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Um laboratório das relações de trabalho: o ABC paulista nos anos 90

A laboratory of industrial relations: the Paulista ABC area in the 90's

Resumos

O estudo discute as principais questões presentes na ação sindical na região do ABC paulista, confrontando-as com a experiência nacional. O trabalho se baseia em amplo levantamento dos acordos firmados entre o sindicato dos metalúrgicos do ABC e as empresas automobilísticas na década de 90. A partir dos dados investigados é realizado um balanço das relações de trabalho no período recente e discutidas as perspectivas para o sindicalismo nos próximos anos.

relações de trabalho; sindicalismo; metalúrgicos ABC; anos 90; indústria automobilística


This study discusses the main questions present in union action in the Paulista ABC area in relation to national experience. Based on a large survey of the deals made between the metal workers union and the automobile manufacturers in the 90¹s, this paper makes a balance of the Industrial relations in recent years and discusses the perspectives for unionism in the near future.

Industrial relations; unionism; metal workers; the 90¹s; automobile industry


ARTIGO

Um laboratório das relações de trabalho: o ABC paulista nos anos 90

A laboratory of industrial relations: the Paulista ABC area in the 90's

Iram Jácome Rodrigues

Professor do Departamento de Economia da FEA–USP

RESUMO

O estudo discute as principais questões presentes na ação sindical na região do ABC paulista, confrontando–as com a experiência nacional. O trabalho se baseia em amplo levantamento dos acordos firmados entre o sindicato dos metalúrgicos do ABC e as empresas automobilísticas na década de 90. A partir dos dados investigados é realizado um balanço das relações de trabalho no período recente e discutidas as perspectivas para o sindicalismo nos próximos anos.

Palavras–chave: relações de trabalho, sindicalismo, metalúrgicos ABC, anos 90, indústria automobilística.

ABSTRACT

This study discusses the main questions present in union action in the Paulista ABC area in relation to national experience. Based on a large survey of the deals made between the metal workers union and the automobile manufacturers in the 90¹s, this paper makes a balance of the Industrial relations in recent years and discusses the perspectives for unionism in the near future.

Keywords: Industrial relations; unionism, metal workers, the 90¹s, automobile industry.

Há um processo de mutação do trabalho, da organização da produção e da classe trabalhadora no mundo contemporâneo. Estas tendências, por vezes, são contraditórias. De toda forma, estão ocorrendo transformações significativas relacionadas ao trabalho e ao emprego nestes últimos trinta anos. "A evolução do mercado de trabalho durante o chamado período 'pós–industrial' (1970–90) mostra, ao mesmo tempo, um padrão geral de deslocamento do emprego industrial e dois caminhos diferentes em relação à atividade industrial: o primeiro significa uma rápida diminuição do emprego na indústria aliada a uma grande expansão do emprego em serviços relacionados à produção (em percentual) e em serviços sociais (volumes), enquanto outras atividades de serviços ainda são mantidas como fontes de emprego" (Castells, 2000, p. 237). O autor chama a atenção para o fato de que o processo de reestruturação produtiva nos países centrais em decorrência da "tecnologia da informação e estimulada pela concorrência global, está introduzindo uma transformação fundamental: a individualização do trabalho no processo de trabalho. Estamos testemunhando o reverso da tendência histórica [do assalariamento] do trabalho e socialização da produção que foi a característica predominante da era industrial. A nova organização social e econômica baseada nas tecnologias da informação visa a administração descentralizadora, trabalho individualizante e mercados personalizados e com isso segmenta o trabalho e fragmenta a sociedade (...). O surgimento dos métodos de produção enxuta segue de mãos dadas com as práticas empresariais reinantes de subcontratação, terceirização, estabelecimento de negócios no exterior, consultoria, redução do quadro funcional." Esse processo de flexibilização generalizada estaria nas bases das mudanças do mundo do trabalho. Acompanhando essas tendências, nos países do centro do capitalismo, por exemplo, os tipos de trabalho que mais crescem são temporários e de meio–expediente (cf. Castells, 2000, p. 285–6).

Um dos aspectos que está na raiz dessas transformações das quais é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência, é o chamado processo de globalização ou, se quisermos, de internacionalização da economia. Um exemplo: as empresas transnacionais que eram, tão–somente, 7 mil em 1970 passam, em meados dos anos 90, para aproximadamente 37 mil, com cerca de 150 mil coligadas em todo o mundo. Empregando — à época — 70 milhões de trabalhadores diretos que produziam um terço do total dos bens e serviços do mundo. De outra parte, para 2/3 da força de trabalho mundial, "emprego ainda significa emprego rural nos campos, geralmente, de suas regiões" (Castells, 2000, 256–7).

Atualizando estes dados para os dias de hoje, o autor observa que existe uma globalização da produção de bens e serviços que funciona em torno de "53 mil empresas multinacionais e suas 415 mil empresas auxiliares. Essas redes empregam apenas cerca de 200 milhões de trabalhadores (dos quase 3 bilhões de pessoas que trabalham para viver em todo o planeta), porém tais redes geram 30% do produto bruto global e dois terços do comércio mundial" (Castells, 2002). Esse dado, por si só, já nos dá a dimensão das profundas transformações na produção, nas relações de trabalho e na organização sindical que estamos vivenciando no mundo contemporâneo.

Na realidade, é necessário levar em conta que a questão mais geral do processo de globalização afetou, sobremaneira, o mundo do trabalho, nos últimos anos. Em meados dos anos 70, 2/3 dos trabalhadores viviam em países onde a ligação com os mercados internacionais era muito fraca; no final da década de 90 menos de 10% estavam, em parte, desconectados do mercado mundial (cf. Munck, 1999, p. 8).

No que tange, ainda, às relações de trabalho, Beck observa que os países capitalistas desenvolvidos estariam vivendo um processo de brasilianização. Isto é, as mudanças no mundo do trabalho estariam trazendo, para as pessoas, insegurança e precarização das condições de trabalho. Na Alemanha, por exemplo, tem havido uma diminuição preocupante do trabalho em tempo integral que, de resto, expressa uma tendência nas economias ocidentais desenvolvidas. Nos anos 60, o percentual das pessoas em ocupações consideradas precárias representava apenas 10% do total da mão–de–obra; nos anos 70 esse contingente chegou a 25% e no final dos 90 a 30% (cf. Beck, 2000).

Além do aumento da precarização do emprego, está ocorrendo uma dualização do assalariamento e uma fragmentação do mercado de trabalho. De uma parte, o grupo composto por trabalhadores qualificados, com níveis salariais relativamente altos e com estabilidade e, em geral, sindicalizados, trabalhando nas grandes empresas; de outra, aqueles empregados com pouca qualificação, baixos salários, fraca proteção social e contratos instáveis nas pequenas empresas prestadoras de serviços. Essas práticas que estão se multiplicando nas empresas fazem com que, em uma mesma companhia, por vezes, em uma mesma seção e até na mesma função, existam grupos de trabalhadores que seguem ordens de diferentes empregadores com normas diferenciadas no que diz respeito a salários, jornada de trabalho, entre outros aspectos. Com relação ao conjunto da sociedade, esse processo de precarização pode estar levando ao crescimento da exclusão social (cf. Boltanski & Chiapelo, 1999, p. 308).1 1 Os capítulos IV e V, respectivamente, "La déconstruction du monde du travail" e "L´affaiblissement des défenses du monde du travail", tratam das transformações recentes do mundo do trabalho e seus impactos na instituição sindical.

Esses aspectos têm trazido enormes dificuldades para a ação sindical, tanto nos países centrais quanto nos países da periferia do capitalismo.

Com relação ao tema da crise do sindicalismo nos países de capitalismo maduro, Leôncio M. Rodrigues chama a atenção para o fato de que muitos daqueles elementos que foram fundamentais para o desenvolvimento da ação sindical estariam em declínio na sociedade contemporânea. Por exemplo, concentração de trabalhadores, seja em indústrias e/ou regiões; produção fordista; a questão da homogeneidade das camadas assalariadas; o peso do trabalho assalariado no interior da sociedade; exclusão social e política dos trabalhadores, etc. De outra parte, os principais aspectos da chamada sociedade pós–industrial abririam "pouco espaço para a organização sindical, embora a extensão desse espaço possa ser diferente quando se avaliam sociedades nacionais específicas" (Rodrigues, 1999, p. 301–3).

O autor, no entanto, aponta três possibilidades que poderiam trazer de volta, de forma mais contundente, o sindicalismo. A primeira se relacionaria com grupos de profissionais nos setores de atividades em crescimento no mercado e que sejam sensíveis às demandas sindicais; a segunda possibilidade se relacionaria com a idéia de manutenção em amplos setores da economia das estruturas do passado e, finalmente, se os sindicatos forem capazes de manter posições de força no interior de empresas reestruturadas.

Outros estudiosos vêem esse processo de forma diferente. Por exemplo, Ronald Munck pergunta: se o capitalismo, nestes últimos trinta anos, teve uma capacidade impressionante de se reorganizar, se transformar e/ou mudar, porque o sindicalismo não seria capaz de fazer o mesmo? Em outras palavras, o que impediria o sindicalismo de se reestruturar e, até mesmo, se "reinventar" para poder continuar desempenhando importante papel nas relações entre capital e trabalho nas sociedades democráticas? Esta é, sem dúvida, a questão.

De toda forma, muitos dos aspectos da crise que ronda o mundo sindical nos países centrais chegaram tardiamente a nosso país. A rigor, seus principais elementos só aportaram por aqui nos anos 90. Isso se deve a vários fatores: naqueles países de capitalismo maduro as transformações que começaram a ocorrer no mundo do trabalho datam do final dos anos 60 e início dos 70. Nesse período, do ponto de vista político, vivíamos sob um regime militar ditatorial. Foi uma época em que houve um crescimento importante do parque industrial e, em particular, das empresas de bens duráveis como, por exemplo, as do ramo automobilístico. A região do ABC e, principalmente, o município de São Bernardo do Campo foi o principal território desse setor. Junto com o crescimento das plantas das montadoras ocorreu, em seu entorno, um aumento significativo das empresas fornecedoras de autopeças e, por extensão, um desenvolvimento vigoroso do sindicalismo na região.

Quando se analisa a prática sindical dos metalúrgicos do ABC, observa–se uma mudança no seu padrão de atuação. Ao mesmo tempo em que tem uma ação voltada, primordialmente, para a negociação no interior da empresa, possui uma atividade que ultrapassa, do ponto de vista político e do ponto de vista da política sindical, os muros da produção. Afora outras iniciativas, a participação nas greves de setembro de 99 e de novembro de 2000, em escala nacional, estaria indicando esta dinâmica. De um lado, os acordos por fábricas, realizados nos anos 90, como analisaremos adiante e, de outro, iniciativas como a Câmara Regional do ABC _ com a participação de setores da sociedade civil e do governo, no plano municipal — sete municípios — e estadual, bem como o processo para eleição da diretoria do sindicato dos metalúrgicos do ABC que foi precedido, em maio de 1999, de uma ampla mobilização e organização dos trabalhadores nos locais de trabalho a partir das comissões sindicais de base. Atualmente, esses organismos estão presentes em cerca de 60 empresas na base do sindicato. O que representa um elevado grau de organização no interior das fábricas. Esses aspectos estariam indicando, de forma palpável, as mudanças que estariam ocorrendo nas relações de trabalho na região.

O presente trabalho procura discutir os vários aspectos desse padrão de ação sindical acentuando aqueles temas que nos pareceram mais relevantes para o entendimento da construção de novas relações de trabalho no ABC paulista durante a década de 90.

Sindicalismo no ABC paulista nas décadas de 70 e 80

A região do ABC paulista e, em particular, o município de São Bernardo do Campo possui algumas peculiaridades que a tornam ímpar. Ao mesmo tempo em que há um amplo desenvolvimento industrial e, por essa razão, existe uma grande concentração de trabalhadores nessa região, há, também, um tipo de ação sindical que se diferencia, em muito, das práticas sindicais mais comuns em nosso país. E um dos principais pontos dessa prática que se desenvolveu no ABC paulista, desde os anos 70, se relaciona, de um lado, com a capacidade sindical de dar respostas aos problemas que surgem no cotidiano da produção e, de outro, com sua organização no interior das empresas. "Nos quadros do movimento sindical brasileiro, a luta pela elevação de salários segundo os incrementos de produtividade, pela negociação coletiva sem a mediação do governo, pela organização sindical no interior das unidades fabris, configura uma problemática inédita, que vem sendo incorporada pelos trabalhadores do setor mais moderno do parque industrial brasileiro, a partir dos primeiros anos desta década [1970]. Ela envolve três ordens de questões relacionadas entre si e em torno das quais é possível que se definam novas pautas de ação sindical" (Almeida, 1978, p. 469). Uma primeira questão se relaciona à junção das demandas salariais com reivindicações que dizem respeito às condições de trabalho; a segunda, à tentativa de buscar negociações descentralizadas; e, finalmente, uma preocupação do sindicato mais voltada para o interior da empresa "e mais preocupada em aumentar o controle dos assalariados sobre o processo de trabalho" (Almeida, 1978, p. 469).

Com uma prática amplamente amparada nos temas que surgem no dia–a–dia da produção, esse sindicalismo dava voz àquelas demandas do operariado em seus locais de trabalho. Em uma região de alta concentração industrial, onde a grande maioria dos operários trabalhava nas indústrias automobilísticas do município, cerca de 60% da mão–de–obra estava concentrada nas montadoras aí instaladas, o que será um fator decisivo para a nova forma de atuação trabalhista que está sendo gestada no ABC paulista (cf. Rodrigues, 1997, p. 66).

É importante ressaltar, ainda, que a reorganização do movimento dos trabalhadores e do sindicalismo se deu, no Brasil, concomitantemente à luta pela redemocratização do final dos anos 70 até meados dos 80. Esse fato ajuda a explicar porque, enquanto nos países centrais estava em curso uma crise sem precedentes do mundo do trabalho e da instituição sindical, aqui estivesse ocorrendo um crescimento da ação trabalhista.

Vale dizer, o país assistiu a uma movimentação sem precedentes na esfera das relações capital/trabalho, no período que vai de 1978 a 1989. A sociedade foi tomada de surpresa. De repente, os trabalhadores, que raramente eram mencionados nos jornais da chamada grande imprensa e que quando se faziam presentes apareciam apenas nos cadernos de economia, passam a ocupar as primeiras páginas de todos os periódicos, bem como o noticiário do rádio e da televisão e, com as greves, naquele período, conseguem se colocar — de um momento para outro — no centro das atenções políticas do país inteiro.

No final da década de 70, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo se notabilizou na esfera pública ao defender a liberdade e autonomia sindical; a organização dos empregados nos locais de trabalho; fim do controle do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos; direito de greve; a negociação direta entre patrões e empregados sem a ingerência do Estado, entre outros aspectos. O conjunto dessas ações resultou, paulatinamente, na construção de uma nova forma de atuação no campo das relações trabalhistas que, posteriormente, ficou conhecida como novo sindicalismo.2 2 Muitos autores se dedicaram ao estudo desse movimento e de seus desdobramentos. Entre outros, podemos citar Almeida, 1975; Maroni, 1982; Rainho e Bargas, 1983; Sader, 1988; Rodrigues, 1990; Boito Júnior, 1991; Antunes, 1991; Mangabeira, 1993; Martins, 1994. Para uma crítica da noção de "novo sindicalismo", cf. Santana, 1999.

A passagem de uma luta extremamente defensiva e localizada para uma ação mais ampla, no final dos anos 70 e início dos 80, quando os conflitos começam a eclodir por todos os lados, com grandes greves por categorias, por fábricas, e mesmo greves gerais, significou uma mudança na ação sindical no Brasil. O verdadeiro ponto de inflexão foram as greves por fábrica que, iniciando–se em São Bernardo, em maio de 1978, se estenderam, em seguida, praticamente pelo país inteiro.

Nos anos 90, no entanto, ocorreu uma mudança radical no que diz respeito às demandas do sindicalismo. Em função das transformações na produção, na organização e gestão do trabalho — a chamada reestruturação produtiva —, a agenda sindical se voltou para o interior da empresa, discutindo mais diretamente temas relacionados à problemática do trabalho, sejam vinculados à organização e gestão do trabalho, sejam aquelas questões relacionadas à remuneração variável, como a participação nos lucros e resultados (PLR) ou, ainda, as que dizem respeito à flexibilização da jornada de trabalho como o banco de horas, entre outras.

Além disso, durante a década de 90, à exceção do pequeno período do Governo Itamar Franco, o movimento sindical passou a conviver, de um lado, com uma postura mais intransigente por parte do governo federal e, de outro, com um esforço desmesurado — por parte dos governantes — no sentido de levar às últimas conseqüências o processo de flexibilização das relações de trabalho no país. Estas têm sido, por exemplo, as duas principais características do governo FHC o que, em parte, repete o período Collor no tratamento dado à ação trabalhista. Ao lado desses aspectos, seja em decorrência da política econômica que tem sido implementada, seja pela reestruturação produtiva em curso no interior das empresas, estima–se que na década de 90 foram perdidos mais de 3 milhões de postos de trabalho. Desse total, o período 95–98 contribuiu com o desaparecimento de quase 2 milhões de empregos.

O processo de desregulamentação da economia, abertura comercial, privatizações, etc. trouxe um incremento do mercado informal de trabalho nesta última década. Em outras palavras, o governo FHC, se trouxe a estabilidade da moeda e o fim da inflação, representou um custo social muito grande que se expressa, por exemplo, no amplo contingente de desempregados pelo país afora.

Nesse sentido, na segunda metade dos anos 90 ocorreu um aumento sem precedentes do desemprego no país, agravado por um quadro de aumento das condições de precarização do mercado de trabalho. Nesse período, o governo se relacionou de uma maneira extremamente tensa e, por vezes, difícil com o movimento sindical. O ápice dessa tensão foi durante a greve dos petroleiros no início de 1995.

No entanto, apesar das dificuldades que pairam sobre o mundo do trabalho, o sistema de relações de trabalho brasileiro sofreu algumas transformações. Isso pode ser observado mais claramente onde o sindicalismo está mais enraizado no interior das empresas. É o caso, por exemplo, do setor metalúrgico e em particular das indústrias automobilísticas. E parte dessas mudanças estaria ampliando as possibilidades da negociação direta entre patrões e empregados. Nesse aspecto, a experiência levada a cabo pelos metalúrgicos do ABC paulista é extremamente significativa das novas condições vividas pelo sindicalismo brasileiro.

Alguns aspectos do panorama brasileiro das relações de trabalho no final da década de 90

Em setembro de 1999 e em novembro de 2000, o sindicalismo metalúrgico realizou dois movimentos importantes no cenário nacional. Na parte inicial deste trabalho chamávamos a atenção para o fato de que o sindicalismo durante grande parte da década de 90 esteve voltado, principalmente, para ações mais localizadas: temas como conseqüências da reestruturação produtiva para os trabalhadores, flexibilização da jornada de trabalho — via banco de horas —, a questão da participação nos lucros e resultados (PLR), entre outros, estiveram presentes no cotidiano das relações capital/trabalho nesse período. Afora um ou outro pequeno momento, a atuação dos sindicatos no decênio foi extremamente defensiva.

Há um fato, no entanto, que merece ser ressaltado: a tentativa da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Força Sindical de organizarem, em setembro de 1999, um amplo movimento conjunto tendo como palco as plantas automobilísticas e tendo como principal demanda o Contrato Coletivo Nacional de Trabalho nas montadoras no país. Foram realizadas várias paralisações e mobilizações dos trabalhadores que no estado de São Paulo passaram pelo ABC paulista, Vale do Paraíba, Indaiatuba, Sumaré, assim como por Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Esse movimento foi denominado de "Festival de Greves".

Quais foram as principais características dessa mobilização? Em primeiro lugar, a preocupação com a abrangência nacional, ainda que restrita ao setor metalúrgico e, mais especificamente, à indústria automobilística. O segundo aspecto relevante foi a tentativa de ação conjunta das duas principais centrais sindicais do país: CUT e Força Sindical.

Com essa atividade, começava a se afigurar um novo padrão de ação trabalhista bem diferente daquele que foi hegemônico durante toda a década. De um lado, a idéia de unir esforços, no âmbito das centrais e, de outro, a preocupação com a abrangência das reivindicações. Em outras palavras, menos atitudes isoladas e/ou localizadas, ações regionais, setoriais, etc. e mais atividades que tivessem amplitude nacional. Enfim, o sindicalismo brasileiro começava a sair do casulo?

Dessa forma, o chamado "Festival de Greves" do segundo semestre de 99 funcionou como uma espécie de ensaio geral para a greve de novembro de 2000. No segundo semestre daquele ano os principais indicadores econômicos haviam apresentado sensível melhora: ocorreu um pequeno aumento do emprego formal, uma relativa melhoria na saúde financeira das empresas, retomada do crescimento industrial e, no caso do setor metalúrgico e, em especial, das montadoras de veículos, houve incremento significativo das margens de lucro.

A Tabela 1, bem como as Figuras 1 e 2, a seguir, mostram claramente esse processo com relação à indústria automobilística brasileira. Quando analisamos a produção anual em unidades de 1980 a 1999, o nível de emprego nas plantas automobilísticas e o peso percentual da massa salarial em relação à receita líquida, o que se observa, além do brutal decréscimo da força de trabalho, é o aumento da produção por trabalhador e, mais do que isso, uma queda acentuada da participação dos salários na receita líquida das empresas. Esses dados demonstram amplamente, entre outros aspectos, as possibilidades da demanda dos 10% de aumento de salários e algumas das razões pelas quais a greve foi vitoriosa.



A esse quadro econômico satisfatório poderíamos agregar uma componente política significativa: as eleições municipais de outubro de 2000. Nas grandes cidades e em muitas capitais brasileiras, a oposição venceu. Esse fato trouxe algum alento a certas áreas da sociedade brasileira e, certamente, deu mais ânimo às demandas do movimento sindical.

No dia 7 de novembro 2000, as duas centrais sindicais organizaram uma greve de "advertência" que, segundo seus organizadores, teria conseguido a adesão de aproximadamente 100 mil trabalhadores, perfazendo um total de 312 empresas paralisadas no estado de São Paulo. Nos dias 13 e 14 de novembro, amplo contingente de metalúrgicos, tendo à frente parte importante das companhias automobilísticas, e, em especial, a região do ABC paulista que teve um nível muito alto de adesão ao movimento paralisaram suas atividades no estado de São Paulo. A reivindicação era 10% de aumento. As empresas ofereciam 6,5%. Como não houve acordo, estas recorreram ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, na expectativa que a Justiça do Trabalho, como vinha ocorrendo na década de 90, desse ganho de causa ao setor patronal.

Na base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, por exemplo, que desenvolveu nos últimos anos uma ampla prática de negociação na relação capital/trabalho, desde 1976 não se recorria à Justiça do Trabalho para "resolver" conflitos trabalhistas. Desse ponto de vista, a ação patronal, dando as costas para a negociação direta entre as partes e procurando se escudar no guarda–chuva do Estado, a despeito de todo o discurso liberal, foi um grande retrocesso.

A sentença do TRT que saiu na tarde do dia 16 de novembro, depois de tentativas por parte do Tribunal de uma proposta conciliatória no segundo dia da greve, que não foi aceita pelos metalúrgicos, foi a seguinte: reajuste de 10% nos salários dos metalúrgicos das montadoras cujos sindicatos são filiados tanto à CUT quanto à Força Sindical e dos trabalhadores das empresas de autopeças na região do ABC, filiados à CUT. Além disso, o TRT decidiu que os dias parados não seriam descontados e ainda deu 90 dias de estabilidade no emprego para todos os trabalhadores.

O resultado desse julgamento foi uma surpresa geral: tanto para patrões quanto para empregados. As empresas resolveram recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho. O setor de autopeças conseguiu baixar o índice para 8%, percentual este que havia sido conseguido pelos sindicatos ligados à Força Sindical na capital e em algumas outras cidades do interior. As montadoras também entraram no TST mas, aparentemente, desistiram do recurso.3 3 Esse recurso não foi a julgamento. Logo, a ANFAVEA deve ter desistido de levar adiante esta questão. É importante dizer que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, quando da entrada do recurso no Tribunal, avisou às empresas que, se fosse a julgamento e a decisão fosse desfavorável aos trabalhadores, voltariam à greve. Todas as empresas automobilísticas concederam os 10%. Inclusive empresas fora do estado de São de Paulo, como a Fiat em Minas Gerais e fábricas do setor metal–mecânico do Paraná, entre outras, concederam aumento de 10%. Em outras palavras esse passou a ser um número "mágico" nas negociações coletivas no final de 2000 e que teve repercussões em todo o país.

Entre os metalúrgicos do ABC, cerca de um mês após a greve, além das negociações com as empresas automobilísticas, foram realizados, aproximadamente, 200 acordos por empresa no setor de autopeças contemplando os 10% de aumento salarial. As empresas que negociaram o aumento salarial representavam, até aquele momento, aproximadamente 90% dos trabalhadores metalúrgicos da base desse sindicato. Vale dizer, de fato, independentemente da sentença da Justiça do Trabalho com relação aos setores de autopeças, ou qualquer outro resultado no recurso que as montadoras haviam impetrado, os acordos por fábrica que foram realizados na região sob os auspícios da CUT e do seu principal organismo trabalhista, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, não poderiam voltar atrás.

Assim, como havia uma Lei de Greve, extremamente draconiana, do período do regime militar, que foi superada na prática pelas mobilizações e greves que se iniciaram em São Bernardo em 1978, a ação sindical na região estaria, mais uma vez, apontando o caminho da negociação direta entre empregados e empregadores como a melhor estratégia para dirimir conflitos trabalhistas.

Caberia uma nota adicional no que tange à postura da Força Sindical durante a greve. Depois da chamada greve de "advertência", a central começou a fazer acordos com as empresas de autopeças e outras aceitando os 8% de aumento. O mínimo que se pode dizer dessa atitude é que houve um certo açodamento de sua principal liderança, Paulo Pereira da Silva. Desse ponto de vista, a estratégia da CUT, como parte de uma visão de longo prazo, se mostrou mais correta quando jogou todas as forças na defesa dos 10% de aumento. Nesse sentido, a liderança que se sobressaiu neste movimento foi a do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho. Mostrou firmeza nos momentos importantes da paralisação, negociou à exaustão quando foi necessário e, mais importante, se manteve durante todo o período do movimento sintonizado com seus liderados.

Com as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho nos anos 80 e 90, a ação sindical voltou–se em algumas regiões do país, como já mencionamos anteriormente, para o interior das unidades produtivas. Onde isso aconteceu está emergindo um sindicalismo forte, com os pés no interior da empresa e com uma representatividade muito grande junto aos empregados. Esse é o exemplo do padrão sindical do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que conseguiu, nestes últimos vinte anos, construir uma base importante nas empresas da região. As Figuras 3 e 4, abaixo, que mostram a relação entre número de trabalhadores na base do sindicato do ABC , os sindicalizados e o percentual de sindicalização, chamam a atenção para dois aspectos: o primeiro se refere à diminuição significativa do número de trabalhadores na base sindical como efeito, entre outros aspectos, da reestruturação produtiva da década de 90 nas empresas da região. Já o segundo aspecto dá conta de um importante crescimento do número de trabalhadores sindicalizados nos anos 90 quando comparados com a década de 80, tendo chegado próximo de 80% de sindicalizados em 1998. Esses dados expressam, de forma cabal, a força que esse padrão de ação sindical conseguiu junto aos assalariados em seus locais de trabalho. Nos últimos dois anos ocorreu uma queda no número de sindicalizados. Mesmo assim, quando comparados com a média nacional de sindicalização, estes números são extremamente altos. É importante notar que, mesmo com a diminuição do percentual de sindicalizados no total dos trabalhadores, nas cinco montadoras que fazem parte da base do sindicato dos metalúrgicos do ABC, atualmente, os sindicalizados representam, aproximadamente, 75% dos empregados destas plantas automobilísticas.



Onde esse processo de organização no interior das empresas não ocorreu, a atividade sindical, no limite, ficou mais enfraquecida. É essa dinâmica que explica, por vezes, as tergiversações da Força Sindical quando comparada com a atividade do sindicalismo cutista no ABC paulista.

O que estamos tentando demonstrar é que tanto as greves em setembro de 99 quanto as paralisações ocorridas em novembro de 2000 representaram tentativas do movimento sindical de sair do isolamento em que foi colocado durante os anos 90. Esse é o quadro mais geral de onde emergiram essas mobilizações sindicais nos dois anos precedentes. Mesmo que a questão posta no horizonte mais imediato tenha sido o tema dos salários, essa nova conjuntura sindical estaria expressando, também, um certo cansaço que se faz cada vez mais presente no interior da sociedade brasileira com uma política econômica que não tem conseguido diminuir as desigualdades sociais, nem combater de forma mais efetiva o problema do desemprego.

Assim, é possível que estejamos assistindo a um novo momento nas relações trabalhistas e a um crescimento da ação do sindicalismo brasileiro. Não representa uma volta ao período 70–80 e, aparentemente, é algo diferente do defensivismo dos últimos anos. E esse processo só tem conseguido alguma eficácia onde o sindicalismo está realmente enraizado no interior das empresas. Assim, o exemplo que se sobressai é, novamente, o dos metalúrgicos do ABC paulista.

Os acordos por empresa no ABC paulista nos anos 90

Nesta parte do trabalho, procuraremos analisar um total de 177 acordos que foram realizados entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e as cinco montadoras que estão na sua base de atuação, quais sejam: Volkswagen, Mercedes–Benz, Scania, Toyota e Ford. São, em sua ampla maioria, acordos por empresa. O que mostra, de um lado, um processo de descentralização da negociação coletiva e, de outro, uma ação sindical visível, principalmente nessa região, de negociação direta entre patrões e empregados no chão da fábrica.

Os acordos cobrem uma gama variada de temas, tais como: flexibilização da jornada de trabalho, banco de horas, terceirização, horas extras, salários, produtividade, participação nos lucros e resultados (PLR), saúde e segurança no trabalho, produtividade, organização sindical na empresa, condições de trabalho, organização do trabalho no interior da empresa, enfim, aspectos relacionados à reestruturação produtiva e tantos outros. O período abrangido pelos dados vai de 1993 a 1999.4 4 Durante os anos de 1987 a 1995 as unidades da Ford e da Volkswagen estiveram juntas em razão da fusão, no Brasil, das duas montadoras passando a se chamar Autolatina. Assim, durante um período, os acordos das duas companhias, em São Bernardo, eram feitos pela Autolatina. Para efeito de contagem do número dos acordos, entre 93 e 95, todos aqueles relacionados à Autolatina foram contados tanto para a Ford quanto para a Volkswagen, pois, naquela época, eram uma mesma empresa que, posteriormente, voltam ao padrão anterior, ou seja, duas empresas diferentes. Para uma análise da fusão e desmembramento da Autolatina, ver Blass (2001). Foi feita uma primeira classificação em cinco grandes temas: salários, PLR, jornada de trabalho, condições de trabalho e organização sindical nas montadoras.5 5 Esta é uma pesquisa em andamento que tem encontrado algumas dificuldades para a organização da ampla gama de dados. Esperamos, no entanto, que com o desenvolvimento do estudo, esses problemas sejam sanados. Esses são os acordos escritos. Há uma prática bastante desenvolvida de negociações que são feitas e que não são passadas para o papel. Essa dinâmica ocorre mesmo entre as montadoras no ABC.

Abaixo, temos a Tabela 2 e as Figuras 5, 6 e 7 que dão conta, respectivamente, dos tipos de acordos realizados por montadora; total de acordos realizados nas montadoras; total de acordos em cada montadora e, finalmente, temas dos acordos por montadora.


O que essas negociações entre capital e trabalho no interior das empresas estudadas nos dizem? No caso da Tabela 2, na parte referente à totalização dos dados e que também é apresentada na Figura 5, abaixo, aparecem os 177 acordos realizados no âmbito das empresas estudadas, relativos ao período de 93 a 99. Os temas mais freqüentes foram: participação nos lucros e resultados com 48 acordos feitos, o que equivale a 27% do conjunto da amostra. O tema da jornada de trabalho aparece em seguida, com 46 acordos ou 26% do total. Já a questão salarial surgiu 35 vezes, representando 20% dos acordos realizados. Em seguida vieram, respectivamente, condições de trabalho e organização sindical nas montadoras com 16 e 11%.

Os dados estariam demonstrando a ocorrência, nos anos 90, de uma mudança significativa nas demandas trabalhistas quando comparadas, por exemplo, com as duas décadas anteriores. De um ponto de vista mais geral, observa–se um amplo processo de flexibilização das relações de trabalho entre os metalúrgicos do ABC que, de certa forma, segue uma tendência que tem se generalizado nos últimos anos tanto nacional quanto internacionalmente. Os dois temas mais recorrentes desse processo são a PLR, que representa, nesse setor, um incremento real na renda anual dos empregados dessas empresas e é uma componente variável de seus salários, e a questão da jornada de trabalho que, no caso, está associada, principalmente, à questão do banco de horas, que significa a flexibilização da jornada de trabalho e que tem funcionado, na região, como um contrapeso às demissões, especialmente nas montadoras. A explicação mais plausível para que os temas relacionados às condições de trabalho e à organização sindical tenham sido menos demandados se deve, em primeiro lugar, possivelmente, às características da organização do trabalho nesstas plantas, onde as condições são bem melhores que a média das companhias no país. Em segundo lugar, essas empresas têm uma forte tradição de organização dos trabalhadores em seu interior que vem dos anos 80. Há comissões de fábricas extremamente atuantes nos locais de trabalho, bem como comissões sindicais de base, o que faz com que o sindicato tenha uma ação bastante presente nas questões do cotidiano da produção. Essas são as razões pelas quais temas como condições de trabalho e organização sindical no interior da empresa não tenham se sobressaído tanto quanto jornada, PLR e mesmo salários.

Já no espaço da Tabela 2 referente às cinco montadoras, bem como na Figura 6 , são apresentados os dados referentes aos acordos que se realizaram nas cinco companhias estudadas. Observa–se que a Ford foi aquela que realizou mais acordos (53), seguida pela Volkswagen (38) e Mercedes–Benz (33).

A Figura 7 procura dar conta dos temas dos acordos por montadora. Se, na Volkswagen, as demandas mais relevantes acordadas se referem à jornada, PLR e salários, na Scania e na Toyota, grande parte das negociações ocorreu em torno — pela ordem — da participação dos lucros e resultados, salários e jornada de trabalho. No entanto, o padrão de negociação tanto na Ford quanto na Mercedes–Benz se diferencia bastante do daquelas montadoras. Na Ford os temas da jornada, condições de trabalho e participação nos lucros e resultados estão, praticamente, no mesmo patamar. Na Mercedes–Benz, a questão que foi objeto de mais negociação refere–se às condições de trabalho, seguida da PLR. Aqui há um certo equilíbrio com relação aos outros temas tratados. No caso dessas duas empresas, o diferencial é representado pela ocorrência de uma freqüência muito grande de acordos sobre as condições de trabalho. No que tange à Mercedes–Benz isso se deve à reestruturação negociada — em que pese as idas e vindas desse processo — que teve lugar em meados da década de 90 quando temas como kaizen, trabalho em grupo, manufatura celular, entre outros, foram exaustivamente negociados. Com relação à Ford, também em meados dos anos 90, a sua fábrica em São Bernardo foi completamente reorganizada para dar lugar à produção do seu modelo Fiesta. Esse processo aumentou, em muito, a automação nessa fábrica, a incorporação de um número significativo de robôs, além das mudanças organizacionais na produção. Essas transformações levaram a um conjunto de acordos que tinham por finalidade a negociação das condições de trabalho.

Considerações finais

O chamado novo sindicalismo que teve sua origem em São Bernardo do Campo deixou a atuação extremamente conflitiva e mesmo confrontacionista, do final dos anos 70 e da década de 1980, passando a adotar uma postura que, do ponto de vista da práxis sindical, poderíamos chamar de cooperação conflitiva, onde o principal tema é a negociação, ou seja, a busca de soluções negociadas na relação capital/trabalho. Esse processo se deveria, entre outros, aos seguintes aspectos:6 6 Parte destes argumentos apareceram em Rodrigues, I. J., 1999a. a) com a diminuição do número de postos de trabalho nas empresas da região e da rotatividade da mão–de–obra, estaria surgindo um novo trabalhador, em particular nas montadoras que, diferentemente do operário dos anos 70 e 80, nos anos recentes, tem tido uma atitude mais pragmática, menos ideologizada e mais negociadora na relação com a empresa. De certa forma, esse setor é representado por uma camada de jovens empregados,7 7 Robert Boyer, analisando a crise do modelo fordista, chama a atenção para o fato de que a jovem geração de empregados, com um nível educacional maior, havia adquirido aspirações que não poderiam ser preenchidas com a concepção das relações de emprego do fordismo. (cf. Boyer & Durand, 1997). majoritariamente com cursos profissionalizantes e com maior grau de instrução, se comparados com aqueles trabalhadores que estiveram à frente das lutas trabalhistas do final da década de 1970 e durante os anos 80; b) essa jovem classe trabalhadora, ainda que tenha, também, preocupações mais gerais, possui uma maior dose de "realismo" nas relações cotidianas no interior da empresa; c) as transformações que estariam ocorrendo na agenda do novo sindicalismo são, em parte, ocasionadas pelas mudanças mais amplas que têm se desenvolvido no plano nacional e internacional e, em parte, decorrência de uma nova atitude no interior da classe trabalhadora que, hoje, já não rejeitaria os pressupostos da empresa; d) assim, os acordos que têm sido levados adiante, nos últimos anos, no âmbito do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC funcionariam, por parte do sindicato, como uma tentativa de se adaptar às novas tendências que estão relacionadas com o chamado processo de internacionalização econômica e de reestruturação produtiva, bem como com aqueles aspectos mais subjetivos que representariam os interesses mais imediatos dos empregados; e) a forma de organização do trabalho e da produção no interior das grandes empresas na região, onde são comuns as células de manufatura, trabalho em grupo e múltiplas inovações organizacionais, situam para a empresa e para o empregado um dilema real: para que haja aumento da produtividade, melhoria da qualidade do emprego e, por extensão, capacidade empresarial competitiva tanto no mercado interno quanto externo, é necessário que a companhia tenha a cooperação dos seus empregados para suas metas mais gerais de produção. Isso faz com que, hoje, pelo menos nas grandes empresas e, em especial, nas multinacionais, haja a necessidade de um certo apoio da mão–de–obra para que a atividade produtiva possa fluir sem grandes óbices. Em contrapartida, as relações de trabalho passam a ter mais transparência e os trabalhadores passam a ter condições de uma ação mais efetiva nos locais de produção. Isto é, há um processo de cooperação conflitiva entre capital e trabalho; e f) esse fenômeno estaria influenciando o sindicalismo cutista e, certamente, seria responsável por mudanças significativas no interior da Central Única dos Trabalhadores: a passagem de uma ação sindical mais confrontacionista para uma atividade que visa a negociação como um objetivo primordial. Isso é mais visível na ação sindical das correntes que são majoritárias na CUT.

Essas seriam algumas variáveis responsáveis pelas mudanças ocorridas no chamado novo sindicalismo, levando–o a uma atividade que, atualmente, estaria mais próxima de um realismo defensivo, que contrasta com aquele período heróico nas décadas de 70 e 80. Vale dizer, frente a um processo sem precedentes de mudanças no mundo do trabalho, parece que a saída que esse padrão de ação sindical vislumbra aponta para uma atuação apoiada em uma forte dose de realismo nas negociações e um declínio acentuado da ideologização e politização da prática sindical anterior.

Ao mesmo tempo em que teve e continua tendo uma incidência importante nos temas mais gerais da agenda política, social e econômica do país, esse sindicalismo volta–se cada vez mais para aqueles temas que se relacionam mais concretamente com a organização e a gestão do trabalho no interior da empresa (cf. Rodrigues, 1999b). Esse é, sem dúvida, o sentido mais geral dos acordos que foram negociados na década de 90 entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e as empresas dessa região, em especial as indústrias automobilísticas, situando, dessa forma, esse padrão de ação sindical, nos anos 90, como uma espécie de laboratório das relações de trabalho no Brasil.

A pergunta que poderíamos fazer é se, frente às adversidades vividas pelo sindicalismo contemporâneo, essas práticas podem ter continuidade e até se expandir para o resto do país. É uma questão de difícil resposta. O problema é que um padrão de ação sindical como esse não poderia ficar restrito a uma região. E, de outra parte, as condições em que essa atuação trabalhista se desenvolveu diferem enormemente das de outras partes do país. Aqui seria necessário acrescentar variáveis que são políticas, econômicas e também sociais. De toda forma, a experiência do sindicalismo do ABC desde o final dos anos 70 tem sido o de funcionar, com sua prática, guardadas as proporções, como uma referência para as relações entre capital e trabalho no país. Como observa Ronaldo Munck, citado anteriormente, se o capitalismo teve nestes últimos trinta anos capacidade de se transformar, se reciclar, enfim, de mudar, então o sindicalismo também será capaz de se transformar. Em alguma medida, é esse processo, com todas as dificuldades que lhe são inerentes, que estamos presenciando, quando analisamos o padrão de atuação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Recebido para publicação em março/2002

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  • 1
    Os capítulos IV e V, respectivamente, "La déconstruction du monde du travail" e "L´affaiblissement des défenses du monde du travail", tratam das transformações recentes do mundo do trabalho e seus impactos na instituição sindical.
  • 2
    Muitos autores se dedicaram ao estudo desse movimento e de seus desdobramentos. Entre outros, podemos citar Almeida, 1975; Maroni, 1982; Rainho e Bargas, 1983; Sader, 1988; Rodrigues, 1990; Boito Júnior, 1991; Antunes, 1991; Mangabeira, 1993; Martins, 1994. Para uma crítica da noção de "novo sindicalismo", cf. Santana, 1999.
  • 3
    Esse recurso não foi a julgamento. Logo, a ANFAVEA deve ter desistido de levar adiante esta questão. É importante dizer que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, quando da entrada do recurso no Tribunal, avisou às empresas que, se fosse a julgamento e a decisão fosse desfavorável aos trabalhadores, voltariam à greve.
  • 4
    Durante os anos de 1987 a 1995 as unidades da Ford e da Volkswagen estiveram juntas em razão da fusão, no Brasil, das duas montadoras passando a se chamar Autolatina. Assim, durante um período, os acordos das duas companhias, em São Bernardo, eram feitos pela Autolatina. Para efeito de contagem do número dos acordos, entre 93 e 95, todos aqueles relacionados à Autolatina foram contados tanto para a Ford quanto para a Volkswagen, pois, naquela época, eram uma mesma empresa que, posteriormente, voltam ao padrão anterior, ou seja, duas empresas diferentes. Para uma análise da fusão e desmembramento da Autolatina, ver Blass (2001).
  • 5
    Esta é uma pesquisa em andamento que tem encontrado algumas dificuldades para a organização da ampla gama de dados. Esperamos, no entanto, que com o desenvolvimento do estudo, esses problemas sejam sanados.
  • 6
    Parte destes argumentos apareceram em Rodrigues, I. J., 1999a.
  • 7
    Robert Boyer, analisando a crise do modelo fordista, chama a atenção para o fato de que a jovem geração de empregados, com um nível educacional maior, havia adquirido aspirações que não poderiam ser preenchidas com a concepção das relações de emprego do fordismo. (cf. Boyer & Durand, 1997).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2002

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2002
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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