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A alquimia organizacional: qualificação e construção do consentimento

Organizational alchemy: managing skills and consent

Resumos

Dirigimos a nossa reflexão neste texto para três questões: 1) Como se têm manufaturado novas formas de consentimento em situações de reestruturação em empresas que já se caracterizavam, no contexto brasileiro, por um tipo de gestão mais moderna das relações sociais de trabalho, como é o caso de indústrias de processo na cadeia químico-petroquímica? 2) Poder-se-ia dizer que uma nova alquimia organizacional dos interesses estaria em curso, a sugerir a possível emergência de um novo regime fabril? 3) Qual o lugar das estratégias e políticas empresariais com relação à qualificação neste novo arranjo institucional de interesses? Procuramos enfrentar estas indagações através da análise de quatro estudos de caso que tipificam situações diferenciadas em termos de posição das empresas na cadeia produtiva, propriedade de capital, perfil dos mercados regionais de trabalho, contextos sindicais, natureza do regime de welfare e tipo de cultura gerencial.

reestruturação industrial; qualificação; regimes fabris; gestão do trabalho


This article addresses three main questions: 1) Do managerial strategies in modern chemical plants produce new forms of individual consent towards organizational restructuring and intense work rationalization? 2) Is there a new institutional alchemy of interests indicating the emergence of a different kind of micro-regulatory institutions (a new factory regime)? 3) What is the role of human resources politics on skills and employability in re-shaping the institutional ambience? The answers emerge from the analysis of four case studies in Brazilian chemical-petrochemical plants which typify different situations in terms of: position in the productive chain, capital property, regional labor markets, unionism, welfare regime and managerial culture.

industrial restructuring; skills; factory regimes; human resources management


ARTIGO

A alquimia organizacional: qualificação e construção do consentimento

Organizational alchemy: managing skills and consent

Nadya Araujo Castro; Alvaro A. Comin

Pesquisadora Senior do CNPQ no CEBRAP

Pesquisador do CEBRAP

RESUMO

Dirigimos a nossa reflexão neste texto para três questões: 1) Como se têm manufaturado novas formas de consentimento em situações de reestruturação em empresas que já se caracterizavam, no contexto brasileiro, por um tipo de gestão mais moderna das relações sociais de trabalho, como é o caso de indústrias de processo na cadeia químico-petroquímica? 2) Poder-se-ia dizer que uma nova alquimia organizacional dos interesses estaria em curso, a sugerir a possível emergência de um novo regime fabril? 3) Qual o lugar das estratégias e políticas empresariais com relação à qualificação neste novo arranjo institucional de interesses? Procuramos enfrentar estas indagações através da análise de quatro estudos de caso que tipificam situações diferenciadas em termos de posição das empresas na cadeia produtiva, propriedade de capital, perfil dos mercados regionais de trabalho, contextos sindicais, natureza do regime de welfare e tipo de cultura gerencial.

Palavras-chave: reestruturação industrial, qualificação, regimes fabris, gestão do trabalho.

ABSTRACT

This article addresses three main questions: 1) Do managerial strategies in modern chemical plants produce new forms of individual consent towards organizational restructuring and intense work rationalization? 2) Is there a new institutional alchemy of interests indicating the emergence of a different kind of micro-regulatory institutions (a new factory regime)? 3) What is the role of human resources politics on skills and employability in re-shaping the institutional ambience? The answers emerge from the analysis of four case studies in Brazilian chemical-petrochemical plants which typify different situations in terms of: position in the productive chain, capital property, regional labor markets, unionism, welfare regime and managerial culture.

Keywords: industrial restructuring, skills, factory regimes, human resources management.

A temática

A literatura brasileira dedicada ao estudo dos processos de reestruturação industrial desde cedo teve o seu interesse dirigido para a análise das micro-situações de mudança que se desencadeavam nas empresas em processo de ajuste técnico-organizacional. A rigor, já estávamos nas fábricas quando novas formas de gestão tomaram de assalto os ambientes de trabalho, como uma contingência da chamada "modernidade industrial".

Cruzar os muros das fábricas foi, para os sociólogos brasileiros, por assim dizer, uma imposição do seu objeto. De fato, algo de novo parecia pulsar no ressurgimento de movimentos sociais de massa, no final dos anos 70, capitaneados por bandeiras do movimento sindical, que remetiam à luta por direitos, às condições de exercício da cidadania operária, resumidas na então desconcertante reivindicação por autonomia e dignidade operária. Autonomia face a partidos políticos e ao Estado; dignidade face ao autoritarismo gerencial.

A atenção acadêmica deslocou-se, então, do eixo sindicatos-partidos-Estado, atraída pelo desejo de devassar a intimidade das fábricas, de modo a entender o que se passava naquele que fora chamado por um dos mais clássicos pensadores do trabalho como "o âmbito recôndito da produção". Que poderíamos dizer sobre as formas cotidianas de organização das relações sociais no trabalho e como estas forjavam uma experiência do assalariamento e da sujeição, responsável por esculpir novos atores políticos? Esta passou a ser a pergunta, o desafio primeiro para a nossa imaginação sociológica. Estratégias gerenciais, percepções de trabalhadores e práticas sindicais tornaram-se os ingredientes principais da análise.

Curiosamente, entretanto, na maioria desses trabalhos, as empresas estudadas constituíam-se, elas mesmas, no limite da análise. Eram a alegoria, por excelência, daquilo que se denominava "o mundo fabril". A metáfora do "mundo", para remeter à experiência fabril, era eloqüente num duplo sentido: por um lado, apontava para a aspiração de universalidade que parecia poder emergir daquele microcosmos, indicando a centralidade heurística que se conferia à experiência do trabalho; por outro lado, supunha que esta universalidade poderia estar contida na "descrição densa" (para parafrasearmos Geertz) de um caso. O processo de trabalho tornava-se o novo locus de emergência das reivindicações sociais.

Nesse contexto, as estratégias gerenciais eram quase sempre reduzidas às estratégias de gestão do trabalho. Interpretadas enquanto estratégias de classe, melhor dito, de classes em luta (ou, quando menos, classes em construção), elas tinham um fim necessário (o controle do trabalho) e uma funcionalidade imanente (que resultava do imperativo de atender à chamada lógica da acumulação, cujo cerne estaria no controle do trabalho). Mais ainda, tais estratégias pareciam ter os seus graus de liberdade inteiramente definidos no microcosmos da fábrica. Por tudo isto, o desenho típico dos estudos desta fase apontava especialmente para a estratégia do estudo de caso, via de regra, estudo transversal do caso único.

Assim estimulada, a pesquisa avançou em direção a um terreno ao qual os sociólogos brasileiros tinham sido, até então, muito pouco afeitos: como a organização da produção continha ela mesma uma ordem que lhe dava sentido, estruturando-se não apenas em torno de equipamentos e famílias de máquinas, mas também de hierarquias sociais e de sistemas simbólicos. A problemática da construção da assim chamada dominação do capital sobre o trabalho (e, por conseqüência, da sua contraface, a da resistência operária à dominação) era o interrogante de fundo, que permeava nossas análises, desafiando as interpretações.

Curiosamente, entretanto, a relação de dominação era pensada num registro único: o da relação de poder que se tece entre sujeitos, não apenas assimetricamente dispostos numa hierarquia, mas antepostos por suas posições estruturais e por seus interesses últimos. Nesse sentido, atores eram sociologicamente imaginados em construções analíticas simples, que maximizavam as diferenças entre os grupos sociais antepostos (gerências e trabalhadores) e minimizavam as diversidades ao interior de cada um deles. Assim, se as estratégias gerenciais eram estratégias de classe, delas haveria que sobressair o caráter anti-operário; do mesmo modo, a resistência trabalhadora tinha (para fazer jus ao nome e ao qualificativo) que revelar sua motivação antipatronal. Umas e outra unificavam interesses e diluíam eventuais especificidades que quisessem se exprimir nos dois grupos sob análise.

Foram os estudos feministas aqueles que se encarregaram de despertar os sociólogos brasileiros do trabalho para a existência e centralidade das diferenças, socialmente transmutadas em desigualdades, entre trabalhadores. A construção e a experiência da dominação revelavam-se diversas ao interior do próprio grupo social dos trabalhadores: a sujeição estava longe de ser uma realidade singular. Mais ainda; compreendê-la, supunha ultrapassar o "mundo fabril", integrá-lo à vida extrafabril, particularmente ao âmbito doméstico, de modo a entender como as relações sociais de gênero tecem uma certa forma de sociabilidade, que adentra ao trabalho e reconstrói a experiência cotidiana da vida da fábrica, alimentando-a com as hierarquias e representações construídas e vigentes fora desta.

No pólo oposto, a passagem dos anos 70 para os anos 80 nos colocou também diante da necessidade de interpretar o comportamento gerencial. Antes que singular e univocacionado - antes que uma ação "de classe", voltada para o mero controle do trabalho - ele era o resultado de uma pluralidade de determinantes e outra tanta de motivações. Vale dizer, o comportamento gerencial, como qualquer conduta de ator, resultava de escolha, estruturada, num leque de possibilidades; dentre estas, a motivação para o controle do trabalho era apenas um dos elementos-chave da ordem na produção.

Nessa perspectiva, as estratégias gerenciais deixavam de ser um pressuposto e passavam a ser, elas mesmas, um resultado por investigar. Como variavam no tempo? Como se (re) construíam? Quais os seus determinantes? Como estratégias de competição impactuavam sobre estratégias de uso e controle do trabalho? Vale dizer, se as estratégias gerenciais deixam de ser vistas como um dado, um pressuposto; se elas já não são mais tributárias de uma lógica imperiosa, exterior às escolhas dos atores, há que reconhecer-lhes a diversidade de natureza e de determinantes; há que tomá-las como objeto de análise. A construção da ação gerencial tornava-se, então, um atrativo para a reflexão da sociologia do trabalho no Brasil, deslocando-nos para o campo das hierarquias, das práticas e das representações simbólicas que tecem o curso da ação empresarial, explicando-lhes as mudanças e, nestas, o nexo com as formas assumidas pela relação social de trabalho.

Num primeiro momento, a nossa atenção analítica esteve orientada para os determinantes tecnológicos destas mudanças. Neste registro, as estratégias de uso do trabalho andavam de braços com as necessidades colocadas pelo desafio da atualização das unidades operacionais. Talvez o principal fruto desta primeira leva de pesquisas tenha sido havermos exorcizado o fantasma do determinismo tecnológico, que parecia rondar as interpretações formuladas no ponto de partida. Assim, tanto quanto o melhor da literatura internacional, ao buscarmos investigar o que então denominávamos os "impactos sociais da automação microeletrônica" ou as "respostas sindicais à automação", terminamos por encontrar nos determinantes organizacionais e nos contextos societais tanto ou mais explicações quanto a que decorria das tendências de reconversão tecnológica pura e simples. Integração, flexibilidade, estratégias de qualificação e estabilização de efetivos podiam - ou não - andar de braços com introdução de novos equipamentos automatizados. Havia que inquirir mais além, buscando nas estratégias competitivas, na posição da firma nos respectivos complexos produtivos, na forma de regulação estatal do trabalho e da ação empresarial, tanto quanto na força sindical nos chãos-de-fábrica e nos regimes fabris que ali se erigiam os determinantes mais seguros para os efeitos sobre a organização da produção e do trabalho.

Nesse caminho, a metodologia de estudos transversais, em profundidade, de caso único mostrou-se cada vez mais insuficiente. O entendimento das estratégias de gerenciamento do trabalho apontavam para desenhos de tipo longitudinal (antes que para fotografias de tipo cross-section) e para o estudo das firmas imersas em seu contexto de competição e de alianças, para a análise de redes interfirmas (antes que para o estudo de um só caso ou de poucos casos, isolados dos complexos em que se inserem). A análise longitudinal de firmas em redes revelou-se uma estratégia de grande valor heurístico quando se enfrenta o desafio de identificar o modo como se combinam, na explicação, os determinantes contextuais e aqueles internos à própria organização. Exatamente neste ponto é que se coloca o nosso interrogante neste trabalho. Disto trataremos na seguinte seção.

O objeto

Alinhados na tradição acima delineada, pretendemos endereçar a reflexão deste texto para três questões principais:

1. Como se tem manufaturado a recomposição do consentimento em situações de reestruturação em empresas que já se caracterizavam, no contexto brasileiro, por suas formas mais modernas de gestão das relações sociais de trabalho?

2. Poder-se-ia dizer que uma nova alquimia institucional dos interesses organizacionais estaria em processo?

3. Qual o lugar das estratégias e políticas empresariais com relação à qualificação neste novo arranjo institucional de interesses?

Para melhor visibilizar os elementos de explicação, elegemos um contexto empírico com características especiais: o do complexo químico brasileiro, aquele formado pela cadeia de empresas nos ramos do processamento do petróleo e produção de nafta, da transformação desta em produtos petroquímicos básicos e intermediários e, finalmente, na transmutação destes em produtos químicos de terceira geração ou de uso imediato na composição de manufaturados ao consumidor. Com esta escolha, pretendíamos localizar a análise numa situação tal que algumas dimensões explicativas pudessem ser privilegiadas. São quatro essas dimensões:

1. A posição na cadeia produtiva, e seus impactos sobre as especificidades do processo de trabalho e sua organização, tendo em conta os desafios colocados pelas distintas estratégias de negócio;

2. A natureza do modelo de distribuição dos benefícios do trabalho, expressa na diferença entre o que chamaremos daqui por diante um sistema de welfare público ou um sistema de welfare privado. Nesta diferença queremos denotar não apenas a distinção entre fontes provedoras dos benefícios (salariais e extra-salariais) do trabalho, mas - e especialmente - o formato organizacional pelo qual o mesmo é gerenciado e, neste, a autonomia da empresa para negociar e institucionalizar regras de premiação dos seus servidores;

3. A natureza do gerenciamento ao nível micro das relações industriais. Para fins de análise dos casos, lançaremos mão de uma classificação que quer tipificar três situações: o paternalismo autoritário, o envolvimento individual compulsório ou o envolvimento coletivamente negociado1 1 Estes conceitos serão esclarecidos mais adiante, à luz da descrição dos casos estudados. . Estas situações não devem ser vistas como meros rótulos, mas como formas que podem engendrar-se reciprocamente ou marcar diferentes momentos na trajetória de um mesmo caso.

4. A força sindical nos chãos-de-fábrica, e sua capacidade de rotinizar e institucionalizar a negociação a partir dos locais de trabalho.

Uma primeira indagação naturalmente se coloca: qual a especificidade do complexo químico frente a outros complexos industriais, tendo em vista o caso brasileiro, e especialmente no que concerne à questão da qualificação? Argumentaríamos lançando mão de quatro principais razões.

Em primeiro lugar, trata-se de um tipo de processo de trabalho em que:

a) a automatização de procedimentos torna a intervenção humana predominantemente supervisória, num trabalho que requer informação técnica, capacidade de abstração e permeabilidade ao desenvolvimento de tarefas em equipes, sem contar a disposição de adaptar-se a um regime de turnos que dá novo sentido, tanto ao envolvimento do trabalhador com o cotidiano da vida fabril, quanto às suas interações sociais fora da fábrica;

b) o compromisso ativo do trabalhador sempre foi uma condição para a performance operacional, sendo, por isto mesmo, um alvo a ser alcançado na gestão do trabalho nas firmas do complexo;

c) a estratégia gerencial dirigida à força de trabalho operacional, ao core do contingente de trabalhadores, se caracteriza, por isto mesmo, por: maior estabilidade dos vínculos de trabalho, escolarização de ingresso mais elevada que a média do mercado, sistema de benefícios extra-salariais que alimenta um modelo pujante de welfare compensatório, privado ou com características que dele se aproximam.

Em segundo lugar, trata-se de um complexo cuja estruturação responde ao imperativo da organização em cadeia das unidades produtoras. Os elos nesta cadeia se fundam no seqüenciamento tecnicamente necessário entre as gerações de produtos.

Entretanto, tal como se implantou no Brasil - induzido, fortemente subsidiado pelas políticas fiscais e pelo financiamento público, além de excessivamente regulado em termos do modelo institucional de firma - o encadeamento de produtos se deu na forma organizacional de encadeamento entre múltiplos produtores em unidades de porte e complexidade relativamente pequenos. Isto porque, diferentemente da experiência internacional (de mercados com pouca proteção, baixa regulamentação estatal e forte competitividade), no Brasil verificou-se uma reduzida verticalização de negócios (up ou down stream). Por esta razão, a fragmentação de interesses econômicos (especialmente evidente na solução tripartite que sustentou a intervenção estatal) produziu como resultante organizacional um modelo, de que trataremos mais sistematicamente em seguida, já denominado de "quase-firmas" (cf. Oliveira, 1994). Nele, o encadeamento interempresas resultava antes de um imperativo técnico entre provedores do que de uma verdadeira cadeia de negócios.

No Brasil, até certamente 1990, as relações interfirmas nesta cadeia estavam profundamente marcadas por condições artificiais de fixação de preços, de proteção do produtor nacional face à entrada de importados via política de alíquotas, de participação compulsória do Estado na composição do capital das firmas de segunda geração e de monopólio sobre o refino do petróleo, produção da nafta e das matérias-primas de primeira geração petroquímica. Assim, o período recente, que se segue a 1990, testemunha a célere transformação daquela que fora uma cadeia técnica entre produtores, assentada num mercado artificialmente regulado, numa cadeia de negócios entre competidores, cujos interesses devem ser pactuados num mercado mais aberto e menos protegido.

Em terceiro lugar - e pelo que se disse anteriormente - esta cadeia nos parece rica o suficiente para ilustrar as maneiras pelas quais desafios competitivos e respostas empresariais variam segundo: 1) distintas formas de propriedade do capital (e, nesse sentido, distintas estratégias de posicionamento na nova cadeia de negócios), 2) a localização das firmas em diferentes pontos da cadeia técnica e a natureza do encadeamento entre produtores.

Este conjunto de características das empresas do complexo químico resume um importante grupo de estímulos externos a serem processadas pelo ambiente organizacional, moldando os arranjos de interesses internos e as formas institucionais para sua expressão. Acreditamos que o processamento dos mesmos e seus efeitos em termos das políticas de qualificação tenderá a variar em função de algumas características da organização, acima assinaladas, como sejam: a natureza do sistema de benefícios (formas de provimento e autonomia organizacional para a sua negociação), tipo de gestão do trabalho, natureza da força sindical nos chãos-de-fábrica. Tendo em vista este conjunto de características, elegemos os casos a descrever.

Com base nestes casos procuraremos desenvolver, nos itens subseqüentes, o argumento de que, na reestruturação por que passa a cadeia químico-petroquímica, alteram-se as condições de produção e os padrões de competição, mas alteram-se também, e fundamentalmente, as relações industriais. Nesse novo contexto, a fabricação de novas formas de consentimento nos chãos-de-fábrica passa a ser uma das características mais importantes (cf. Burawoy, 1982; 1985). Ilustraremos, no item final, lançando mão de alguns estudos de caso, que a qualificação (e as novas formas de gerenciá-la) se constitui numa das moedas-de-troca mais importantes na fabricação desse novo consenso.

Isto porque assumimos aqui que "a qualificação é, a um só tempo, produto e procedimento, meio e fim nos processos de negociação entre atores. Produto, na medida em que as regras de inclusão e exclusão - isto é, os sistemas classificatórios que definem a natureza da atividade no trabalho, as habilidades de quem a exerce e as retribuições (materiais e simbólicas) pelo exercício de tal atividade - são sempre negociados entre atores. Nesse sentido, tais sistemas são produto de práticas coletivas em âmbitos institucionalizados de interação nos sistemas de relações industriais; aí estão presentes, no nível micro, por exemplo: as gerências de recursos humanos, as chefias de unidades, os sindicatos, as comissões (de empresa, de prevenção de acidentes...). Mas os sistemas de classificação das competências e qualificações são eles mesmos procedimentos, mecanismos, meios no processo de produção de consentimento no âmbito do trabalho. São matéria-prima a partir da qual se negocia a produção de institucionalidades, instrumentos de barganha nas negociações entre gerências e trabalhadores com relação à natureza dos regimes fabris" (Castro, 1997a).

As relações industriais: em direção a um novo tipo de regime fabril?

A indústria químico-petroquímica foi um dos setores de ponta mais fortemente atingidos pelo reordenamento da economia brasileira, ocorrido a partir do início da década de 90. O alcance das medidas governamentais então adotadas - emblematicamente exemplificáveis nas novas políticas de abertura comercial, via redução de alíquotas para importação de nafta, e no progressivo refluxo da intervenção reguladora da estatal Petróleo Química S. A. / PETROQUISA - parece ter sido proporcional à dependência (quase constitucional) do setor vis-à-vis à ação do Estado.

De fato, os anos 90 constituíram-se num segundo ponto de inflexão para a história da petroquímica brasileira; a partir de então, o seu desenvolvimento passou a se dar num contexto novo, cujos parâmetros definidores podem ser sintetizados em duas palavras: globalização e privatização. As mudanças então introduzidas nesse ramo industrial só são comparáveis, por seus efeitos radicais, às medidas que, nos anos 70, forjaram o perfil da moderna indústria químico-petroquímica no Brasil, através da política de induzir a sua expansão, polarizada em complexos produtivos, intensamente ancorados no investimento e na proteção estatais.

Desde então, o protecionismo marcou a ação governamental; seja na gestão da política de preços da principal matéria-prima (a nafta); seja nos subsídios fiscais e financeiros à implantação e/ou ampliação de unidades produtivas; seja no ordenamento do mercado nacional de produtos, que cresceu protegido da concorrência internacional; seja no estímulo à renovação tecnológica; seja na regulação das relações industriais2 2 O ponto culminante da estratégia governamental, desenhada nos anos 70/80 para o setor, era o plano de ampliação da indústria petroquímica a ser executado entre 1990/1995, com vultuosos investimentos públicos; seus principais alvos eram a ampliação significativa da capacidade produtiva nos Pólos já existentes pari passu com a modernização tecnológica das novas unidades em implantação e, em especial, com a instalação de um quarto complexo, no Rio de Janeiro. .

Entretanto, esta realidade foi abruptamente transformada já nos primeiros meses do ano de 1990. A falta de liquidez em cruzeiros e o bloqueio dos ativos financeiros promovido pelo Plano Collor paralisaram bruscamente os investimentos e ações com vistas à expansão do setor. Mais ainda, os novos elementos da política industrial alteraram as antigas regras do jogo, reduzindo alíquotas de importação de vários produtos petroquímicos, diminuindo subsídios à nafta (o que promoveu um aumento em preços reais da ordem de 35, 2% na passagem de 1989 para 1990), diminuindo o controle da indústria sobre a administração dos preços dos seus produtos, ao congelá-los, por exemplo. Como se isso não bastasse, essas novas regras do jogo foram introduzidas num momento em que o ciclo de oferta de produtos era adverso, promovendo uma baixa considerável de preços no mercado internacional.

A todas essas medidas somou-se uma grande inovação de natureza político-administrativa: um ambicioso programa de privatização que redefiniu de modo radical o papel da estatal PETROQUISA, até então organizadora do setor3 3 Mais que mera transferência de controle acionário, travou-se nesses casos um embate político que alijou do poder o grupo que hegemonizara desde os 70 até os 90 os interesses químico-petrolíferos no Brasil, comandando tanto a PETROBRAS quanto a PETROQUISA: o assim chamado "Grupo Geisel", encabeçado pelo ex-presidente da República (e também ex-presidente da PETROBRAS) general Ernesto Geisel. Ao redor dele, um grupo reduzido, mas significativo, de administradores governamentais e executivos de empresas petroquímicas (especialmente formado por engenheiros e economistas, em sua maioria provindos da própria PETROBRAS) criou aquela que talvez seja a mais exitosa experiência nacional de constituição de uma tecno-burocracia (Suarez, 1986), responsável pelo que Evans (1981b) denominaria como "reinvenção de uma burguesia", no contexto de um "capitalismo coletivizado" (1981a). Não cabe aqui discorrer mais longamente sobre esse fenômeno, conquanto seja imprescindível destacá-lo, pois dele resultam características importantes da cultura das relações industriais expressas tanto no nível meso, especialmente no segmento petroquímico da cadeia, quanto no nível micro, dos terrenos de regulação que se constituem no dia-a-dia das relações industriais nas empresas e plantas químico-petroquímicas. . Nos últimos anos, foram levadas a leilão as participações acionárias do Estado, leia-se PETROQUISA, (como controlador ou sócio minoritário) em algumas das mais importantes empresas do ramo nos diferentes pólos, inclusive nas três centrais brasileiras de matérias-primas e utilidades.

Essa nova conjuntura teve um efeito significativo na reestruturação da indústria químico-petroquímica no Brasil, sob variados e importantes aspectos. Assim, além das mudanças no famoso modelo tripartite de controle acionário (que combinava esforços do Estado, do capital privado nacional e dos investidores multinacionais), alteraram-se, rápida e recentemente: as estratégias de mercado, a estrutura organizacional das empresas, as estratégias de renovação tecnológica e de organização da produção, além da natureza das relações industriais.

Todas essas mudanças têm convivido com um esforço generalizado de renovação tecnológica que abrange a passagem à instrumentação digital de controle de processo, através da introdução dos sistemas digitais de controle distribuído (SDCD's), de intensa automação nos laboratórios e nas tarefas de campo, de otimização da produção, tudo isto voltado para o desafio da racionalização e da contenção de custos. Essa renovação, no começo mais perceptível nas empresas de primeira geração da cadeia, as centrais de matérias-primas (cf. Castro & Guimarães, 1991), hoje se torna generalizada. Na verdade, ela se ateve inicialmente ao âmbito do controle de processo; assim, já desde meados dos anos 80 impunha-se a substituição de equipamentos obsoletos (como é o caso dos que se utilizavam de instrumentação pneumática), ou tornados obsoletos via política de preços relativos adotada pelo Estado (como é o caso da instrumentação analógica que equipava então a maioria das plantas, inclusive as que haviam partido na primeira metade dos anos 80). Seguiu-se a implantação dos programas de controle avançado e de otimização on line com os quais se buscou racionalizar custos (particularmente o balanço energético) e atingir padrões mais estáveis e tecnicamente superiores de especificação do produto, condições para atuar no mercado exportador, importante deságüe da produção nacional a partir da crise econômica em que mergulhou o Brasil no início dos anos 80 (cf. Carvalho, 1989; Castro & Guimarães, 1991).

Nas empresas em processo de privatização, uma radical mudança na organização administrativa e na gestão do trabalho, com sensível enxugamento de pessoal, precedeu a realização dos leilões e a transferência do controle acionário (cf. Guimarães, 1992). Em todas elas (privadas, estatais ou recém-privatizadas), as pressões por controle de custos, eficiência e produtividade, aliadas às políticas de qualidade (todos esses elementos tidos como fundamentais às novas regras da competição), têm determinado importantes mudanças:

a) na organização industrial, aumentando a externalização de atividades e tornando-a, além de mais flexível, ainda mais integrada;

b) nos processos de tomada de decisões, reduzindo escalões decisórios e fazendo das diretorias comerciais e dos gestores dos programas de qualidade os carros-chefe da reorganização do poder gerencial ao interior das empresas;

c) no perfil da força de trabalho, drasticamente reduzida em seu volume e redistribuída, tanto em torno de uma gama mais ampla de politarefas, quanto entre empregadores diversificados, dada a intensificação do processo de terceirização.

No plano das relações industriais, o setor já havia sido fortemente desafiado com a aprovação da nova Constituição brasileira e, ainda em 1989, foi obrigado a introduzir uma quinta turma de trabalhadores, em virtude da nova legislação sobre a jornada de trabalho nas indústrias em regime de turno. As quintas turmas, entretanto, foram introduzidas sem que tivesse havido a contratação de operadores adicionais, o que é indicativo de que a adoção da nova regra se deu através de uma importante reorganização das tarefas e da distribuição dos efetivos já existentes. Foi um primeiro momento de forte racionalização do trabalho, a qual - aliada à renovação tecnológica e às políticas de controle de custos - teve impactos negativos sobre o emprego, notadamente de operadores e, naquele momento, especialmente dos operadores menos experientes e dedicados à operação de campo (cf. Guimarães, 1992; Castro & Guimarães, 1991).

Mais recentemente, a ampliação das iniciativas de terceirização para as áreas operacionais, atingindo especialmente o setor da manutenção, reduziu ainda mais os efetivos diretamente contratados; no momento atual, uma célere renovação tecnológica se difunde no âmbito dos laboratórios, alterando as condições técnicas e a organização social do trabalho no setor, e promovendo uma nova e avassaladora onda de enxugamento. Naqueles casos mais inovadores, a redução de efetivos tende a vir de par com uma reestruturação das carreiras, que, via de regra, tem envolvido bem mais que simples mudança de nomenclatura, na medida em que, por detrás desta, está uma importante reorganização (efetiva ou almejada) das tarefas.

A par disto, a reorganização das áreas administrativas tem importado em alterações importantes no perfil interno das empresas, com efeitos nas estratégias de tomada de decisão e no futuro da regulação, no nível micro, das relações industriais no setor. A informatização de serviços tem propiciado a supressão de empregos nos escritórios, simplificando rotinas e abrindo, também ali, o caminho para uma intensa terceirização. Ao lado disso, enxuga-se a própria hierarquia administrativa, suprimindo postos de comando e alterando as redes de tomada de decisão.

Aos requerimentos constitucionais e aos custos financeiros, aliam-se os custos políticos de administração da força de trabalho. De fato, nos últimos anos da década de 80, o movimento sindical petroquímico, antes só ativo em Camaçari, ampliou-se para os demais pólos, o que se tornou num fator adicional a pressionar pela adoção de medidas de enxugamento e racionalização do pessoal. Nesse sentido, como destacou Guimarães (1992), o Plano Collor foi um claro sinal para que a indústria rompesse as convenções coletivas de trabalho anteriormente assinadas e inaugurasse uma fase mais dura no tratamento com os sindicatos e com os trabalhadores, iniciando-se um período em que perdas salariais e redução do nível de emprego do setor passaram ao largo de qualquer negociação consensuada. De fato, especialmente no período compreendido entre 1990 e 1993 - quando as empresas lutavam para se adaptar ao novo contexto da competição nacional e internacional e os sindicatos se viam fortemente acuados pela derrota do PT nas eleições presidenciais e pela ofensiva anti-sindical do Governo Collor - as relações entre sindicatos patronais e de trabalhadores estiveram especialmente esgarçadas. Depois disto, sindicatos ainda mais encurralados pelo êxito da política de estabilização, viram retirar-se-lhes a clássica bandeira da reposição salarial e, mais ainda, passaram a assistir aos insistentes (e muitas vezes exitosos) esforços gerenciais no sentido de construir-se um outro arcabouço institucional para representação de interesses, alternativo ao sindicato. O novo instituto formal de participação nos lucros e resultados das empresas, ao criar entidades de pactuação - independentes dos sindicatos e escolhidas a partir dos coletivos de trabalho - deslocou ainda mais o eixo das negociações, retirando-lhes até mesmo o monopólio da representação coletiva na disputa dos benefícios monetários.

Por tudo o que até aqui se colocou, não pareceria exagero afirmar que se testemunha hoje uma tal mudança nas estratégias e políticas das empresas químico-petroquímicas brasileiras, que tudo leva a crer que estejamos diante de um novo tipo de regime fabril (cf. Burawoy, 1985), distante em muito do que prevalecera no Brasil até os anos 80. Estas mudanças são particularmente importantes por terem lugar num setor não somente estratégico para o crescimento econômico e para as alianças de poder no país, como também pelo fato de que as indústrias de fluxo têm sido, historicamente, a ante-sala de importantes transformações (na organização da produção e do trabalho) que posteriormente têm tendido a se generalizar por ramos de produção discreta ou semicontínua, na forma de modelos de flexibilidade e de integração.

Como descrever, então, esses que nos parecem ser os sinais precursores de um possivelmente novo tipo de regime de regulação das relações industriais? Acreditamos que esse novo padrão poderia ser tentativamente caracterizado a partir da conjunção entre aspectos micro, cuja dinâmica resulta das relações de poder tal como se tecem internamente às empresas, com aspectos meso, onde esta dinâmica micro se enriquece pelo efeito de especificidades tipicamente regionais ou características da cadeia químico-petroquímica4 4 Nessa caracterização, recuperamos alguns elementos de descrição já sugeridos por Guimarães (1992). Entretanto, as significativas mudanças transcorridas desde então, e ilustradas nos nossos estudos de caso, impõem atualizá-los e enriquecê-los com outros tantos que nos parecem caracterizar melhor as tendências atuais. .

No nível micro destacaríamos as seguintes novas características:

a) maior integração entre todos os setores de atividade na fábrica, graças à informatização generalizada que passa a interligar as informações operacionais, financeiras e comerciais;

b) hegemonia das estratégias comercial-financeiras tanto na definição da estratégia global da empresa, quanto na relação desta com as demais estratégias gerenciais (tecnológica, de recursos humanos etc.) ;

c) crescente importância dos setores que administram e maximizam a comunicação interna, a motivação para o trabalho e a negociação dos interesses e conflitos, agora subsumidos às instâncias institucionais que concebem e executam as estratégias gerenciais de qualidade e produtividade;

d) a crescente automatização do trabalho de operação de campo e o aumento de importância da operação via console reúnem nas mãos do operador de processo um conhecimento mais amplo sobre o processo produtivo, abrindo-lhes a possibilidade de maior diálogo com a engenharia, o que esvazia o papel das hierarquias intermediárias, tendentes cada vez mais ao enxugamento;

e) maior comando dos engenheiros (e/ou chefias de unidades) sobre o desempenho técnico dos efetivos operacionais (especialmente operadores), seja pela via das novas formas do controle técnico exercidas no sistema de acompanhamento de processo por SDCD's, seja pela via do controle organizacional exercido pela sistemática de formalização e padronização de procedimentos que caracteriza os programas de qualidade; isso esvazia a liderança técnica que detinham os antigos supervisores e demais chefias intermediárias, no vácuo da qual ampliam-se as chances de downsizing; aos que sobrevivem ao enxugamento de níveis, aloca-se agora um poder de base eminentemente administrativo-disciplinar que capilariza na estrutura hierárquica o exercício de funções de gerenciamento de equipes;

f) redução de muitas das antigas (e importantes) diferenças simbólicas que tornavam descontínuos os universos de comunicação entre os grupos sociais na fábrica; dentre elas, destacamos aquelas associadas aos ambientes de refeição (unificação e padronização do espaço social e simbólico da alimentação), e às formas ou espaços sociais da apresentação de si (diferenciação de fardamento, formas de controle de presença, formas de acesso ao local de trabalho, formas de auto-identificação);

g) constituição de uma nova institucionalidade, no interior das plantas, a partir dos programas de qualidade, pela qual as novas práticas de formação de consenso sobre o processo técnico tendem a contaminar progressivamente as demais negociações das relações sociais no trabalho, abrindo canais de representação de interesses coletivos que contornam e competem com o sindicato;

h) do anterior - que nos parece ainda uma tendência em constituição - decorre uma observação adicional, importante para o entendimento dos novos terrenos de regulação das relações industriais ainda no plano micro: essa criação de institucionalidades parece ser a contraface das políticas empresariais de gestão do trabalho, voltadas ativamente para o apelo e incorporação do trabalhador individual. Nesse contexto, a relação capital-trabalho passa a ter nas personas que lhe dão concretude importante pedra-de-toque para as novas práticas de regulação das relações sociais (cf. Castro, 1997c).

No nível meso, isto é, no nível setorial do segmento químico-petroquímico como um conjunto, configuram-se outros determinantes importantes dos terrenos e práticas que compõem o sistema de relações industriais. Nele se evidenciam as dinâmicas constituídas pelos atores nas cadeias produtivas fortemente integradas e locacionalmente distribuídas ao redor de complexos; no caso brasileiro, trabalhadores e empresas se representam em associações, sindicatos, federações e confederações de grande porte e elevado poder de influência setorial e/ou regional. Nesse nível, destacam-se algumas outras características:

a) em primeiro lugar, a organização do gerenciamento a partir dos chãos-de-fábrica - tal como indicada acima - tem colocado na mão dos administradores (como resultado intencionado, ou não) a possibilidade de uma resposta contundente aos esforços sindicais de organização nos locais de trabalho. Isto porque, no complexo químico, diferentemente de outros setores no Brasil (como o complexo automotivo, por exemplo), não se chegou a configurar aquilo que Oliveira (1992) denominou de "antagonismo convergente", para se remeter aos valores que escudam a disputa capital-trabalho entre metalúrgicos do ABC e grandes firmas montadoras (cf. Castro, 1995; Cardoso, 1995). Na químico-petroquímica, ao contrário, as relações industriais se erigiram sobre o valor de que a disputa capital-trabalho segue o modelo de tipo "soma-zero": ali, gerências e sindicatos são competidores ativos pelos espaços da micropolítica nas plantas; a convergência de interesses inexistia como valor ordinariamente partilhado, estando, por isso mesmo, ausente a expectativa de que ambos os lados pudessem sentir-se vencedores ao alcançarem um resultado consensuado;

b) se vemos esse valor pela ótica gerencial, as suas novas políticas dirigem-se, na imensa maioria das empresas, para privar de eficácia tanto a forma institucional "sindicato", quanto as instituições por ele patrocinadas no âmbito dos locais de trabalho. É certo que, na nossa cultura das relações industriais, o sindicato tem sido figurado como a instância por excelência de representação de interesses coletivos e de formação de vontade no que concerne à negociação das condições de uso, controle e remuneração da força de trabalho; como a cultura empresarial dominante na químico-petroquímica brasileira decodifica esse valor? Para grande parte dos dirigentes, o sindicato deve restringir-se ao papel de negociador de salários nas (ainda sobreviventes) datas-base das categorias; aí acaba a sua legitimidade. Ora, num contexto em que as perdas inflacionárias decrescem - e em que outras mudanças importantes nos padrões de uso, controle e remuneração do trabalho são acenadas - as negociações que escapam ao espaço da disputa setorial de tipo intersindical (entre patrões e empregados) podem se tornar progressivamente mais urgentes e rentáveis para os indivíduos trabalhadores, fazendo-se muito mais atraentes que os acordos anuais por pequenos ajustes de salário. Atrevemo-nos a dizer que esse é hoje um dos embates mais significativos no nível meso das relações industriais. Indo um pouco mais longe, sugeriríamos, entretanto, que tal estratégia empresarial desafia não apenas as bases de legitimação da organização sindical de trabalhadores, mas põe igualmente em tela de juízo a própria organização sindical patronal, na medida em que estreita igualmente os limites de representatividade desta última. Ou seja, nesse tipo de entendimento, a negociação das relações sociais de trabalho é parte da esfera do privado, interna a cada empresa em particular; ali, e somente ali, se negociam as relações sociais sem o risco da publicização, necessariamente emergente nos marcos legais-institucionais mais amplos (vide as vicissitudes do exemplo da Câmara Setorial Automobilística) ;

c) mas podemos dirigir a mesma indagação aos atores coletivos que falam em nome dos trabalhadores, isto é: como tem sido entendida pelo movimento sindical dos trabalhadores químicos e petroquímicos a questão dos fundamentos de legitimação da ação sindical? A que serve o sindicato e o que dele se espera na conjunção entre mesopolítica da relação com o sindicato patronal e a micropolítica das fábricas? No setor petroquímico, tanto quanto no setor automotivo, consolidou-se um tipo de sindicalismo fortemente confrontacional, que desde o final dos anos 70 fixou à sua imagem pública o valor da autonomia, seja ante o patronato, seja ante o Estado. Assim como na automobilística, um número reduzido de sindicatos poderosos surgiu da arregimentação de trabalhadores das modernas empresas químicas e petroquímicas, cujas bases sindicais estavam densamente concentradas em um número relativamente reduzido de empresas distribuídas pelos três pólos. Mais ainda, a política estatal de indução do crescimento setorial em complexos multicentrados, deslocou para áreas de escassa tradição operária o germe do chamado "novo sindicalismo"; isto é particularmente verdadeiro para a região do Complexo Petroquímico de Camaçari, onde cedo emerge o mais ativo sindicalismo no ramo no país (cf. Agier & Castro & Guimarães, 1995). Entretanto, diferentemente da automobilística, o movimento sindical manifestou escassa capacidade para criar fortes organizações de trabalhadores nos chãos-de-fábrica; isso certamente aumentou, no setor, as chances de êxito das novas microestratégias gerenciais nas plantas e da mesoestratégia do sindicato patronal;

d) as formas meso - e supra sindicais - de organização de trabalhadores, tais como as centrais (particularmente, a CUT e a estrutura federada que a ela se vincula) têm se esforçado, mais recentemente, no sentido de promover um deslocamento das negociações, valorizando o momento da data-base e o terreno da relação entre os sindicatos patronais e de empregados com novos pontos de pauta, a qualificação dentre eles. Esses pontos têm procurado transcender a questão meramente salarial e apontar para formas de negociar o processo de reestruturação produtiva do complexo, notadamente pela via de nacionalizar o conteúdo das pautas locais de negociação, na tentativa de criar um marco legal-institucional de caráter nacional para o complexo;

e) entretanto, também diversamente da experiência da automobilística, aqui não chegou a se constituir uma esfera pública, supra-sindical e supra-regional de formação de consenso nas relações industriais, como momentaneamente ocorreu na Câmara Setorial Automobilística. Ao contrário, na ausência de renúncia fiscal, e na impossibilidade de regular, via Câmara Setorial, a política governamental para abertura do mercado, pouco interesse esse instituto despertou no segmento químico; nada lhes parecia haver para barganhar (cf. Mello e Silva, 1997).

f) ademais, haveria que considerar a especificidade de um dos segmentos da cadeia (o da transformação do petróleo e produção da nafta) que ainda permanece como estatal e monopolizado. Ali, importantes forças centrípetas atuam, tanto pelo lado da empresa, quanto pelo lado da organização sindical. Pelo lado da empresa, a rígida formalização e ponderável centralização de decisões relativas à gestão do pessoal e de negociação dos seus benefícios tem deixado pouca margem a que formas de pactuação se desenvolvam no nível micro, valorizando novas institucionalidades no âmbito das fábricas. Pelo lado da organização sindical, a experiência de unificação das negociações em torno de uma estrutura sindical federada, retirou força dos sindicatos de refinarias, que persistem como representantes formais numa estrutura de fato esvaziada de poder. Agregue-se a isto o fato de que, desde 1994, as relações entre patronato estatal e sindicatos perfizeram uma trajetória de esgarçamento sistemático, tornando virtualmente nulas as expectativas de pactuação em torno das novas realidades da reestruturação do setor (quebra de monopólio, contratos de parceria, políticas de investimento, políticas de qualificação etc.).

O quadro que desenhamos até aqui organiza os resultados gerais de observação e busca apontar aquelas que nos parecem ser as características mais salientes deste novo regime fabril que acreditamos em consolidação. Ele envolve, como sugerimos acima, novas práticas de emprego, novas campos de pactuação na busca de produção de consentimento e, sobretudo, novas possibilidades de representação dos interesses por pactuar. Nossa indagação principal se refere, então, às chances de rotinização destas inovações organizacionais: estarão sendo elas capazes de construir novas institucionalidades? Em que estas se fundamentam? Qual a sua capacidade de incluir os diferentes atores?

Os casos: quais as bases para novas institucionalidades?

Acreditando que a alquimia de interesses intra-organizacionais, ao lado da estrutura institucional que os abarca, seriam elementos determinantes das chances e formas de enraizamento deste novo regime fabril, procuramos observar quatro diferentes tipos de casos. Neles, a posição na cadeia (e a propriedade de capital), o modelo de distribuição de benefícios, a modalidade de gestão e a força sindical nos chãos-de-fábrica resultaram como as variáveis-chave. São eles:

1) Uma empresa situada no ponto de partida da cadeia, estatal, produtora de nafta. Ela é provedora das empresas de produção petroquímica básica, da chamada "primeira geração petroquímica", seguinte elo da cadeia. Com cerca de 2010 trabalhadores5 5 Todos os dados de pessoal dizem respeito ao ano de 1996. , 22 unidades na área de produção e uma linha de 36 produtos, é a segunda refinaria brasileira em complexidade, conquanto seja a sétima em volume de produção6 6 Quando menos até o final do ano em curso, quando entram em operação os grandes e novos investimentos feitos pela PETROBRAS na "Refinaria", que a tornarão o segundo complexo brasileiro em capacidade de processamento de petróleo. . Daqui por diante a denominaremos simplesmente a "Refinaria".

2) Duas petroquímicas básicas, produtoras de matérias-primas petroquímicas (das linhas das olefinas e aromáticos). Elas têm em comum o fato de representarem um segundo elo na cadeia produtiva; a diferenciá-las estão a trajetória em termos de propriedade do capital e a localização geográfica (situadas em diferentes regiões do Brasil, articulam-se a dois pólos distintos no complexo químico-petroquímico brasileiro). A primeira delas - daqui por diante denominada a "Companhia" - é cliente preferencial da "Refinaria". Conquanto criada como empresa estatal, desde muito cedo passou a um regime de gestão privado, no modelo tripartite antes descrito. Com isto, autonomizou-se face às rígidas regras da burocracia estatal no setor (que inibiu planos de atualização tecnológica nas empresas similares, todas públicas), muito embora auferisse todas as vantagens e preferências da política industrial dos 70 e 80 para o complexo químico no Brasil, já que, até 1995, o Estado se manteve como o seu mais importante sócio individual. Com cerca de 1120 trabalhadores, é a principal empresa brasileira produtora de petroquímicos básicos e a que mais avançou nos programas de atualização tecnológica e organizacional dentre aquelas que se situam no mesmo ponto da cadeia químico-petroquímica. Situa-se no âmbito daquele que talvez seja o mais agressivo movimento sindical de trabalhadores neste segmento da cadeia.

3) Uma segunda petroquímica básica - que denominaremos a "Petroquímica" - constitui-se no nosso terceiro caso. Ela é a provedora de matérias-primas para um outro complexo integrado de empresas no Brasil e se constitui num exemplo típico de estatal de cepa, que se vê subitamente levada à privatização, sendo hoje gerenciada por capitais privados nacionais. Com cerca de 697 trabalhadores, é a menor empresa petroquímica de primeira geração no Brasil. Conquanto mais antiga e tendo como cativo o principal mercado consumidor nacional, foi igualmente a que maior atraso tecnológico e organizacional acumulou, aprisionada que esteve na "jaula de ferro" das restrições sofridas pelas estatais dada a política de investimentos que precedeu a sua privatização.

4) Finalmente, o nosso quarto caso é o de uma empresa química, parte de um dos maiores conglomerados químico-farmacêuticos no mundo. Integrada à cadeia na qualidade de cliente da "Petroquímica", processa uma gama de produtos que vai desde a geração intermediária até a ante-sala da transformação final (abrangendo produtos químicos, silicones, plásticos de engenharia e acetato). Instalada em 1919, foi a primeira unidade brasileira construída por este potente grupo multinacional; sua história nos permite, de fato, um verdadeiro ensaio de arqueologia industrial. Entretanto, diferentemente das demais empresas no segmento químico-petroquímico que observamos, a sua estratégia de negócios sempre foi flexível e no seu horizonte sempre esteve presente a possibilidade de ágil reconversão numa unidade multi-produtos, líder no mercado nacional, mas também fortemente ligada às estratégias internacionais do seu grupo de negócios. Com 495 trabalhadores (metade do contingente com que iniciou os anos 90) foi um dos principais focos da ação sindical no complexo em que se situa, com o recorde (no seu grupo empresarial) de 7 greves num período de 10 anos. Denominá-la-emos, daqui por diante, a "Química".

Caracterizando sinteticamente os quatro casos escolhidos nos termos das nossas variáveis preferenciais de seleção, teríamos:

Caracterização dos casos na cadeia

Observando estes quatro contextos-tipo, perguntamo-nos: em quais deles evidenciaram-se mais efetivas aquelas novas formas institucionais que, regulando o campo de pactuação sobre a qualificação, ilustram o modo de implantação deste novo regime fabril7 7 Furtamo-nos a uma descrição exaustiva dos achados em cada um dos casos, que alongaria demasiado este texto e empanaria o nosso interesse em destacar interpretações mais conclusivas e que alimentassem o debate do tema. Para aqueles que eventualmente se interessem por tais descrições, remetemos aos relatórios parciais que analisam detidamente cada um dos casos (a saber: Castro, 1996; Castro, 1997b; Comin 1997; Santos & Fartes, 1997), ou ao Relatório Final (cf. Castro et alii, 1998) do Subprojeto CEDES/CEBRAP/UFBa, "Qualificação, mercados e processos de trabalho: estudo comparativo no complexo químico brasileiro", desenvolvido com apoio da FINEp e CNPq. ? Organizaremos nossas observações para discussão em torno de duas dimensões principais: a natureza e o alcance das mudanças; as formas de pactuação que dela parecem emergir.

Uma primeira observação para discussão refere-se ao fato de que, independentemente do ponto de localização na cadeia produtiva, todas as empresas manifestaram passar por um processo intenso de transformações nas suas práticas de emprego e de uso do trabalho. Essas transformações apontavam, grosso modo, na direção dos elementos que resumidamente alinhamos no item anterior. Sem embargo, mostraram-se variáveis a intensidade destas transformações, a longevidade dos processos de mudança, bem como a eficácia e abrangência das mudanças almejadas pelo discurso gerencial. Tal variação se expressava em que características? A primeira delas é a diferenciada exposição à competição, especialmente à competição no mercado internacional. Foram justamente as duas empresas que dispunham de espaços cativos no mercado nacional (a "Refinaria" e a "Petroquímica") aquelas que mais lentamente incorporaram mudanças nas suas estratégias gerenciais e, particularmente, na sua política de pessoal. Certamente, há de se ter em conta o efeito de uma outra variável que as distingue: estas eram as empresas mais fortemente sujeitas aos ditames da política governamental de investimentos (uma delas ainda é estatal e a outra apenas muito recentemente foi privatizada).

Uma segunda observação interessante, ainda com respeito a este aspecto: a lentidão na incorporação das mudanças parece responder à estreiteza dos graus de liberdade que a condição institucional lhes impunha. Tanto num caso quanto noutro caso (vale dizer, tanto na "Refinaria", quanto na "Petroquímica") encontramos evidências de que cada uma dessas organizações internalizava os desafios que a emergência do novo regime fabril lhes impunha, e se empenhava no sentido de encontrar soluções próprias e inovadoras para a gestão do seu pessoal. No caso da "Refinaria", muito cedo ali se desenvolveu um grupo dirigido a pensar um programa de reestruturação de carreiras e, especialmente, de certificação de operadores, o qual não apenas ampliaria o escopo das competências e habilidades dos seus quadros operacionais, como lhe permitiria um gerenciamento flexível do uso do trabalho e um sistema de remuneração variável numa carreira sem os "gargalos" tradicionais num setor de elevada estabilização da força de trabalho principal.

No caso da "Petroquímica", a inventiva gerencial foi ainda mais longe: ela mobilizou todo o coletivo fabril num amplo processo de mapeamento de competências com vistas à montagem de um "Programa de Capacitação Profissional". Qual a novidade deste Programa? Mais que um mero rol de treinamentos a oferecer, tratou-se de repensar os conteúdos dos trabalhos em todas as atividades e carreiras: qual o perfil de habilidades próprio a cada uma das funções, qual o perfil de habilidades próprio a cada um dos trabalhadores que as ocupavam, onde se localizavam as defasagens por suprir e como preenchê-las. Novamente, onde a novidade? Na forma como o Programa foi sendo executado em suas várias etapas, a saber: os diagnósticos de perfis eram fruto de consulta universal, a chefias e a subordinados; nestas, uns e outros avaliavam os conhecimentos, habilidades e atitudes de cada trabalhador e, caso as avaliações discrepassem, decidiam, num processo almejadamente dialógico - de convencimento recíproco -, o ponto exato da "matriz de habilidades" onde cada trabalhador deveria ser localizado.

Significativamente, tanto no caso da "Refinaria", como no caso da "Petroquímica", ambos os projetos institucionais mostraram-se nulos em sua eficácia: o programa de certificação de operadores não chegou a ser implantado; o programa de capacitação jamais passou da sua parte diagnóstica, desmoralizando o esforço coletivamente mobilizador daqueles que o conceberam. Onde os limites de um procedimento aparentemente tão virtuoso? Por que intenção não se traduziu em eficácia? Acreditamos que estes limites têm uma dupla origem: por um lado, na ausência de autonomia institucional para responder ao contexto mais amplo com soluções e políticas próprias, que mobilizassem os recursos intra-institucionais; por outro, no paternalismo (ao qual pleonasticamente acrescentamos o qualificativo de autoritário) que marcava as relações entre gerências e trabalhadores.

É eloqüente que, no caso da "Refinaria", o plano de certificação de operadores tenha sido reconhecido pela "Sede" como uma iniciativa gerencial inovadora. Não obstante, a refinaria que o concebeu não foi aquela autorizada a testá-lo. A escolhida foi uma outra refinaria que, aos olhos da burocracia central da PETROBRAS, parecia mais afeita a pô-lo em prática com eficácia. Igualmente sugestivo é o destino do programa de capacitação desenvolvido pela "Petroquímica": sua forma inovadora de conceber carreiras e qualificação desafiava o congelamento em que a alta burocracia estatal mantinha a sua política institucional de quadros; o "modelo PETROBRAS" deveria ser seguido pela "Petroquímica" (e ele não comportava flexibilidades na definição e administração das carreiras), mesmo quando a própria PETROBRAS já dava mostras de seu esgotamento, alterando denominações e atribuições de cargos.

Mas, na raiz desta incapacidade de transformar intenções em realidade, cremos que possa estar um outro determinante que advém não do tipo de propriedade de capital, mas do modelo de gestão. Tanto na "Refinaria", quanto na "Petroquímica", as estratégias da alta gerência pareciam desprezar o efetivo envolvimento, seja dos chãos-de-fábrica, seja dos profissionais de nível superior que não os engenheiros. Mais que nas outras empresas observadas, essas organizações pareciam erigir-se sobre um valor: o da soberania da autoridade do grupo profissional dos engenheiros. A contra-face deste valor era, naturalmente, a forma paternalista com que a hierarquia era assumida, na ausência de regras externas à autoridade soberana dos engenheiros, único grupo social capaz de perscrutar o ambiente externo, conceber políticas e validá-las.

Duas evidências podem corroborar esta interpretação: tanto na "Refinaria", quanto na "Petroquímica" (e, nesse sentido, diferentemente das duas outras empresas estudadas), o ingresso na "era da qualidade" não fez emergir, na estrutura de poder da empresa, novos grupos profissionais, com habilidades estratégicas a um só tempo específicas e distintas do grupo dos engenheiros. Vale dizer, reproduziam-se, em ambas as empresas, as antigas assimetrias entre os grupos de profissionais universitários. Uma segunda evidência, vem do modo como a nova conjuntura afeta critérios de ocupação dos postos de mando mais tradicionais (por exemplo, as chefias de unidades). Mais uma vez, nem a "Petroquímica" e nem a "Refinaria" apresentam evidência (como há para, pelo menos, um dos outros casos) de que a experiência profissional e o tempo e a confiança "da Casa" pudessem ser critérios para elevar trabalhadores de nível médio a postos antes privativos de profissionais engenheiros, como chefias de unidades de produção. Acreditamos, por isso mesmo, que, num e noutro caso, o paternalismo com que as chefias eram exercidas solapava as chances de um efetivo enraizamento institucional de inovações no âmbito da gestão do trabalho e da qualificação.

Diferentemente destes dois casos, observamos outros dois onde mudanças na gestão do trabalho e da qualificação parecem ter tido mais amplo alcance e, pelo menos num deles, chegado a dar lugar a formas institucionais novas e desafiadoras, não apenas por criarem âmbitos de pactuação que extrapolam as instâncias tradicionais da organização, enriquecendo-a, como pelo fato de que estes âmbitos se baseiam no reconhecimento do antagonista (o sindicato) como interlocutor legítimo. Que parece especificar esses casos, particularizando-os frente aos anteriormente referidos? Como podem eles nos ajudar a elucidar os fundamentos e as chances destas novas institucionalidades? Arriscaríamos antecipar que, sem desconsiderar os efeitos de contingências do ambiente (como mercado em que competem, propriedade do capital ou localização), são as características da cultura organizacional (voltada para a obtenção do envolvimento dos trabalhadores, tanto num quanto noutro caso) o principal determinante da eficácia destas políticas. Mas envolvimento não é uma noção unívoca. Ao contrário, à luz de cada um dos dois casos restantes pode-se ilustrar uma modalidade distinta de estratégia de envolvimento.

No caso da "Companhia", denominamos tal estratégia de "envolvimento individual compulsório", porque baseada em dois pilares. Em primeiro lugar, trata-se de buscar o compromisso ativo do indivíduo trabalhador com os alvos gerenciais, deixando sempre claro que este compromisso se tece num jogo de tipo soma-zero com o sindicato. Em segundo lugar, e em decorrência da característica anterior, o envolvimento não perde um certo laivo de compulsoriedade, já que o "despotismo do mercado" (expresso no risco permanente da demissão pela perda de confiança da "Companhia") é a "espada de Dâmocles" a pesar sobre aqueles a quem se quer atrair.

No caso da "Química", a estratégia caracteriza-se por um "envolvimento coletivamente negociado". E, por isto mesmo, na medida em que se projeta num acordo com o antagonista, numa convergência de interesses, suas chances (e diríamos mais, necessidades) de institucionalização se tornam maiores. Ali, ao contrário do caso da "Companhia", o despotismo de mercado reaparece com sinal trocado: é na busca da preservação, seja do emprego na "Química", seja das condições de empregabilidade fora dela (na contingência de uma demissão, por todos indesejada), que se erige o discurso gerencial que forja o compromisso em torno de um programa paritário, sugestivamente centrado no lema "Qualificação para a Empregabilidade".

Finalizaremos o nosso argumento neste texto apresentando brevemente as experiências de um e outro dos casos.

As chances de institucionalização no envolvimento compulsório: o caso da "Companhia"

Concretamente, quais foram os novos procedimentos de gestão do pessoal que surgiram na "Companhia" sob o desafio da instabilização das condições operacionais na conjuntura do pós-90? Seis aspectos constituem o carro-chefe das mudanças na gestão dos seus efetivos. Caracterizaremos brevemente cada um deles em seguida.

Um primeiro aspecto se refere à ênfase no trabalho em grupos. A "Companhia" passou a ser dividida em "equipes". No topo da hierarquia das equipes (e, como tal, no topo da nova estrutura organizacional da Empresa) estão as equipes das unidades de produção, consideradas os "ativos" principais da "Companhia". Cada um dos "teams" que encabeça uma unidade de produção final passou a ter em torno de si um outro "team" de apoio, multifuncional, envolvendo desde as funções técnicas (como manutenção, por exemplo), até as antigas funções administrativas (como gerenciamento comercial, por exemplo). Assim, uma equipe arregimenta e integra desde os seus operadores de campo até os seus economistas, que atualizam permanentemente a chefia da unidade com as informações acerca do mercado comprador e do perfil da concorrência.

antigamente o que se fazia era operar, produzir, não se preocupava com orçamento; havia outros órgãos da empresa que preocupavam com isso, enquanto a gente estava gastando; não existiam uma gestão nenhum sentido de contribuição de recursos, a gente nunca tinha feito um plano de orçamento, tinham outros setores que faziam para nós (Entrevista com chefe de Unidade de Produção da "Companhia").

Desnecessário dizer que os ocupantes das antigas áreas e cargos técnicos necessitam agora desenvolver novas competências, de natureza eminentemente dialógica, para sobreviver num ambiente organizacional onde se torna decisiva a troca de informações entre escalões e portadores de conhecimentos que antes não interagiam diretamente. Competências técnicas mas, sobretudo, competências atitudinais tornam-se vitais nessa nova ordem.

Então, um exemplo disso aí: nós estamos discutindo investimento; investimento para o conjunto da [Companhia], que vai se distribuir através do lucro do ativo. Então, estava para definir uma ordem de prioridades; para mim, é fácil definir prioridades quanto a nossos ativos; agora, como eu posso priorizar com relação a aromáticos? E com relação a utilidades? Temos que chegar a um consenso entre nós, dos diferentes ativos, para chegar a isso, não é? E, para isso, eu tenho que esquecer de pensar só na olefinas e, começar a pensar de uma forma mais ampla no âmbito da [Companhia]. O que é que é mais importante num investimento? Será que tem coisa mais importante [que a minha própria pretensão inicial] ? Tenho que deixar um investimento que eu achava mais importante para trás (Entrevista com chefe de Unidade de Produção da "Companhia").

O gerenciamento das equipes pretende estar fundado nos procedimentos de autocontrole. Exemplo mais banal (mas nem por isso menos chocante para o dia-a-dia autoritário das empresas brasileiras) foi a eliminação do cartão de ponto. Significativamente, a nova forma de produzir decisões e controlar o cotidiano parece estar produzindo uma nova institucionalidade ao interior da "Companhia"; uma institucionalidade virtual, se considerarmos que ela existe à margem da estrutura formal da Empresa. Assim, os ativos se organizam em Comitês, que se reúnem semanalmente. As unidades de produção, por sua vez, têm líderes. As grandes decisões, como políticas de investimento, planos de treinamento, supõem a formação de consenso entre os líderes dos diferentes ativos, num fórum de 12 representantes, três para cada um dos quatro ativos principais da "Companhia".

Esta nova estrutura de gerenciamento do cotidiano que, de um ponto de vista meramente formal, poderia ser considerada uma estrutura "virtual", tem uma eficácia decisória que não somente preenche espaços de formação de vontade técnico-administrativa na Empresa, como pode vir a competir fortemente com a capacidade de percepção de problemas, de formação de interesses e de encaminhamento de demandas que antes era privativa do Sindicato. Ela estaria, por assim dizer, preenchendo espaços vazios que, na sua ausência, tenderiam a ser ocupados pela organização sindical8 8 Tomamos como exemplo um episódio que antecedeu em alguns meses o início do trabalho de campo e que ainda repercutia quando chegamos à Companhia. Pouco afeitos a organizar a vida numa conjuntura de inflação controlada, os trabalhadores haviam assumido, após o plano de estabilização econômica, níveis de endividamento que os seus salários não podiam suportar. Instalado um clima de ansiedade entre os mesmos, coube aos líderes de equipe reconhecer o problema e negociar com a Empresa soluções que antes cairiam na esfera da representação do sindicato: alteração no calendário de pagamento de salários, negociação de antecipações, negociação de empréstimos bancários a juros facilitados etc. .

Um segundo carro-chefe nas mudanças na política de gestão do trabalho diz respeito à redução dos mecanismos cotidianos que marcavam desnecessariamente as diferenças de status. Dentre essas se destacam as diferenças de cores dos crachás segundo a hierarquia, diferenças nos restaurantes (há algum tempo unificados), diferenças nos valores das diárias em serviço etc.

Um terceiro carro-chefe diz respeito mais de perto ao tema das competências. A "Companhia" passou a propugnar pela redução das tarefas "pobres" em conteúdo, destinando-as preferencialmente a trabalhadores terceirizados. Isto chama a atenção para o fato de que, na organização da cadeia produtiva - e, por extensão das redes interfirmas na químico-petroquímica, dois tipos de clientes (e de estatuto) parecem se erigir. Por um lado, o cliente cuja relação com a central poderia se denominar "virtuosa": são empresas capital-intensivas, também da cadeia técnica químico-petroquímica, mas de geração intermediária, compradoras da produção básica da nossa empresa-caso. Estas compradoras de segunda geração tendem a reproduzir as práticas de gestão moderna que documentamos no caso da primeira geração (carreiras mais permeáveis a critérios de mobilidade por desempenho, estabilidade dos trabalhadores "sobreviventes" ao ajuste, esforços por valorizar e premiar desempenho e competências adquiridas, estrutura organizacional mais plana com redução de níveis hierárquicos...).

Por outro lado, existiria um outro tipo de relação interfirmas, tecida também no interior do complexo, mas - diferentemente do caso anterior - ao interior da "Companhia". São as suas fornecedoras terceirizadas de serviços, empresas trabalho-intensivas, classificadas em outros setores que não o setor químico (metalúrgico, por exemplo, no caso da manutenção). Aos trabalhadores dessas empresas se destinam as tarefas "pobres" por seu conteúdo de qualificação, ou instáveis pelo caráter episódico da intervenção (como é o caso da manutenção durante as paradas técnicas). A força de trabalho empregada nestas tarefas nem de longe está afeita às características da gestão moderna das empresas químico-petroquímicas. Uma evidência das desigualdades entre os dois contingentes (que por vezes coexistem durante longos períodos o trabalho nas plantas da Empresa) pode ser encontrada nas condições de escolarização: enquanto quase todos os operadores petroquímicos, por exemplo, possuem hoje o segundo grau completo, com formação técnica especializada, os trabalhadores "terceirizados" com freqüência não possuem mais que a escolarização primária (cf. Agier & Castro & Guimarães, 1995).

Uma quarta novidade da política de gestão do trabalho diz respeito aos requisitos de qualificação para postos de chefia técnica: passou-se a admitir que o acesso a funções como a de "líder", por exemplo, pudesse resultar do desempenho profissional mais que do mero grau escolar. Esta dissociação entre qualificação e credencial escolar teve resultados inovadores e de alcance destacável (dadas as práticas vigentes no segmento). Ao associar a mobilidade à experiência e ao desempenho profissionais, a "Companhia" passou a admitir que, mesmo cargos até então privativos de engenheiros, como as chefias de unidades de processo, pudessem ser dirigidos por trabalhadores sem formação universitária.

Paralelamente, a Empresa desencadeou um intenso programa para qualificação de chefias intermediárias na operação ("Projeto Chetur"), voltado para dar-lhes função gerencial, treinamento em relações de trabalho e constituição de um quadro funcional potencial de "chetur's" capacitado a dirigir os grupos de melhoria, ainda em implantação.

Uma quinta inovação refere-se à constituição dos comitês de gestão da produção e ao desenvolvimento de uma política de avaliação comparativa de desempenho. A questão da avaliação pelo desempenho e premiação pelo uso de competências valoradas pela Empresa tem sido um dos "calcanhares-de-Aquiles" da reestruturação das empresas brasileiras. Se os prêmios de produção eram acenados pelas firmas, como forma de estimular o compromisso dos trabalhadores, a legislação brasileira do trabalho expunha as empresas ao risco de que as (novas) parcelas variáveis dos salários pudessem ser judicialmente reivindicadas como incorporáveis às partes fixas, negociadas junto aos sindicatos, eliminado assim o artifício da premiação por produtividade. A introdução da legislação governamental de participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das empresas (PLR) foi um primeiro sinal em direção à ruptura de práticas correntes. Da forma como instituída, a chamada PLR permite às empresas constituir comitês de negociação nos quais os sindicatos não são parte necessariamente representada. No caso da "Companhia", a avaliação comparativa de desempenho avança em direção a estabelecer critérios de mensuração e de atribuição de ganhos de produtividade a equipes da Empresa, o que se constitui num desafio em se tratando de processos contínuos onde o trabalho humano não apenas tem um caráter supervisório (sobre processos automatizados), como se desenvolve em equipe.

Um sexto aspecto da nova política para os recursos humanos diz respeito diretamente à questão do gerenciamento da qualificação. A "Companhia" começava, no momento do trabalho de campo, a implementar um novo plano de carreira, assim chamado "por competências e habilidades", envolvendo mudanças profundas na nomenclatura, no conteúdo dos cargos e no perfil das carreiras, adequando-as ao novo formato da gestão da empresa. Nesse novo plano de carreira, as chances de mobilidade ocupacional tornam-se maiores, ultrapassando os antigos limites das lotações dos cargos, uma das maiores fontes de insatisfação entre os empregados. Tais mudanças estão estreitamente vinculadas ao processo de busca de certificação ISO, especialmente no que diz respeito a: 1) socialização de conhecimentos via equalização de processos, 2) intenso incremento dos treinamentos9 9 Em 1996, os treinamentos alcançaram a média de 60 horas por empregado, 50% mais elevada que as 40 horas médias de dois anos antes. , 3) integração dos sistemas de gerenciamento administrativo e industrial, 4) simplificação administrativa, 5) gerenciamento do processo com vistas à sua otimização gerencial e eliminação de toda sorte de tarefa que não agregue valor.

É interessante ressaltar que todas essas mudanças no campo do gerenciamento do trabalho e das qualificações se fizeram de modo concomitante com a desativação do órgão ao qual estavam tradicionalmente afeitas as questões relativas à política de recursos humanos. Na verdade, o aparente paradoxo se resolve quando se tem em conta que surge um novo pólo de gravidade para onde se deslocam as decisões institucionais com respeito à matéria: o Programa de Qualidade. A ele passa a estar deferida a concepção, animação e implementação daquilo que a Empresa considera a porção "nobre" da gestão dos seus recursos humanos - reorganização do trabalho em equipe, política de treinamento, plano de carreira por habilidades e política de incentivos ao desempenho. Todos esses temas passaram a incluir-se no marco do programa de qualidade da Companhia. Em torno dele se erige mais um pilar daquela "nova institucionalidade" à qual nos referimos anteriormente10 10 É significativo que a Empresa tenha delegado a direção deste programa a uma mulher, documentalista, cujo status na organização é alçado, na prática, ao nível de uma diretora. .

A Empresa passa a ser cortada, então, do topo à base das suas decisões técnicas, por uma nova estrutura organizacional, aparentemente eficaz na tomada de decisões, conquanto escape por completo ao que é normativamente regulado. Ela é o esteio do esforço por formar uma nova comunidade de interesses, por fabricar um novo consenso, baseado numa também nova institucionalidade; dela estavam igualmente distantes, no momento do trabalho de campo, tanto a Diretoria da Empresa (o seu Conselho de Acionistas sequer acompanhava tais mudanças), quanto o Sindicato dos Trabalhadores.

Uma rápida mirada nos seis pontos que formam a espinha-dorsal da nova política de gestão do trabalho faz sobressair o lugar da qualificação na manufatura deste novo consentimento: dos seis instrumentos de ação nada menos que cinco dizem diretamente respeito à produção, acompanhamento, premiação e gerenciamento das novas competências que o imaginário gerencial entende necessárias a soldar a nova realidade das relações sociais na "Companhia".

Onde os limites destas novidades? Até onde as acompanhamos, na precária formalização dos novos artefatos institucionais que se experimentava, tanto quanto na sistemática exclusão do contendor (o Sindicato), o que mantinha sempre sob risco e na defensiva o pólo inovador na organização. Ademais, se bem seja certo que o Sindicato não dispunha de uma efetiva organização no local de trabalho (e disto decorria, em grande medida, a viabilidade desse envolvimento de tipo compulsório), sua força virtual não era desprezível, exprimindo-se tanto no persistente elevado índice de sindicalização, como na lealdade dos trabalhadores da "Companhia" a boa parte das iniciativas políticas do Sindicato.

A plausibilidade desta interpretação supõe, por fim, a resposta positiva a uma última indagação: será que os horizontes dessas novas formas institucionais poderiam ser distintos sob outra modalidade de gestão? Acreditamos que sim, com base no que sugere o acompanhamento do caso da "Química".

As chances da institucionalização no envolvimento coletivamente negociado: o caso da "Química"

O caso da "Química" é bastante exemplar tanto pelas mudanças, quanto pela persistência de determinados aspectos do seu arcabouço regulatório. Isto por que, como vimos, trata-se do caso em que este mesmo arcabouço foi, desde sempre, mais flexível, dadas as características da empresa: privada, multinacional, com plantas espalhadas pelo país, relativamente menos dependente e, portanto, menos subordinada ao Estado brasileiro.

O processo de abertura comercial afetou-a também, mas de maneira bastante distinta dos demais casos. Conquanto nunca tivesse desfrutado de um monopólio legal sobre seus mercados, a Empresa não desconhecia os efeitos da concorrência, embora tenha sempre sido hegemônica nos mercados em que atua. A entrada de novos concorrentes, por outro lado, não anulou o fato de que, pertencendo a um dos maiores grupos mundiais no ramo, estava, desde sempre, de algum modo inserida na acirrada disputa por mercados, motivadora de competitividade. O processo de abertura comercial fez com que a empresa mergulhasse em estratégias de negócios fortemente globalizadas, emuladas por sua matriz. Deste modo, embora tenha sofrido algumas perdas com a abertura, foi capaz de responder rapidamente ao novo cenário, mantendo-se hegemônica em seus mercados.

Em termos da gestão dos negócios, isso significou uma descentralização bastante profunda no âmbito da planta, passando cada uma de suas principais atividades a se reportar a departamentos corporativos de negócios autônomos e virtualmente internacionalizados. O modelo de gestão organizacional, por sua vez, viu-se diretamente afetado por essa estratégia. Na medida em que cada atividade principal teria de responder por sua performance junto a instâncias que já não se localizavam na planta (e de certo modo nem no país), as direções das unidades produtivas11 11 Três, ao todo, responsáveis por quatro linhas de produtos, os quais podem chegar a quinze ou vinte, dependendo do momento. foram dotadas de grande autonomia de gestão organizacional. Daí resultam três trajetórias de reorganização razoavelmente distintas (com resultados em termos de ganhos de produtividade também desiguais), mas que, apesar disso, procuraram cada qual fazer face a um mesmo conjunto de desafios, uma vez que partilhavam uma herança comum.

Esses desafios estavam concentrados em duas frentes:

a) a primeira delas consistia na necessidade de reduzir drástica e rapidamente os custos fixos da produção, em meio a um cenário inicial (1990-1992) altamente adverso, caracterizado por recessão, inflação, política de juros elevados e câmbio crescentemente defasado, resultados das (desastradas) tentativas do governo Collor de controlar a inflação. Neste cenário, novos investimentos produtivos, seja em capital fixo, seja em expansão da produção, estavam desde logo descartados. O ajuste possível, tal como vislumbrado pelas direções das unidades, foi o mesmo, conquanto executado com sucesso bastante desigual: redução de efetivos.

b) o segundo desafio repousava precisamente na dificuldade de se construir um novo arranjo regulatório que facultasse a relação entre os atores; isto porque, falira o arranjo anterior, baseado na estabilidade de emprego e no confinamento do conflito quase que exclusivamente à questão salarial. Desafiava este objetivo a própria natureza do período, marcado pela eliminação de postos de trabalho (de empregos, portanto) e pela presença de uma organização sindical que, se não estava organicamente enraizada (já que não fora capaz de implantar comissões de fábrica), contava com uma evidente fidelidade dos empregados. Além disso, a Empresa estava implantada no reduto de um sindicato bastante poderoso, e que não se podia simplesmente ignorar.

Diante deste duplo desafio, é evidente que o primeiro seria preponderante; e assim foi. Ao longo desta década, foram eliminados cerca de 50% dos empregos existentes em 1989, mantido praticamente intacto o volume de produção. Tal com nos demais exemplos, a qualidade e a qualificação foram os canais inicialmente buscados para a fabricação de alguma outra forma de regulação, condizente com as novas necessidades, opção seguramente impulsionada pelo enorme proeminência que passavam a assumir os engenheiros, agora os responsáveis por praticamente toda a política de gestão de pessoal (inclusive a de admissão e demissão). A rápida substituição da geração de operadores que estavam na planta há 15, 20 anos (e cuja "cultura" já não se podia mudar, segundo todos os depoimentos colhidos) foi justificada em nome da qualidade, que se buscava agora através do incremento educacional dos trabalhadores, possível apenas com a absorção de jovens ("os mais velhos já não querem aprender").

Tudo indica que, até pelo menos 1994, estes esforços não foram capazes sequer de amenizar o clima extremamente conflagrado que caracterizava a história dessa fábrica. As dificuldades do conglomerado com uma de suas mais importantes plantas levou a iniciativas mais ousadas. Em 1995, um novo superintendente assume a direção da empresa com o propósito explícito de apaziguar as relações trabalhistas e sindicais. A descentralização da gestão entre as unidades foi aprofundada, buscando-se estreitar o contato entre os gestores das unidades e os operadores. Uma espécie de "reforma branca" na estrutura de carreiras, já iniciada aos poucos, foi acelerada, visando à redução dos níveis hierárquicos, à redistribuição de tarefas, e à homogeneização, em termos de status ao menos, do corpo de operadores que, em sua maioria, passou a ostentar o título (e o salário) mais elevado da carreira12 12 Utilizamos a expressão "reforma branca" porque, a despeito de se haver processado um reforma de fato na estrutura de carreiras (bastante enxugada), formalmente ela se manteve intacta, conservando a mesma nomenclatura. .

A necessidade de prosseguir com os planos de enxugamento, entretanto, não favorecia (e não favorece) a constituição de um clima organizacional mais pacífico. Tem início então o que poderíamos qualificar de uma nova "filosofia" de enxugamento (na qual, como se verá, o PQE tem papel decisivo). As demissões "à moda antiga", ou seja, determinadas unilateralmente pelas gerências e seguindo exclusivamente o script da CLT (aviso prévio de um mês e indenização proporcional ao FGTS) geravam enorme insatisfação interna; a tradição de baixa rotatividade da empresa, bem ou mal, buscava gerar um compromisso de "pertencimento à casa" por parte dos trabalhadores, freqüentemente aludido como suporte da convivência no período anterior (anos 80). E além disso, fornecia farta munição ao sindicato para promover campanhas hostis à empresa.

A nova "filosofia" de enxugamento, na prática, consiste na introdução de paliativos ao processo de desligamento: pagamento de verbas rescisórias além do previsto em lei, manutenção de determinados benefícios, como seguro saúde, por alguns meses após a demissão, consultoria de outplacing (em geral para os níveis gerenciais), financiamento para aquisição de equipamento necessário para o desempenho de atividades autônomas (eventualmente para a própria IQ), cursos de inglês e informática. Boa parte desses arranjos, contudo, são feitos ad hoc, caso a caso e negociados ou sugeridos ao funcionário de acordo com sua situação e perfil individual. Temos aí um elemento bastante revelador das novas estratégias buscadas pela empresa; note-se que tais políticas de apoio aos desligados escapam de normatizações explícitas, evitam as negociações coletivas (onde o sindicato certamente buscaria se introduzir) e não consolidam acordos formais ou mesmo tácitos que imponham jurisprudências ao futuro.

Na estratégia da empresa, contudo, o espaço para a "ação coletiva" não é anulado, mas sim reinventado, agora sim, dotado de formalidade, quase institucionalidade. E este espaço é precisamente o "Programa de Qualificação para a Empregabilidade". O programa tem origem nos escalões corporativos da empresa (em sua matriz brasileira) e não foi originalmente concebido para a esta unidade. Pelo contrário, segundo os depoimentos, temia-se que justamente pelo caráter historicamente conflitivo das relações trabalhistas e sindicais na planta o programa fracassasse.

Prevaleceu, contudo, a avaliação inversa, sustentada pela nova direção da IQ e por alguns dos quadros de RH da matriz brasileira responsáveis pela elaboração original do projeto. O apaziguamento nas relações trabalhistas na planta deveria ser buscado através de mecanismos de envolvimento seja dos trabalhadores, seja do sindicato, capazes de comprometê-los de alguma forma com as mudanças gerencias em curso. O PQE, claramente, é assumido como um expediente orientado para esta finalidade.

Essa afirmação é sustentada pelos próprios depoimentos colhidos junto a quadros da empresa responsáveis pela implementação do programa (e, curiosamente, apenas parcialmente pelos sindicalistas), que reafirmaram sempre que "o processo", ou seja, a formação de um novo espaço de interlocução, era mais importante que seus "resultados", o eventual aprimoramento profissional dos trabalhadores.

O ponto de partida do programa foi a realização de uma ampla pesquisa entre os funcionários da planta, abrangendo todas as áreas e níveis hierárquicos, focando o conjunto de suas qualificações educacionais e técnicas, além de habilidades informais não necessariamente relacionadas ao desempenho de suas funções na empresa13 13 A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores da PUC/COGEAE. Consistiu na aplicação de um questionário padrão entre todos os funcionários (com retorno de mais de 90%), entrevistas em profundidade com uma amostra de trabalhadores e discussões em grupo focais. Não citamos o relatório final, por razões de sigilo, para não identificar a empresa. (conhecimentos de música, línguas, artesanato etc.).

Pouco antes da realização da pesquisa, um comitê paritário, formado por dois representantes da empresa (uma da área de Relações Industriais14 14 Na empresa, a área de Relações Industriais corresponde ao tradicional RH, adicionado do comando sobre a logística de pessoal, como restaurante, enfermaria e serviço social. e outro da Gerência de Qualidade), dois funcionários (indicados através de "consultas informais"15 15 Quanto ao caráter informal da escolha/indicação há consenso nos depoimentos, mas evidentemente que, neste caso, a direção da empresa qualifica estes funcionários de "representantes", considerando o processo de escolha satisfatoriamente democrático, enquanto os sindicalistas os consideram "indicados", uma vez que não houve um processo eleitoral formal. ) e dois representantes do sindicato. Uma campanha de esclarecimento e divulgação precedeu a realização da pesquisa. O comitê pouca influência teve na concepção da pesquisa. Sua participação, de fato, deveria ter início nos trabalhos de interpretação de seus resultados e na programação da continuidade do programa.

Uma vez concluída a coleta de informações sobre o perfil dos trabalhadores e suas expectativas, o comitê passa a ter funções mais dinâmicas. Interpretar os resultados da pesquisa e socializá-los foi sua tarefa no segundo semestre de 1997. Dada a própria concepção do projeto, esse processo de socialização deveria servir para mobilizar e envolver os funcionários, mais do que simplesmente divulgar resultados. Com esse objetivo procedeu-se à criação de 15 grupos de 30 pessoas (o que perfaz quase 100% do efetivo total de 450 empregados) de onde foram escolhidas quatro pessoas para participar das discussões sobre os resultados e, posteriormente, atuarem como multiplicadores junto aos colegas. Pretendia-se com isso que as conclusões desta primeira fase dos trabalhos ganhassem legitimidade ao serem filtradas e apresentadas pelos próprios funcionários, efeito que talvez não se verificasse se o vetor de comunicação fossem os dirigentes da empresa ou mesmo os pesquisadores contratados externamente. No momento em que terminamos os trabalhos de campo (início do segundo semestre de 1997) esses grupos começavam a operar, aparentemente com significativa adesão dos trabalhadores.

Não é casual que o PQE tenha inspiração em experiências de retreinamento profissional de trabalhadores levadas a cabo de forma pactuada entre sindicatos e empresas norte-americanos. O propósito de envolver o sindicato neste arranjo é parte vital da iniciativa, dada a penetração deste na planta; por outra parte, a maneira ambígua como este se engajou é bastante expressiva. O sindicato da categoria não hesitou em indicar os dois nomes requisitados pela empresa para compor o comitê paritário, mas, ao que tudo indica, pouca energia investiu em participar do programa. Segundo os próprios representantes entrevistados, o sindicato não podia deixar de participar da iniciativa, porque, em primeiro lugar, uma atitude de simples rechaço poderia ser traduzida, perante os funcionários da empresa, como falta de interesse por uma temática que claramente se constitui em um problema vital para todos. Em segundo lugar, alegam que o sindicato jamais deveria deixar de ocupar os espaços que se lhe abrem para influir, de alguma forma, nas políticas da empresa, no tocante ao pessoal. Além do mais, se o programa de fato pudesse render algum tipo de benefício para os empregados, era necessário explorar a possibilidade.

Por outro lado, enorme desconfiança caracteriza a avaliação que os representantes sindicais fazem do programa, o que em parte justifica seu empenho relativamente tímido em participar do comitê. Para eles, a empresa só tomava uma iniciativa destas porque esperava auferir ganhos, que provavelmente seriam derivados da maior qualificação dos trabalhadores e sua conseqüente disponibilidade para exercer um número maior de funções, substituindo, ao fim e ao cabo, os seus próprios companheiros. Isso não deveria desmerecer a importância, evidente para os trabalhadores individuais, de adquirir novas qualificações; mas estes não deveriam perder de vista jamais que era o interesse da empresa (e não os dos empregados) a motivação do programa. Note-se que, com isto, os sindicalistas viam, direta ou indiretamente, no programa virtualidades que nem sequer seus implementadores pretendiam. Para os sindicalistas, o programa resultaria de uma necessidade concreta da empresa de requalificar tecnica e profissionalmente seus funcionários, visando a polivalência, a redução de quadros e os conseqüentes ganhos de produtividade e competitividade. Como já deve ter ficado claro, contudo, o PQE não foi concebido como um vetor de requalificação e aperfeiçoamento técnico operacional dos trabalhadores, mas sim para difundir uma nova cultura organizacional baseada no consenso e não mais no conflito. De certo modo, a desconfiança dos sindicalistas "errou o alvo" por superestimar as intenções do programa.

A filiação cutista do sindicato (com todo o corolário aí implicado e bem conhecido) e a tradição de conflitos com a empresa também se interpuseram entre os sindicalistas e a participação no programa. Ilustra esta afirmação um episódio ocorrido no segundo semestre de 1996, quando tinha início o trabalho de interpretação da pesqusia. Durante a campanha para a sucessão da direção sindical na região, os sindicalistas enfrentaram uma oposição oriunda da própria central, mas de inclinação mais radical, que se utilizou da participação do sindicato no PQE da IQ como peça de campanha, sublinhando o caráter duvidoso do comportamento do sindicato que se punha a "colaborar" com a empresa. Temerosos das repercussões políticas de sua participação, os representantes sindicais optaram por se afastar temporariamente das reuniões do comitê até que se verificassem as eleições. De modo que, até o momento em que nossa pesquisa acompanhou os trabalhos do PQE na empresa, a participação sindical vinha sendo quase ocasional, mas de toda forma o simples fato de existir uma representação sindical, especialmente por não ser este um sindicato de tradição "colaboracionista", tende a conferir grande legitimidade ao programa.

A título de conclusão, é possível caracterizar a experiência do PQE como um expediente razoavelmente eficiente de recomposição do ambiente organizacional, pela via do consenso, em pleno movimento de enxugamento de efetivos. Através dele, a empresa procura criar novas formas institucionais de pactuação, desvinculadas das formas mais tradicionais de representação de interesses, "roubando" assim ao sindicato a iniciativa neste terreno, sem excluí-lo, contudo. Pelo contrário, compromete trabalhadores e sindicato com a sua agenda (o enxugamento e o aumento da produtividade), apresentando-a sob a forma de um desafio comum (a qualificação para a empregabilidade) e irrechaçável. Joga para estes (trabalhadores e sindicato) parte da responsabilidade pela construção de compromissos coletivos com o processo de reestruturação, sem assumir qualquer contrapartida a priori que não a de aceitar a sua participação.

É cedo ainda para avaliar a eficiência do PQE em termos dos objetivos que lhe imputamos aqui. Não é desprezível, porém, o fato de que nestes últimos anos nenhum conflito coletivo tenha ocorrido na empresa, após quase uma década de greves anuais. É certo que outros fatores devem estar concorrendo para este clima de "paz", que se tomado apenas pela ausência de greves caracteriza o cenário brasileiro de forma bastante generalizada. Os altos índices de desemprego, somados à queda abrupta nas taxas de inflação, muito possivelmente são fatores intervenientes de grande importância a explicar a redução no ímpeto grevista dos sindicatos brasileiros. O fato, porém, é que a IQ vem sustentando um clima de distensão interna nas relações com seus funcionários, ao mesmo tempo em que realiza importantes mudanças organizacionais, enxuga e principalmente recicla seus efetivos, substituindo a velha geração de operadores, muito comprometida com a antiga cultura organizacional da empresa - e não casualmente também com o sindicato - por um novo coletivo que se espera constituir campo fértil para a nova "filosofia gerencial" que se quer consolidar.

Recebido para publicação em julho/1998

Texto originalmente preparado para discussão no Seminário Internacional Produção Flexível e Novas Institucionalidades na América Latina, Rio de Janeiro, de 18 a 20/9/1997, promoção do SSRC e IFCS-UFRJ.

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  • Suarez, Marcus Alban. (1986) Petroquímica e tecnoburocracia- capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Hucitec.
  • 1
    Estes conceitos serão esclarecidos mais adiante, à luz da descrição dos casos estudados.
  • 2
    O ponto culminante da estratégia governamental, desenhada nos anos 70/80 para o setor, era o plano de ampliação da indústria petroquímica a ser executado entre 1990/1995, com vultuosos investimentos públicos; seus principais alvos eram a ampliação significativa da capacidade produtiva nos Pólos já existentes
    pari passu com a modernização tecnológica das novas unidades em implantação e, em especial, com a instalação de um quarto complexo, no Rio de Janeiro.
  • 3
    Mais que mera transferência de controle acionário, travou-se nesses casos um embate político que alijou do poder o grupo que hegemonizara desde os 70 até os 90 os interesses químico-petrolíferos no Brasil, comandando tanto a PETROBRAS quanto a PETROQUISA: o assim chamado "Grupo Geisel", encabeçado pelo ex-presidente da República (e também ex-presidente da PETROBRAS) general Ernesto Geisel. Ao redor dele, um grupo reduzido, mas significativo, de administradores governamentais e executivos de empresas petroquímicas (especialmente formado por engenheiros e economistas, em sua maioria provindos da própria PETROBRAS) criou aquela que talvez seja a mais exitosa experiência nacional de constituição de uma tecno-burocracia (Suarez, 1986), responsável pelo que Evans (1981b) denominaria como "reinvenção de uma burguesia", no contexto de um "capitalismo coletivizado" (1981a). Não cabe aqui discorrer mais longamente sobre esse fenômeno, conquanto seja imprescindível destacá-lo, pois dele resultam características importantes da cultura das relações industriais expressas tanto no nível meso, especialmente no segmento petroquímico da cadeia, quanto no nível micro, dos terrenos de regulação que se constituem no dia-a-dia das relações industriais nas empresas e plantas químico-petroquímicas.
  • 4
    Nessa caracterização, recuperamos alguns elementos de descrição já sugeridos por Guimarães (1992). Entretanto, as significativas mudanças transcorridas desde então, e ilustradas nos nossos estudos de caso, impõem atualizá-los e enriquecê-los com outros tantos que nos parecem caracterizar melhor as tendências atuais.
  • 5
    Todos os dados de pessoal dizem respeito ao ano de 1996.
  • 6
    Quando menos até o final do ano em curso, quando entram em operação os grandes e novos investimentos feitos pela PETROBRAS na "Refinaria", que a tornarão o segundo complexo brasileiro em capacidade de processamento de petróleo.
  • 7
    Furtamo-nos a uma descrição exaustiva dos achados em cada um dos casos, que alongaria demasiado este texto e empanaria o nosso interesse em destacar interpretações mais conclusivas e que alimentassem o debate do tema. Para aqueles que eventualmente se interessem por tais descrições, remetemos aos relatórios parciais que analisam detidamente cada um dos casos (a saber: Castro, 1996; Castro, 1997b; Comin 1997; Santos & Fartes, 1997), ou ao Relatório Final (cf. Castro
    et alii, 1998) do Subprojeto CEDES/CEBRAP/UFBa, "Qualificação, mercados e processos de trabalho: estudo comparativo no complexo químico brasileiro", desenvolvido com apoio da FINEp e CNPq.
  • 8
    Tomamos como exemplo um episódio que antecedeu em alguns meses o início do trabalho de campo e que ainda repercutia quando chegamos à Companhia. Pouco afeitos a organizar a vida numa conjuntura de inflação controlada, os trabalhadores haviam assumido, após o plano de estabilização econômica, níveis de endividamento que os seus salários não podiam suportar. Instalado um clima de ansiedade entre os mesmos, coube aos líderes de equipe reconhecer o problema e negociar com a Empresa soluções que antes cairiam na esfera da representação do sindicato: alteração no calendário de pagamento de salários, negociação de antecipações, negociação de empréstimos bancários a juros facilitados etc.
  • 9
    Em 1996, os treinamentos alcançaram a média de 60 horas por empregado, 50% mais elevada que as 40 horas médias de dois anos antes.
  • 10
    É significativo que a Empresa tenha delegado a direção deste programa a uma mulher, documentalista, cujo
    status na organização é alçado, na prática, ao nível de uma diretora.
  • 11
    Três, ao todo, responsáveis por quatro linhas de produtos, os quais podem chegar a quinze ou vinte, dependendo do momento.
  • 12
    Utilizamos a expressão "reforma branca" porque, a despeito de se haver processado um reforma de fato na estrutura de carreiras (bastante enxugada), formalmente ela se manteve intacta, conservando a mesma nomenclatura.
  • 13
    A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores da PUC/COGEAE. Consistiu na aplicação de um questionário padrão entre todos os funcionários (com retorno de mais de 90%), entrevistas em profundidade com uma amostra de trabalhadores e discussões em grupo focais. Não citamos o relatório final, por razões de sigilo, para não identificar a empresa.
  • 14
    Na empresa, a área de Relações Industriais corresponde ao tradicional RH, adicionado do comando sobre a logística de pessoal, como restaurante, enfermaria e serviço social.
  • 15
    Quanto ao caráter informal da escolha/indicação há consenso nos depoimentos, mas evidentemente que, neste caso, a direção da empresa qualifica estes funcionários de "representantes", considerando o processo de escolha satisfatoriamente democrático, enquanto os sindicalistas os consideram "indicados", uma vez que não houve um processo eleitoral formal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Out 1998

    Histórico

    • Recebido
      Jul 1998
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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