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A mídia e a construção do biográfico o sensacionalismo da morte em cena

Resumos

A partir da constatação da crescente veiculação de narrativas biográficas em diferentes mídia e seu sucesso de mercado, avaliam-se os novos lugares de expressão do biográfico, problematizando-se a relação entre mídia e memória na cultura contemporânea. Obituários, homenagens e coberturas televisivas de funerais de artistas e políticos famosos são tomados como narrativas que reconstroem trajetórias de vida, que, com a morte, são ressignificadas, dramatizadas e espetacularizadas para serem postas ao consumo de milhões de telespectadores.

mídia; memória; morte; heróis; cultura brasileira


Based on the increased spread of biographical narratives in different media and their commercial success, this article evaluates the new sites for the expression of biographies, and discusses the relationship between media and memory in contemporary culture. Obituaries, memorials and television coverage of the funerals of artists and famous politicians are seen as narratives which reconstruct the trajectories of their life, which gain new meanings at the time of their death, and are dramatized and broadcast for the consumption of millions of viewers.

media; memory; death; heroes; brazilian culture


ARTIGO

A mídia e a construção do biográfico o sensacionalismo da morte em cena

Elizabeth RondelliI; Micael HerschmannII

IPesquisadora do Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação da UFRJ

IIProfessor do Departamento de Fundamentos da Comunicação da ECO - UFRJ

RESUMO: A partir da constatação da crescente veiculação de narrativas biográficas em diferentes mídia e seu sucesso de mercado, avaliam-se os novos lugares de expressão do biográfico, problematizando-se a relação entre mídia e memória na cultura contemporânea. Obituários, homenagens e coberturas televisivas de funerais de artistas e políticos famosos são tomados como narrativas que reconstroem trajetórias de vida, que, com a morte, são ressignificadas, dramatizadas e espetacularizadas para serem postas ao consumo de milhões de telespectadores.

UNITERMOS: mídia, memória, morte, heróis, cultura brasileira.

ABSTRACT: Based on the increased spread of biographical narratives in different media and their commercial success, this article evaluates the new sites for the expression of biographies, and discusses the relationship between media and memory in contemporary culture. Obituaries, memorials and television coverage of the funerals of artists and famous politicians are seen as narratives which reconstruct the trajectories of their life, which gain new meanings at the time of their death, and are dramatized and broadcast for the consumption of millions of viewers.

UNITERMS: media, memory, death, heroes, brazilian culture.

A morte (...) assume a significação eminentemente

ambígua, em que se misturam a

referência à intimidade da mortalidade de

cada homem e a referência ao caráter

público da substituição dos mortos pelos

vivos (Ricoeur, 1997, p. 194).

Apesar de uma paisagem que parece apontar cada vez mais para um futuro que velozmente se atualiza, impulsionado pela ampla adoção dos aparatos tecnológicos e comunicacionais, o passado tem se tornado uma referência emblemática para a cultura contemporânea. A idéia do novo parece estar, cada vez mais, associada ao antigo. A restauração dos centros urbanos, a onda de antiquários, a moda retro, a nostalgia, o remake de filmes, a literatura confessional e biográfica, as novas maneiras de contar e recontar episódios históricos em livros, filmes ou documentários, os arquivos e museus e até o jornalismo noticioso têm atribuído destaque ao passado, tudo parecendo indicar que ele se tornou um dos paradigmas a balizar a experiência quotidiana (cf. Huyssen, 1996).

As novas tecnologias de comunicação (satélites, fibras óticas, redes informatizadas), aliadas ao processo de globalização, têm alargado a nossa experiência para além das fronteiras territoriais que definem nossas comunidades de pertencimento, provocando o que alguns teóricos têm denominado a compressão espaço-tempo. Os novos dispositivos têm definido novos horizontes de experiência, instaurando vínculos sociais inusitados, favorecendo a transitoriedade e a instabilidade identificatória (cf. Hall, 1997).

Talvez por isso, formas de âncoras temporais tornam-se cruciais à medida que nossas coordenadas territoriais e espaciais se esmaecem ou são absorvidas pela crescente mobilidade do mundo. O apelo à memória e ao passado pode estar representando um recurso para compensar o ritmo acelerado do fluxo das mudanças, de resistir à dissolução dos antigos modos de viver a experiência social (cf. Huyssen, 1996).

Dentre as âncoras temporais, talvez aquelas que se apóiam no biográfico sejam as que chamam a atenção hoje. O enorme interesse e o consumo de produtos de cunho biográfico indicam o importante papel que elas desempenham na cultura contemporânea. O mercado editorial, por exemplo, tem se aproveitado de uma certa avidez pela leitura de biografias e autobiografias e tem lançado muitas obras no gênero que, na maioria das vezes, permanecem na lista dos livros mais vendidos. Do mesmo modo, a televisão tem se exercitado na produção de documentários e entrevistas que vão de encontro a tal curiosidade, como também o cinema tem oferecido filmes sobre algum personagem real, cuja trajetória de vida se presta à ficcionalização na tela. Para se confeccionar tais produtos, buscam-se ou criam-se heróis e outros que passam a ser ofertados como referências exemplares na construção de outras vidas que, no momento em que transcorrem, parecem não ser nem tão heróicas e nem tão dignas de servirem como exemplaridade (cf. Filizola & Rondelli, 1997).

Tal curiosidade, que tem um pouco de bisbilhotice e de interesse pela vida mundana, por outro lado, não deixa de satisfazer um certo sentido de continuidade no tempo, de identificação com os antepassados, com o revisitar de certas formas culturais, uma forma de revivê-las e de fazer com que a fluida e fortuita experiência presente se inspire na vida de outros, anteriores ou contemporâneos, criando-se, com isso, alguns laços de continuidade e de sentido de permanência, mesmo que sejam tênues, a redesenhar um sentimento de coletividade que parece cada dia mais distante.

Gilberto Velho também reconhece o papel constitutivo da biografia nas sociedades contemporâneas:

Nas sociedades onde predominam as ideologias individualistas, a noção de biografia, por conseguinte, é fundamental. A trajetória do indivíduo passa a ter um significado crucial não mais contido mas constituidor da sociedade. É a progressiva ascensão do indivíduo psicológico, que passa a ser medida de todas as coisas.

(...) Carreira, biografia e trajetória constituem noções que fazem sentido a partir da eleição lenta e progressiva que transforma o indivíduo biológico em valor básico da sociedade ocidental moderna (Velho, 1994, p. 100).

As narrativas biográficas e autobiográficas oferecem um enquadramento retrospectivo e prospectivo ao ordenarem a vida articulando memória e aspirações (projetos) dos indivíduos, suas motivações e os significados de suas ações numa conjuntura própria de vida, conferindo uma seqüência às etapas de uma trajetória pessoal. Como a memória opera por fragmentos e os indivíduos certamente têm projetos diversos ao longo de suas vidas, as narrativas biográficas são (re)interpretações, leituras que sugerem perspectivas até contraditórias (cf. Velho, 1994, p. 101-103). E não é só isso. Se, por um lado, o sentido depende em grande medida da organização dos fragmentos, de fatos e episódios isolados, por outro, como nos lembram Ricoeur (1997), Halbwachs (1990) e Fentress & Wickham (1994) e diversos autores que problematizaram a temática da memória são importantes as determinações, leituras dadas pelo presente e pelas questões e interesses que mobilizam cada geração.

Não só as narrativas biográficas são reatualizadas, agenciadas por diferentes gerações alimentando um mercado em expansão neste século como produzem a sensação de ordenamento, de coerência e da possibilidade de apreensão da totalidade de uma trajetória de vida. É o que o que Bourdieu chama de ilusão biográfica:

Produzir uma história de vida, isto é, como relato coerente de uma seqüência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica (...)(Bourdieu, 1996, p.185).

A construção biográfica ganha, portanto, uma dimensão fundamental no mundo contemporâneo. Principalmente, porque sua articulação com diferentes mídia torna-a crucial para a atribuição de sentido e significado à realidade num mundo marcado pela dispersão, efemeridade e pluralidade.

Apesar da farta literatura que vem trabalhando com a questão da identidade e da memória social, poucos trabalhos têm analisado o importante papel cultural que os meios de comunicação desempenham nesse processo. A mídia, em geral, é pensada como um dispositivo que leva ao enfraquecimento e esfacelamento da memória e não como uma dimensão na qual a amnésia e a memória podem coexistir e se relacionar, mesmo que de forma tensa e contraditória. Também já é extensa a bibliografia a respeito das novas tecnologias e da globalização no que diz respeito aos processos de subjetivação. No entanto, raros são os trabalhos que se propõem a articular esses elementos, tal como parecem associados no contexto da experiência contemporânea.

Parte-se aqui do pressuposto de que os meios de comunicação de massa vêm se consolidando em lugares de memória1 1 Este termo está sendo empregado tal como foi definido por Nora (1984). e articulando identidades regionais, nacionais, transnacionais e outras. No mundo contemporâneo, marcado, por um lado, pelo excesso de informação disponível que pode conduzir ao esquecimento e, por outro, pela multiplicação de formas, espaços e discursos que visam (re)construir a memória, as novas tecnologias e a mídia têm operado como articuladores de novas experiências sociais, contribuindo para a afirmação e a emergência de identidades, alteridades e territorialidades.

Assim, buscando problematizar a relação entre mídia e memória individual e coletiva na cultura contemporânea, privilegiaremos neste trabalho a análise de coberturas jornalísticas bastante sensacionalizadas e de grande repercussão social nos últimos anos, que produziram narrativas e discursos que tematizaram a morte, especialmente a de algumas personalidades e homens públicos.

Esse tipo de material mediático obituários, artigos que resumem trajetórias de vida e obra, exibição televisiva de funerais, programas que rendem homenagens, etc. apresenta-se como um objeto privilegiado para a discussão da fronteira e da articulação entre as memórias individuais e coletivas (nacionais) hoje. Tais narrativas sugerem um enquadramento da memória2 2 A mídia apropria-se de narrativas biográficas e constrói enunciados que enquadram uma memória coletiva que tem como referência uma trajetória individual. Para mais informações sobre a noção de enquadramento (cf. Pollak, 1989). , a inserção de uma trajetória de vida particular na memória coletiva, e se oferecem como um recurso estratégico e, por vezes, didático, para se proceder à reconstrução de alguns momentos da história nacional e/ou coletiva que tenta arrebatar o público, sobretudo pelo impacto emocional causado pela morte de um personagem público definido, inserindo, desta forma, este público num certo momento da história. É comum, por exemplo, lembrarmo-nos onde estávamos e o que fazíamos no momento em que soubemos da morte de algum ídolo famoso, o que torna tal lembrança uma referência importante a mesclar história coletiva e individual (cf. Halbwachs, 1990). Poder-se-ia afirmar que a morte espetacularizada vem contribuir ao lado do cardápio diário de informações biográficas oferecidas pela mídia e pela produção cultural mais ampla de maneira fundamental no abastecimento de sentidos e significados à realidade social3 3 Anderson (1989) ressalta a importância dos romances e dos jornais na atribuição de sentido à realidade social nas sociedades modernas. Não só concordamos com o autor como sugerimos que seja reconhecida também a relevância da produção biográfica para a cultura contemporânea. Este tipo de produção desempenha um papel fundamental na articulação entre a identidade individual e de grupo. .

A crise e o retorno da morte

Autores como Benjamin, Ariès, Foucault e Morin chamam a atenção para o fato de que a morte vem perdendo, gradativamente, sobre o imaginário social, seu poder de evocação. Esse processo, segundo os autores, viria acelerando-se especialmente a partir do século XX com as instituições higiênicas que interditaram a morte enquanto experiência, depuraram-na da casa e transferiram-na para os hospitais, com suas equipadas UTIs que, mais modernamente, tecnificaram e criaram um saber específico sobre o ato de morrer. A morte, em certo sentido, entra em crise (cf. Benjamin, 1987; Ariès, 1988; Foucault, 1977; Morin, 1997).

Longe de discordarmos inteiramente dos autores principalmente porque a maioria das nossas mortes anônimas ainda se mantêm reservadas e vedadas aos olhos nos hospitais, asilos e velórios, notamos que as sociedades contemporâneas têm, cada vez mais, reconduzido a morte de alguns notórios eleitos ao mundo dos vivos através de sua encenação mediática. Tais mortes têm o poder de deflagrar narrativas que emergem na mídia de forma híbrida, pois articulam informações sobre um real imediato a testemunhos gravados do morto, recuperação de registros nos arquivos de jornais ou da televisão, coleta de testemunhos de seus contemporâneos que permaneceram, narrativas que, muitas vezes, adotam um tom emocionado e trágico. De certa forma, a morte recupera seu caráter público, condição que ela já teve na Idade Média, como indica boa parte da produção cultural que fazia com freqüência referência ao leito de morte. Naquele tempo, morrer era antes de mais nada um episódio público que tinha um caráter exemplar.

Se na biografia e/ou autobiografia, o reconhecimento de uma vida exemplar, mesmo que vivida discretamente, ou a vivência de um episódio peculiar é o mote da construção narrativa, nessa encenação mediática específica é o choque provocado pela morte de alguém famoso que traz os ingredientes para a narração dramática, sensacional e intensiva dos jornais e, principalmente, das câmeras televisivas que produzem uma superexposição que parece se exacerbar diante da certeza de sua curta duração na pauta das notícias. A morte surge aqui como o principal pretexto para uma recuperação da vida de quem morre, num ato biográfico que adquire cores específicas com o relato espetacularizado. Este artifício é bastante evidenciado pelas imagens que passam a ser produzidas: enquanto num primeiro plano aquelas se detêm sobre os ritos e cerimônias e acontecimentos em tempo real que circundam o morto, numa espécie de segundo plano, muitas vezes com a voz em off, vão emergindo episódios, passagens de sua vida geralmente escolhidos de modo a intensificar o clima de pesar daquelas cenas do primeiro plano. A morte aqui aciona uma biografia que vai sendo construída em tempo real, diferente, portanto, das biografias publicadas em livros ou demorada e cuidadosamente editadas em documentários televisivos ou cinematográficos e que visam um período de permanência maior. Por isso, a narrativa biográfica que aqui emerge é tosca em seu acabamento e, na maioria das vezes, efêmera e acidentada. E, assim, o efeito dramático é potencializado pela cobertura da mídia, que passou a adotar a morte de alguns ricos e famosos, cuidadosamente selecionados, como um prato preferencial. Para isso, já desenvolveu, inclusive, um certo modus operandi e conseguiu trazer a morte para dentro das casas, com direito a closes de velórios, cerimônias fúnebres e desfile de cumprimentos levados por celebridades do mundo artístico e político, que têm a mídia como o seu habitat natural.

Tal como na narrativa cristã da morte e da ressurreição em que o sujeito ingressa no mundo dos mortos para uma nova vida, o morto famoso ingressa no mundo do espetáculo e passa a ter a sua vida editada e reeditada para usufruto e exemplo de quem permaneceu. No universo do biográfico, este tipo de narrativa nos remete ao momento de concepção da biografia, pois a morte, em geral, é o seu momento deflagrador, ou pelo menos sua motivação4 4 Evidentemente, várias personalidades e homens públicos são freqüentemente biografados em vida ou organizam, eles mesmos, suas biografias. Entretanto, cabe ressaltar que a morte é, também nestes casos, deflagradora: a motivação parece ser a de garantir, mesmo post mortem, um certo controle sobre os sentidos da sua trajetória de vida. . Mesmo que um escritor-biógrafo volte àquele morto e à sua vida, os registros dos jornais e da televisão serão apropriados como seu material de registro, a compor a busca do sentido daquela pessoa em especial. Assim, a morte promoveria o renascimento, isto é, constituir-se-ia no momento de (re)construção do sujeito que deixaria o seu corpo biológico para reviver como corpo representado. Deste modo, é especialmente a partir de sua morte que a vida começa a ganhar sentido e o sujeito passa, então, a habitar a memória, o imaginário social5 5 Este procedimento evidencia-se, por exemplo, na designação daquele que morre para ser nome de rua ou qualquer outra obra ou edifício, medida legal do poder executivo adotada após a sua morte, o que pode ser lido como uma deferência pública àquele sujeito que até o fim precisa se notabilizar como tendo uma vida exemplar. . Seu passado e seus projetos mais do que nunca já não lhe pertencem, passando a ser expropriado daquilo que talvez em vida jamais gostasse de ver revelado seus desejos mais íntimos, seus amores, ilusões e pecados como também os direitos autorais de sua imagem passam a ser patrimônio gerenciado por sua família amparada por leis específicas, isto é, o indivíduo imortalizado passa a ser reinventado e reinterpretado. O morto é despido e autopsiado para que sobre o seu corpo comecem a se enunciar reinterpretações, atribuições de sentidos sobre ele e seus comportamentos, idéias e atitudes6 6 Duas curiosidades sobre a morte de personagens públicos: uma que diz respeito às narrativas que são veiculadas post mortem e outra sobre o impacto das mortes no imaginário social. Primeiro, é interessante observar que a mídia busca, na medida do possível, antecipar-se às mortes e mantém um banco de vivos que podem morrer em breve, de pessoas que estão na eminência de falecer por doença, velhice, etc. Em segundo lugar, é curioso observar que existem grupos no mundo inteiro que dizem estabelecer contato com o espírito de ídolos como Tancredo Neves, Senna, Elis Regina, além de outros que garantem que seus ídolos estão vivos e escondidos. Existem até sites na Internet dedicados a testemunhos de pessoas de várias partes do mundo que garantem ter visto, por acaso, em diferentes lugares, personalidades como Diana, John Lenon, Elvis Presley, etc. Para esses últimos, as narrativas da morte são questionadas, deflagram discursos que narram a continuidade do corpo físico, da trajetória de vida no imaginário social. Há também um outro site dedicado a publicar imagens de túmulos de pessoas famosas enterradas em diferentes países, constituído por fotos enviadas por pessoas que os fotografaram. .

Se o morto é um artista que deixou muitas obras, os versos, sons e imagens por ele produzidos são apropriados de modo a se mesclarem com as explicações concebidas sobre sua própria trajetória de vida, explicando-se mutuamente e buscando dar alguma densidade ou poesia ao relato. Assim, a morte do compositor e maestro Antônio Carlos Jobim, em 1994, foi comemorada no encerramento do Jornal Nacional com a edição de várias imagens do Rio de Janeiro, especificamente com um melancólico pôr-do-sol na praia de Ipanema, com uma de suas músicas ao fundo, e finalizada com uma frase de uma de suas composições.

Ao se velar revelam-se os sentidos e significados do passado e do futuro

A partir das narrativas biográficas, veiculadas na mídia na época de suas mortes entre elas as de Lady Diana, do piloto brasileiro Ayrton Senna7 7 Morreu em 1994 aos 34 anos. , do cantor de música popular Leandro, do presidente da Câmara Federal e líder do governo Luís Eduardo Magalhães8 8 Morreu em 1998, aos 43 anos, quando ocupava o segundo mandato como presidente da Câmara Federal. Filho do presidente do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães. , do ministro das comunicações Sérgio Motta9 9 Amigo pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso, morreu em 1998. , dos cantores Renato Russo e Tim Maia e dos integrantes do grupo musical Mamonas Assassinas problematizaremos a natureza deste tipo de material biográfico e sua dinâmica na cultura contemporânea.

Embora as narrativas biográficas tenham sempre um certo grau de intertextualidade, as biografias veiculadas na mídia são resultado de uma produção autoral coletiva, uma vez que são realizadas a partir das contribuições de um conjunto de profissionais como, por exemplo, fotógrafos, repórteres, cinegrafistas, redatores, revisores, chargistas, editores, etc. que obedecem às rotinas e hierarquias próprias de cada mídia, a seus formatos, às regras de noticiabilidade, etc. Isto faz com que cada autor envolvido nesta construção narrativa busque fragmentos noticiosos da vida do sujeito e das cenas de sua morte que servirão para compor um todo narrativo a ser conjugado e finalizado pelo editor. Com este procedimento, pode-se evidenciar a noção de que a biografia construída não passa da reunião de fragmentos a serem dotados de sentido e que elaborarão uma imagem abrangente sobre quem foi aquele sujeito.

Dependendo do impacto que certos falecimentos causam pode-se quebrar a rotina da mídia, produzindo-se a sensação de suspensão do tempo, como se tudo parasse para acompanhar a morte em cena. Na última década, vimos isso acontecer com, dentre outras personalidades, Ayrton Senna, Lady Diana, Leandro, Mamonas Assassinas e Luís Eduardo Magalhães. Suspendeuse a programação das emissoras de tevê e estações de rádio, desmontou-se temporariamente a estrutura das seções das revistas e jornais, editaram-se cadernos ou seções especiais ou extras dedicados ao acontecimento da morte10 10 Esse tipo de situação foi encontrada fartamente no material coletado que reuniu artigos na mídia impressa (especialmente nos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil; revistas como Veja, Isto É e Fatos e Fotos) e televisiva. . Tais recursos editoriais mostram que essas biografias fúnebres não só suspendem o tempo, como fazem voltar o tempo, produzindo um enquadramento da memória, do passado. Se o morto é pessoa muito jovem, dedicam-se a lamentar a interrupção de um projeto, e apontam ao público um campo de possibilidades, seus sentidos e significados futuros não realizados (cf. Velho, 1994). Isto faz emergir algumas pessoas próximas a esses personagens convocadas para revelar ou que se oferecem para reivindicar este(s) projeto(s): no caso de Senna, sua irmã diz estar cumprindo sua vontade ao desenvolver uma série de programas sociais através do Instituto Ayrton Senna (cf. Leite, 1998) ; já a mãe do cantor Cazuza11 11 O primeiro artista a ter sua morte espetacularizada pela mídia por ter morrido de AIDS em 1990. , que vem dirigindo a Fundação Viva Cazuza voltada à assistência aos portadores de AIDS, diz que seu filho e ela, nos últimos anos de sua vida, buscaram fazer um trabalho junto à opinião pública de conscientização e de luta contra o preconceito social que cerca esta doença (cf. Rodrigues, 1997); Antônio Carlos Magalhães12 12 É um dos homens de maior força política do país. diz que vem procurando realizar no Congresso o projeto político de seu filho, Luís Eduardo Magalhães13 13 Fernando Moraes, que vem há dois anos escrevendo a biografia de Antônio Carlos Magalhães, comenta que Luís Eduardo representava para ele a continuidade de um projeto político. Hoje o papel se inverteu: o pai afirma representar as aspirações do filho (cf. Isto É, 1998). , e assim por diante. É como se a trajetória de vida dos mortos, a sua vontade divina, tivesse o poder de legitimar ações futuras de seus herdeiros14 14 Alguns se tornam, inclusive, biografáveis pela proximidade com ídolos durante sua trajetória de vida. Nesse sentido, especialmente os filhos de ídolos herdam a condição de biografáveis dos pais. Atualmente, assistimos um crescente modismo de se acompanhar a trajetória dessas crianças recémnascidas. O caso mais exemplar é o nascimento de Sacha, filha da apresentadora Xuxa, que foi mais exibido e discutido que a privatização da Telebrás (ambos aconteceram no mesmo dia). .

O enunciado da mídia busca atingir emocionalmente o público. São closes e big-closes de caixões, velórios, velas a arder, enterros, missas fúnebres, cenas, choros e depoimentos de parentes, amigos e/ou fãs transtornados. O tom de tragédia, a (re)dramatização do acontecimento, tudo em geral é construído nos mínimos detalhes no sentido de mobilizar o telespectador, o leitor e monopolizar a audiência. Para se fixar o acontecimento na memória, a adesão maciça do público ao acontecimento é fundamental. A cobertura deste acontecimento parece produzir mais impacto e comoção social, à medida que o público, especialmente o das camadas populares, não só se identifica com o personagem célebre (e isso ocorre quase sempre quando essa trajetória de vida está sintonizada com os códigos e valores hegemônicos), mas também quando se produz a clara sensação de que projetos de vida, ações, foram prematuramente interrompidas. Nesses casos, a dimensão trágica parece especialmente exacerbar-se.

O herói nacional de um país católico

A morte de Ayrton Senna repercutiu internacionalmente. Talvez não como a morte de princesa Diana, porque a sua profissão envolvia muitos riscos e ela a morte estivesse sempre no horizonte de possibilidades, mas por se tratar de um ídolo do esporte e, especialmente, porque as causas do acidente na curva Tamburello, no GP de Ímola, mesmo após os inquéritos e julgamentos, nunca foram totalmente esclarecidas, permanecendo o clima de mistério que cria oportunidades para a mídia eventualmente revisitar o episódio. O impacto social de sua morte decorreu não só de ser um campeão de Fórmula 1, mas também porque os episódios que envolveram o acidente foram todos gravados e transmitidos ao vivo, fato que foi significativo para a produção de um clima de comoção geral. A morte de Senna ocorreu praticamente sob as câmeras televisivas durante a transmissão da Fórmula 1 que é, por si só, um espetáculo dominical de confraternização nacional e mediática.

Assim, no Brasil, ganhou dimensões de uma grande tragédia nacional, só comparável ao clima de orfandade dos brasileiros que se criou com a morte de Tancredo Neves15 15 Primeiro presidente civil eleito pelo Congresso Nacional depois de 21 anos de governos militares, não chegou a tomar posse. No mesmo dia em que seria empossado, 15 de março de 1985, é hospitalizado para uma cirurgia e acaba morrendo em 21 de abril. A vigília, durante o período em que está internado, e o seu funeral, realizado em várias capitais do país, provocam grande comoção popular. e Getúlio Vargas16 16 Presidente populista que governou ditatorialmente o país de 1930 a 1945. Eleito para novo mandato em 1951, suicidou-se em 1954, o que provocou grande comoção popular. . Mais de dois milhões de pessoas foram ao seu velório na Assembléia Legislativa de São Paulo e seu enterro, reservado à família e celebridades, foi transmitido ao vivo para o mundo com honrarias de herói nacional.

No mesmo dia, no encerramento de um dos programas de maior popularidade do país o Fantástico, transmitido pela TV Globo todo dedicado à vida do piloto, uma locução em off conclui assim sua biografia:

(...) A morte de Ayrton Senna embargou a voz de 140 milhões de brasileiros, mas a imagem do acidente não vai ser a única lembrança de uma carreira de 10 anos de glórias na Fórmula 1. A imagem que fica é a de um supercampeão. Um herói nacional. O nosso Ayrton Senna! 17 17 Fantástico da TV Globo exibido em 01/05/ 1994.

Senna, portanto, não era apenas considerado um ídolo, trabalhador obstinado, uma excelente pessoa e um gênio das pistas, mas principalmente um herói nacional. Suas biografias são irretocáveis, sempre exemplares e sua morte (seu sacrifício) é narrada, especialmente nos relatos produzidos no Brasil, como uma ação voluntária que visava engrandecer o nome da nação (cf. Anderson, 1989).

É curioso observar como os raros heróis nacionais do país tiveram a tendência a serem simbolicamente cristianizados. Guardando certas similaridades com o que ocorreu com Tiradentes, que teve seu rosto retratado como o de Jesus Cristo por diversos pintores, Senna foi representado em algumas charges como crucificado em seu carro com macacão e capacete e até carregado (crucificado) por uma multidão que formava o mapa do Brasil18 18 O escultor Aleijadinho, outro ícone da arte colonial brasileira, associou o movimento da Inconfidência com as cenas da Via Crucis e os Inconfidentes com os Apóstolos. Mais detalhes sobre Tiradentes cf. José Murilo de Carvalho (1990) e sobre Senna, cf. as charges de Chico publicadas n O Globo na semana que se seguiu a sua morte. .

Num país católico, a própria Igreja Católica, que compete com o crescimento da mídia pentecostal e com as variadas formas de seus participativos cultos, é quem se beneficia dessas cerimônias fúnebres transmitidas pela TV, exibindo todos os seus rituais, as missas de corpo presente e de sétimo dia, pregações, orações, cânticos, bençãos ao pé da sepultura, que reavivam os sentimentos de uma comunidade nacional e católica que, diante da força da presença daquela morte do herói, até se concede o direito de ecumenicamente se irmanar na dor da perda e de purgar diante daquele sacrifício19 19 O sentimento de religiosidade parece colaborar no sentido de construir esse sentimento de coletividade que certas mortes promovem. É o caso de Tancredo Neves, de origem ineira e que morreu no dia de Tiradentes. Sua longa agonia coincidiu com o período da Semana Santa, pautada por missas e cultos. Tudo isso contribuiu para dar mais dramaticidade e impacto social à agonia e morte do presidente. .

Uma morte anunciada

A morte do cantor Leandro, que fazia grande sucesso na época, assim como a de Ayrton Senna foram as de maior impacto sobre o imaginário social durante esta década. Leandro, evidentemente, não é um herói nacional como o primeiro. Então, como explicar o clima de comoção em todo o país?

A longa agonia de quase dois meses nos hospitais depois de descoos berto o seu câncer incurável, a vigília dos fãs, a longa preparação (antecipação) da mídia para o momento apoteótico do funeral, a sua condição de um dos mais conhecidos cantores sertanejos do país, talvez não sejam suficientes para explicar a enorme audiência e interesse que cercou os fatos e episódios publicados sobre a sua trajetória de vida. Atenta a isso, a edição da Veja logo após o falecimento do cantor faz a seguinte avaliação:

Ayrton Senna era o símbolo do brasileiro capaz de fazer sucesso no exterior e num setor altamente competitivo e tecnológico. Leandro (...) encarnava o sujeito pobre que, graças a seu trabalho e talento, consegue chegar ao topo (...). A trajetória de Leandro era uma fábula exemplar de ascensão social (Masson & Mezarobba, 1998).

Na realidade, os jornais abrem grandes seções de cartas aos leitores que se dedicam a comentar não só a morte, o morto, os episódios que a envolveram, como também passam a fazer críticas e elogios à cobertura da mídia, revelando um feedback de uma audiência que abandona seus compromissos corriqueiros para se dedicar, de um modo ou de outro, a carpir o morto diante do aparelho de TV ou das páginas dos jornais com amplas fotos que acabam se registrando na memória como imagens ícones daquele personagem e de sua morte. Passada a comoção, nos dias seguintes à morte de Leandro, questionouse, inclusive, porque o mesmo espaço não fora oferecido a outras personalidades e artistas da música como Tim Maia, falecido também no mesmo ano.

Diferentemente de Tim Maia que teve uma trajetória publicamente conturbada, cheia de brigas com empresários, artistas, com casos de passagens pela polícia por porte de drogas e que, apesar do reconhecido talento musical, terminou a vida com várias dívidas , Leandro simbolizou o brasileiro pobre do interior rural que deu certo, uma espécie de self made man nacional atestando que a ascensão social, ainda que difícil, é possível no Brasil. Mesmo seus casos extraconjugais, com raras exceções no meio jornalístico, não foram explorados na cobertura post mortem. Como nos sugere a edição especial da revista Fatos e Fotos dedicada a ele, a imagem que ficou de Leandro é a do ex-plantador de tomates, cantor, homem romântico, católico, bom pai, marido, irmão e pessoa de vida recatada20 20 Cabe ressaltar que nem sempre a mídia reage assim. Muitas vezes ela explora o lado picante da vida dos biografados. Em geral, os veículos quando assumem este tipo de postura, de estratégia, correm certos riscos. Podem, por um lado, aumentar momentaneamente a sua audiência como, por outro, ser acusados de não respeitar a memória dos mortos. .

Leandro e Leonardo nasceram em Goianápolis, numa pequena cidade situada a 40 quilômetros de Goiânia (...). Seus pais eram modestos agricultores e não tinham muitos recursos para sustentar os 10 filhos. Desde cedo começaram a ajudar os pais nas plantações de tomate A gente morava num barraco e, todos os dias, acordava às quatro horas da manhã e andava 20 quilômetros para ir e voltar do trabalho, conta Leonardo. (...) Ricos e famosos, Leandro e Leonardo souberam aproveitar bem o dinheiro que ganharam. Compraram apartamentos, carros importados e fazendas, para se refugiar entre um show e outro. Em sua fazenda, a 60 quilômetros de Goiânia, Leandro plantou jardins floridos e construiu uma pirâmide iluminada e uma capela, onde fazia suas orações. Católico e muito religioso, dizia que costumava ler a Bíblia todos os dias. (...) Leandro levou 2 anos para construir a casa dos seus sonhos (...) na varanda mandou colocar uma mesa comprida, onde reunia a família e os amigos para animados almoços nos fins de semana (Fatos e Fotos, 1998, p. 2-3).

As redes de televisão que apostaram na cobertura do velório, mesmo em plena Copa do Mundo, não se arrependeram. A Record, única emissora que fez a cobertura completa e ao vivo do velório na Assembléia Legislativa de São Paulo, conseguiu superar a audiência da TV Globo naquele dia. Essa mesma emissora chegou a cogitar a não transmissão do jogo de futebol entre Brasil e Dinamarca. O programa Bom Dia Brasil, da TV Globo, tem ainda, até hoje, como marco a audiência e dimensões alcançadas pelo programa no dia do velório de Leandro (cf. Jardim, 1998).

Cabe ressaltar que o fato de sua morte ter ocorrido em plena Copa do Mundo pode ter ajudado a criar um clima de comoção nacional, um momento de grande cerimônia nacional, talvez a maior delas que, em geral, toma conta do país de quatro em quatro anos.

O dia em que as crianças morreram

Outra morte de grande impacto social nesta década menor porém que a de Senna e a de Leandro foi a do grupo musical Mamonas Assassinas, fenômeno de vendas na MPB. O acidente aéreo que matou todos os integrantes do grupo não apenas chocou pelo fato de estarem no início da carreira e da vida serem muito jovens , mas pelo impacto que essa morte causou aos seus consumidores: crianças entre 3 e 10 anos, na sua grande maioria. Elaborando músicas de humor escrachado, às vezes escatológico, o grupo tornouse, com apenas um CD no mercado, uma importante referência para esse segmento de mercado. Mais do que a cobertura, o que chamou a atenção nesse caso foi a enorme quantidade de artigos (até de jornalistas) e cartas que solicitavam que a mídia fosse discreta nas matérias jornalísticas que cobriram desde o resgate dos corpos nos destroços do avião até o enterro dos artistas. A preocupação generalizada era com o impacto que o acontecimento teria sobre as crianças, isto é, buscava-se poupá-las do sofrimento e até de um clima de comoção que acabou em alguns momentos inevitavelmente se produzindo. A novidade aqui foi de que a mídia tentou impedir que os próprios meios de comunicação de massa, como sempre ocorre nessas ocasiões, explorassem exaustivamente o fato, e mesmo o tom piegas21 21 Até na Internet houve pedidos para que retirassem dos sites dos Mamonas fotos dos ídolos mortos. .

(...) A câmera flagra Gilvan Jr., de 4 anos, cantarolando baixinho um dos sucessos do grupo. A repórter da Rede Globo pergunta: Por que você está com os olhinhos cheios de lágrimas? Gilvan, na inocência, responde: Porque eu chorei... (...) Mas como evitar o pieguismo, com tanto tempo no ar, ao vivo e diante da morte? Nos lugares comuns, ganhou fácil o último adeus, seguido de perto pelo respeito à dor das famílias, sendo que a palavra tristeza entrou na maioria dos relatos (Albuquerque 1998).

Até o comércio ou indústria da morte22 22 É muito comum a indústria cultural lançar produtos imediatamente após a morte de artistas, heróis e personalidades (CDs, livros, exposições, relançamento de biografias, etc.). Há também o significativo comércio de bugigangas e souvenirs vendidos por ambulantes. , tão comum nestas ocasiões, foi bastante criticado. O caso mais exemplar, de personagem coadjuvante e anônimo que ganha visibilidade inesperada, foi o da paranormal e sensitiva Mãe Dinah que, convocada pelas emissoras de tevê para comentar o ocorrido, buscando fazer o seu marketing pessoal, saiu distribuindo premonições negativas para vários artistas23 23 As mortes de grande impacto social fazem emergir figuras que até então se mantinham esquecidas ou em completo anonimato e que passam a ser gratificadas com alguns minutos de fama. .

Para que a interrupção de um projeto de vida seja significativa, é preciso que haja uma forte identificação do público com o morto. E quanto mais identificado com os setores populares da audiência ele for, maior a espetacularidade da cobertura da mídia. A morte de Renato Russo, por exemplo, cantor e compositor da MPB, homossexual assumido e que possuía um público culturalmente mais elitizado, não teve a mesma repercussão24 24 O material biográfico para mobilizar o público não necessariamente deve tratar de uma trajetória de vida heróica, exemplar. Algumas biografias produzem interesse e são sucesso de mercado justamente porque sugerem estilos de vida, isto é, enfatizam alteridades. Entretanto, entre aquelas que se apresentam como capazes de criar um clima de comoção nacional estão as representações que narram trajetórias de vida caracterizadas como exemplares, que retificariam códigos sociais e valores hegemônicos. .

Na morte dos Mamonas Assassinas, a tentativa de interromper as narrativas biográficas está relacionada ao processo de identificação das crianças com a morte do grupo, isto é, como se a trajetória de vida delas também permanecesse em suspenso.

As reformas como homenagem póstuma

O que mais chamou a atenção nas mortes de Luís Eduardo Magalhães e Sérgio Motta um vítima de enfarte fulminante e o outro de uma doença rara e incurável , foi o efeito complementar que tiveram uma sobre a outra, o que amplificou-as no imaginário social, de modo geral. O fato de terem morrido com dois dias de diferença e serem os principais articuladores das reformas objetivadas pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, tornou suas trajetórias de vida uma questão nacional e uma oportunidade para se discutir algumas prioridades do governo. Evidentemente que o destaque dado a Luís Eduardo foi muito maior do que o dispensado a Serjão, como era chamado. O primeiro parece se encaixar mais no modelo de político que o país espera considerado honesto e bom negociador até pelos seus adversários , enquanto que o segundo sempre esteve envolvido em polêmicas importantes do governo Fernando Henrique. Não obstante, o fato de terem sido marcados como figuras controversas que serviram a projetos e a partidos políticos polêmicos, o que sobressaiu nas narrativas post mortem foram as suas boas qualidades pessoais e políticas. No caso de Serjão, por exemplo, a discutível questão da privatização da Telebrás chegou até a ganhar certo alento no período de sua agonia e morte. Outros atores apareceram para, postumamente, homenageá-lo realizando a obra que idealizara mas não realizara em vida.

Apesar do estilo político diferente de ambos, o que foi mais explorado nas narrativas biográficas veiculadas na mídia foi o sentimento de interrupção de um projeto nacional, que pode ser sintetizado no fax-testamento deixado por Sérgio Motta. Ali ele resume suas aspirações para o país:

(...) compatibilizar as tendências mundiais de globalização com o protagonismo nacional e tecnologia de ponta(Camargo, 1998).

Dentre todos os políticos, Fernando Henrique foi, sem dúvida, quem melhor agenciou um sentido prospectivo para essas mortes:

Peço à oposição que não se oponha ao Brasil com mesquinharias. A melhor maneira de homenagear Sérgio Motta e Luís Eduardo é apressar a aprovação das reformas no Congresso (Veja, 1998).

Se o presidente Fernando Henrique cobrou da oposição uma fatura política, o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, obteve o protagonismo da cena com o seu demorado e longuíssimo silêncio diante do caixão do filho Luís Eduardo, cujo projeto pessoal e político se dirigia, como afirmavam quase unanimemente os jornalistas que cobriam o seu funeral, rumo a um provável cargo de presidente da República. A cobertura intensiva da mídia, especialmente das emissoras de televisão (cf. transmissão da TV Globo e do canal noticioso Globo News, transmitido pela televisão por assinatura), que interrompeu horas de sua programação para acompanhar a interminável fila de cumprimentos que lhe eram dedicados, transformou a cena do senador diante de seu filho morto em ícone da morte de Luís Eduardo, que foi apropriada como inauguradora de um destino incerto à nação e ao seu futuro governo.

Lembraram evidentemente que sem o mesmo peso sobre o imaginário social as cenas e o clima que cercaram a morte de Tancredo Neves, que havia fundado a Nova República, paradoxalmente, numa solenidade fúnebre e chorosa.

Biógrafos assassinos?

A morte de Diana, ou Princesa de Gales, foi um fenômeno global da mídia. O seu velório e enterro foram transmitidos para cerca de 60 países e tiveram uma audiência superior a um bilhão de pessoas em todo o mundo, números superiores aos atribuídos a outro momento de sua trajetória de vida: o casamento do século com o príncipe Charles (cf. Canzian, 1997). Sua morte provocou uma comoção que nem de longe foi sentida pela morte de outras duas princesas e celebridades: Grace Kelly (de Mônaco) e Astrid (da Bélgica), falecidas também em acidentes automobilísticos. Diana era uma das pessoas mais fotografadas, biografadas, exibidas, narradas, isto é, visíveis do planeta nas últimas décadas. Sua trajetória trazia ingredientes que foram espetacularizados, transformados em uma espécie de novela veiculada em escala global: casamento de contos de fadas, adultério, depressões, tentativas de suicídio, divórcio, trabalho assistencial por todo o mundo, namorados playboys ou exóticos e, fi nalmente, uma morte trágica. Ingredientes que, certamente, se conjugaram à extrema exposição da família real e, ao final, serviram para, em clima de apoteose, embalarem os sentimentos nacionais comungados pelos britânicos durante sua vigília e funeral transmitido pela maioria das tevês mundiais.

As narrativas biográficas do seu falecimento não só talvez tenham sido as que alcançaram maior espaço na mídia25 25 Só os jornais britânicos, nos últimos seis meses, dedicaram 35% de espaço a temáticas relativas à Diana. Eventos como a Segunda Grande Guerra ocuparam apenas 25% (cf. Folha de S. Paulo, 1997a). , mas provavelmente também foram as que geraram um impacto social global só comparável, talvez, neste século, ao clima de comoção gerado nas duas grandes guerras mundiais, embora as comemorações dos 50 anos do final da Segunda Guerra, em que morreram milhões de pessoas, e da Declaração universal dos direitos do homem em 1998 não tenham acontecido com a mesma pompa e cerimônia.

O número de cartas enviadas aos jornais, as homenagens prestadas por diferentes grupos sociais em todo o mundo, a quantidade de chats e listas de discussões sobre a morte de Diana são impressionantes. No Brasil, milhares de cartas foram veiculadas nos meses que se seguiram à sua morte. Em boa parte delas, uma recorrente associação entre a sensação de perda promovida pela morte de Senna e da princesa.

Assim como eu, a minha família e amigos estão perplexos com a morte de Diana. Pela maneira como ocorreu. Estou com a mesma sensação de perda de quando Senna morreu... um grande vazio...26 26 Cf. as milhares de cartas, como a de Heloísa Firmino, veiculadas, entre outros sites, em www.uol.com.br/forum.

Apesar dos escândalos e de sua recente entrada na vida mundana no final de sua trajetória de vida, Diana, de modo geral, foi beatificada nas narrativas biográficas. A imagem que ficou no imaginário social foi a de uma celebridade que expunha seu lado humano, mãe zelosa, uma mulher em busca de sua felicidade e preocupada com as causas sociais. Por outro lado, aparece também como vítima da voracidade da mídia (inclusive de seus biógrafos, como Andrew Morton que divulgou suas tentativas de suicídio), de um marido adúltero, indiferente, e de uma realeza fria.

Heroínas de contos de fadas sempre se deram bem.Perdem o sapatinho no baile, mas o príncipe as reencontra. Nenhuma tragédia: casam-se e são felizes para sempre. Agora divorciam-se, namoram magnatas e estraçalham-se num túnel urbano. (...) Foi assim com Diana, a princesa do povo, dos olhos grandes. Olhos que queriam ver tudo ao mesmo tempo, tanto o sofrimento como as alegrias (...). Ela dera à casa real inglesa um toque humano. (...) E se expôs como mulher à curiosidade da imprensa sensacionalista. Não ocultou a desilusão amorosa com o príncipe adulterino. E se sentiu no direito de ir buscar, fora do palácio, a paixão (...). Todas as mulheres se identificam com ela. Até na vocação humanitária: assumindo corajosamente o desafio da separação, passou a correr o planeta para consolar os esquecidos de Deus, as crianças mutiladas pelas minas explosivas que prolongam na paz o horror das guerras. Ela nos fazia bem. Era uma dessas criaturas cujo carisma vai além da casta apurada e do refinamento dos gestos. Dos seus movimentos transbordava o desejo de amar e ser amada. E nessa ânsia se assemelhava aos que, do vale, a avistaram no cume, com seu sorriso magoado e deslumbrante. O fim trágico a gravará na nossa lembrança como a Cinderela que perdeu o sapatinho antes de chegar ao baile (Blanco, 1997).

Preocupada com a condição de santa de Diana e, de certa maneira, com o processo de estigmatização da família real, a Rainha Elizabeth deu pompas reais a seu enterro só atribuídas anteriormente à Rainha Vitória , fez um esforço de aproximação com a mídia (chegou a fazer um raro pronunciamento à nação) e com seus súditos (chegando a cumprimentar alguns deles na frente das câmeras no jardim de um dos seus palácios) e chegou a ponderar ao desgastado Charles se não seria melhor para todos se ele abrisse mão da sucessão ao trono em prol de seu filho William.

Além dos efeitos que sua morte teve sobre a monarquia inglesa, o tema que mais suscitou o debate em todo mundo foi a participação dos paparazzi no acidente que a vitimou e sobre o comércio de bisbilhotices de ricos e famosos. Segundo alguns depoimentos, ela teria morrido sob uma chuva de flashes implorando que a deixassem em paz, ou seja, em certo sentido, é como se seus co-biógrafos a tivessem matado. A indignação do público em todo o mundo levou a mídia a fazer uma mea culpa, não divulgando, inclusive, as fotos em que Diana aparecia acidentada e moribunda, embora sites na Internet tenham se dedicado a exibir tais fotos. Um certo constrangimento e culpa da mídia talvez explique a sua quase unânime beatificação, isto é, a pouca exploração dos escândalos que marcaram a sua vida nas narrativas biográficas que foram produzidas após a sua morte. Proporcionalmente, foi pouco discutido o uso que celebridades como Diana fazem da mídia. Em outras palavras, pouco se falou que, na realidade, as celebridades desejam essa exposição mediática e que suas restrições à imprensa invasiva são seletivas, limitando-se à divulgação de aspectos incômodos da sua vida privada.

A escritora Camile Paglia faz a seguinte avaliação: ela foi banida pelos burocratas e pela Casa de Windsor e se virou para a mídia para expor suas opiniões e personalidade. O palco da mídia tornou-se sua via de expressão. (...) ela deixou sair o gênio da garrafa, mas depois ele a devorou e a conduziu para esse desastre (Folha de S. Paulo, 1997b).

Até Hobsbawm, importante historiador inglês, convidado para entrevista, afirma não ter dúvidas de que a mídia conduziu Diana à sua morte. Entretanto, reconhece que pessoas como (...) Diana usam a mídia e podem acabar se tornando vítimas no final (Braga, 1997). O historiador afirma ainda que, ao contrário do que se especula, a morte de Diana não decretou a decadência do papel cultural da família real, mas um momento catártico de renovação, de alterações de estratégias e de papéis junto à sociedade inglesa (cf. Braga, 1997).

Finalmente, a exemplo de outras biografias, a de Diana foi marcada pela idéia de interrupção de um projeto, no caso humanitário e materno, o que foi flagrantemente reforçado pelo depoimento de personalidades e estadistas em todo mundo que, diante do fenômeno instaurado pela mídia, se curvaram a dar declarações e comparecer ao espetacular funeral do século. Sua morte ofuscou em função da proximidade em que ocorreu a de Madre Teresa de Calcutá, Prêmio Nobel da Paz, que se dedicou às causas sociais na Índia. Ela mesmo, Diana, tornou-se, em certo sentido, co-nobelista honorária com a coordenadora da campanha internacional para a proibição de minas terrestres, a norte-americana Jody Williams, em função de ter sido a grande divulgadora do projeto27 27 Chegou-se a se criar também, após a sua morte, um fundo para dar prosseguimento às obras sociais que ela apoiava, o The Diana, Princess of Wales, Memorial Fund. As vendas, por exemplo, do CD em homenagem a Diana intitulado Diana, Princess of Wales Tribute, que vendeu milhões de cópias em todo o mundo, foram revertidas para este fundo. .

Como foi possível constatar neste trabalho, a mídia dispensa tratamentos diferenciados aos mortos que se lhes apresentam. Assim, as minorias (como os gays) são tratadas com reservas, principalmente porque quando tratadas morrem de AIDS, morte ainda tratada como maldita, freqüentemente estigmatizada. Por outro lado, as mulheres famosas que morrem, além de serem mais raras, pois se projetam na esfera pública em menor escala, são espetacularizadas quando são vítimas de tragédias (Diana); drogas (a cantora Elis Regina que morreu em 1982); ou quando foram, em vida, extremamente erotizadas (Marilyn Monroe). Raramente, no entanto, constituem-se em modelos, exemplos, e conseguem se plantar como ícones nacionais. No Brasil, a exceção talvez tenha sido da cantora Carmem Miranda, que morreu relativamente jovem e permanece até hoje como um símbolo de nacionalidade28 28 A pergunta do porquê de as mulheres não terem tido suas mortes tão espetacularizadas levou-nos a indagar quais delas teriam o poder de causar tal impacto. Poucas nos ocorreram, mas certamente seria alguma artista jovem, muito popular da televisão e cujos programas contassem com grande audiência, principalmente entre os setores populares, que constituem a maioria do público televisivo, que fosse conhecida nacionalmente há alguns anos, e capaz de comover pessoas de todas as idades. .

O biografar no mundo contemporâneo

Esta presença do biográfico na mídia demonstra que tal tipo de texto nos ronda a todo momento e está muito além das obras escritas e nomeadas como tal. No cardápio diário da programação, há vários momentos em que somos contemplados com o narrar da história de vida de um sujeito, fascínio satisfeito por programas como Biografias, transmitido pelo canal de tevê por assinatura Fox e outros programas similares do canal People and Arts.

No entanto, o que mais nos é apresentado não é uma trajetória do indivíduo, com começo, meio e fim demarcados, mas alguns episódios de sua vida que vão se revelando como significantes. Roland Barthes conceituou o termo biografema para dar conta deste texto que fica entre o ver e o não ver, que constrói um corpo que se percebe nas suas intermitências, ou ainda, na encenação de um desaparecimento-aparecimento. Um texto que ganha potência nos seus fragmentos, detalhes da ambientação/contexto, que cativa o leitor porque permitiria revelar algo da natureza humana ou de uma época.

(...) o que me vem da vida de Fourier é seu gosto pelos mirlitons (bolinhos parisienses com aromatizantes), sua simpatia tardia pelas lésbicas, sua morte entre os vasos de flores; o que me vem de Loyola não são as peregrinações, as visões, as macerações e as constituições do santo, mas somente os seus belos olhos, sempre um pouco marejados de lágrimas. Porque, se é necessário que, por uma retórica arrevesada, haja no texto, destruidor de todo sujeito, um sujeito para se amar, tal sujeito é disperso, um pouco como as cinzas que se atiram ao vento após a morte (ao tema da urna e da estela, objetos fortes, fechados, instituidores de destino, opor-se-iam os cavacos de lembrança, a erosão que só deixa da vida passada alguns vincos): se eu fosse escritor, já morto, como gostaria que a minha vida se reduzisse, pelos cuidados de um biógrafo amigo e desenvolto, a alguns pormenores, a alguns gostos, a algumas inflexões, digamos: biografemas, cuja distinção e mobilidade poderiam viajar fora de qualquer destino e vir tocar, à maneira dos átomos epicurianos, algum corpo futuro, prometido à mesma dispersão; uma vida furada, em suma, como Proust soube escrever a sua na sua obra, ou então um filme à moda antiga, de que está ausente toda palavra e cuja vaga de imagens (esse flumen orationis em que talvez consista o lado porco da escritura) é entrecortada, à moda de soluços salutares, pelo negro apenas escrito do intertítulo (...) (Barthes, 1990, p. 49-51).

Esta passagem de Barthes nos remete para este lado episódico do biográfico. Seja qual for o seu registro, o texto preservaria sentidos e significados através de algumas breves e fugazes imagens do sujeito, inicialmente selecionadas pelos biógrafos e que, depois, permanecerão como idéias ícones de sua breve existência.

É isso que deixam, em síntese, como legado as biografias analisadas: de Leandro a milhões de telespectadores, é a sua interpretação da música Pense em Mim; de Senna fica a lembrança do gesto de segurar a bandeira brasileira no cockpit de seu carro, a cada vitória na Fórmula 1; de Diana, o seu passo de fuga dos fotógrafos e o seu olhar maternal, por vezes, triste, tendo como fundo a música Candle in the Wind cantada por Elton John.

Epstein trabalha com o sugestivo termo abdução para dar conta desta relação entre o biógrafo e o biografado, uma prática discursiva na qual e pela qual o biógrafo pode manter em seu poder e violar o seu sujeito biografado, ou seja, como se alguém fosse seqüestrado ao se tornar objeto de uma narrativa29 29 O autor comenta a biografia romanceada de Marilyn Monroe, escrita por Norman Maile (cf. Epstein, 1991). .

O termo abdução é bastante instigador para se avaliar, diante dos casos acima expostos, o poder da mídia neste ato de devassar a vida do outro e integrá-la numa corrente a fundar imaginários.

Recebido para publicação em maio/1999

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  • 1
    Este termo está sendo empregado tal como foi definido por Nora (1984).
  • 2
    A mídia apropria-se de narrativas biográficas e constrói enunciados que enquadram uma memória coletiva que tem como referência uma trajetória individual. Para mais informações sobre a noção de enquadramento (cf. Pollak, 1989).
  • 3
    Anderson (1989) ressalta a importância dos romances e dos jornais na atribuição de sentido à realidade social nas sociedades modernas. Não só concordamos com o autor como sugerimos que seja reconhecida também a relevância da produção biográfica para a cultura contemporânea. Este tipo de produção desempenha um papel fundamental na articulação entre a identidade individual e de grupo.
  • 4
    Evidentemente, várias personalidades e homens públicos são freqüentemente biografados em vida ou organizam, eles mesmos, suas biografias. Entretanto, cabe ressaltar que a morte é, também nestes casos, deflagradora: a motivação parece ser a de garantir, mesmo
    post mortem, um certo controle sobre os sentidos da sua trajetória de vida.
  • 5
    Este procedimento evidencia-se, por exemplo, na designação daquele que morre para ser nome de rua ou qualquer outra obra ou edifício, medida legal do poder executivo adotada após a sua morte, o que pode ser lido como uma deferência pública àquele sujeito que até o fim precisa se notabilizar como tendo uma vida exemplar.
  • 6
    Duas curiosidades sobre a morte de personagens públicos: uma que diz respeito às narrativas que são veiculadas
    post mortem e outra sobre o impacto das mortes no imaginário social. Primeiro, é interessante observar que a mídia busca, na medida do possível, antecipar-se às mortes e mantém um banco de vivos que podem morrer em breve, de pessoas que estão na eminência de falecer por doença, velhice, etc. Em segundo lugar, é curioso observar que existem grupos no mundo inteiro que dizem estabelecer contato com o espírito de ídolos como Tancredo Neves, Senna, Elis Regina, além de outros que garantem que seus ídolos estão vivos e escondidos. Existem até
    sites na Internet dedicados a testemunhos de pessoas de várias partes do mundo que garantem ter visto, por acaso, em diferentes lugares, personalidades como Diana, John Lenon, Elvis Presley, etc. Para esses últimos, as narrativas da morte são questionadas, deflagram discursos que narram a continuidade do corpo físico, da trajetória de vida no imaginário social. Há também um outro
    site dedicado a publicar imagens de túmulos de pessoas famosas enterradas em diferentes países, constituído por fotos enviadas por pessoas que os fotografaram.
  • 7
    Morreu em 1994 aos 34 anos.
  • 8
    Morreu em 1998, aos 43 anos, quando ocupava o segundo mandato como presidente da Câmara Federal. Filho do presidente do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães.
  • 9
    Amigo pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso, morreu em 1998.
  • 10
    Esse tipo de situação foi encontrada fartamente no material coletado que reuniu artigos na mídia impressa (especialmente nos jornais
    Folha de S. Paulo e
    Jornal do Brasil; revistas como
    Veja, Isto É e
    Fatos e Fotos) e televisiva.
  • 11
    O primeiro artista a ter sua morte espetacularizada pela mídia por ter morrido de AIDS em 1990.
  • 12
    É um dos homens de maior força política do país.
  • 13
    Fernando Moraes, que vem há dois anos escrevendo a biografia de Antônio Carlos Magalhães, comenta que Luís Eduardo representava para ele a continuidade de um projeto político. Hoje o papel se inverteu: o pai afirma representar as aspirações do filho (cf.
    Isto É, 1998).
  • 14
    Alguns se tornam, inclusive, biografáveis pela proximidade com ídolos durante sua trajetória de vida. Nesse sentido, especialmente os filhos de ídolos herdam a condição de biografáveis dos pais. Atualmente, assistimos um crescente modismo de se acompanhar a trajetória dessas crianças recémnascidas. O caso mais exemplar é o nascimento de Sacha, filha da apresentadora Xuxa, que foi mais exibido e discutido que a privatização da Telebrás (ambos aconteceram no mesmo dia).
  • 15
    Primeiro presidente civil eleito pelo Congresso Nacional depois de 21 anos de governos militares, não chegou a tomar posse. No mesmo dia em que seria empossado, 15 de março de 1985, é hospitalizado para uma cirurgia e acaba morrendo em 21 de abril. A vigília, durante o período em que está internado, e o seu funeral, realizado em várias capitais do país, provocam grande comoção popular.
  • 16
    Presidente populista que governou ditatorialmente o país de 1930 a 1945. Eleito para novo mandato em 1951, suicidou-se em 1954, o que provocou grande comoção popular.
  • 17
    Fantástico da
    TV Globo exibido em 01/05/ 1994.
  • 18
    O escultor Aleijadinho, outro ícone da arte colonial brasileira, associou o movimento da Inconfidência com as cenas da Via Crucis e os Inconfidentes com os Apóstolos. Mais detalhes sobre Tiradentes cf. José Murilo de Carvalho (1990) e sobre Senna, cf. as charges de Chico publicadas n
    O Globo na semana que se seguiu a sua morte.
  • 19
    O sentimento de religiosidade parece colaborar no sentido de construir esse sentimento de coletividade que certas mortes promovem. É o caso de Tancredo Neves, de origem ineira e que morreu no dia de Tiradentes. Sua longa agonia coincidiu com o período da Semana Santa, pautada por missas e cultos. Tudo isso contribuiu para dar mais dramaticidade e impacto social à agonia e morte do presidente.
  • 20
    Cabe ressaltar que nem sempre a mídia reage assim. Muitas vezes ela explora o lado picante da vida dos biografados. Em geral, os veículos quando assumem este tipo de postura, de estratégia, correm certos riscos. Podem, por um lado, aumentar momentaneamente a sua audiência como, por outro, ser acusados de não respeitar a memória dos mortos.
  • 21
    Até na Internet houve pedidos para que retirassem dos
    sites dos Mamonas fotos dos ídolos mortos.
  • 22
    É muito comum a indústria cultural lançar produtos imediatamente após a morte de artistas, heróis e personalidades (CDs, livros, exposições, relançamento de biografias, etc.). Há também o significativo comércio de bugigangas e
    souvenirs vendidos por ambulantes.
  • 23
    As mortes de grande impacto social fazem emergir figuras que até então se mantinham esquecidas ou em completo anonimato e que passam a ser gratificadas com alguns minutos de fama.
  • 24
    O material biográfico para mobilizar o público não necessariamente deve tratar de uma trajetória de vida heróica, exemplar. Algumas biografias produzem interesse e são sucesso de mercado justamente porque sugerem estilos de vida, isto é, enfatizam alteridades. Entretanto, entre aquelas que se apresentam como capazes de criar um clima de comoção nacional estão as representações que narram trajetórias de vida caracterizadas como exemplares, que retificariam códigos sociais e valores hegemônicos.
  • 25
    Só os jornais britânicos, nos últimos seis meses, dedicaram 35% de espaço a temáticas relativas à Diana. Eventos como a Segunda Grande Guerra ocuparam apenas 25% (cf.
    Folha de S. Paulo, 1997a).
  • 26
    Cf. as milhares de cartas, como a de Heloísa Firmino, veiculadas, entre outros
    sites, em
  • 27
    Chegou-se a se criar também, após a sua morte, um fundo para dar prosseguimento às obras sociais que ela apoiava, o
    The Diana, Princess of Wales, Memorial Fund. As vendas, por exemplo, do CD em homenagem a Diana intitulado
    Diana, Princess of Wales Tribute, que vendeu milhões de cópias em todo o mundo, foram revertidas para este fundo.
  • 28
    A pergunta do porquê de as mulheres não terem tido suas mortes tão espetacularizadas levou-nos a indagar quais delas teriam o poder de causar tal impacto. Poucas nos ocorreram, mas certamente seria alguma artista jovem, muito popular da televisão e cujos programas contassem com grande audiência, principalmente entre os setores populares, que constituem a maioria do público televisivo, que fosse conhecida nacionalmente há alguns anos, e capaz de comover pessoas de todas as idades.
  • 29
    O autor comenta a biografia romanceada de Marilyn Monroe, escrita por Norman Maile (cf. Epstein, 1991).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Maio 2000

    Histórico

    • Recebido
      Maio 1999
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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