • 26
    " Nota supra cit.
    (Jornal do Brasil, 08/05/96).
  • 27
    Fontes do Comando Militar do Leste informaram que só em 1995 foram descobertos 15 casos de militares e ex-militares envolvidos com traficantes no Rio. Todos são ou foram das forças especiais, com curso de guerrilha. Cf. "Militares se envolveram com o tráfico"
    (O Globo, 20/12/95, p. 1; 28). Existe também uma ligação antiga entre militares, traficantes de drogas e venda de armas (cf.
    O Dia, 24/11/96, p. 26;
    Folha de S. Paulo, 18/11/96, p. 3-9;
    Jornal do Brasil, 18/11/96, p. 17;
    Folha de S. Paulo, 28/06/95, p. 3-3).
  • 28
    Os jornais noticiaram a existência de supostas "bases" assemelhadas a de guerrilheiros no morro do Andaraí, Grajaú. (cf.
    Jornal do Brasil, 29/07/95, p. 22;
    Folha de S. Paulo, 29/07/95, p. 1-2).
  • 29
    Nilton Cerqueira. "Uma visão de realidade"
    (Folha de S. Paulo, 26/08/96, p. 3). Ver ainda: "Rio é uma área de guerrilha, diz secretário"
    (Folha de S. Paulo, 15/12/95, p 3-3). "Cidade tem áreas de risco",
    (Folha de S. Paulo 16/12/95, p. 1-12); "Cerqueira diz que Rio vive guerra não declarada"
    (Jornal do Brasil, 17/10/96, p. 26). O ex-prefeito César Maia enfatiza também o papel estratégico das bases territoriais dos narcotraficantes. "A questão de fundo, que diferencia o Rio e torna o seu caso específico, é a existência de bases territoriais, com fronteiras ostensivamente controladas pelo crime. As bases territoriais são decisivas para o tipo de organização que o crime tem no Rio. São tão decisivas que as gangues precisam de armas pesadas para conquistar e manter territórios. As bases territoriais facilitam o tráfico, a guarda e a comercialização de drogas. Permitem a banalização dos seqüestros... É grave também pensar que se trata de uma questão estadual. Não é. É uma questão federal, porque caracteriza a ruptura da unidade de Estado. A solução não é simples. Mas é só uma. Ocupar as bases territoriais dos traficantes e não sair mais delas. Simultaneamente, levar o Estado às comunidades a partir da segurança pública. Esta operação não necessariamente seria sangrenta. Basta, para isso, que se tenham efetivos e organização. A segurança pública no Rio é hoje, principalmente, segurança do Estado. Sem essa não haverá segurança do cidadão"
    (O Globo, 12/11/ 95, p. 32). Para uma crítica não conservadora ao tráfico de drogas, a sua organização e suas conexões com o exterior, consulte Marcelo Lopes de Souza (1996).
  • 30
    Cf.
    Folha de S. Paulo (26/08/96, p. 3). Ler sobre as considerações criminológicas do General Cerqueira em "Obsessão pela segurança"
    (Jornal do Brasil, 22/05/96, p. 11). Neste artigo ele afirma que "há uma relação estreita entre o aumento de impunidade e o deslanche da criminalidade nas áreas metropolitanas"(...) "Um estudo sociológico feito recentemente constatou que nos últimos 10 anos, período em que se verificou vertiginoso crescimento da criminalidade violenta no Rio e São Paulo, declinou o número de prisões e condenações". Leia, ainda, a defesa feita por Cerqueira da repressão policial em "Carta aberta a um jurista"
    (Jornal do Brasil, 16/01/97, p. 11). "O estranho é que a qualidade de vida nas favelas melhorou consideravelmente nos últimos anos, enquanto paradoxalmente a violência aumentou. Os barracos de madeira foram substituídos pelos de alvenaria, do mesmo modo que a coleta de lixo e a distribuição de água melhoraram em muitos locais, mas, coincidentemente, ocorreu a disseminação da violência. Será que agora a iluminação mais intensa se constitui, comprovadamente, um instrumento preventivo eficaz? É o bastante para inibir bandido armado de AR-15 pronto para matar?"
  • 31
    Cf.
    Folha de S. Paulo (01/06/95, 3-3). "Cerqueira reafirma que polícia deve atirar primeiro"
    (Folha de S. Paulo. 29/05/95, p. 3-3); "Nilton Cerqueira recomendou à polícia que não socorra supostos marginais baleados em tiroteio"
    (Folha de S. Paulo, 25/05/95, p. 3-1); "Nossa recomendação é para o policial atirar primeiro. O primeiro tiro tem que ser dado pela polícia, não pelo bandido"
    (Folha de S. Paulo, 21/05/95, p. 1-2).
  • 32
    O General Cerqueira chegou a sugerir a extinção da Polícia Civil. "General é ameaçado ao propor fim de polícia" (cf.
    O Estado de S. Paulo, 4/8/95, p. C7). Sobre mudanças na polícia civil (cf.
    O Dia, 27/07/95, p. 13;
    Jornal do Brasil, 6/11/95, p. 15;
    Folha de S. Paulo, 05/12/95, p. 3-3). Sobre os vários aspectos das reformas cf. a entrevista de Cerqueira, na revista Manchete, 24/06/95.
  • 33
    Cf. "Corrupção atinge 80% da Polícia"
    (Jornal do Brasil, 06/11/95, p. 1 e 15). Os indícios de corrupção policial são, de fato, amplos e bem documentados na imprensa. "Celular revela ligação entre tráfico e polícia"
    (Jornal do Brasil, 07/09/96). Rastreamento da Telerj pedido pela Justiça pegou entre 300 telefonemas feitos pelo traficante
    Marcinho VP, chefe do morro Dona Marta, várias ligações para a sede da Polícia Civil do Rio, para o BOPE, da PM, além da Assembléia Legislativa. Cf.
    Jornal do Brasil (31/10/96, p. 25); "Policiais seqüestravam traficantes"
    (O Dia, 27/07/95, p. 1). Sobre a intenção de punir corruptos, ler
    Jornal do Brasil (04/06/95, p. 19).
  • 34
    Em novembro de 1995, o governador Marcello Alencar criou uma gratificação para os agentes policiais que se destacam em ações - a conhecida gratificação "faroeste" (decreto 21.753). De acordo com análise da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa do Rio - baseada em números fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública, antes da gratificação "faroeste" a média de civis suspeitos mortos em tiroteios com policiais era de dez por mês. Depois da gratificação subiu para 25. O que gera uma promoção por bravura? 1) Localização e invasão de cativeiro, resgate do seqüestrado e prisão dos criminosos; 2) Ações em favelas que resultem em prisão dos traficantes, apreensão de armas e fechamento de pontos-de-venda de cocaína e maconha. 3) Quando um policial, mesmo em inferioridade, reage contra criminosos e tem êxito. "Rio gratifica policial que mata mais: desde que o Estado criou a gratificação "faroeste", número de civis mortos cresceu 150% e o de policiais, 37,5%"
    (Folha de S. Paulo, 19/07/ 96, p. 3-1). Cf. a longa reportagem "PM do Rio mata cada vez mais"
    (Jornal do Brasil, 07/04/96, p. 1, 27-29). Esta política implantada tem recebido muitas críticas (cf.
    Jornal do Brasil, 05/12/96. p. 9 e 31/01/97, p. 13). Premiações foram dadas sem cumprimento de requisito de apresentação de, pelo menos, duas testemunhas insuspeitas da ação que justifica o benefício (82,5% dos 103 casos analisados, e que resultaram na promoção de 180 Pms). "Bravura sem testemunha" (cf.
    Jornal do Brasil, 07/07/96, p. 34). Outro aspecto que é importante: nove entre dez policiais militares mortos entre junho de 1995 e março de 1996 não estavam a serviço, segundo informação prestada pela Secretaria de Segurança. Provavelmente muitas mortes ocorreram quando os policiais estavam fazendo
    bicos como seguranças particulares (cf.
    Jornal do Brasil, 17/05/96, p. 24).
  • 35
    Cf.
    Jornal do Brasil (07/09/95. p. 16). Cf. ainda: "Rio compra equipamento inadequado: Secretaria de Segurança Pública gastou R$ 7,8 milhões em material considerado ruim por oficiais da PM"
    (Folha de S. Paulo, 07/04/95, p. 3-5).
  • 36
    Cf. declarações de Cerqueira sobre prioridades como secretário de Segurança
    (Manchete, 24/06/95, p 19).
  • 37
    Cf. "Carioca põe o crime na linha"
    (Veja/Rio, 08/11/95, p. 8-12); "Disque-denúncia vira central onde carioca reclama de tudo"
    (Jornal do Brasil, 26/05/96, p. 30).
  • 38
    Jornal do Commércio (05/12/96, p. A-5).
  • 39
    São exemplos os casos dos estudantes Marcos Chiesa e Carolina Dias Leite.
  • 40
    Cf. "Resgate da confiança",
    Jornal do Brasil, seção Opinião (27/10/96, p. 11).
  • 41
    Convém citar uma declaração do próprio Gal. Nilton Cerqueira, quando já exercia o cargo de Secretário de Segurança do Rio, sobre as estatísticas de criminalidade no Rio: " As estatísticas não merecem crédito, porque não correspondem à verdade. E isso se deve, principalmente, ao fato de as pessoas não acreditando nas polícias, não registrarem as ocorrências de que são vítimas". Cf. "Bala na agulha"
    (Manchete, 24/06/95. p. 18).
  • 42
    César Maia diz o seguinte sobre o Gal. Cerqueira: "Ele pensa que está na guerra do Paraguai. Só fala em quantos bandidos foram abatidos, quantas armas pegaram. É um relatório de guerra. Quero ver é dizer quantas pessoas foram condenadas devido à investigação da polícia. Daqui a sete meses o caos nessa área ficará claro para todos"
    (Jornal do Brasil, 31/12/96, p. 5).
  • 43
    Ler, entre outros textos do Gal. Cerqueira, "Nota aos
    policiólogos" (Jornal do Brasil, 06/05/96, p. 9); "Carta aberta a um jurista*'
    (Jornal do Brasil, 16/01/97). Escreve o General: " A crítica dos intelectuais de polícia, os quais denominamos de 'policiólogos', é outro fator adverso ao trabalho policial no nosso país, em particular, e no mundo, em geral, funcionando como proteção ao crime e aumentando os lucros da 'indústria do crime', esquecendo-se do verdadeiro sujeito dos direitos constitucionais, o cidadão". Cf. Nilton Cerqueira, "Uma visão da realidade"
    (Folha de S. Paulo, 26/08/96, p. 1-3).
  • 44
    Cf. "Cerqueira diz que ONG é coisa de vagabundo: relatório sobre direitos humanos no Rio irrita secretário de Segurança, governador e prefeito"
    (O Globo, 31/01/96, p. 12). Ler ainda, os comentários do General ao 20° relatório anual sobre direitos humanos do Departamento de Estado norte-americano que criticou a chamada "lei faroeste", apontada no documento como responsável pelo aumento de morte de suspeitos por policiais militares (cf.
    Jornal do Brasil, 01/02/97, p. 8).
  • 45
    Dentre os artigos mais completos de crítica à atual política de segurança pública estão Cerqueira (1996a) e Jorge da Silva (1996).
  • 46
    Ler "Carioca sob o domínio do medo"
    (Jornal do Brasil, 12/11/95, p. 40-41). Na pesquisa do Data Brasil, realizada em março e maio de 1995 - 600 pessoas de diversas classes sociais, com mais de 16 anos - 54,2% dos entrevistados responderam que "o Rio de Janeiro comparado a outras cidades do mundo é
    mais violento.
  • 47
    Para 57% dos cariocas entrevistados pela DataFolha a Polícia Civil inspira mais medo que confiança (cf.
    Folha de S. Paulo, 14/01/96, p. 3-3).
  • 48
    Pesquisa
    Jornal do Brasil-Petrobrás mostra que 51% entrevistados no município do Rio de Janeiro (a média do Estado é 48%) já foram roubados. O GERP entrevistou 2400 pessoas nos 24 principais municípios do Estado durante o mês de julho de 1996. Cf. "Rio, um estado de medo"
    (Jornal do Brasil, 28/07/96, p. 28).
  • 49
    Mesma pesquisa, nota supra
    (Jornal do Brasil, 28/07/96, p. 29).
  • 50
    "PM confirma falta de segurança" (O Globo, 16/09/96, p. 3).
  • 51
    "Hospedagem do Papa causa preocupações"
    (Jornal do Brasil, 16/01/97, p. 25).
  • 52
    Jornal do Brasil (01/09/96, p. 27).
  • 53
    Críticos afirmaram que a medida consistia no reconhecimento oficial da violência. A lei atinge imóveis residenciais e comerciais, além de terrenos, de 4.626 ruas ou trechos. Cf. "Violência reduz IPTU de 300 mil imóveis"
    (Jornal do Brasil, 07/11/96, p. 1 e 08/11/96, p. 24).
  • 54
    Foram inúmeras matérias jornalísticas relatando casos de vítimas inocentes de disparos de armas. Até o dia 28 de novembro de 1996, havia 82 vítimas, com 20 mortos e 62 feridos (cf.
    Jornal do Brasil, 06/12/96, p. 24). Cf. ainda, "Balas perdidas agora são preocupação até da polícia"
    (Jornal do Brasil, 03/11/96, p. 1 e 26-27). De acordo com levantamento feito pelo
    Jornal do Brasil, em 1994, 49 pessoas foram baleadas, sendo que destas 16 foram mortas. Em 1995, foram 41 vítimas, entre elas 14 não resistiram e morreram. Cf. "Bala perdida"
    (Jornal do Brasil, 14/07/96, p. 27).
  • 55
    Para uma análise crítica cf. Caldeira (1995). Este trabalho foi originariamente apresentado no XIX Encontro Anual da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em Caxambú, em outubro de 1995. Um artigo que resume aquele trabalho está publicado em Caldeira (1996). Segundo pesquisa do DataFolha, 89% dos entrevistados em novembro de 1994, desejavam a manutenção dos militares na Operação Rio em 1995. "Cariocas querem ação do Exército também em 1995" (cf.
    Folha de S. Paulo, 27/11/94, p. 1-7;
    Jornal do Brasil, 07/12/94. p. 21).
  • 56
    Eram 85 mil soldados (30 mil do Exército, 40 mil da Marinha e 15 mil da Aeronáutica), mais 28.500 policiais militares, 11.500 policiais civis e 850 policiais federais (cf. Resende, 1995, p. 46).
  • 57
    Seriam 4.800 traficantes-chefes, 4.400
    soldados armados, 1.400 olheiros e 740 passadores de drogas (cf. Resende, 1995, p. 46). Outras estimativas existem: as investigações da Polícia Federal levam a crer que o chamado "Cartel do Rio" emprega 100 mil pessoas. 'Tráfico emprega 100 mil pessoas", (cf.
    Jornal do Brasil, 10/09/95, p. 29). O Serviço reservado da PM, em 1994, elencava 344 pontos de tráfico de drogas no Rio, que vendiam por mês, duas toneladas de maconha e cocaína. Para uma listagem dos 15 pontos mais movimentados cf. Resende (1995, p. 61-64).
  • 58
    Lima da Silva foi secretário-executivo da Comissão Especial de Investigação da SAF (Secretaria de Administração Federal) criada para combater a corrupção no poder Executivo federal e participou da montagem do esquema de segurança da Eco-92 (Conferência Internacional Sobre Ecologia e Meio Ambiente), ocorrida no Rio em junho de 1992. Foi para a reserva em 31 de março de 1994. Antes disso ocupou a função de chefe do Estado-maior do Comando Militar do Leste, sediado no Rio. Também comandou a 1ª Brigada de Cavalaria Mecanizada e dirigiu o Centro de Avaliações do Exército (cf.
    Folha de S. Paulo, 01/12/94, p. 1-10).
  • 59
    Cf. organograma da nova secretaria de Segurança
    (Jornal do Brasil, 13/01/95, p. 13).
  • 60
    Cf. entrevista do General Lima da Silva
    (Jornal do Brasil, 11/12/94, p. 13).
  • 61
    A expressão é do Gal. Lima da Silva, que também usava a expressão "ganhar essa guerra" quando se referia à Operação Rio. Cf. entrevista supra cit.
    (Jornal do Brasil, 11/12/94, p. 13).
  • 62
    Na posse, o novo chefe da Polícia Civil, Dilermando Amaro, criticou o Ministério Público por "invadir" competências da Polícia Civil no trabalho de polícia judiciária e investigação policial. Foi uma referência à atuação do MP no caso da lista do bicho (livro-caixa) encontrado no escritório do bicheiro Castor de Andrade, em março de 94, com mais de 200 nomes que receberiam propinas. O MP investigou o caso sozinho. Da lista constavam nomes de mais de 60 delegados e policiais civis, que estão sendo processados na Justiça. "Acho que o MP talvez tenha ultrapassado o limite de sua competência nesse caso". Amaro, 49, era chefe do Departamento Administrativo do ex-secretário Mário Covas. (cf.
    Folha de S. Paulo, 06/01/95, p. 1-11).
  • 63
    Dorasil Corval, 46, era coronel da PM há dois anos. Bacharel em administração e direito, fez carreira na Polícia Militar no setor de ensino e formação de quadros. Na posse disse que a PM "não precisa mudar" e que não é corrupta (cf.
    Folha de S. Paulo, 06/01/95, p. 1-11).
  • 64
    Cf. "PM passa a comandar ações"
    (Folha de S. Paulo, 24/01/95, p. 1-12). Ver ainda, pelo convênio assinado entre Estado do Rio e Forças Armadas que o policiamento do Exército será nas ruas e 'áreas estratégicas'. Cf. "Militar não sobe morro na 2' fase da ação"
    (Folha de S. Paulo, 28/03/95, p. 1-12).
  • 65
    "DAS terá novo chefe"
    (Jornal do Brasil, 21/02/95, p. 18).
  • 66
    Cf. nota supra cit.
  • 67
    Ícaro da Silva foi diretor da Divisão de Fiscalização de Armamentos e Explosivos (DFAE).
  • 68
    "Seqüestro traz ministro da Justiça ao Rio"
    (Jornal do Brasil, 07/02/95, p. 19).
  • 69
    Cf.
    Folha de S. Paulo (17/05/95, p. 3-1).
  • 70
    Criticou-se a inoperância da DAS que não conseguiu localizar o orelhão de onde eram feitas as chamadas telefônicas, apesar de terem sido vinte ligações ao todo, dentre elas uma de doze minutos. Sobre o seqüestro de Juliana Leutterbach, o líder do PP, deputado Rubens Tavares, acusou a polícia de ter roubado o dinheiro do resgate, no valor de R$ 1 milhão (cf.
    O Globo 20/04/95, p. 4; 13/05/95, p. 18; 15/05/95, p. 9; e 22/05/95, p. 10).
  • 71
    Cf. "Cai secretário de Segurança do Rio: general pede demissão do cargo por discordar da extinção da DAS" (cf.
    Folha de S. Paulo, 17/05/95, p. 3-1;
    Jornal do Brasil, 18/05/95, p. 24). Segundo a própria DAS, 25
    pessoas estariam em poder de seqüestradores no dia 19 de abril de 1995. Este é um período em que o nome de alguns seqüestrados é guardado em
    sigilo pela DAS, como, por exemplo, uma sobrinha do médico Ivan Lemgruber
    (O Estado de S. Paulo, 20/04/95).
  • 72
    Cf. "Nelson Jobim aprova nomeação" (cf.
    Jornal do Brasil, 18/05/95, p. 24).
  • 73
    Cf. "Secretário ordena devassa completa na DAS: Hélio Luz, novo titular da Divisão Anti-seqüestro, assume e avisa que acabou a fase em que policiais participavam dos crimes"
    (Jornal do Brasil, 30/05/95, p. 20). Cf. ainda, "Secretário nomeia novo diretor para a DAS"
    (Folha de S. Paulo, 26/05/95, p. 3-1).
  • 74
    Ver, nota supra cit
    (Jornal do Brasil, 30/05/95, p. 20).
  • 75
    Ver, nota supra cit.
  • 76
    Cf.
    Jornal do Brasil, 01/06/95, p. 25.
  • 77
    O coronel Corval permaneceu no cargo durante todo o período deste estudo.
  • 78
    Entre as justificativas aventadas para a substituição de Dilermano Amaro estavam: 1) a falta de liderança e desprestígio do Delegado perante os policiais; 2) o aparecimento do seu nome no inquérito feito sobre o chamado "escândalo das quentinhas" pelo Ministério Público. Nada foi comprovado contra o delegado e, por isso, o MP pediu o arquivamento do inquérito. "Marcello faz mudanças na cúpula da Polícia: Hélio Luz substitui Dilermano Amaro que não se adaptou à política de Cerqueira" (cf.
    Jornal do Brasil, 28/06/95, p. 21).
  • 79
    Cf.
    Jornal do Brasil (28/06/95, p. 21).
  • 80
    Cf.
    Jornal do Brasil (4/11/95, p. 17).
  • 81
    Folha de S. Paulo, 30/10/95, p. 3-1. Cf. "Demitido diretor da Divisão Anti-seqüestro"
    (O Globo, 04/11/95, p. C-6). Alexandre Neto, 36, delegado de confiança de Hélio Luz, teve uma trajetória controvertida. O ex-diretor da DAS foi eventualmente suspenso por 43 dias pelo secretário da Segurança, Nilton Cerqueira.O motivo da suspensão foi a entrega por Neto de um revólver a um comerciante da Baixada Fluminense. A Corregedoria de Polícia Civil concluiu que Neto cedeu a arma de forma indevida (cf.
    Folha de S. Paulo, 14/12/95, p. 3-3).
  • 82
    Cf. "Diretor da DAS não acredita em resultado rápido"
    (Jornal do Brasil, 06/11/95, p. 15).
  • 83
    Ex-escrivão, previamente havia trabalhado exclusivamente em delegacias do interior do estado: Campos, Miracema, Santo Antônio de Pádua e Trajano de Moraes. Antes da assumir a DAS comandou a Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos
    (O Globo, 27/02/96, p. 16).
  • 84
    "DAS tem novo diretor"
    (Jornal do Brasil, 21/03/96, p. 24).
  • 85
    O delegado Herald Spíndola permaneceu como Chefe do DAS durante o restante do ano de 1996.
  • 86
    Para uma análise detalhada do que é chamado "militarização ideológica", cf. J. Silva (1996).
  • 87
    As megaoperações policiais continuam no início de 1997, de maneira assemelhada à Operação Rio. Por exemplo, no dia 24 de janeiro foram ocupadas 100 morros e favelas do Rio por 4000 homens das Polícias Civil e Militar, e apoio da PF e da Polícia Rodoviária, para combater tráfico de drogas e apreensão de armas (cf.
    Jornal do Brasil, 25/01/97 p. 19;
    O Dia, 25/01/97, p. 15).
  • 88Criou-se na opinião pública um entendimento que não há outra alternativa senão o uso cada vez maior e não controlado da força militar contra os "bandidos". Existe, por outro lado, uma crise de valores na sociedade. Cf. entrevista do psicanalista Jurandir Freire Costa comentando a aprovação que foi dada pela maioria da população à execução a sangue-frio de um assaltante por um policial, nas imediações de um shopping center no Rio, em março de 1995, que foi mostrada pela televisão (Jornal do Brasil, 13/03/95, p. 13). Cf. na pesquisa Lei, Justiça e Cidadania, realizada pela Fundação Getúlio Vargas e ISER, entre setembro de 1995 e julho de 1996, o resultado das respostas feitas à pergunta seguinte:
    Os bandidos não respeitam os direitos dos outros, por isso não merecem ter seus direitos respeitados (%).
  • 89
    A imprensa reflete o ascenso dos chamados Movimentos de Lei e Ordem no Brasil que ditam políticas criminais que afirmam: 1) que a pena se justifica como castigo e retribuição; 2) que os crimes hediondos sejam punidos com a morte ou penas de privação de liberdade longas; 3) que a prisão provisória seja ampliada; 4) que se devem abrir mais prisões de segurança máxima. Para uma introdução ao tema, consulte Araújo Jr. (1991 e 1997).
  • 90
    O tiroteio verbal é, às vezes, bem humorado. César Maia disse que mandaria "internar o Hélio Luz numa colônia de hippies"
    (Folha de S. Paulo, 06/12/96, p. 3-1).
  • 91
    Entre as exceções deve-se registrar a atuação do Grupo Tortura Nunca Mais e do Centro de Defesa de Direitos Humanos Rubens Requião. Existe ainda um trabalho importante e de qualidade que é feito pela ONG Human Rights Watch/Americas (cf. 1996), de documentação e denúncia de violações de direitos humanos. Para uma análise crítica da atuação das ONGs de defesa de direitos humanos durante a Operação Rio, cf. Caldeira (1996).
  • 92
    O Viva Rio, liderado por Rubens César Fernandes, durante o período 95-96, fez críticas
    pontuais à política de segurança pública - mas, ao contrário do que parece imaginar o gal. Nilton Cerqueira - para posicionar-se mais como
    parceiro que contestador. Por exemplo, o Viva Rio defende o policiamento comunitário. A experiência patrocinada pelo Viva Rio em Copacabana era uma de suas principais propostas, tendo sido, inclusive, levada às autoridades militares antes da Operação Rio no manifesto "O Rio Unido contra a Violência" (cf.
    Folha de S. Paulo: 10/08/94, p. 3-3). O general Cerqueira acabou com o experimento porque causava disputa entre os policiais que gostariam de levar uma "vida boa", inclusive com agrados dos membros da comunidade-alvo, e porque retirava combatentes das ações policiais mais imediatas e do controle do trânsito. O policiamento comunitário tinha apoio dos moradores da Zona Sul (cf.
    Folha de S. Paulo, 13/09/95, p. 3-3). O Viva Rio e o General Cerqueira, ainda como Presidente do Clube Militar, em 1994, foram incentivadores da intervenção federal na questão da criminalidade urbana do Rio, e mobilizaram-se pela Operação Rio. Para um depoimento favorável de Rubem César sobre a ação das Forças Armadas nas favelas, cf. sua entrevista (Fernandes, 1994). Por fim, ambos estiveram, e estão, solidários na campanha de desarmamento no Rio.
  • 93
    Esta comissão conduziu debates - lamentavelmente não disponíveis para consulta de pesquisadores - com os principais operadores públicos e privados diretamente interessados na questão. Produziu um documento indicando "propostas para a segurança pública do Rio de Janeiro" que constitui um embrião de uma superação da atual política. Mas as forças políticas articuladas na comissão não tiveram capacidade de dar publicidade e pressionar pelas políticas enunciadas. A Comissão Mista teve pouca atuação pública durante 1996. Junto ao ISER (Instituto Superior dc Estudos Religiosos) vem conduzindo um estudo dos "autos de resistência" registrados na PMRJ entre janeiro de 1993 e março de 1996, que poderá constituir-se numa contribuição à discussão sobre violência policial.
  • 94
    Foram lançados dois números da revista até fevereiro de 1997. Para uma proposta de política de segurança alternativa, representativa da linha da revista, cf. Cerqueira (1996b).
  • 95
    Cf. Fernandes e Carneiro (1995). Este estudo argumenta que o declínio da atividade econômica no Rio é anterior ao período em que os índices de violência dispararam na década de 80. E que a recuperação da economia no Rio começou, apesar dos dados relativos à criminalidade evidenciarem que crimes de maior especialização e densidade financeira - como roubo a banco, roubo de carga e extorsão mediante seqüestro - terem aumentado no 1
    o semestre de 1995 (época que abrange a Operação Rio) em relação ao 1
    o semestre de 1994, segundo dados da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
  • 96
    Cf. " Secretário veta 'aspecto negativo' da polícia do Rio"
    (Folha de S. Paulo, 25/08/95, p. 3-4).
  • 97
    Cf. "Cerqueira já admite acabar com Polícia Civil"
    (Jornal do Brasil, 02/08/95, p. 20); "General perde a paciência: se até o final do ano a Polícia Civil não tomar jeito vai acabar"
    (O Dia, 03/08/95, p. 11); "Cerqueira dá ultimato à Polícia Civil"
    (O Globo, 03/08/95, p. 12). É preciso destacar que em dois meses e meio, a administração do general Cerqueira havia iniciado um número considerável de investigações como parte da "limpeza" na polícia: 87 inquéritos e 174 sindicâncias (cf.
    O Globo, 03/08/95, p. 12). Por outro lado, nos primeiros seis meses do governo Marcello Alencar foram
    exonerados 33 policiais civis subalternos e apenas um delegado. Cf. " Processo de expulsão nunca chega ao fim"
    (Jornal do Brasil, 03/08/95, p. 23).
  • 98
    Cf. "Policiais civis se rebelam no Rio"
    (Folha de S. Paulo, 04/08/95, p. 3-1); "General é ameaçado ao propor fim de polícia"
    (O Estado de S. Paulo, 04/08/95, p. C7).
  • 99
    Os policiais esperavam que a promessa de um aumento salarial de 53,6% feita pelo Governador fosse cumprida (cf.
    Folha de S. Paulo, 04/08/95, p. 3-1).
  • 100
    "Governador não admite que Cerqueira deixe a Secretaria"'
    (Jornal do Brasil, 07/08/95, p. 13).
  • 101
    "Vem aí o imposto caça-bandido: Marcello que aumentar a arrecadação para aparelhar a polícia"
    (O Dia, 27/09/95. p. 1); "Marcello que criar imposto para segurança: proposta original prevê cobrança de novo tributo apenas para empresário"
    (Jornal do Brasil, 27/09/95, p. 20); "Bancos pagam o caça-bandido: Governador diz que imposto para melhorar a segurança deverá ser cobrado do setor financeiro, o maior beneficiado com as ações policiais"
    (O Dia, 28/09/95, p. 16).
  • 102
    Cf.
    Folha de S. Paulo (18/08/95, p. 3-3). Cf. ainda, "Promoções vão beneficiar 250 policiais civis"
    (O Globo, Rio. 17/11/95. p. 16).
  • 103
    Entre as crises da conjuntura, houve a demissão pelo governador do diretor do C1SP (Centro de Inteligência da Secretaria de Segurança), coronel Sérgio Krau. Cf. "Marcello demite assessor de Cerqueira"
    (Jornal do Brasil, 15/08/95, p. 20).
  • 104
    Sobre as sucessivas crises e demissões na Corregedoria da Polícia Civil, cf. "Briga com Luz afasta corregedor de polícia: desgastado, Manoel Vidal se reuniu com Cerqueira, pediu férias e avisou que não voltará ao cargo na cúpula da Polícia Civil"
    (Jornal do Brasil, 16/10/95, p. 24); "Corregedor de Polícia briga com Luz e pede demissão: subcorregedor Mário Covas também deixará o cargo se pedido de Luiz Gonzaga for aceito, abrindo nova crise na instituição"
    (Jornal do Brasil, 13/11/95, p. 13); "Cerqueira contorna a crise"
    (Jornal do Brasil, 14/11/95, p. 20); "Gonzaga assume cargo de cúpula na Segurança"
    (Jornal do Brasil, 21/11/95, p. 23). Cf. "Secretária, pivô da crise na polícia"
    (Jornal do Brasil, 27/11/95, p. 16).
  • 105
    O governo estadual colaborou efetivamente para que a caminhada Reage Rio fosse bem sucedida, liberando inclusive seus servidores do trabalho antes do evento e oferecendo transporte gratuito no metrô, trens suburbanos e nas barcas da Baía de Guanabara (cf.
    Folha de S. Paulo, 28/11/95, p. 3-1).
  • 106
    Cf. "Marcello ataca Reage Rio"
    (Jornal do Brasil. 24/11/95, p. 23); "Governador é contra a passeata"
    (Folha de S. Paulo, 26/11/95, p. 3-1).
  • 107
    "Cocaína na Fábrica da Esperança"
    (O Globo, 24/11/95, p. 18); "Cocaína abala Esperança"
    (Jornal do Brasil. 24/11/95, p. 22); "Fábrica de Esperança pode ser fechada"
    (Jornal do Brasil, 25/11/95, p. 1); "ONGs sofrerão devassa"
    (Jornal do Brasil, 27/11/95, p. 16); "Cocaína: polícia acredita em conivência"
    (O Globo, 30/11/95. p. 16).
  • 108
    Cf. FH antecipa verba para o Rio: Presidente dará apoio formal à luta contra a violência no estado, antecipando um programa especial para reforçar a segurança"
    (Jornal do Brasil, 16/11/95, p. 16); "Reage Rio ganha apoio de FH"
    (Jornal do Brasil, 15/11/95, p. 1).
  • 109
    Ver neste sentido a
    Carta do Rio, preparada pela Associação Comercial do Rio de Janeiro, onde se encontram propostas para uma Política
    Nacional de Segurança Pública. O resumo do seminário internacional "Violência Urbana: o desafio das grandes cidades", no qual se encontra o referido documento, está em encarte especial de
    O Globo (15/12/95). Ver, mais precisamente, o artigo de Humberto Mota. Presidente da Associação Comercial, ao convocar para a caminhada: "A opção pela paz" (20/11/95, p. 16).
  • 110
    Quanto à ineficácia da ação da PF no combate ao contrabando de armas, cf. a crítica feita pelo Secretário de Segurança Pública: "Críticas à Polícia Federal"
    (Jornal do Brasil, 26/4/95, p. 18). No final de 1996, a atuação da PF parece um pouco mais positiva segundo a imprensa. Cf. "Repressão reduz tráfico no aeroporto"
    (Jornal do Brasil, 02/09/96, p. 17). Para uma análise da atuação da PF durante a Operação Rio, cf. César Caldeira (1996, p. 50-74).
  • 111
    Cf. "Polícia Federal exonera superintendente: delegado do Rio teria sido omisso em suposta extorsão de brasileiros com contas bancárias ilegais nos EUA"
    (Folha de S. Paulo, 28/6/95, p. 3-3); "Fuga de traficantes da PF custou RS 70 mil"
    (Jornal do Brasil, 25/8/95. p. 18).
  • 112
    Cf. Entrevista de Rubem César Fernandes
    (Jornal do Brasil. 26/11/95, p. 14). Cf. ainda, "A caminhada é um basta"
    (O Globo, 17/11/95, p. 14) e "Viva Rio tem propostas"
    (Jornal do Brasil, 28/11/95, p. 19).
  • 113
    O jornal
    O Globo usou no período a figura de uma pessoa armada, com a legenda "seqüestro", para referenciar as notícias sobre o Reage Rio. Cf. por exemplo, a edição do dia da caminhada
    (O Globo, 28/11/95).
  • 114
    Dentre os seqüestrados mais importantes do período estavam o filho do Presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), o estudante Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira Filho e o empresário José Zeno, seqüestrado no Condomínio Novo Leblon, na Barra da Tijuca. Nesta época da caminhada do Reage Rio, a imprensa divulgava o crescente número de seqüestros, mesmo em relação à administração brizolista anterior. Cf. "Seqüestro cresce 23% no Rio em 95: estudo indica que cidade está mais violenta este ano; roubo a banco teve maior elevação, de 89%"
    (Folha de S. Paulo, 13/11/95, p. 3-1).
  • 115
    Para um argumento sobre o significado da caminhada semelhante ao apresentado, cf. Márcia Pereira Leite (1996).
  • 116
    Cf. "Passeata pede R$1 bi para o Rio: metade do dinheiro virá de banco internacional, outra metade depende do governo e de empresas"
    (Folha de S. Paulo, 27/11/95, p. 3-1;
    O Globo, 18/11/95, Rio, p. 19).
  • 117
    Cf. "César tenta ligar pastor e Betinho a políticos"
    (O Globo, 30/11/95. Rio, p. 14).
  • 118
    Cf. "Marcinho VP pede ajuda ao Viva Rio"
    (Jornal do Brasil, 18/05/96, p. 23); "ONG contesta as acusações de Cerqueira"
    (Jornal do Brasil, 24/05/96. p. 18): "Viva Rio decide processar Cerqueira"
    (Jornal do Brasil. 25/05/96, p. 24); "Cerqueira volta a atacar ONGs" (Jornal do Brasil,20/09/96, p. 28).
  • 119
    O Instituto Superior de Estudos Religiosos (ISER) passou a promover um seminário intitulado "Lei e Liberdade" a partir do 2
    o semestre de 1995, e que funcionou durante todo o ano de 1996, dedicado a discutir pesquisas e propostas de reformas na área de segurança pública. O resumo das apresentações feitas estão publicadas nas "Comunicações do ISER", Rio de Janeiro. Outro evento acadêmico marcante para discussão entre pesquisadores foi o Ciclo de Debates Cidadania e Violência, organizado pela Copea/UFRJ em 1996. Para o registro deste Ciclo e seus debates, cf. Velho e Alvito (1996).
  • 120
    Várias crises ocorreram e foram superadas em 1996. Dentre elas destaca-se a de março, em que o Chefe de Polícia Hélio Luz chegou a pedir exoneração do cargo. Nessa crise desgastante pareceu evidente que a manutenção de Luz, apesar de todos os conflitos criados por suas reivindicações que incluíam aumentos salariais para policiais, era um recurso político importante para a área de segurança. Ler a respeito: "Salário faz Hélio Luz pedir demissão"
    (Folha de S. Paulo, 08/03/96, p. 3-1); "Hélio Luz fica e ganha mais força na Polícia", (09/03/96, p. 1-12); "Luz permanece no cargo"
    (Jornal do Brasil. 12/03/96, p. 15).
  • 121
    Cf. por exemplo, sobre a mudança do inspetor-geral da Secretaria de Segurança Pública, em que prevaleceu a indicação de uma pessoa de confiança do Chefe de Polícia
    (Jornal do Brasil, 17/07/96, p. 23 e 18/07/96, p. 28). Para a modificação da estrutura da Polícia Civil do Rio, cf.
    Folha de S. Paulo (05/12/95, p. 3-3).
  • 122
    Em 1995, a Secretaria, dividida em Polícia Militar e Civil, obteve 668 milhões de reais; em 1996, o orçamento unificado foi de 1,4 bilhão de reais; em 1997 é de 1.5 bilhão de reais (cf.
    Jornal do Commércio, 13/12/96, p. A-2).
  • 123
    Segundo o Chefe de Polícia Hélio Luz, o seu maior problema são os "6,3 mil presos que temos em delegacias dos quais 3 mil estão condenados. As condições são péssimas. Haveria espaço para, no máximo, 2,5 mil presos. Eles se revezam para dormir, por falta de espaço. Tem gente que dorme de pé amarrada na grade. A Polícia Civil existe para investigar, mas grande parte de nossa capacidade de trabalho fica empatada em funções de guarda". Cf. entrevista com Hélio Luz
    (Atenção,1996, 5:61).
  • 124
    Num momento de júbilo, o secretário de Segurança Nilton Cerqueira já chegou a dizer que resolveu o problema de segurança do Rio, com a prisão dos grandes chefões do tráfico de drogas. Cf. "Cerqueira diz que resolveu segurança"
    (Jornal do Brasil, 08/01/97, p. 20).
  • 125
    As prisões constantes de traficantes pela polícia, no período, levou a uma mudança no perfil das quadrilhas. Segundo a polícia, houve crescimento em 50% de adolescentes e mulheres no comando das gangues. Cf. "Sucessão disputada a tiros no tráfico"
    (O Globo, Rio, 16/02/97, p. 25).
  • 126
    "Camelô no Rio já vende cocaína"
    (Jornal do Brasil, 17/09/95, p. 1; 29).
  • 127
    'Traficante vende cocaína até em igreja da Zona Sul"
    (O Dia, 25/09/95, p. 1); "PM fecha os olhos para o brilho de Ipanema: número de flagrantes é muito maior nas áreas pobres da cidade"
    (O Dia, 23/09/95, p. 1); "A elite e as drogas: a clientela 'vip" muda perfil do tráfico do Rio"
    (Jornal do Brasil, 20/12/95, p. 20). O chefe da Polícia Civil admitiu que: "A polícia só atua na faixa que ganha até mil reais. Não consegue mexer com quem lava dinheiro do tráfico e do bicho" (cf.
    O Dia, 27/7/95, p. 13). Cf. ainda. "Polícia só prende quem é pobre"
    (O Dia, 27/07/95, p. 1, 13).
  • 128
    Os últimos banqueiros do bicho condenados por formação de quadrilha pela juíza Denise Frossard em sentença histórica de 1993, deixaram a cadeia no final de 1996. Cf. "Nenhum bicheiro preso"
    (Jornal do Brasil, 18/12/96, p. 21).
  • 129
    "O bicho refaz seu bloco na avenida"
    (Jornal do Brasil, 12/02/97, p. 1, 11). Cf. ainda, "Bicho financia os seqüestros e o tráfico", entrevista com o jurista João Marcelo de Araújo Jr.
    (O Globo, Rio, 20/11/95, p. 15).
  • 130
    Cf. "Violência impede acesso a serviços"
    (Folha de S. Paulo, 16/02/97, p. 3- 1, 2).
  • 131
    Cresceu o número de seguranças particulares como um todo, mas o crescimento dos serviços de segurança clandestinos diminuiu em 23% o número vigilantes de empresas legalizadas no Rio no período 1992-1996. Em 1992, havia cerca de 60 mil vigilantes registrados em 60 empresas credenciadas pela Polícia Federal. Em 1996, existiam 50 mil seguranças particulares, vinculados à 108 empresas legalizadas. O crescimento do número de empresas legalizadas deve-se. em parte, à pressão do Sindicato de empresas de Segurança do Estado do Rio que fez 195 denúncias de empresas clandestinas só em 1995. Mas o número de seguranças clandestinos cresceu muito mais: estima-se que 100 mil seguranças clandestinos atuavam no Rio em 1996, principalmente em casas de espetáculo, bares, boates, condomínios e ruas da zona sul. Cf. "Contratações legais caem 23% no Rio",
    (Folha de S. Paulo, 17/03/96, p. 3-2). Cf. ainda, denúncia de venda de proteção particular através de um telefone do 2
    o Batalhão da PM feita pelo
    Jornal do Brasil, nas reportagens dos dias 15/09 e 16/09/96. 60% dos policiais entrevistados pela Infoglobo declararam na pesquisa que têm segundo emprego nas horas vagas. Desses, 54,6% são seguranças, aproveitando-se da carteira e da arma dadas pela instituição.(cf. "A corrupção no cotidiano da Polícia".
    O Globo 24/03/96, Rio, p. 18).
  • 132
    Sobre o fluxo de armas para o Rio, cf. "Rio é o maior comprador de armas no mercado negro"
    (O Globo, 18/09/96, p. 1; 17-8); "Armas: Governo cobra informações de general"
    (O Globo, 09/09/96, p. 1;16). Sobre as armas sofisticadas que são usadas no Rio, ler:
    (Folha de S. Paulo, 05/01/97, p. 3-3).
  • 133
    Cf. Fernandes e Carneiro (1995. p. 54).
  • 134
    Uma versão condensada desse texto cobrindo um período diferente de seqüestros extorsivos (01/01/95 - 31/05/96) já foi publicada (cf. Caldeira. 1996b). O presente texto foi reescrito e revisto. Foram também refeitas tabelas e excluídas as anteriormente publicadas.
  • 135
    No ano seguinte, o embaixador da então Alemanha Ocidental, Ehrenfield von Holleben, foi também seqüestrado por razões políticas no Rio de Janeiro. A década de 70 não é, entretanto, marcada por numerosos seqüestros extorsivos. Estão fora do escopo do presente artigo os seqüestros praticados por autoridades policiais e militares contra adversários políticos do regime militar, realizados principalmente após o Ato Institucional n° 5 de 13 de dezembro de 1968.
  • 136
    É crime contra o
    patrimônio previsto no Código Penal brasileiro no artigo 159. Corresponde ao vocábulo inglês
    kidnapping. Não deve ser confundido com rapto, termo que, em linguagem jurídica, só se refere ao seqüestro para fins libidinosos.
    Código Penal, art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:
    Pena - reclusão, de 6 (seis) a 15 (quinze) anos, e multa.
    § 1
    o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha:
    Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e multa.
    § 2
    o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
    Pena - reclusão, de 12 (doze) a 24 (vinte e quatro) anos, e multa.
    § 3° Se resulta a morte:
    Pena - reclusão, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.
    Atenção: O Presidente Fernando Henrique sancionou no dia 2 de abril de 1996 uma lei que reduz de um a dois terços a pena do cúmplice de seqüestro que denunciar o crime, facilitando a libertação do seqüestrado. A lei, cujo projeto foi do ex-senador Francisco Rollemberg (PFL-SE) entrou em vigor alterando o artigo 159 do Código Penal.
    A Lei n° 8.930 de 6 de setembro de 1994, que dá nova redação ao art. 1
    o da Lei 8.072 de 25 de julho de 1990 que dispõe sobre os
    crimes hediondos, reafirma que
    extorsão mediante seqüestro, e na forma qualificada é considerado
    crime hediondo. A Lei 8.072/90 havia introduzido duas modificações básicas ao art. 159 do Código Penal: a) agravamento do mínimo legal, com referência à pena privativa de liberdade, quer no tocante ao crime básico, quer no que tange às suas formas qualificadas; b) exclusão da pena pecuniária. Ficou a seguinte redação:
    Art. 159 - (...)
  • 137
    Tabela criada a partir dos dados apresentados por Gomes (1993).
  • 138
    O Governador paulista era Orestes Quércia - PMDB e o Presidente da República José Sarncy. O Congresso Constituinte elaborava a atual Constituição. Na economia ainda repercutia o plano Cruzado II até que o ministro da Fazenda Dilson Funaro passasse o cargo para Bresser Pereira.
  • 139
    Foi o primeiro ano da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. A chamada "Constituição cidadã", na expressão de Ulysses Guimarães, previa no art. 5
    o, XLIII a posterior regulamentação dos
    crimes hediondos, entre os quais figurou afinal a "extorsão mediante seqüestro", uma prática delituosa em constante ascenso durante a década, conforme mostram as tabelas. Em 1989, era governador fluminense, Moreira Franco (PMDB) (1987-90).
  • 140
    Durante a segunda administração de Leonel Brizola (1991-1994). No governo federal, estava inicialmente Fernando Collor (1990-1992), e depois do seu "impeachment", o Vice-Presidente Itamar Franco, que patrocinou o convênio "Operação Rio". A respeito, cf. Caldeira (1995).
  • 141
    Cf.
    Jornal do Brasil (17/12/96, p. 22). É muito importante frisar que as estatísticas oficiais citadas sobre seqüestros nos jornais freqüentemente são contraditórias. Para constatar rapidamente este fato cf.
    Jornal do Brasil (06/02/95, p. 12; 26/10/95, p. 1) e
    O Globo (26/10/95. p. 19).
  • 142
    Cf. Caldeira (1996).
  • 143
    Uma versão condensada do texto encontra-se em Carvalho (1996) cf. ainda: "Algumas considerações dobre o seqüestro no Brasil",
    Os Direitos Humanos no Brasil, 95. USP - Núcleo de Estudos da Violência e Comissão Teotônio Vilela. São Paulo, 1995. Para uma visão de um especialista da polícia militar de São Paulo sobre o assunto, cf. Wanderley Mascarenhas de Souza (1993).
  • 144
    Cf. Prado e Douglas (1995), Gomes e Cervini (1995) e A. Fernandes (1995).
  • 145
    "Mesa Redonda sobre Crime Organizado" (1994). realizada no XV Congresso Internacional de Direito Penal, Rio dc Janeiro, setembro; Zaffaroni (1996); Maciel (1995); Jesus (1995); Terra (1995).
  • 146
    Para uma visão geral da política criminal no Brasil cf. Capeller (1995).
  • 147
    Este levantamento foi efetuado com a participação de alunos de duas faculdades de direito cariocas: a Cândido Mendes Ipanema e a Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO). A informatização e sistematização dos dados coletados só foi possível pela colaboração inestimável do Professor Carlos Dörner da Faculdade de Direito Cândido Mendes-Ipanema, que trouxe ainda observações valiosas para a análise dos dados. A responsabilidade sobre os eventuais equívocos de interpretação neste projeto é apenas do autor.
  • 148
    Sendo crime de
    ação pública incondicionada - aquele cuja propositura da ação pelo órgão do Ministério Público independe de qualquer condição - a autoridade policial dele tomando conhecimento deve instaurar o inquérito (cf. Tourinho Filho, 1984. p. 193-194).
  • 149
    Segundo Tourinho Filho, a notícia do crime de "cognição imediata" ocorre quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato infringente da norma por meio das suas atividades rotineiras: ou porque o jornal publicou a respeito, ou porque um dos seus agentes lhe levou ao conhecimento, ou porque soube por intermédio da vítima, etc. (cf. Tourinho Filho. 1984, p. 193).
  • 150
    Cf. Tourinho Filho. 1984. p. 194.
  • 151
    A Divisão Anti-seqüestro tem divulgado para a imprensa o número de 106 seqüestros no ano de 1995 (cf.
    Jornal do Commércio, 14/08/96, p. A-12).
  • 152
    65 casos até 16/12/96 (cf.
    Jornal do Brasil, 17/12/ 96. p. 22).
  • 153
    "Crescem seqüestros não registrados no Rio"
    (Folha de
    S.
    Paulo, 1/11/95, p. 3-3). Segundo estimativa da polícia, a média de casos não comunicados era de 25% em 1994.
  • 154
    No artigo publicado na revista
    Archè sobre seqüestros no período de 01/01/95 a 31/05/96 lê-se: "no período de dezessete meses, foram noticiados casos com um total de 157 vítimas: 121 do sexo masculino e 36 do sexo feminino". Não há, portanto, nenhuma variação significativa no perfil do sexo da vítima nos dois períodos.
  • 155
    Nota-se que houve um crescimento no período junho/dezembro de 1996 das vítimas na faixa dos 31 aos 40 anos, que veio a inverter a situação do período do artigo anterior. No texto da revista
    Archè lê-se: "A faixa etária de maior risco está entre 21 e 30 anos: 29 seqüestros no período. Em segundo estão as pessoas entre 31 e 40 anos: foram 21 vítimas" (p. 111).
  • 156
    Ver a matéria: " 'Mineira' é hábito comum na Polícia"
    (Jornal do Brasil, 1/11/95, p. 18). Uma fonte ouvida pelo
    Jornal do Brasil explicou porque os policiais
    mineradores parecem ler fácil acesso a traficantes e seqüestradores. "A
    mineira prende e extorque porque contra ela não há delação. Entretanto, quando a polícia está em missão oficial, o próprio
    minerador vende a informação da caçada ao criminoso, permitindo que ele fuja. Com isso ele já garante uma propina: a oferecida como recompensa pelo bandido", explica.
  • 157
    O número se refere apenas aos casos informados à polícia civil e publicados em jornais. No referido período duas das vítimas foram mortas. Cf. "Fortuna atraiu os seqüestradores",
    (Jornal do Brasil, 08/09/96, p. 30).
  • 158
    Cf. "Seqüestro atinge donos de mercados"
    (Folha de
    S.
    Paulo, 21/11/96, p. 3-5).
  • 159
    Dados citados pelo subsecretário de Planejamento Operacional, coronel Helmo Dias (cf.
    Folha de
    S.
    Paulo, 21/11/ 96, p. 3-5).
    Observação importante: O Diretor do DAS, Herald Paquetl Spindola em declaração ao
    Jornal do Brasil, três semanas depois, dizia que "mais de 60 seqüestradores foram presos este ano" (cf.
    Jornal do Brasil, 1
    7/12/96, p. 22).
  • Jornal do Brasil,

    160Esta hipótese se baseia nas observações feitas pela extinta comissão especial de promotores de justiça que em 1990, acompanhou as investigações sobre crime organizado no Rio de Janeiro (cf. 1º caderno, 11/8/90, p. 32). O presente levantamento indica, à primeira vista, que pouco se avançou na atuação policial anti-seqüestro desde o início da década.
  • 161
    O autor agradece ao engenheiro-cartógrafo Lúcio Graça pela elaboração dos 4 mapas incluídos no texto. A responsabilidade pelos dados e sua interpretação são minhas.
  • 162
    A Barra da Tijuca, bairro cujo consumo
    per capita é de cerca de US$ 7,260, é o terceiro colocado em poder aquisitivo na cidade do Rio de Janeiro, só perdendo para Copacabana (US$ 8,187) e Botafogo (US$ 7,636). Porém, estima-se que a maior parte da população local (41,7%) está concentrada na classe A. Em Botafogo, apenas 27,3% dos moradores são da classe A, que na média do Rio representa somente 8,36% da população (cf. O
    Globo, 1/09/96, p. 41). A propósito, a Barra da Tijuca já havia sido apontada como recordista de casos de seqüestros:
    100 casos nos últimos 4 anos (cf.
    O Globo, 04/03/95, Rio, p. 15).
  • 163
    Duque de Caxias está a cerca de 20 minutos de carro do Aterro (centro do Rio), pela Linha Vermelha. O município se caracteriza por ter um área de miséria repleta de loteamentos sem saneamento, luz ou policiamento. Caxias possui cerca de 700 mil habitantes que vivem basicamente da indústria e comércio.
  • 164
    Reportagem do
    Jornal do Brasil refere-se a 16 vítimas de seqüestros que foram mantidas em cativeiro em Duque de Caxias somente em 1995, porém sem dizer quem são essas vítimas. Notícias como estas que sugerem números mais elevados de cativeiros ou vítimas de seqüestro
    não entram no banco de dados porque não têm o grau de informação necessário para contribuir ao levantamento. Cf. "Cativeiros proliferam em Duque de Caxias"
    (Jornal do Brasil, 03/12/95, p. 36).
  • 165
    A rigor, somente exame dos registros oficiais poderão esclarecer estas questões. A eficácia policial também terá que ser vista em relação à qualidade das provas incriminadoras do suspeito. Para uma comparação com os dados aqui levantados cf. "Polícia já prendeu, extorquiu e soltou suspeitos de seqüestro"
    (Jornal do Brasil, 01/11/1995, p. 1). "Dos 70 seqüestros de maior repercussão nos últimos 6 anos - período que ocorreram, oficialmente, 568 casos, - a polícia só conseguiu solucionar 12, ou seja, 17% do total. Dos 70 casos, os empresários são a maioria entre as vítimas".
    A Central de Inquéritos do Ministério Público do Rio de Janeiro informou que no período de 1/01/95 a 31/04/96 haviam sido abertos um total de 163 inquéritos sobre casos de
    extorsão mediante seqüestro: 136 inquéritos foram instaurados em 1995 e 27 em 1996. Este total de inquéritos versa sobre 164 vítimas de seqüestro. Foram indiciados 45 réus. Foram arquivados 3 inquéritos. Mas
    nenhuma denúncia foi oferecida pelo Ministério Público. Casos de prisão em flagrante por seqüestro extorsivo não passam pela Central de Inquéritos. Esses casos vão direto para as varas criminais.
  • 166
    Foi em 26 de outubro de 1995 que chegou o primeiro computador à DAS (cf. "Inteligência substitui o estilo 'bateu-levou' ",
    Jornal do Brasil, 27/10/95, p. 25). Quando o delegado Hélio Luz assumiu a direção da DAS, uma de suas primeiras providências foi obter um
    perito para realizar perícias em casos de seqüestros. E mais ainda, desde a época do delegado Hélio Vigio que a DAS não possuía
    arquivos, porque eles foram levados supostamente para uso particular (cf. "Diretor da DAS enfrenta primeiro seqüestro",
    Jornal do Brasil, 01/06/95, p. 25). Segundo Hélio Luz, num momento de desabafo, "se o Vigio entendesse de seqüestros, teria prendido algum seqüestrador. Na sua gestão a sua equipe seqüestrava.
    Herdamos a Divisão sem um arquivo de seqüestradores. Não houve sequer uma condenação dos detidos pelo Vigio", cf. 'Shadow Cabinet' dá primeira gafe
    (Jornal do Brasil, 13/01/96, p. 20, grifo nosso). Não existe, por exemplo, uma listagem, no DESIPE (Departamento do Sistema Penitenciário), sobre presos condenados por seqüestro (cf. "Falta de dados prejudica as investigações".
    Jornal do Brasil, 05/11/95, p. 36).
  • 167
    Para uma introdução à discussão sobre "política criminal", cf. Delmas-Marty (1992). No texto preferi usar a expressão "política de segurança pública" para: 1) delimitar mais claramente o alcance da discussão pertinente à cidade e ao estado federado; 2) centrar a atenção nos aspectos relevantes da
    formulação e
    implementação da política governamental pelas instituições e seus agentes.
    A abordagem metodológica adotada neste trabalho encontra-se nas várias obras de Harold D. Lasswell. Cf. Richard Arens e Harold D. Lasswell (1961); Myres S. McDougal, Harold D. Lasswell e Lung-Chu Chen (1980).
  • 168
    Vários aspectos do levantamento não foram mostrados neste texto porque já haviam sido previamente publicados pelo autor, na versão resumida do texto (Caldeira, 1996).
  • 169
    Para um trabalho jornalístico amplo e atual sobre crime organizado, cf. Arbex Jr. e Tognolli (1996).
  • 170
    Sobre os obstáculos à efetivação de um Estado Democrático de Direito no Brasil, cf. Vieira (1996).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Maio 1997

    Histórico

    • Recebido
      Mar 1997
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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