Acessibilidade / Reportar erro

Entrevista de Pierre Bourdieu com Yvette Delsaut: sobre o espírito da pesquisa

SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA

Entrevista de Pierre Bourdieu com Yvette Delsaut: sobre o espírito da pesquisa

Eu quis que tivéssemos esta conversa porque não queria deixar essa bibliografia sem seu contexto. Pareceu-me que muitos não-ditos ficavam ocultos entre as linhas, que faltavam explicações, ao mesmo tempo, sobre as razões que a fizeram nascer, a evolução que ela conheceu, as implicações que sabemos, o senhor e eu.

Isso me dá a ocasião de dizer o profundo reconhecimento que sinto por esse trabalho. Eu disse com freqüência que a pesquisa francesa e mesmo toda a nossa tradição intelectual nacional sofriam muito com o fato de que algumas atividades, indispensáveis mas tradicionalmente tidas como inferiores (em Les Héritiers [Os herdeiros]1 1 Les Héritiers, les étudiants et la culture, com J. C. Passeron [1964]. citava-se Péguy catalogando Mauss como "cesto de fichas"!), não eram nem bastante desenvolvidas nem bastante reconhecidas e recompensadas. Estou consciente, portanto, de ter muita sorte de que um tal instrumento de trabalho tenha sido produzido, e desejo que o considerem uma obra integral, como elemento de uma tecnologia social específica.

Lembro, primeiro, que essa bibliografia já foi publicada duas vezes antes da presente edição, uma primeira vez em 1984 e uma segunda em 1990. As condições de publicação dessas duas edições anteriores eram completamente artesanais, tratava-se, na prática, de auto-edições2 2 Bibliographie des travaux de Pierre Bourdieu, estabelecida por Y. Delsaut, Paris, Centre de Sociologie Européenne, 1984; publicada em edição alemã em P. Bourdieu, Sozialer 'Raum un Klassen', Leçon sur la leçon [1985]. Atualizada em Bibliographie des travaux de Pierre Bourdieu, 1958-1988, mesmas referências, 1990; publicada em edição inglesa em P. Bourdieu, In other words. Essays toward a reflexive sociology [1990]. . A seguir abandonei essa atualização bibliográfica, que depois de mim foi assegurada por Marie-Christine Rivière. Essa passagem se fez sem palavras, porque eu havia abandonado o trabalho com o senhor; ou seja, entre mim e ela nunca houve um acerto explícito a propósito desse trabalho no qual me vi novamente envolvida, após mais de dez anos de distância. Digo isso porque acho quase milagroso que se tenha podido fundir as duas partes em uma, sem outros problemas a não ser técnicos (porque meus procedimentos de registro, mesmo por computador, eram realmente uma bricolagem comparados ao refinamento de hoje). Sempre é citado Proust, que achava que havia romantismo na simples consulta a um guia ferroviário, como se fosse um paradoxo brincalhão. No mesmo gênero, creio que Marie-Christine Rivière e eu temos em comum o fato de sentir uma satisfação íntima ao ver uma enumeração de títulos encaixarem-se racionalmente. Porque a busca da precisão das referências, que se verificam e tornam a ser verificadas, é um antídoto contra a inquietude de si, no universo muito gerador de ansiedade da produção intelectual, sobretudo quando há sempre muitas subversões, como acontece com o senhor.

Nem sempre lhe facilitei as coisas, porque nem sempre compreendia suas resoluções ou só as compreendia muito tarde.

Sim, e ao mesmo tempo não há como não se envolver nesse trabalho, certamente mais do que seria preciso... Acontece mesmo de sentirmos uma verdadeira emoção estética: lembro-me do fascínio que senti quando vi chegar a tradução italiana L'opinione pubblica non esiste, que me parecia muito mais formidável que L'Opinion publique n'existe pas [A opinião pública não existe]3 3 "L'Opinion publique n'existe pas" [1971]. , eu gostava de repetir o título italiano em voz alta. Há talvez uma doce maluquice em sentir-se bem na gestão minuciosa de uma bibliografia, mas não é porque se trabalha com "fichas" (embora elas não sejam mais materializadas, o sistema permanece o mesmo) que não se teria o direito ao respeito concedido a todos os apaixonados por alguma coisa. Estou convencida, em todo caso, que foi graças a uma relação de semelhança entre as duas autoras que a bibliografia encontrou sua unidade. Restam diferenças infinitesimais entre as duas partes, porque a passagem desse encargo coincidiu com sua passagem de uma editora a outra, da Minuit à Seuil, cada editora tendo suas próprias convenções tipográficas que nós duas seguimos separadamente. Não se julgou útil ir até os menores detalhes na harmonização do trabalho de conjunto.

O que pode afigurar-se como um simples registro positivista (é assim que o tratam, em realidade, os que dele se utilizam sem citar as fontes, ou que reproduzem trechos inteiros, inclusive os erros, para produzir "bibliografias parciais" consagradas a um tema particular) é uma verdadeira criação intelectual, que envolve uma quantidade de escolha que deve ter alguns de seus princípios explicitados, acredito, para que vocês não sejam mal compreendidas.

Sim, certamente, e pelo senhor em primeiro lugar... Porque sempre que uma regra era estabelecida, o senhor reintroduzia os problemas que essa regra havia permitido resolver.

Vocês foram obrigadas a fazer escolhas, seja sozinhas, seja em concordância comigo...

Quando comecei a me ocupar com essa bibliografia, não percebi de imediato que fazia escolhas. Passei a fazê-la para pôr ordem, simplesmente: quando os textos chegavam, eu os registrava. Na época, era algo completamente manual, não se podia fazer malabarismo com as referências, elas se acrescentavam umas às outras; por isso as escolhas, como o senhor disse, eram limitadas. De minha parte, eu fazia tudo cronologicamente. Se havia ainda assim uma regra imperativa, era que os textos, para serem registrados, deviam estar publicados, isto é, conter referências bibliográficas. Quanto ao estrangeiro, as informações me chegavam geralmente por intermédio dos tradutores que trabalhavam com seus textos. É preciso falar desses tradutores, porque, no começo, houve toda uma pequena confraria: atraídos talvez por esse tipo de sociologia, eu achava que todos se assemelhavam um pouco - cada um com suas características nacionais, seu sotaque particular. Penso em Richard Teese, por exemplo, um pioneiro que produziu Bourdieu na Austrália com os primeiríssimos textos sobre a educação. Penso em Richard Nice, Bernd Schwibs, eles traduziram La Distinction4 4 La Distinction. Critique sociale du jugement [1979]. praticamente ao mesmo tempo, um em alemão, o outro em inglês, ajudando-se mutuamente, sem que o soubessem, por meu intermédio; e também em Sergio Miceli e Mihai Gheorghiu. Gheorghiu publicou na Romênia, no tempo de Ceaucescu, traduções que só foram publicadas em inglês, pela Polity Press, bem mais tarde. Quando registrava todos esses trabalhos, muita atenta em fazer respeitar a cronologia, eu achava que estava sendo justa, que punha na frente os mais meritórios e no fim da fila os últimos a chegar, pondo-os em seu devido lugar, sobretudo se eram grandes casas editoriais que haviam tido tempo para calcular os riscos. Na verdade tomei consciência disso muito recentemente, quando vi o trabalho de Marie-Christine Rivière: ela havia tomado um partido inverso, repertoriando primeiro as traduções mais completas, e geralmente as mais tardias, para indicar a seguir a longa série de traduções parciais espalhadas um pouco em toda parte, numa ordem decrescente de importância, em função de sua facilidade de acesso, numa preocupação de eficácia documental. Finalmente decidiu-se unificar as coisas, adotando a ordem cronológica em tudo, de modo que as publicações pioneiras continuam citadas em primeiro lugar.

É verdade que, no começo, os primeiros lançamentos no estrangeiro ocorreram de forma surpreendente, como nos Melbourne Working Papers, ou em obscuras publicações marxistas. Mas, como o critério consistia em tomar apenas os textos publicados, isso excluía muitas coisas. O perigo está também em os leitores não compreenderem o que foi investido nesse trabalho, sobretudo no começo. A bibliografia foi feita, de início, dentro do movimento da pesquisa, por alguém que, participando da pesquisa, nela investia uma visão da pesquisa que me parece justa, mas que temo não seja aquela que a maioria dos leitores adotará em sua leitura.

Sim, é verdade, eu aderia totalmente ao movimento, estava realmente dentro dos textos, e, se catalogava duas vezes o mesmo texto, sob o mesmo título, eu sabia exatamente o que se havia passado entre os dois momentos. Estava contente de fazer isso, como se eu vigiasse a eclosão de alguma coisa, como se fizesse meu trabalho de membro da equipe. No começo, em todo caso, era como uma contribuição a um trabalho coletivo. Eu aderia a tudo aquilo, que parecia não se mexer e se mexia o tempo todo; era preciso fixar as coisas mas como algo provisório, que tornaria a mudar e seria preciso fixar de novo, era realmente assim.

Você me disse um dia, e isso me causou um choque, que eu trabalhava ao acaso, sem direção... De fato, havia uma grande parte de improvisação, e o acaso desempenhava um papel muito importante em minhas escolhas (de objeto, de método, de colaboradores etc.), mas ao mesmo tempo era algo muito "refletido", muito pensado. Poder-se-ia falar de estratégia, no sentido como a entendo, isto é, de condutas que, por terem nascido de um mesmo princípio, podem dar a impressão de serem o produto do cálculo sem que tenham sido de modo algum calculadas, e de terem algo de sistemático sem que decorram de uma intenção de sistematicidade. Acho que eu poderia traçar para mim duas biografias intelectuais completamente diferentes, uma que faria ver todas as minhas escolhas sucessivas como o resultado de um projeto metodicamente orientado, desde a origem, e outra, igualmente verdadeira, que descreveria um encadeamento de acasos, de encontros mais ou menos fortuitos, felizes ou infelizes... Estou certo, em todo caso, que há constâncias, as de um habitus, marcadas sobretudo em recusas, e que a bibliografia registra sob a forma de locais de publicação (que se deveria sempre poder re-situar em relação aos possíveis outros afastados, por exemplo a Minuit em relação à Gallimard), títulos de revistas, nomes de entrevistadores ou de tradutores.

O fato de eu ter estado envolvida é importante para compreender o que aconteceu com essa bibliografia. Eu realmente nunca me coloquei a questão de sua difusão, por exemplo; esse documento permaneceu até hoje no estado de fascículo modesto, sem que jamais se tenha decidido se ele deveria ser considerado uma publicação (e tratado como tal) ou um documento interno. Há uma espécie de anonimato voluntário na realização desse tipo de trabalho, o que não quer dizer que ele seja neutro. É o caso do "historiador original", que está na história mesma que ele conta e que pode, por essa razão, embora sendo muito verídico, omitir o essencial, isto é, que ele faz parte da história. Fui obrigada a refletir sobre isso ao descobrir, em trabalhos a seu respeito, bibliografias parciais cuja realização os autores implicitamente se atribuíam, talvez com toda a ingenuidade (o que mostra bem o desprezo que cerca esse tipo de trabalho de recensão metódica: esquece-se mesmo que há um autor), ou bibliografias tentaculares na Internet, com nomes importunos e pós-modernos, como HyperBourdieu, e construídas segundo uma filosofia que nada tem a ver com a maneira como resolvi fazer a minha. O exemplo de HyperBourdieu (que tomo porque o nome é fácil de reter - tanto pior para eles, não deviam ter-se batizado assim, aliás foi feito para que o retivessem, um nome de marketing, como hipertexto, hiperlink) me fez refletir muito. É um site austríaco, feito por universitários de Linz, sobre seus trabalhos.

Sim, andei vendo. Vi que tinham inclusive um copyright para a bibliografia que fizeram, custei a compreender isso; o que é esse direito de propriedade autoproclamado sobre dados que vêm necessariamente de outras fontes (aliás declaradas, num outro estágio do trabalho deles5 5 I. Mörth e G. Fröhlich, Das symbolische Kapital der Lebensstile. Zur Kultursoziologie der Moderne nach Pierre Bourdieu, Frankfurt/Nova York, Campus Verlag, 1994, pp. 271-311. )?

Será que eles querem proteger seus direitos sobre o trabalho de montagem do site? Não sei como funciona juridicamente, mas ainda assim é um pouco arrogante, ainda mais por eles parecerem pretender uma exclusividade ("We now claim completeness for all works and public statements, which have been published or broadcasted in French, English or German"), deve ser o equivalente de "direitos reservados para todos os países". Além disso, acho esse desdobramento asfixiante quando o percorremos, porque tudo está no mesmo plano, é mais uma barreira do que um auxílio ao conhecimento de sua bibliografia, imagina-se que jamais se conseguirá abarcar tudo. Mas, na segurança que eles demonstram, sinto também - e é mais grave por ser uma doutrina tenaz - toda uma ideologia da distância. Eles são totalmente exteriores ao seu universo, o conhecimento que têm da língua francesa é muito rudimentar (dão algumas amostras ridículas desse francês), isto é, o conhecimento que eles têm do senhor é mediatizado pelas traduções, alemãs e inglesas essencialmente. (Esse aspecto "línguas européias dominantes" é um pouco desagradável em seu princípio, e também quando penso nas traduções italianas, portuguesas, espanholas que existem há tanto tempo...) Com isso, portanto, o que poderia caracterizá-lo como estando situado num campo acadêmico nacional desaparece totalmente. O senhor se torna uma abstração, um espírito. E eles não apenas não parecem colocar-se a questão da própria competência como também, num anexo crítico, condenam em termos muito duros as pessoas que lhe são próximas, que puderam escrever a seu respeito e que são desqualificadas pelo simples fato de serem próximas. Mas será que a completa exterioridade é realmente uma garantia? Será que se deve pensar obrigatoriamente a proximidade em termos de alienação, de dominação, de dependência, de obsequiosidade? É verdade que existe algo de particular na posição de um próximo, mas que me parece ser mais da ordem da transferência. Poder-se-ia falar de uma sensibilidade mútua às particularidades do outro, porque o senhor também é tocado por essa proximidade, não é um processo em sentido único.

Isso é evidente e tenho consciência de ter sido extraordinariamente sustentado, carregado mesmo, especialmente no período de acumulação primitiva do capital, pela espécie de "fusão" ao mesmo tempo intelectual e afetiva que unia todos os membros do grupo6 6 Trata-se aqui do Centro de Sociologia Européia (CSE), fundado por R. Aron em 1959, do qual P. Bourdieu era o secretário geral desde 1962. A partir de 1970, cindiu-se em dois centros de pesquisa distintos; um deles, desde então, passou a ser dirigido pelo próprio P. Bourdieu, conservando o nome de origem acrescentado de uma designação autônoma, Centro de Sociologia da Educação e da Cultura (CSEC). .

Quando eu trabalhava com o senhor, havia verdadeiros laços de projeção entre as pessoas. Lembro uma época, no Centro, éramos todos jovens (o senhor mesmo não tinha muito mais idade que nós, era apenas nosso irmão mais velho), os rapazes tinham todos mais ou menos um pouco do sotaque do sudoeste, como o seu, quando falavam a palavra sociologia; era divertido. Falava-se uma gíria de normalista que vinha diretamente também de sua boca, não se falava de "porcentagem de fracassos nos exames", mas dos que "rodaram" (bités) nos exames... Ficávamos contentes de saber introduzir num texto expressões suas, "e/ou", ou então mutatis mutandis, "tratando-se de", e também "inseparavelmente", eu poderia dizer muitas outras, "romper com", "no princípio de"...

Sim, havia também, nos textos, uma forma característica de introdução, que fazia desfilar sempre os erros anteriores etc. Brincávamos com isso, entre nós... Sim, de fato, era isso mesmo, um coletivo...

Não é suficiente dizer que é um coletivo: um coletivo, certamente, mas com um ponto de atração muito visivelmente instituído. A reciprocidade entre o senhor e nós se dava num outro registro: formávamos um círculo a seu redor, ao mesmo tempo respeitoso e sem cerimônia, que por certo lhe era reconfortante, e o senhor nos propunha um modelo intelectual, encarnado em sua pessoa, e que era igualmente respeitável e sem cerimônia. Não gostávamos que falassem mal do senhor, assim como o senhor não tolerava que criticassem os membros do seu grupo, pode-se dizer que havia realmente uma espécie de solidariedade orgânica. Tinha-se o sentimento de que as iniciativas individuais o comprometiam e comprometiam o grupo, e que era preciso pensar nelas antes de agir. E nos sentíamos mais ou menos feridos se um de nós agisse no mundo profissional exterior sem falar disso antes. Mas não se tratava de um falanstério igualitário. O senhor era muito íntimo conosco, tinha uma maneira particular de brincar verbalmente com as pessoas, mas sempre achei que isso era um modo de tratamento familiar sem nos dizer "tu", o que não é de modo algum a mesma coisa. Aliás, é revelador que o espírito de maio de 1968 não tenha estritamente alterado nada disso: o "tu" não se introduziu entre o senhor e nós, enquanto florescia em toda parte, e não passamos a citar nomeadamente, um por um, a totalidade do pessoal do centro de pesquisa nos cabeçalhos das publicações, tal como se instituiu por algum tempo no mundo intelectual.

É verdade, continuava havendo uma certa distância numa familiaridade muito grande.

Mas essa estrutura, que combinava hierarquia e proximidade, tinha um efeito de estimulação intelectual, tinha-se a impressão de que o inacessível estava a nosso alcance, mesmo se faltavam títulos justificativos. Quanto a mim, em todo caso, foi essa estrutura, essa ilusão mágica que me permitiu ter um ponto de referência a partir do qual eu mesma me estruturei, intelectualmente, entenda-se; até então, eu não tinha nada que me ajudasse simplesmente a enunciar algo de construído, a sustentar um ponto de vista; não que eu tivesse medo de falar: é que tudo permanecia mal formulado, mesmo para mim, as queixas como as satisfações, eu diria que não sabia pensá-las distintamente. Foi realmente o Centro que me tirou desse pequeno pântano intelectual.

Estou impressionado que você diga coisas assim...

Falávamos há pouco da legitimidade que parece naturalmente associar-se à exterioridade do ponto de vista: mas aqueles de seus amigos que publicaram análises sobre seus trabalhos são eles próprios muitas vezes contaminados por esse estereótipo. Como se explica que escrevam sempre de forma tão categórica, como se falassem do exterior, sem tirar argumento da proximidade com o senhor?

Eles fazem como se escrevessem um livro sobre um filósofo clássico; não por desonestidade, mas por um viés profissional. Há também uma recusa da complacência psicológica em falar de si, que é uma tradição interna de nosso grupo: não se derramar. O que é um modo de respeitar-se e de respeitar.

Isso é mais particularmente um modelo seu. E assim eles ficam numa situação complicada: ou conformam-se à imagem que o senhor tem da atividade intelectual (não se derramar etc.) e não tiram nenhuma vantagem da situação, ao mesmo tempo que se expõem à crítica, ou então infringem princípios que são seus, do senhor que está no núcleo do trabalho deles. É uma posição difícil de sustentar.

Não há motivo para aprovar ou para desaprovar. Em realidade, trata-se de um estilo, de uma maneira de ser, de comportar-se, que é sem dúvida a minha, mas que nunca precisei impor porque ela nos era mais ou menos comum, e é certamente o que nos havia aproximado (penso nas afinidades de habitus).

Volto outra vez ao caso dos austríacos do HyperBourdieu: o que também me impressionou no trabalho deles é que façam sistematicamente a caça aos inéditos. Parece-me que há uma contradição entre o fato de ocupar uma posição exterior, e dela se prevalecer, e ao mesmo tempo buscar o inédito para aproximar-se do senhor como que por trás, para surpreendê-lo num exercício não controlado. Eles fazem chamadas para recuperar, por exemplo, um velho texto que o senhor teria escrito sobre o Tour de France [torneio ciclístico anual] nos anos de 1960...

De fato, escrevi um texto sobre o Tour, uma pequena peça literária sem pretensões sociológicas, eu não era nem um pouco sociólogo naquela época...

Melhor ainda, do Bourdieu antes de tornar-se sociólogo!

Foi a pedido do meu amigo Michel Benamou7 7 M. Benamou, Le Moulin à paroles: méthode avancée de conversation et de composition, Nova York, Blaisdell, 1963. , que preparava um manual de francês para estudantes americanos. Eis aí uma tarefa para nossos amigos do hipertexto!

Mas eles já sabem, têm a referência, apenas pedem que se confirme ou não, o que significa que tiveram a referência de ouvir dizer, não sei como. Mas eles remontam ainda mais em seu itinerário intelectual, citam um certo "projeto de tese" (de 1956), como se fosse uma obra de sua primeira juventude, o primeiro texto do jovem Bourdieu; ao situá-lo no Liceu de Moulins, não se compreende o que esse documento universitário estaria fazendo lá, a menos que o senhor o tenha esquecido quando deu aulas de filosofia nesse liceu; eles acrescentam que é um manuscrito...

Mas isso não tem interesse, não vejo de onde eles podem ter obtido essa informação8 8 Esse projeto de tese, sobre "Les structures temporelles de la vie affective" (inscrita sob a direção de G. Ganguilem), não teve continuidade. .

Eles citam também, remontando ainda mais acima, sua tese [DES, Diploma de Estudos Superiores] sobre as Animadversiones...

Mas ela não está disponível em parte alguma, existe somente um exemplar e está em minha casa. É uma tradução prefaciada, anotada e comentada das Animadversiones de Leibniz; fiz com Gouhier, que me disse para publicá-la, mas hesitei e acabou não saindo9 9 As Animadversiones foram traduzidas e publicadas novamente pela Vrin, em 1982 (cf. G. W. Leibniz, Animadversiones in partem generalem Principiorum cartesianorum): seria interessante comparar as duas traduções. .

O mito do inédito repousa na idéia de que no mais íntimo do autor há um núcleo, sobre o qual vêm se sobrepor estratos sociais, dispositivos para enganar os outros, para instalar sua pessoa, e de que no menos controlado estaria o mais autêntico.

Sim, haveria o realmente verdadeiro, o puro, e por cima disso todo um trabalho de vestimenta social, de retórica...

De defesa contra os adversários...

Que esconderia a pureza da mensagem original, que se espera redescobrir. Não é uma idéia completamente falsa, porque é verdade que as censuras... Por exemplo, pode suceder-me de dizer com clareza, oralmente, coisas que o trabalho da escrita irá confundir, mascarar.

O senhor parece pensar que o "espontâneo" seria mais franco do que o "trabalhado": geralmente ele é mais simplista. Acontece mesmo de o oral simular o espontâneo para permitir-se uma fórmula-choque que de outro modo não passaria porque seria uma abreviação muito sumária.

Sim, é todo o problema da passagem difícil da transcrição do oral para o escrito. Em realidade, o que receio sobretudo é que as pessoas que vierem a se interessar por essa bibliografia a vejam por meio de uma idéia preconcebida e inconsciente da pesquisa. A lógica arrevesada - não há outra palavra - da pesquisa, tal como a concebo, é feita de uma longa série de retomadas... Essa palavra me ocorre porque acabo de ler um romance de Robbe-Grillet com esse título [Reprise]... Para mim, "retomada" não é algo que faz pensar em Kierkegaard, mas num trabalho de costureira. Meu trabalho é uma eterna retomada, uma retomada sem fim. Há algo de enganador nos textos acabados, definitivos, ou mesmo "hiperacabados", se posso dizer, como La Reproduction (falo da primeira parte)10 10 La Reproduction, Éléments pour une théorie du système d'enseigne- ment, com J. C. Passeron [1970]. , em que tudo é feito para que desapareçam todos os vestígios da hesitação, do arrependimento, da rasura, em suma, do rascunho. Na verdade, até os anos de 1980 considerei a maior parte de minhas publicações _ os artigos, é claro, mas também os livros - rascunhos, um pouco como as mimeografias que circulavam no Centro (penso na que fiz com "O sentimento da honra na sociedade cabila" e "A casa cabila ou o mundo invertido", que circulou por muito tempo antes de tornar-se a primeira parte do Esquisse [Esboço de uma teoria da prática]11 11 Esquisse d'une théorie de la pratique, précédé de trois études d'éthnologie kabyle [1972]. ). Aquilo me dava uma grande liberdade. Eu sabia que recomeçaria, de maneira melhor, mais definitiva, em outro artigo ou em outro livro. (Portanto, eu hesitava menos em publicar sem esperar.) Várias vezes exigi dos editores que prometessem deixar-me corrigir meu livro por ocasião da segunda edição. É o caso de L'Amour de l'art [O amor pela arte]12 12 L'Amour de l'art, les musées d'art et leur public, com A. Darbel e D. Schnapper [1966]. A segunda edição, aumentada, apareceu três anos após a primeira e intitulou-se L'Amour de l'art, les musées d'art européens et leur public [1969]. , que praticamente reescrevi na segunda edição, ou de L'Esquisse d'une théorie de la pratique que, como diz o título, era apenas um esboço, que devia ser retirado de venda - estava previsto no contrato com a Droz - quando aparecesse o livro "definitivo", Le Sens pratique [O sentido prático]13 13 Le Sens pratique [1980]. . Durante muito tempo me indispus com Jérôme Lindon por não ter concordado em publicar em francês a edição corrigida e aumentada de Un art moyen [Uma arte média], que não obstante preparei para a tradução inglesa ou italiana e que passou a fazer parte de meus documentos14 14 Un art moyen, essai sur les usages sociaux de la photographie, com L. Boltanski, R. Castel, J.-C. Chamboredon [1965]. Uma segunda edição, revista, foi no entanto publicada pela Minuit em 1970, sem as modificações introduzidas ulteriormente. A edição italiana apareceu em 1972, a inglesa em 1990. .

É compreensível que um editor possa ter um ponto de vista diferente...

Sim, mas para mim é capital. Estou sempre voltando aos textos, tudo é revisto, linha a linha, mudo uma palavra aqui, uma palavra ali... Por exemplo, alguém observou que, num certo momento, onde eu dizia "sistema", passei a dizer "campo" por ocasião de uma reedição ou de uma republicação...

Foi certamente um de seus tradutores, eu reconheço o reflexo!

Sim, mas é interessante. Eu não estava disposto a fazer uma grande exibição autocrítica, não é do meu feitio, tenho horror do grande estilo marxista-normalista: besteiras enormes são ditas e tira-se proveito delas, depois recolhem-se os lucros que há em corrigi-las numa tonitruante autocrítica. Eu sempre disse que não queria fazer isso. Mas, por outro lado, não quero deixar circular um texto que sei imperfeito, nesse ou naquele ponto. Corrijo sem dizer nada. Mas, em realidade, substituir "sistema" por "campo" é uma mudança de teoria. Só que essas mudanças se fazem aos poucos, passo a passo, por correções sucessivas que são, na verdade, rupturas.

Sei o que lhe colocou um problema na constituição dessa bibliografia, é o fato de se ter catalogado cuidadosamente todas as republicações.

Sim, por que conservar a primeira publicação?

Mas há um interesse em mostrar as condições nas quais um texto nasceu, em que momento de seu itinerário...

Sim, talvez. Mas por que os textos são catalogados em seu primeiro lançamento, quando eles foram republicados de uma forma mais acabada, portanto mais ou menos profundamente transformada? Qual o interesse?

Quando uma intervenção oral é publicada mais tarde, com a origem do texto são dadas informações sobre o lugar, as circunstâncias...

Certamente você tem razão, quando se age de boa-fé. Mas pode-se também fazer uso disso para dizer: sim, ele repete sempre a mesma coisa... Esse é o problema-chave, para mim pelo menos, dessa bibliografia: se for vista por gente de boa-fé, que sabe o que é a pesquisa, tudo bem.

Creio que é exatamente por razões dessa ordem, uma atenção um pouco inquieta ao que vão dizer no momento da recepção (será que isso não é também uma confissão de fraqueza?), que no começo desse trabalho eu não assinalava as republicações. Aliás é o que eu digo com todas as letras na advertência preliminar da primeiríssima edição, e que foi reproduzido a seguir tal e qual, inclusive na presente edição: digo que as republicações intencionais não estão registradas, "mesmo quando foram a ocasião de modificações, às vezes muito importantes, que a constância do título se arrisca a encobrir". Perguntei-me se não era preciso suprimir agora essa frase, pois ela não é mais verdadeira. Mas acabei deixando, porque ela faz parte da história desse documento, ela é datada (ainda que, na data aqui indicada, já fosse obsoleta, ela remonta à primeiríssima edição, de 1984). Desse modo se percebe, primeiro, que nunca se faz uma bibliografia mecanicamente, isso não é possível (basta ver todas as estipulações consignadas na advertência, que aliás serviu de guia durante o trabalho), e, a seguir, que ela tem uma vida própria. Veja que no começo eu fazia o inverso do que o senhor parece hoje preconizar: eu conservava unicamente a primeira menção e deixava de lado as republicações, para evitar o efeito da repetição. Mas havia também uma justificação que aparece em retrospecto: a primeira menção não tinha ainda claramente o estatuto de antecedente, muito pouco tempo havia transcorrido entre a primeira publicação e as seguintes, não se podia ainda distingui-la como uma etapa em relação a uma fase ulterior, como um rascunho em relação a algo mais elaborado. Eu dava prioridade à data mais antiga porque me parecia de fato que, justamente, ela marcava data. Introduzi as republicações mais tarde, retrospectivamente, quando vi que, omitindo-as, eu punha de lado uma informação importante sobre a lógica do trabalho.

Na verdade, a principal virtude da lógica do "rascunho" é evitar o efeito de fechamento que certos textos muito trabalhados podem produzir. O trabalho faz desaparecer os vestígios do trabalho, em proveito do definitivo, do acabado (os pintores pretensiosos sacrificaram com freqüência seus mais belos esboços a seu gosto professoral do acabado...). A revista Actes de la Recherche foi também concebida dentro da lógica do rascunho e ela serviu de tubo de ensaio à maioria dos textos que resultaram em meus livros15 15 Actes de la Recherche en Sciences Sociales veio à luz em janeiro de 1975. Seu número inaugural comportava um manifesto, reivindicando explicitamente o direito de publicar textos não definitivos. . (É verdade que a revista não permaneceu estritamente fiel, ao longo dos anos, a seu projeto de origem, às vezes ela cedeu à pressão do meio...) Em suma, penso que uma leitura de boa-fé pode ensinar muito sobre a série dos textos sucessivos. Tenho um bom exemplo: escrevi três artigos sobre o Béarn [província do sudoeste da França], um primeiro em 1961-1962, "Celibato e condição camponesa"16 16 "Célibat et condition paysanne", Études Rurales [1962]. , um segundo na revista Annales, "Estratégias matrimoniais"17 17 "Les stratégies matrimoniales dans le système de reproduction", Annales [1972]. , e um terceiro pouco depois, que se chamava "Reprodução interdita"18 18 "Reproduction interdite", Études Rurales [1989]. . Entre os três, há em realidade uma enorme mudança. É um pouco como se eu tivesse abordado três vezes o mesmo tema de concurso: "Explique por que os primogênitos, numa tradição de direito de primogenitura, se vêem surpreendentemente atingidos pelo celibato". Na verdade, respondo três vezes à mesma questão, de maneira sempre um pouco mais sistemática, mais verdadeira, graças a um novo trabalho sobre os dados, as estatísticas... Nesse caso, percebe-se bem que se trata de três artigos diferentes. Noutros casos, sobretudo quando o título é o mesmo, a bibliografia pode fazer pensar que é o mesmo artigo citado três vezes, e dar armas às pessoas malévolas, principalmente quando a primeira edição foi assinada com mais alguém.

Esse é um problema que eu ia colocar. O fato de haver um co-autor é uma situação que com freqüência levou a dificuldades relacionais. O co-autor pensa que tem um texto indiviso com o senhor, e ele descobre que o texto tem vida própria. Daí também as frustrações, que são compreensíveis...

Sim e não. Porque, quase sempre, eu avisava que ia reutilizá-lo, isso estava acertado. (Às vezes até sem dizer, quando era o caso - como nas pesquisas sobre as grandes escolas, que mobilizaram muita gente - de uma situação de aprendizagem por ocasião de um primeiro trabalho.) A assinatura de um primeiro estado de um trabalho era um modo de reconhecer uma certa participação num certo estado de um trabalho coletivo. As retomadas dos artigos em livros não são simplesmente patchworks. Na maioria das vezes, foram trabalhos planejados que fiz por etapas. (É uma das maneiras de resolver a alternativa artigo ou livro, um problema para muitos pesquisadores: uma série de artigos ordenados de antemão compõe, por um trabalho que não é simples emenda, um verdadeiro livro. Esse é um conselho que dou seguidamente aos jovens pesquisadores: é preciso produzir peças, mas peças pensadas como elementos de um conjunto.) É o caso de La Noblesse d'État [A nobreza de Estado]19 19 La Noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps [1989]. . Por esse procedimento chega-se a fazer construções de uma coerência e de uma complexidade impossíveis de alcançar pela simples redação sucessiva segundo um plano linear. Consegue-se totalizar totalidades parciais já realizadas e publicadas (o que permite também contar com os benefícios da objetivação e das reações provocadas). Essa meta-construção muda completamente o sentido e a função dos elementos utilizados, os quais, além disso, são profundamente transformados no detalhe de seu conteúdo. Nas notas, costumo pôr "versão reelaborada", "versão modificada", "versão revista e corrigida"; às vezes mudo o título. Mas receio que essas indicações escapem muitas vezes ao leitor, e que possam pensar que conto sempre a mesma coisa!

O senhor chegou a fazer também compilações. Retrospectivamente vemos as coisas se ordenarem. Em Questions de sociologie20 20 Questions de sociologie [1980]. , por exemplo, penso que imaginou essa compilação com um objetivo claramente pedagógico.

Sim, é o caso oposto de La Noblesse d'État, que era um livro planejado, organizado segundo um grande plano de conjunto (que sintetizava tudo o que eu havia feito desde os anos de 1970, no que se refere à educação). Um exemplo ainda mais significativo que Questions de sociologie é Langage et pouvoir symbolique [Linguagem e poder simbólico] (dever-se-ia dizer Language and Symbolic Power21 21 Langage et pouvoir symbolique [2001] é uma edição francesa, revista e aumentada, de Language and Symbolic Power [1991], que por sua vez era uma coletânea de textos traduzidos de Ce que parler veut dire [1982]. Assim, três edições sucessivas (de dez em dez anos) apresentam textos sobre o mesmo tema da linguagem. ): nesse caso, trata-se realmente de uma compilação - foi meu editor inglês, John Thompson, que a propôs. Ele havia traçado um plano geral e acrescentei alguns textos, tornei a acrescentar outros na última edição, e agora me digo ainda: que pena!, eu deveria ter posto isso e aquilo. Se puder, na próxima edição, vou ainda acrescentar dois ou três artigos. E, não obstante, esse é um livro, em minha opinião, muito coerente, certamente porque reúne textos que foram pensados no mesmo momento e dentro da mesma lógica.

Paradoxalmente, pode-se dizer que todas essas mudanças - de título, em particular - não facilitam a identificação das mudanças... E, quando o senhor põe um novo título que afinal não é muito diferente, as pessoas se perguntam: por que será que ele mudou o título? Além disso, pode-se ter a impressão do déjà vu.

Sim, eu sei. Outra coisa que me irrita é que, por exemplo, escrevi dois artigos sobre a linguagem, que apareceram na revista... não lembro mais... uma revista de lingüistas...

Decididamente, o senhor, tão preciso nas suas indicações bibliográficas!... Ainda bem que estamos aí!

É verdade, é verdade. Enfim, peguei esses dois artigos para fazer deles um livro. Comecei em junho, acabei em setembro. Trabalhei muito: acrescentei muito e reduzi outro tanto, a coisa se tornava mais e mais cerrada, mais densa, mais elíptica, mas também mais e mais coerente... Se me dizem: mas é o mesmo artigo, isso me deixa furioso. Evidentemente, para um leitor apressado, é sempre igual: "ele mostra que a linguagem depende das condições sociais da recepção". Mas, se perceberem a articulação da demonstração, é o dia e a noite. Se for retida apenas a conclusão, sem levar em conta a maneira de atingi-la, isto é, a lógica da demonstração, não se vê a diferença entre um discurso científico e uma profissão de fé qualquer, a qual pode chegar, por preconceito ou acaso, à mesma conclusão. Para quem se atém às linhas gerais, às "grandes idéias", ou seja, àquilo que o leitor apressado retém de uma obra complexa, não há nenhuma diferença entre Les Héritiers e La Noblesse d'État, quando em realidade La Noblesse d'État representa vinte anos de pesquisas e sobretudo um progresso imenso, uma mudança de "nível" inusitada, mas que só pode ser vista como tal por pessoas muito atentas e muito competentes, e que poderiam de certo modo tê-la efetuado. Não há muitas assim...

Habitualmente, o senhor mesmo indica em nota, nos seus livros, onde foram publicados anteriormente os textos que retomou. Mas, em Les Règles de l'art [As regras da arte]22 22 Les Règles de l'art [1992]. e Méditations pascaliennes [Meditações pascalianas]23 23 Méditations pascaliennes [1997]. , o senhor não o fez. Houve um certo embaraço para tratar essa "omissão": ela devia ser respeitada ou não? Era intencional de sua parte ou não? Em suma, teria ela um sentido particular? Num primeiro momento, pareceu-nos que sim, de modo que, em nossa bibliografia, o conteúdo desses dois livros não é dado em detalhe, para levar em conta sua suposta intenção (aliás, o senhor mesmo acaba de dar uma justificação plausível para isso). Mas não estou mais tão certa de nossa interpretação: é possível também que, para o senhor, a correspondência entre o livro e os artigos anteriores (na revista Actes, sobretudo) seja tão evidente que nem pense mais em assinalá-la. Ainda mais que, no caso dos artigos da Actes, o senhor não está constrangido pelo protocolo de cortesia que quer que sejam citados os locais de publicação anteriores, relativamente aos novos editores, uma vez que o senhor mesmo é o mestre-de-obras da Actes e concebeu essa revista precisamente para receber textos de percurso: talvez não se sinta no dever de ter que precisar isso em toda ocasião.

Sabe que é verdade? Agora que você me diz é que me dou conta de que esqueci de indicar... Mas há uma coisa que tenho vontade de lhe dizer aqui - sei que é uma confissão perigosa... -, é que há muito tenho, a propósito de minha obra, dois, talvez três fantasmas... O primeiro é fazer um livro infinito, segundo o modelo que Queneau inventou, "Os mil" ou "Os cem mil milhões de poemas" (ele escreveu sonetos, recortou-os em tiras, de tal maneira que cada verso pudesse ser combinado com todos os outros24 24 R. Queneau, Cent mille milliards de poèmes, 1961. A obra compõe-se de dez sonetos, cujos versos são de fato intercambiáveis. ), ou ainda um livro total, que contivesse a totalidade do que eu disse ou que tenho a dizer. Muitas vezes me aborreço ao escrever, porque me digo: aqui eu teria que tornar a dizer (ou tornar a demonstrar) algo que já disse em outro livro. Eu teria necessidade, em cada um de meus livros, de todos os meus livros. Isso não é esnobismo. As pessoas costumam me dizer: mas por que faz referência a você mesmo? Elas acham que é complacência, narcisismo, sei lá. Em realidade é uma estenografia, para fazer as vezes de algo que não tenho tempo ou não tenho a força de lembrar ou de demonstrar (quando se está concentrado num problema, não se pode convocar tudo que está envolvido ou sugerido no que se disse e se estabeleceu noutra parte; as más leituras de meu trabalho vêm, em sua maioria, do fato de isolarem do conjunto essa ou aquela pesquisa, em função da divisão tradicional em especialidades).

E o segundo fantasma, se o conheço bem, é exatamente o oposto e mais ou menos a mesma coisa: um livro muito construído e controlado, que seria um livro total mais sistematicamente organizado...

Sim, é isso, o segundo fantasma é a idéia de apresentar todos os conhecimentos sob a forma perfeitamente dedutiva e linear de um Tractatus que desenrolaria - um pouco como fizemos em La Reproduction - a totalidade das proposições científicas estabelecidas. Com freqüência pensei, lendo Wirtschaft und Gesellschaft [Economia e sociedade]25 25 M. Weber, Wirtschaft und Gesellschaft, Tübingen, Mohr, 1922 (publicação póstuma, já que o autor morreu em 1920); tradução parcial em francês, Économie et société, Paris, Plon, 1971. , que essa é uma tentação perigosa à qual eu devia cuidar para não sucumbir. Em realidade (e talvez seja um efeito de minhas disposições "borboleteantes", como dizia Fourier, que me levam a sair em busca da descoberta de coisas novas em vez de concentrar-me na elaboração formal das coisas adquiridas), nunca pude resignar-me a tentar oferecer uma apresentação global de meu trabalho. Se o fizesse, eu teria a impressão de me entregar a um exercício escolar ou, como diz Queneau, que também não gostava muito dos professores, de me "manualizar", de virar eu mesmo um manual. O fato é que a ausência de um pequeno Bourdieu "manualizado" ou "manualizável" não facilita a difusão de meu pensamento nas "escolas"... e principalmente no estrangeiro. Mas também aqui não estou certo de lamentar esse fato. Há pessoas que, pela mesma razão, compreendem que minha "obra" é ao mesmo tempo coerente, talvez mesmo sistemática (não vejo, digam o que disserem os "pós-modernos", o que há de mal nisso, quando se trata de ciência...), e aberta, e isso porque o que tenho a transmitir é antes de tudo um "ofício", um modus operandi que está presente em cada uma das peças do meu trabalho (há uma belíssima tirada de Rogers Brubaker que, quando o ouvi por ocasião de um colóquio em Chicago dedicado ao meu trabalho, produziu-me um efeito de revelação26 26 R. Brubaker, "Social Theory as Habitus" (Chicago, 1989), em C. Calhoun, E. LiPuma, M. Postone (eds.), Bourdieu: Critical perspectives, Cambridge, Polity Press, 1993, pp. 212-234. ). E é esse "ofício", aplicado a novos objetos dos quais nunca tratei, que permite (a mim e a outros) produzir análises conformes ao projeto ou ao "programa". No fundo se reconhece o fantasma dos mil milhões de poemas (que, diga-se de passagem, é um fantasma de erudito, o da "combinatória universal", não é tão descabelado assim!).

Ouvi muitas vezes o senhor dizer que seria preciso, para ser justo com seus colaboradores, fazer como no cinema e apresentar, quando oportuno, os créditos na abertura das produções. Por que não o fez? Não, o que estou dizendo é falso: o senhor o fez pelo menos duas vezes, em L'Amour de l'art e, muito mais tarde, em La Noblesse d'État. No prefácio de L'Amour de l'art, o senhor fala precisamente de "créditos", e de fato os oferece até nos menores detalhes técnicos27 27 "Avant-propos", L'Amour de l'art [2 ed. 1969], pp. 7-9. . No final, eles se confundem um pouco com os agradecimentos obrigatórios às altas personalidades que autorizaram a entrada nos museus, mas as personalidades vêm de todo modo depois dos colaboradores. Em La Noblesse d'État os "créditos" estão muito mais integrados no livro, são portanto menos ostentatórios e menos visíveis, fazem parte de um anexo metodológico (na parte dedicada às grandes escolas), percebe-se que o senhor tem o cuidado de explicar, de fazer uma ligação entre a organização completamente aberta dessa investigação e as exigências do empreendimento científico, que o senhor queria preservar das pressões institucionais28 28 La Noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps [1989], Anexo 2, "La méthode", especialmente pp. 336-337. . São créditos que não dizem realmente seu nome, explicam um procedimento de pesquisa ao mesmo tempo que apresentam as pessoas. Por que não fez isso de maneira mais geral?

Porque nem sempre há oportunidade. E porque teria sido necessário criar integralmente o modelo. É verdade que isso permitiria mostrar exatamente quem fez o quê. Mas seria necessário criar tudo, em particular as palavras para definir as diferentes funções e a divisão do trabalho correspondente. Sim, eu era de fato o diretor, o metteur en scène (para o conjunto das pesquisas do Centro, individuais ou coletivas): eu tinha a idéia inicial, produzia o questionário ou o roteiro da entrevista, realizava um certo número de entrevistas preliminares, estabelecia o código, intervinha em todas as fases da produção, na codificação, na análise estatística etc. Mas a função, e mesmo a designação das tarefas dos que puderam participar desse trabalho, simplesmente não é algo instituído. Esse é um problema que se coloca em todas as ciências, nas ciências da natureza é a mesma coisa, eles põem quinze assinaturas. Elas devem aparecer em ordem alfabética ou não? Houve um monte de estudos a respeito: quando um prêmio Nobel assina, ele não aparece em primeiro lugar, mas em realidade é ele, por ser o mais conhecido, que dobra ainda mais a aposta, já que é modesto e não se coloca à frente. Esse é um verdadeiro problema, não resolvido, na pesquisa. Mas tampouco no cinema é simples.

Sim, mas no cinema há pelo menos funções, tarefas bem delimitadas: há um iluminador, um operador de câmera, um roteirista, um sonoplasta, um montador etc., e essas pessoas têm uma certa autonomia, é possível seguir o itinerário de um roteirista, que trabalha com fulano, depois com sicrano, enquanto aqui, quando se trabalha numa equipe, é problemático levar suas competências a outra parte, isso não se faz.

As tarefas não são bastante diferenciadas, não se pode ser codificador como se é operador de câmera ou montador.

Sim, é difícil designar lugares às pessoas.

O único possível seria o de estatístico, e olhe lá... Tudo depende de qual estatístico e de que tipo de estatística... Você tem razão, a coisa, entre nós, não tem nome, não está codificada, e, de fato, não se pode ir de uma equipe a outra, pegar sua trouxa e partir; ou então adquire o aspecto dramático de uma ruptura... Depois, outro obstáculo é que essas tarefas são hierarquizadas. E terrivelmente. Com isso, muitas vezes, dizer de alguém o que ele realmente fez é esmagá-lo. Ao mesmo tempo percebi com freqüência que, em certos momentos, uma pequena intervenção, mínima e quase não articulada, me evitou um erro. Mas como fazer que isso apareça? Do mesmo modo, inversamente, um mau codificador pode destruir uma pesquisa.

Sim, mas há também tarefas intermediárias. Qual é o estatuto daquele que, por exemplo, discute com o senhor ao telefone?

Uma coisa que levei muito tempo para compreender é que freqüentemente invento ao falar. Não, é claro, com qualquer um. É preciso um interlocutor...

O senhor inventa ao falar, é verdade, acho que já sabia disso antes de o ter formulado claramente. O senhor dizia sempre, ao falar, "vocês notaram?", "isso é importante, observem bem", mas logo percebi que nunca se devia, mesmo a pedido expresso, colocar-lhe sob o nariz as anotações feitas durante essas conversas. Podia-se voltar ao assunto oralmente, e retomar a discussão, mas o senhor sempre ficava decepcionado com as notas manuscritas: "eu disse mais do que isso!", "você está certa que é só isso?", "tenho a lembrança de outra coisa"; em realidade, nas anotações não havia mais a efervescência, a alegria e até mesmo a emoção de avançar, era como cerveja choca. Em todo caso, o papel do interlocutor, enquanto estimulante, é um elemento importante...

Sim, absolutamente. Se disséssemos: esse trabalho não teria sido o que ele é sem fulano ou sicrano, a lista seria longa... E pensei muitas vezes, nas ocasiões solenes, como uma aula inaugural ou uma entrega de medalha, em enumerar todas as minhas dívidas; mas como fazê-lo sem omitir ninguém e ponderando com justiça as contribuições, sob o aspecto da qualidade e da quantidade? Renunciei sempre, arrasado só de pensar antecipadamente nas injustiças inevitáveis e nas insatisfações que eu não deixaria de suscitar. Esse é um problema insolúvel, mas penso que se deve em parte ao fato de a divisão do trabalho não ser clara, de as tarefas serem tremendamente hierarquizadas, em nome de uma hierarquia que passei a vida inteira a contestar, a do empírico e do teórico, em particular. Ora, tudo isso é muito difícil de levar em conta nos créditos.

Será que não é contraditório dizer que a divisão do trabalho é ao mesmo tempo frouxa e muito hierarquizada? É como reconhecer que o meio é bastante diabólico, nunca se sabe exatamente quem se é, e no entanto isso é determinante.

Sim, essa confusão é que permite todos os jogos da mentira a si mesmo e da má-fé, sobretudo a propósito das contribuições respectivas, que diferenças mais marcadas e hierarquias mais afirmadas tornariam mais difíceis, talvez até impossíveis.

Mas o sentimento de que os textos lhe pertencem como algo próprio, mesmo que na origem tenha havido co-autoria, será que se deve ao fato de o senhor se encarregar sempre da redação final, que representa uma etapa decisiva da produção?

É isso, mas também muito mais que isso. É o metteur en scène! É o fato de a idéia inicial ser minha, de eu ter dado todos os impulsos importantes em todos os níveis da pesquisa, no nível da codificação, mas também no da análise estatística.

Mas o que significa então, para o senhor, assinar com mais alguém? Dar-lhe a possibilidade da co-autoria e de associá-lo assim oficialmente, visivelmente, a seu trabalho?

Isso varia, depende muito das situações. Já me aconteceu, não vou dar nenhum exemplo preciso, de "pagar" alguém por um trabalho que havia feito comigo em outra pesquisa, fazendo-o assinar uma pesquisa da qual não participou em absoluto. Como sempre fui marginal nas instituições às quais pertenci - quero dizer, sem poder temporal nessas instituições -, e como eu não podia pagar as pessoas financeiramente, e sobretudo academicamente, oferecendo cargos, então eu pagava com assinaturas. Penso que eu deveria ter sido mais prudente, por inúmeras razões e sobretudo, talvez, porque há presentes envenenados. Foi o que compreendeu muito bem um rapaz que fez comigo um primeiro trabalho de aprendizagem e que me disse em seguida: não quero assinar com o senhor, eu não poderia escrever mais nada depois... Uma assinatura é terrível, envolve coisas muito profundas, ligadas à identidade. Pensei que eu fosse capaz de dominar essa dimensão das relações de colaboração, para mim e para os outros, pelo raciocínio, pela análise, explicando.

O senhor não apenas administrou sua própria assinatura, mas as de todo o Centro. Organizava a divisão do trabalho e a distribuição das tarefas, dizia: "Isto vocês assinarão juntos"...

Eu fazia isso em função da idéia que tinha da justa repartição das contribuições e das "partes" que era lícito reconhecer a cada um...

Convém dizer que essa idéia de equilíbrio do mundo ia bem mais longe: no interior do grupo, o senhor freqüentemente associou, num trabalho de pesquisa específica, pessoas que o peso das realidades sociais teria separado na vida normal. Penso na equipe que diversas vezes formei com Monique de Saint Martin: dificilmente se pode imaginar uma dupla mais bizarra, no entanto trabalhávamos, e com bastante eficácia, mas também com constrangimento. Acho que nos desestabilizávamos mutuamente.

Sim, subestimei as dificuldades, sobretudo psicológicas, e superestimei meu poder de resolvê-las, pela sociologia ou a socioanálise. Subestimei também os efeitos do tempo e do envelhecimento social diferente dos diversos membros do grupo. Pequei por uma espécie de desmedida, que era também a contrapartida do meu investimento, imenso e certamente um pouco desvairado, na tarefa, esmagadora, que era animar, inspirar ou orquestrar o grupo. Pensei que tudo poderia se administrar racionalmente, e foi o que aconteceu a maior parte do tempo no movimento da pesquisa. Porque não se deve ver as coisas separadamente, mas no movimento de toda uma vida de pesquisa.

Sim, é retrospectivamente que se percebe nisso tudo coisas confusas. No momento, no movimento da pesquisa como o senhor diz, tínhamos o sentimento de uma partilha, que talvez não fosse eqüitativa a cada instante mas que se compensaria necessariamente no tempo. Pensávamos que não nos deixaríamos jamais. Lembro uma viagem de carro que fiz num fim de semana, eu voltava do Norte, chovia, fazia frio e começava a escurecer, a auto-estrada estava cheia, e apesar de tudo eu tinha um sentimento feliz, não sabia por quê, antecipava algo que em breve me daria prazer mas não sabia exatamente o que era, e então de repente eu soube, era a idéia de que íamos todos nos rever na segunda-feira de manhã. Há um filme italiano de Ettore Scola, chamado Nós que nos amávamos tanto, que sempre me comove um pouco, por causa de seu título e de seu tema, um pequeno grupo político cujos membros envelheceram e se dispersaram... sinto muita nostalgia.

Sim, nem tudo sempre se passa como se poderia acreditar que passaria; os destinos divergem e, com o tempo, as coisas mudam de sentido. Um pouco talvez porque, como pude compreender ao estudar a evolução dos impressionistas, o grupo unido no período inicial, o das dúvidas e dos combates, se divide quando chegam os primeiros sinais de reconhecimento, que fazem desaparecer uma das bases da solidariedade e que não se distribuem de maneira igual. Mas é muito mais complicado que isso. Sobretudo, é toda uma libido que é investida na pesquisa, são a idéia e a imagem de si, coisas muito poderosas, em todo caso. Conto apenas esta anedota, sobre um sujeito que ainda vejo: eu estava em meu escritório no bulevar Raspail, ele vem me ver, falo com ele, dou-lhe uma idéia. Ele vai embora, depois retorna (estava três portas adiante), e diz: Acabo de ter uma idéia formidável! Era exatamente a que eu acabara de lhe dar. Durante um segundo, pensei comigo: o que faço? digo a ele? Porque não é simples, a gente está diante de um delírio. Será que digo a ele ou não digo nada? Eu não disse nada.

Essa anedota diz algo mais. O senhor disse: dou-lhe uma idéia, mas uma idéia não é uma coisa material, que se pode dar ou receber sem preâmbulo, sem preparação. Essa idéia vinha do seu pensamento do momento, era preciso que ela levasse o tempo de se incorporar no pensamento do outro. Foi talvez somente isso que aconteceu com o sujeito de sua anedota. Essa espécie de adaptação diferida sucedeu-me diversas vezes em sua presença, o senhor fala depressa, as palavras se empurram na entrada, o senhor diz "etc.", "percebem?", corta a resposta para prosseguir sua idéia, com frases que deixam no ar um "não?" interrogativo que não espera a resposta, anedotas mal contadas por serem muito precipitadas... Eu me dizia com freqüência: compreenderei mais tarde. Porém mais tarde a idéia está tão irreconhecível, porque foi amassada mentalmente, que com toda a boa-fé não se sabe mais de onde ela vem. O que é surpreendente na história do seu sujeito não é a apropriação inconsciente que ele fez da idéia que o senhor lhe passou um pouco antes, é que ele venha lhe dizer, o que revela muito sobre o poder de legitimação que o senhor possui.

Sim, é uma coisa muito estranha: as pessoas sabem e não sabem. Sabem e não querem saber. É um verdadeiro problema, muito difícil, cuja dificuldade eu subestimei. De um modo geral, subestimei tudo isso.

Li muito recentemente o trabalho de um historiador que mostra que o problema não é novo. É no último número da Annales, em que se acha reproduzida uma controvérsia relativa ao direito de propriedade sobre os bens culturais. Essa controvérsia diz respeito ao direito medieval, mas pode-se transpô-la. Em todo caso, os argumentos apresentados me fizeram refletir. A quem pertence uma obra, quando ela resulta da transformação que fazemos de um suporte que, no caso, não nos pertence? Uns dizem que, se a transformação é irreversível, isto é, se o objeto não pode mais retornar à sua forma inicial, então o autor da transformação é que é o proprietário da obra. Outros assinalam diferenças, considerando a maneira como a modificação se integra ou não com a forma primeira: será que há continuidade de um estágio a outro (e, nesse caso, o detentor do objeto inicial permaneceria proprietário do todo) ou descontinuidade (o que supõe que se possa distinguir a parte acrescentada)? Penso que é exatamente esse o tipo de questão que se pode colocar a propósito das produções que foram inicialmente de co-autoria, antes de serem retrabalhadas e assumidas apenas pelo senhor.

Mas você esquece que o trabalho de co-autoria continua existindo como tal e pertence aos dois signatários. Eles podem citá-lo em suas bibliografias, e o fazem. Nunca vi inconveniente nisso. Pelo contrário: em meu espírito era essa a regra do jogo. Por outro lado, os desenvolvimentos ulteriores das obras respectivas, e não apenas as republicações, dão uma idéia do que haviam sido as contribuições efetivas.

Não, isso é uma prova a posteriori que não quer dizer grande coisa. Ao dizer isso, o senhor se coloca na mesma ótica anacrônica dos que vêem, retrospectivamente, nos arranjos entre co-autores de um momento, cálculos que explicam um estado de coisas bem posterior. Se o passado não pode testemunhar o presente, o inverso tampouco é possível. Tendo os destinos divergido, as condições de produção, antes e depois, se tornaram incomparáveis, a produtividade intelectual se mede de outro modo, os interesses mudam de natureza, nada se pode deduzir daí. Não se pode negar que a pertença a um grupo muito coeso protege contra a inércia do mundo secular, e portanto favorece o projeto intelectual. Perder o grupo é perder muito mais do que um lugar de sociabilidade, onde se formaram hábitos e se deixam necessariamente vínculos; é tornar-se, ademais, muito vulnerável e diretamente responsável pelos resultados. O programa intelectual sofre claramente com isso. Não, não se pode deduzir nada dos destinos intelectuais de cada um, somente a partir dos velhos manuscritos é que se pode restabelecer as contribuições dos diferentes redatores. E foi justamente porque vi a maior parte dos manuscritos, no tempo em que foram escritos, que liguei essa questão principalmente à escrita.

Deixemos isso de lado... Convém deixar isso para os arquivos e os arquivistas.

O trabalho de arquivamento, sim, ele me faz pensar no trabalho de catalogação feito sobre a obra de Soulages e que registra, para cada um de seus quadros, o itinerário das obras desde o momento em que são postas no mercado29 29 P. Encrevé, Soulages: l'oeuvre complet: peintures, Paris, Éditions du Seuil, 3 vols., 1994, 1995, 1998, 1000 pp., com acréscimos e correções. : é a circulação da obra que é valorizada, a obra em si não muda ao longo das aquisições. Por que se acha normal, e mesmo prestigioso, fazer isso em relação aos quadros, e por que ninguém se contenta em fazer o mesmo em relação aos textos escritos? Por que é preciso dar justificações para isso? Admite-se implicitamente que um quadro é desde o início definitivo, mas talvez esteja aí a ilusão. Li um pequeno livro de Roger Vailland, chama-se Comment travaille Pierre Soulages [A maneira de trabalhar de Pierre Soulages]30 30 R. Vailland, Comment travaille Pierre Soulages, Pantin, Le Temps des Cerises (coleção Cahiers Roger-Vailland), 1998. : é uma sessão de trabalho observada por Vailland, que relata como Soulages executa um quadro preto diante dele, em seu ateliê, como ele passa por tons nacarados, ocres, por gestos e movimentos oblíquos; no final Vailland data o quadro, foi feito em março de 1961, mas, diz Vailland, ele só adquirirá todo o seu sentido retrospectivamente, considerando a totalidade da obra de Soulages. A descrição feita por Vailland dessa sessão (é curta, umas vinte páginas, nem isso) foi uma surpresa para mim, eu não imaginava toda essa energia, não sabia que o preto não era preto, materialmente. Então descubro, também, que o que falta a essa bibliografia é um discurso de acompanhamento, porque, se quiserem ter uma imagem justa do trabalho que o senhor produziu, é preciso conhecer sua maneira de trabalhar, ter visto seus manuscritos cheios de emendas, colados com durex, o texto torcido em todas as direções, com balões intermináveis rabiscados nos cantos, flechas, acréscimos, garatujas...

Ainda hoje, nessas velhas garatujas, redescubro as pequenas marcas que você pôs...

Se não se tiver isso em mente, a gente deixará impor-se, sem querer, o que há sempre de retilíneo e de redutor numa bibliografia, mesmo quando ela apresenta muitas circunvoluções, como aqui. Eu mesma, quando vi os últimos desdobramentos dessa bibliografia, tive a impressão de uma vasta organização, com "honoráveis correspondentes" um pouco em toda parte, em Atenas, Tóquio, Estocolmo, Constança, Cambridge, Londres, sem esquecer o Brasil, o Canadá, que se mobilizam instantaneamente assim que o senhor publica um texto, e paf!, no mesmo ano está traduzido em toda parte. E eu achava que com essa perspectiva elevada sobre sua carreira o senhor se expunha muito. Em realidade, como me disse Marie-Christine Rivière, continua tão anárquico quanto antes. Como traduzir isso numa bibliografia? No começo, paralelamente a esse trabalho, eu relatava o que havia por trás e tudo o que não era dito, mas esse empreendimento foi abandonado.

Considera-se normal contar como Soulages trabalha porque se tem uma visão hagiográfica, que está ligada à representação carismática do trabalho do pintor. Aliás, é tamanha a fetichização de cada obra, certamente para os próprios pintores, que é raro eles retomarem uma obra já exibida para retrabalhá-la.

No caso de Soulages, o trabalho de reconstituição é particularmente precioso. Porque a elaboração de sua obra não deixa nenhum traço: ele mistura cores, nácares, trabalha toda uma jornada, como um condenado, e finalmente se vê um quadro preto. Mas, no que concerne ao senhor, os traços estão aí, há estágios anteriores: por que se abster de mostrá-los?

Na verdade, isso não me incomoda tanto assim. Exceto, talvez, porque se pensa em tudo ou nada, e não se sabe dar seu verdadeiro estatuto a esses traços. Ou se dá a eles o estatuto de artigo definitivo, ou se lhes concede absolutamente nada. Veja, quando foi feita a edição de Mauss, de Karady31 31 M. Mauss, Oeuvres, Paris, Éditions de Minuit (coleção Le sens commun), 3 vols., 1968-1969 (com apresentação de V. Karady). , havia coisas muito diferentes, grandes textos, apostilas, resenhas, transcrições de intervenções orais etc. Trata-se de alguém que praticamente não escreveu livro, escreveu apenas artigos. Mesmo o Essai sur le don [Ensaio sobre a dádiva]32 32 M. Mauss, Essai sur le don, forme archaïque de l'échange, Paris, 1925. , penso que é uma reconstrução ex post facto. Ou se faz como se cada traço fosse um opus, uma obra acabada, ou então como se fosse apenas um primeiro jato, que pode ser deixado lá onde está, no sótão das revistas obscuras que ninguém lerá mais. É um pouco o que fez Lévi-Strauss, que consagrou a Mauss um volume de textos por muito tempo considerado definitivo33 33 M. Mauss, Sociologie et anthropologie, precedido de uma introdução à obra de Marcel Mauss por C. Lévi-Strauss, Paris, PUF (coleção Bibliothèque de sociologie contemporaine), 1950 (mesmo ano da morte de M. Mauss). A obra foi reeditada várias vezes, especialmente em 1966, pouco antes do lançamento dos volumes de Mauss pela Éditions de Minuit. , antes de exumarmos mais três grossos volumes depois dele: decidiu-se colocar, ao lado dos "grandes textos", conjuntos intitulados "textos de apoio" que dão uma idéia do canteiro de obras no qual Mauss foi buscar materiais, como os talhadores de pedra medievais que recorriam às ruínas antigas. No que se refere a mim, há, entre um texto oral e sua retomada num livro, às vezes quinze versões. E a cada vez acredito que acabou... Aliás, quando quero realmente que esteja acabado, eu digo: não me mostrem mais, porque não posso me impedir de modificar. E não somente a escrita, porque nesse meio tempo trabalho, e progrido.

Outra coisa que o incomodou nessa bibliografia, acredito, é o fato de se ter feito uma categoria à parte com suas intervenções orais, marcadas pela indicação de um local e de uma data. Não, não é exatamente a existência dessa categoria que lhe causava problema, é que ela tenha se tornado muito volumosa ao longo dos anos. Eu mesma fiquei impressionada quando revi a bibliografia. É algo que o aborrecia, talvez por um preconceito de que pudesse lhe prejudicar, e segundo o qual falar é mais fútil e mais mundano do que escrever. E há comunicações orais, o senhor dizia, que são verdadeiros artigos. Resisti a seus argumentos porque, em primeiro lugar, penso que o senhor é também um professor ao mesmo tempo que um pesquisador, e porque tem uma missão pedagógica que para mim é muito importante e condiz com a palavra falada. Depois, porque se trata muitas vezes de temas cujo aparecimento não se compreende bem se não se sabe que estão ligados a um contexto.

Sim, há intervenções que se ligam a um momento, a uma situação, às vezes a pessoas, à pessoa que me convidou.

Indica-se um local e uma data, mas isso não revela grande coisa, a não ser que é uma produção circunstancial, o que tem sua importância.

É verdade. Penso numa palestra que fiz a convite de Pierre Encrevé, para estudantes protestantes. É importante porque, na verdade, o assunto mesmo é determinado por isso. Na época, eu tinha uma preocupação na cabeça, a noção de delegação política etc. Mas foi divertido colocar o problema num local religioso e protestante. Há todo um lado do texto (meio provocativo, para irritar, como o problema do ministério, do pastor, os textos de Kant ou de Nietzsche sobre o pastor, sobre a hipocrisia do porta-voz etc.) que estava ligado a esse contexto34 34 "La délégation et le fétichisme politique", Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1984]. . E geralmente isso é importante porque - como compreendi depois - se trata, na base, de uma conseqüência de meu mau caráter, de meu lado malicioso, gosto de curtir ou cutucar um pouco o público, dizer-lhe coisas que se arriscam a tocá-lo pessoalmente, para que a sociologia surta efeito, não seja uma simples alocução escolar. Penso numa palestra - não sei se entrou na bibliografia - que fiz para Vie nouvelle, um movimento de cristãos de esquerda, de casais muito certinhos; aquilo os excitou muito, fiz uma espécie de paródia do discurso católico. Em casos como esse, é verdade que uma parte do interesse do discurso (e portanto do texto) deve-se à ocasião na qual foi produzido.

Esse lado provocativo, no oral, é também uma boa técnica de captação...

Sim, certamente, mas um pouco paradoxal, e em todo caso psicologicamente muito custosa, porque, se o público não fica indiferente, há o perigo de provocar reações violentas, de ser atacado, e várias vezes saí muito chateado desse tipo de experiência.

Baudelaire fala do "prazer aristocrático de desagradar": não penso que se aplique ao senhor! Mas nem sempre suas intervenções são desse tipo, isto é, intervenções no sentido estrito, "ações", como diriam os artistas, ou mesmo happenings. O senhor faz também intervenções clássicas.

Sim, à medida que avancei em idade, descobri que o tempo entre o momento em que concebia uma pesquisa e o momento em que podia escrevê-la não cessava de aumentar - em razão, entre outras coisas, do aumento das tarefas diversas que me absorviam cada vez mais -, a ponto de eu temer às vezes nunca encontrar o tempo de publicar pesquisas importantes que fazia. Por isso tentei servir-me das intervenções orais, mas muito preparadas, muito elaboradas, para conservar um vestígio dessas pesquisas em andamento. Há um exemplo típico. Fiz no Collège [de France] um curso de dois anos sobre o Estado, que me exigiu muito trabalho, muita leitura, e depois fui obrigado a fazer outro curso sobre outro tema, tive que passar a outra coisa. Disse a mim mesmo que, se quisesse que restasse algo desse trabalho, era preciso absolutamente inseri-lo em meu programa de intervenções orais. (Talvez por considerar que o trabalho intelectual é um trabalho como os outros, que não se deve de modo algum fetichizar, sempre refleti prática e sociologicamente sobre as técnicas do trabalho intelectual e, mais precisamente, sobre a melhor maneira de organizar meu trabalho a fim de tentar obter seu melhor rendimento.) Havia na época uma empresa universitária que queria fazer cursos filmados e, como eu ia falar em Amsterdã, sugeri que essa equipe de Strasbourg fosse para lá, onde eu faria um curso que poderia ser gravado. E esse curso foi pensado como uma espécie de síntese do meu curso no Collège. É só uma pequena parte, muito se perdeu; mas, vendo as pilhas de documentos em minhas estantes, digo-me que, pelo menos, resta esse curso35 35 "Esprits d'État" (Amsterdã, 1991), Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1993]. . Fiz isso várias vezes.

Falávamos há pouco do problema da passagem do oral ao escrito...

Descobri, muito tardiamente, que esquecia minhas próprias idéias. Eu tinha a noção ingênua de que a gente não esquece as próprias idéias, mas muito freqüentemente redescubro velhos papéis rabiscados e me digo que, se não fosse a minha letra, eu não saberia que é meu. Por isso, para fixar coisas que me parecem importantes num momento dado, faço intervenções orais, improvisadas - raramente são textos lidos, a não ser quando vou aos Estados Unidos, ou em situações solenes -, mas segundo um plano muito detalhado, que conservo. O texto final, publicado, é o produto da integração de minhas anotações e da transcrição a partir do oral. E assim acabo fazendo textos às vezes melhores do que um que eu tivesse escrito diretamente. Penso que alguns textos vindos do oral têm a robustez e a precisão de um texto escrito (resultantes do plano preestabelecido e das anotações que reintroduzi), e ao mesmo tempo os achados, a flexibilidade, as transições que vêm da improvisação. Dei-me conta disso ao trabalhar na transcrição de meu curso sobre a ciência36 36 Science de la science et réflexivité [2001]. : no oral, diante de quinhentas pessoas, não se pode passar de uma idéia a outra sem fazer uma ligação (a menos que se use o expediente de certos professores, marcando: ponto a, ponto b). A mobilização é enorme - e fatigante -, a gente faz transições que, sozinho, diante da folha de papel, jamais teria encontrado...

Em todo caso, o senhor não gosta que se publiquem coisas vindas do oral sem que as tenha revisado.

Quando me irrito contra a inscrição em minha bibliografia de alguns textos brutos, não é por uma questão de censura ou de imprimatur, mas porque a transcrição exata pode não fazer justiça, em sua exatidão mesma, à intenção, ao espírito do que foi dito. Há um caso que me incomodou, eu tinha ido a Londres, numa instituição cujo nome sempre esqueço, uma instituição esnobe, e fiz um diálogo com Terry Eagleton.

Sim, ele está catalogado na bibliografia37 37 "Doxa and Common Life", New Left Review [1992]. .

Está? Bem, eu o vi um dia mencionado numa bibliografia de tese e aquilo me aborreceu muito. Fiquei muito intimidado, era em inglês: o que é que eu disse, o que é que eu não disse? Eles publicam do jeito que está... Aquilo me irritou tanto que nunca quis lê-lo, eu tremia de pensar no que ia encontrar. Mas é um caso extremo. Geralmente, sobretudo agora, as pessoas não ousam mais; mas no início...

Lamento que ele esteja catalogado, porque o ponto de partida da bibliografia era, de fato, mencionar apenas coisas publicadas mas assumidas pelo senhor.

Sim, mas "assumido por mim" não quer dizer, como se tende a pensar, que entendo exercer uma censura, dando ou recusando o imprimatur. Não, há critérios: em primeiro lugar, é meu ou não é meu; em segundo, é meu e transcrito corretamente, sem deformações, estilísticas sobretudo - tenho horror do falso oral vulgar, de má dissertação, que me atribuem com freqüência os entrevistadores, mesmo de alto vôo: penso numa entrevista publicada no Magazine Littéraire38 38 "Tout est social", Magazine Littéraire [1992]. e que não ousei corrigir tanto quanto deveria (as pessoas transcrevem muitas vezes não o que eu disse, e que é talvez, à primeira vista pelo menos, um pouco despropositado, mas o que elas entenderam, e, apesar de minhas recomendações - peço sempre a estrita literalidade -, acreditam fazer bem em me corrigir); e, enfim, se for traduzido, que seja bem traduzido. Há coisas que circulam antes da revisão, isto é, antes desse trabalho de ajustamento.

A maneira como o senhor fala não é alheia à reputação que lhe deram. Segui cursos de Thuillier, por exemplo, e ele diz numa hora o que o senhor diz em cinco minutos; é extremamente diluído, é muito civilizado... Já o senhor não dá em absoluto essa impressão, com suas frases não terminadas, os "etc.", os parênteses, sem falar também no seu vocabulário, sempre um pouco hiperbólico.

Um sujeito me disse algo assim, um dia, em Neuchâtel, onde fui fazer uma palestra sobre os ritos de passagem. A situação era um pouco paradoxal: há muito eu tinha a idéia de que a noção de rito de passagem era uma babaquice (a palavra é um pouco forte, mas é uma maneira de falar...). Fui então a um lugar, na Suíça, onde um autor muito famoso era celebrado (e de quem aprecio muito, aliás, os trabalhos de etnografia, sobre a França e a África do Norte) a propósito de um grande conceito, a noção de rito de passagem, e eu devia dizer que ela não funcionava de modo algum, sem ser ofensivo nem injurioso, e sem reduzi-la, sem querer reduzir meu próprio conceito. Mas ao mesmo tempo - eu vivia desse jeito - achava que tinha o dever, diante de pessoas cuja estima era importante para mim, como os Centlivres [Pierre e Micheline Centlivres, etnólogos suíços], Luc de Heusch [etnólogo belga] etc., de dizer o que pensava (em minha vida, fiz muitas intervenções dessa espécie, que se podem atribuir à cólera, ou à arrogância, e que se impunham a mim como um dever, geralmente muito difícil de cumprir, muito custoso psicologicamente). Os ritos de passagem são um conceito ingenuamente descritivo (a idéia de passagem evoca uma sucessão de momentos) que bloqueia a compreensão, em suma, é um obstáculo epistemológico da pior espécie, posto que erudito e consagrado pela tradição científica. Que fazer? Era um problema de retórica. Fiz uma apresentação ultra-rápida, creio que nunca falei tão depressa, com todo o tipo de silêncios (que os pontos de reticências traduzem mal), frases deliberadamente não concluídas, para deixar ao ouvinte a tarefa de concluí-las, e portanto de se dizer e pensar as coisas que eu não queria/podia dizer, gracejos acadêmicos (foi lá que me ocorreu a história de Schopenhauer sobre o cavalo de teatro que caga no palco, que fez todos rirem), palavras latinas e palavras gregas, é claro, e efeitos etimológicos, que fazem passar as coisas mais duras, como se fazia nos textos eruditos de outrora, em que eram ditas indecências em latim etc. etc., não faltou nada39 39 "Les rites d'instituition", Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1982]. ! Pois bem, o tal sujeito me disse: Agora compreendo suas frases longas, porque o senhor fala muito depressa, com mudanças de tom, de ritmo, de tempo, parênteses que se abrem e se fecham três minutos mais adiante, exemplos esboçados; ao ouvi-lo, a gente compreende suas frases longas. Paradoxalmente, é uma retórica oral que faz compreender um texto que tem um aspecto realmente muito escrito, às vezes demais. Mas, ao mesmo tempo, há freqüentemente muita violência. Em realidade, essa retórica aparentemente desordenada, desenfreada, está aí para fazê-la passar, e aceitar. No caso em questão, eu estava diante de pessoas que vinham celebrar o culto do rito de passagem, e ninguém ficou ofendido por meu discurso.

Homo academicus, por exemplo40 40 Homo academicus [1984]. , não é um livro polêmico, no tom, mas é um livro violento.

Sim, eu acho - e também para mim, contra mim.

Na verdade, foi o que me impediu de aceitar a co-autoria com o senhor, conforme me pediu. Porque não corresponde de modo algum a meu modo de ser, eu não teria podido assumir. Achava a forma muito masculina.

O que não a impediria de ter assinado. Porque é um livro violento mas, ao mesmo tempo, muito controlado.

Não digo que não era, estou mesmo muito bem colocada para saber a que ponto o era, metodologicamente. Mas é um livro violento em si.

Sim, é talvez o livro mais violento que escrevi, mas num sentido muito especial da palavra.

E esse não é meu modo de ser. Eu não tinha nem a legitimidade, nem o caráter, nada, não me reconheci no modo de dizer.

Sim, sim, compreendo, mas ao mesmo tempo você estava de acordo quanto à análise. Compreendo, mas sua recusa me decepcionou muito - e a palavra é fraca.

O senhor mesmo dizia, a assinatura de um texto é uma questão de identidade. Não se pode tomar a de um outro, assim, sem mais. Em realidade, durante minha colaboração com o senhor a propósito desse livro, que levou muito tempo, eu jamais havia antecipado o que a rudeza de suas afirmações ia resultar por escrito, eu acreditava que era veemência verbal, à qual estava muito habituada.

Quando você diz que há algo de muito masculino, está querendo dizer um pouco machista, e concordo que há uma verdade nisso. Mas ao mesmo tempo ninguém conhece melhor do que você essas condutas "heróicas" que às vezes me imponho, oralmente...

Está se referindo a algumas de suas intervenções na assembléia da École des Hautes Études? Estive presente lá, é verdade, inclusive um dia alguém o criticou publicamente por sua "falta de jeito". Era engraçado esse termo para designar um discurso que não ia no sentido normal das intervenções nesse lugar: creio que sua má vontade de falar havia colocado a assembléia pouco à vontade, e todos se sentiam "desajeitados", daí a crítica.

Sim, mas que posso me impor também por escrito, e que me valem muitas inimizades (um de meus melhores amigos deixou de me falar, por muito tempo, depois de Les Héritiers; outro ficou de mal, mas me falou, depois de "As categorias do entendimento professoral"41 41 "Les catégories de l'entendement professoral", com M. de Saint Martin, Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1975]. ). É voluntarismo, e isso me custa esforços terríveis - para superar minha timidez, meu medo às vezes, porque antecipo muito bem as conseqüências -, e também muita culpa, sobretudo quando toco em instituições das quais faço parte...

No fundo, é parecido com o sentimento da honra...

Sim, sim...

Mas ainda assim, quando se reflete, esse impulso da honra, que torna exigente, inflexível, no sentido de incorruptível, repousa também na idéia de que se tem sempre razão, e isso não incita à tolerância, a levar em conta circunstâncias atenuantes, por exemplo, ou subjetividades antagônicas, ou mesmo indispensáveis precauções estratégicas. É como dizer: eu e os que estão comigo temos razão.

Não é exatamente assim, mas talvez antes de tudo a idéia de que não falo em meu nome próprio, por mim apenas. Eu sou... o porta-voz, o arauto de um coletivo oprimido, que não pode falar. Já eu, eu posso falar, então devo falar. E muitas vezes é assim: estou numa situação de privilégio que implica um dever.

Para pagar o privilégio?

Sim, um pouco. Dei-me conta de que muitas coisas em minha vida, sobretudo acadêmica, que me custavam muito, tinham por princípio esse sentimento, um pouco ridículo, do dever ligado ao privilégio... E também - é aí certamente que você tem razão com sua história da honra - o medo de ser ou de parecer "covarde". O que me irrita um pouco é que possam crer que obedeço a uma irreprimível pulsão de gascão (que sem dúvida está presente em algumas de minhas manifestações, com freqüência um pouco fingidas...). Na maior parte do tempo, isso me custa muito.

Mas há também uma gratificação em agir assim, pelo menos a auto-estima...

Sim, sim. Essa questão de machismo, de honra, de fantasma masculino do justiceiro, tudo isso não é simples... Muitas vezes não passa de uma espécie de fanfarronada guerreira... E ao mesmo tempo é uma das motivações para fazer alguma coisa. O que não quer dizer que me considero perfeito sob todos os aspectos: há coisas que eu gostaria de não ter feito, pequenos abusos de poder, inabilidades infelizes etc., mas é sobretudo as abstenções que lamento, porque geralmente o pior é não fazer nada.

Num momento, na bibliografia, me perguntei se não era preciso pôr à parte os livros de Raisons d'Agir42 42 "Raisons d'Agir" é uma coleção de pequenos livros, inaugurada em 1966, sob a égide de uma jovem estrutura editorial, Liber Éditions, distribuída pela Seuil. Os primeiros lançamentos da série continham uma declaração de intenção, que evidenciavam a vontade militante dos autores. . É uma questão que o senhor já havia apresentado: por que não adotar um pseudônimo para essa produção? Não para se esconder, mas para indicar que o senhor mudava um pouco de registro. Em sociologia, busca-se adquirir uma espécie de relativismo intelectual, todos os personagens têm suas razões; já no combate político, a gente não pode permitir-se compreender as razões do adversário. Esses pequenos livros são intervenções, eles têm um caráter muito especial. O senhor diz que eles não são polêmicos, mas, na medida em que servem a um combate político e foram produzidos explicitamente para isso, eles deixam de lado tudo o que a análise sociológica teria buscado, ao contrário, para fazer entrar no quadro os interesses contraditórios, as trajetórias diferenciadas, tudo o que o senhor chama de campo.

Não, não acho. Penso que, em La Télévision43 43 Sur la télévision [1996]. O livro se originou do registro de um curso dado no Collège de France em 1996. , por exemplo, não há transgressão grave.

Mas, se tivesse que descrever o campo jornalístico, o senhor não teria agido desse modo. Teríamos, sim, percebido suas preferências, mas...

Eu teria feito um trabalho de neutralização maior, não teria nomeado B. H. L. [Bérnard-Henri Lévy], teria tirado um certo número de exemplos, mas no essencial teria sido a mesma coisa. Aliás, publiquei juntamente o prefácio do número da Actes44 44 "L'emprise du journalisme", Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1994]. O artigo foi reproduzido como anexo no livro citado acima. e o curso: do ponto de vista do conteúdo, é praticamente a mesma coisa. Um é escrito em linguagem acadêmica, e dirige-se a pessoas que levam a sério os conceitos e o método; o outro é dito numa forma mais soft (conceitos como o de campo são explicados numa linguagem mais simples). Mas, basicamente, é um efeito do local de publicação, e assim foi visto como muito violento, de uma violência inusitada. Penso que, ao mudar de local de publicação, o texto muda de sentido, porque muda de leitores, torna-se acessível a leitores que se excluíam até então e que trazem seus hábitos de leitura, e põem entre parênteses, de maneira consciente ou não, a construção científica (por ignorância, às vezes por incompetência) para se aterem à anedota, às ferroadas pessoais ou às banalidades que julgam reconhecer no discurso que os ultrapassa. Mas o conteúdo intelectual é o mesmo, praticamente o mesmo. Com relação a outras produções, as intervenções que apareceram em Contre-feux45 45 Contre-feux [1998] e Contre-feux 2. Pour un mouvement social européen [2001]. , é variável. Se tomarmos o texto contra Sollers, por exemplo46 46 "Sollers tel quel", Liber. Revue Internationale des Livres [1995], retomado em Contre-feux. , é uma análise de habitus, inteiramente rigorosa (ela aponta todos os traços pertinentes e somente esses), que é escrita no tom de panfleto, de polêmica, mas o modelo (descritivo, explicativo e mesmo preditivo) que essa análise de habitus oferece é confirmado todos os dias. Aos que não teriam compreendido a presença desse texto num livro sobre a política de "globalização" e suas conseqüências no terreno da cultura, aconselho vivamente a leitura do último número de L'Infini, a revista de Sollers, na qual se encontrará um diálogo entre o árbitro das elegâncias do mundo literário francês e o diretor hipermidiático da Vivendi [empresa da Internet], Jean-Marie Messier, que faz a gracinha de citar René Char e de celebrar a liberdade. Em suma, acham que eu exagero quando falo de "colaboracionistas", mas não vejo outra palavra para nomear essa gente que vai "servir a sopa" aos que, como digo em minha mensagem aos donos do mundo47 47 "Questions aux vrais maîtres du monde" [1999]. , estão destruindo as bases mesmas de uma vida intelectual autônoma e subjugando os "criadores".

Sim, mas, como o senhor mesmo diz, o texto tem a forma de um panfleto. O mal-entendido está aí: os jovens sociólogos em formação podem imaginar que essa é a forma normal da análise sociológica, e que se pode economizar todo o trabalho teórico e empírico que autoriza escrever nesse tom.

Você tem razão. Mas eu sei que não devo considerar como universalmente reconhecido como evidente que, para fazer um texto assim, do qual me orgulho muito e que penso ser uma de minhas obras-primas sob todos os aspectos, é preciso muita competência, muita experiência, muito savoir-faire, muita habilidade técnica (penso nas técnicas de objetivação etc.)... E acho até que, se isso produz efeito, é porque os leitores, mesmo não profissionais, o percebem.

No entanto, nos seus escritos sobre a Argélia, em Travail et travailleurs48 48 Travail et travailleurs en Algérie [1963]. , havia claramente uma idéia política, mas era algo que podia ser lido como uma informação, a informação é que era subversiva, não o tom. Sobre a educação também.

Sim, eu sei. Mas isso se deve muito à maneira de ler. Dizem com freqüência que mudei muito de uns anos para cá, desde La Misère du monde49 49 La Misère du monde [1993]. , em particular. Na verdade esquecem de se perguntar se não foi a percepção que têm de mim e de meu trabalho que mudou muito. Por exemplo, há em Travail et travailleurs en Algérie uma conversa com um cozinheiro de Argel, intitulada "Um sociólogo espontâneo", que poderia ter sido incluída em La Misère du monde... embora tenham visto em La Misére uma virada epistemológica (em relação a Le Métier de sociologue [O ofício de sociólogo]50 50 Le Métier de sociologue, com J.-C. Chamboredon e J. C. Passeron [1968]. ) e sobretudo política! Na verdade as pessoas que queriam isso já entendiam Travail et travailleurs ou Les Héritiers como livros políticos, neutralizando o trabalho de construção. É muito complicado! Receio que seja insolúvel. As intervenções científicas produzem, dentro do campo e fora do campo, efeitos sociais que não se podem controlar completamente. Portanto passei a me perguntar, a partir de um certo momento, se tinha sentido, quando se trata de assuntos importantes como o jornalismo, continuar a escrever para um pequeno mundo fechado, que não se importa com esses assuntos. E se valia a pena fazer passar as idéias mais além, o que implica que se muda um pouco o suporte e se oferecem sinais de acessibilidade.

O que o senhor quer dizer?

Com oferecer sinais? Penso numa experiência que tive em 1981. Eu não tinha previsto em absoluto que a esquerda ganharia, não era o único... Então eu me disse: é preciso absolutamente fazer alguma coisa. Fiz uma reunião com sindicalistas, da CFDT (um deles, fiquei sabendo depois, era chamado "o professor", porque era um intelectual) e da CGT (havia um bastante conhecido e que depois saiu), e a idéia era fazer um grupo de trabalho que tentaria fornecer algumas armas. Havíamos publicado um pouco antes um artigo intitulado "A produção da ideologia dominante"51 51 "La production de l'idéologie dominante", com L. Boltanski, Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1976]. , e o mostrei a esses caras, dizendo-lhes: tomem isso, é um instrumento de combate, pode ser-lhes útil num debate na televisão ou noutra parte. Eles me disseram: em primeiro lugar, a gente não lê esse tipo de revista; depois, se casualmente pusermos os olhos, não vemos que proveito tirar. E eu me perguntei: mas o que é uma revista científica? É uma revista que oferece sinais que são para os estudiosos e, ao mesmo tempo, que não são para os outros; que, de qualquer maneira, não diz "é também para vocês". Então, como oferecer os sinais de que "é também para vocês" sem se expor, mesmo sem mudar nada, à desqualificação, à degradação, à excomunhão daquele que largou a batina? ("Agora ele anda escrevendo qualquer coisa", foi o que ouvi de professores de sociologia que teriam feito qualquer coisa para publicar na Actes, e que faziam coro com a mídia, no momento da campanha deflagrada por La Télévision, para denunciar supostas faltas à cientificidade.) Na verdade, se "A produção da ideologia dominante" fosse retomada hoje em Raisons d'Agir, com uma página de introdução para dizer: vejam, nada mudou, é o mesmo vocabulário, "excluídos", "exclusão" etc., salvo algumas palavras novas, como "flexibilidade", que vêm dos Estados Unidos, uns 150 mil exemplares seriam vendidos.

O senhor quer dizer: uma outra capa, um pequeno prefácio, e isso significa: "é para vocês".

Sim, mas quer dizer também que é preciso sacrificar a preocupação com a honorabilidade, a respeitabilidade acadêmica, que em muita gente se confunde com a respeitabilidade científica. Actes já era um passo nesse sentido. A compreensibilidade deve-se em grande parte a problemas de forma, de local de publicação. Mas, ao passar a linha sagrada da conveniência, evidentemente damos armas aos que levam em conta apenas o respeito à conveniência, que faz a dignidade do corpo dos profissionais. Todos esses dignos dignitários, o que eles possuem? Possuem esse pequeno espartilho de virtude negativa. Não digo que refleti sobre tudo, mas sim que, dado o que se passa no mundo neste momento, e que é tão grave, não é possível, quando se é pago para se ocupar do mundo social e se é minimamente responsável, ficar em silêncio, não tentar dizer a todos um pouco daquilo que se crê ter aprendido, à custa de todos, sobre este mundo...

PARIS, NOVEMBRO de 2001

Texto recebido em 8/3/2005 e aprovado em 8/3/2005.

Tradução de Paulo Neves

Pierre Bourdieu (1930-2002), um dos mais importantes sociólogos contemporâneos, autor, entre outras obras, de Os herdeiros (1964), A distinção (1979), Homo academicus (1984), As regras da arte (1992), A miséria do mundo (1993), Meditações pascalianas (1997), Esboço para uma auto-análise (2002).

Yvette Delsaut é pesquisadora no CNRS e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (ex-Escola Prática de Altos Estudos), no âmbito do Centro de Sociologia Européia, em Paris. E-mail: delsaut@aol.com.

  • 1
    Les Héritiers, les étudiants et la culture, com J. C. Passeron [1964].
  • 2
    Bibliographie des travaux de Pierre Bourdieu, estabelecida por Y. Delsaut, Paris, Centre de Sociologie Européenne, 1984; publicada em edição alemã em P. Bourdieu,
    Sozialer 'Raum un Klassen', Leçon sur la leçon [1985]. Atualizada em
    Bibliographie des travaux de Pierre Bourdieu, 1958-1988, mesmas referências, 1990; publicada em edição inglesa em P. Bourdieu,
    In other words. Essays toward a reflexive sociology [1990].
  • 3
    "L'Opinion publique n'existe pas" [1971].
  • 4
    La Distinction. Critique sociale du jugement [1979].
  • 5
    I. Mörth e G. Fröhlich,
    Das symbolische Kapital der Lebensstile. Zur Kultursoziologie der Moderne nach Pierre Bourdieu, Frankfurt/Nova York, Campus Verlag, 1994, pp. 271-311.
  • 6
    Trata-se aqui do Centro de Sociologia Européia (CSE), fundado por R. Aron em 1959, do qual P. Bourdieu era o secretário geral desde 1962. A partir de 1970, cindiu-se em dois centros de pesquisa distintos; um deles, desde então, passou a ser dirigido pelo próprio P. Bourdieu, conservando o nome de origem acrescentado de uma designação autônoma, Centro de Sociologia da Educação e da Cultura (CSEC).
  • 7
    M. Benamou,
    Le Moulin à paroles: méthode avancée de conversation et de composition, Nova York, Blaisdell, 1963.
  • 8
    Esse projeto de tese, sobre "Les structures temporelles de la vie affective" (inscrita sob a direção de G. Ganguilem), não teve continuidade.
  • 9
    As
    Animadversiones foram traduzidas e publicadas novamente pela Vrin, em 1982 (cf. G. W. Leibniz,
    Animadversiones in partem generalem Principiorum cartesianorum): seria interessante comparar as duas traduções.
  • 10
    La Reproduction, Éléments pour une théorie du système d'enseigne- ment, com J. C. Passeron [1970].
  • 11
    Esquisse d'une théorie de la pratique, précédé de trois études d'éthnologie kabyle [1972].
  • 12
    L'Amour de l'art, les musées d'art et leur public, com A. Darbel e D. Schnapper [1966]. A segunda edição, aumentada, apareceu três anos após a primeira e intitulou-se
    L'Amour de l'art, les musées d'art européens et leur public [1969].
  • 13
    Le Sens pratique [1980].
  • 14
    Un art moyen, essai sur les usages sociaux de la photographie, com L. Boltanski, R. Castel, J.-C. Chamboredon [1965]. Uma segunda edição, revista, foi no entanto publicada pela Minuit em 1970, sem as modificações introduzidas ulteriormente. A edição italiana apareceu em 1972, a inglesa em 1990.
  • 15
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales veio à luz em janeiro de 1975. Seu número inaugural comportava um manifesto, reivindicando explicitamente o direito de publicar textos não definitivos.
  • 16
    "Célibat et condition paysanne",
    Études Rurales [1962].
  • 17
    "Les stratégies matrimoniales dans le système de reproduction",
    Annales [1972].
  • 18
    "Reproduction interdite",
    Études Rurales [1989].
  • 19
    La Noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps [1989].
  • 20
    Questions de sociologie [1980].
  • 21
    Langage et pouvoir symbolique [2001] é uma edição francesa, revista e aumentada, de
    Language and Symbolic Power [1991], que por sua vez era uma coletânea de textos traduzidos de
    Ce que parler veut dire [1982]. Assim, três edições sucessivas (de dez em dez anos) apresentam textos sobre o mesmo tema da linguagem.
  • 22
    Les Règles de l'art [1992].
  • 23
    Méditations pascaliennes [1997].
  • 24
    R. Queneau,
    Cent mille milliards de poèmes, 1961. A obra compõe-se de dez sonetos, cujos versos são de fato intercambiáveis.
  • 25
    M. Weber,
    Wirtschaft und Gesellschaft, Tübingen, Mohr, 1922 (publicação póstuma, já que o autor morreu em 1920); tradução parcial em francês,
    Économie et société, Paris, Plon, 1971.
  • 26
    R. Brubaker, "Social Theory as Habitus" (Chicago, 1989), em C. Calhoun, E. LiPuma, M. Postone (eds.),
    Bourdieu: Critical perspectives, Cambridge, Polity Press, 1993, pp. 212-234.
  • 27
    "Avant-propos",
    L'Amour de l'art [2 ed. 1969], pp. 7-9.
  • 28
    La Noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps [1989], Anexo 2, "La méthode", especialmente pp. 336-337.
  • 29
    P. Encrevé,
    Soulages: l'oeuvre complet: peintures, Paris, Éditions du Seuil, 3 vols., 1994, 1995, 1998, 1000 pp., com acréscimos e correções.
  • 30
    R. Vailland,
    Comment travaille Pierre Soulages, Pantin, Le Temps des Cerises (coleção Cahiers Roger-Vailland), 1998.
  • 31
    M. Mauss,
    Oeuvres, Paris, Éditions de Minuit (coleção Le sens commun), 3 vols., 1968-1969 (com apresentação de V. Karady).
  • 32
    M. Mauss,
    Essai sur le don, forme archaïque de l'échange, Paris, 1925.
  • 33
    M. Mauss, Sociologie et anthropologie, precedido de uma introdução à obra de Marcel Mauss por C. Lévi-Strauss, Paris, PUF (coleção Bibliothèque de sociologie contemporaine), 1950 (mesmo ano da morte de M. Mauss). A obra foi reeditada várias vezes, especialmente em 1966, pouco antes do lançamento dos volumes de Mauss pela Éditions de Minuit.
  • 34
    "La délégation et le fétichisme politique",
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1984].
  • 35
    "Esprits d'État" (Amsterdã, 1991),
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1993].
  • 36
    Science de la science et réflexivité [2001].
  • 37
    "Doxa and Common Life",
    New Left Review [1992].
  • 38
    "Tout est social",
    Magazine Littéraire [1992].
  • 39
    "Les rites d'instituition",
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1982].
  • 40
    Homo academicus [1984].
  • 41
    "Les catégories de l'entendement professoral", com M. de Saint Martin,
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1975].
  • 42
    "Raisons d'Agir" é uma coleção de pequenos livros, inaugurada em 1966, sob a égide de uma jovem estrutura editorial, Liber Éditions, distribuída pela Seuil. Os primeiros lançamentos da série continham uma declaração de intenção, que evidenciavam a vontade militante dos autores.
  • 43
    Sur la télévision [1996]. O livro se originou do registro de um curso dado no Collège de France em 1996.
  • 44
    "L'emprise du journalisme",
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1994]. O artigo foi reproduzido como anexo no livro citado acima.
  • 45
    Contre-feux [1998] e
    Contre-feux 2. Pour un mouvement social européen [2001].
  • 46
    "Sollers tel quel",
    Liber. Revue Internationale des Livres [1995], retomado em
    Contre-feux.
  • 47
    "Questions aux vrais maîtres du monde" [1999].
  • 48
    Travail et travailleurs en Algérie [1963].
  • 49
    La Misère du monde [1993].
  • 50
    Le Métier de sociologue, com J.-C. Chamboredon e J. C. Passeron [1968].
  • 51
    "La production de l'idéologie dominante", com L. Boltanski,
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales [1976].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: temposoc@edu.usp.br