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Os guias turísticos em Berlim

The tourist guides in Berlin

Resumos

Este artigo aborda o tema das narrativas sobre a cidade de Berlim presentes em folhetos, livros de história e guias turísticos, em distintos momentos históricos: o período pós-guerra, a época da divisão (Leste e Oeste) e o momento mais recente de reunificação, condizente com a instituição de uma capital multicultural. As reflexões acentuam o modo como diferentes espaços, monumentos e edificações são evocados e submetidos a processos simbólicos, processos esses que revelam disputa entre memórias e apontam constantes redefinições da relação entre passado e presente. Ressalta-se, dessa perspectiva de análise, uma metodologia de observação sobre as narrativas da cidade que pode ser ampliada a outras experiências urbanas.

Cidade; Memória; Turismo; Narrativa


This paper deals with the narratives about Berlin as can be found in leaflets, history books and travel guides, at different historical moments: the post-war period, the division of the State (East-West) and more recently, at the time of reunification, when it became worthy of being instituted as a multicultural capital. The discussion highlights the way different spaces, monuments and buildings are recalled and embedded in symbolic processes, that reveal a dispute among memories and that point to constant redefinitions of the relation between past and present. From this point of view, it is possible to realize that the observation methods of the city narratives may be expanded and applied to other urban experiences.

City; Memory; Tourism; Narratives


ANÁLISES

Os guias turísticos em Berlim

The tourist guides in Berlin

Irlys Alencar Firmo Barreira

RESUMO

Este artigo aborda o tema das narrativas sobre a cidade de Berlim presentes em folhetos, livros de história e guias turísticos, em distintos momentos históricos: o período pós-guerra, a época da divisão (Leste e Oeste) e o momento mais recente de reunificação, condizente com a instituição de uma capital multicultural. As reflexões acentuam o modo como diferentes espaços, monumentos e edificações são evocados e submetidos a processos simbólicos, processos esses que revelam disputa entre memórias e apontam constantes redefinições da relação entre passado e presente. Ressalta-se, dessa perspectiva de análise, uma metodologia de observação sobre as narrativas da cidade que pode ser ampliada a outras experiências urbanas.

Palavras-chave: Cidade; Memória; Turismo; Narrativa.

ABSTRACT

This paper deals with the narratives about Berlin as can be found in leaflets, history books and travel guides, at different historical moments: the post-war period, the division of the State (East-West) and more recently, at the time of reunification, when it became worthy of being instituted as a multicultural capital. The discussion highlights the way different spaces, monuments and buildings are recalled and embedded in symbolic processes, that reveal a dispute among memories and that point to constant redefinitions of the relation between past and present. From this point of view, it is possible to realize that the observation methods of the city narratives may be expanded and applied to other urban experiences.

Keywords: City; Memory; Tourism; Narratives.

Assim como os antropólogos, seguindo Lévi-Strauss, afirmam a evidência de temas bons para se pensar, é possível também acrescentar a essa assertiva a existência de lugares bons para se pensar. Bons, por suscitarem a emergência de problemáticas transcendentes ao próprio contexto de enunciação, integrando-se ao acervo dos notórios assuntos universais. Refiro-me aqui a Berlim, cidade onde questões alusivas à memória e suas expressões discursivas e estéticas parecem relevantes sob diversos aspectos. O passado da cidade e do país como símbolo da história mundial; a divisão espacial no contexto da Guerra Fria; a unificação figurada na "queda do muro" que se tornou emblema contemporâneo da democracia e da derrocada do socialismo. Em síntese, a cidade de Berlim é celeiro de um conjunto vasto de memórias que parecem inesgotáveis e em permanente evocação.

As imagens topográficas, acompanhadas de descrições e roteiros difundidos hoje em postais, catálogos e guias turísticos, são expressões de narrativas da cidade. Apresentam formas dispersas e fragmentadas de pequenos relatos adequados à fluidez e à descontinuidade da vida urbana, constituindo uma importante via de pesquisa das representações e das memórias projetadas no espaço. É sobre esse material informativo que se detém a perspectiva de reflexão do presente texto, voltado à análise do modo como diferentes espaços, monumentos e edificações são evocados e submetidos a processos simbólicos revelados na disputa entre memórias e constantes definições da relação entre passado e presente1 1 O material que serviu de referência às reflexões deste texto foi obtido durante minha estadia em Berlim, entre 15 de agosto e 15 de novembro de 2001. Os dados coletados nos catálogos, folhetos e guias turísticos foram obtidos em museus, livrarias e bibliotecas. As edições mais antigas e os catálogos produzidos na Alemanha Oriental foram obtidos na Stadt Bibliothek de Berlim. As citações dos catálogos contidas no presente artigo foram traduzidas pela autora. Gostaria de registrar meus agradecimentos especiais à professora Renate Rott, pelo convite para estágio na Freie Universität Berlin no programa Capes/DAAD. .

Os guias turísticos não se separam das imagens construídas e reconstruídas da cidade, em diferentes circunstâncias de sua história. Nessa perspectiva, as idéias aqui expostas priorizam, sobretudo, as referências aos momentos de destruição da cidade durante a Segunda Guerra Mundial, à divisão posterior do espaço berlinense e à construção da "Nova Berlim".

As narrativas, na condição de metáforas tomadas por empréstimo do mundo literário, expressam discursos instituídos sobre a cidade, originados de diferentes fontes. Discursos que são não apenas fruto de práticas e intervenções de diferentes atores sociais, mas expressão de formas legitimadas de apresentar a cidade. O passado e sua manifestação como patrimônio cultural não se separam de uma política da memória, considerando-se a eleição feita do que permanece, do que se preserva e do que se expõe como reminiscência temporal (cf. Choay, 1999).

Uma rápida exposição sobre os guias e os catálogos da cidade de Berlim torna-se relevante no desenvolvimento das idéias aqui apresentadas.

Guias turísticos: um espaço peculiar de construção de narrativas

São várias as formas de apresentar Berlim aos que desejam conhecê-la em curto espaço de tempo. O material informativo a que tive acesso, destinado a essa finalidade, compõe-se de catálogos e guias editados de maneira bastante diversificada. Destacam-se volumes com encadernação em forma de livro, contendo textos e ilustrações; folhetos de rápido manuseio, referentes à cidade inteira ou a uma área específica, produzidos em edições especializadas, sobre pontos considerados dignos de atração para o visitante. A difusão desse material em livrarias, pontos turísticos e museus evidencia sua destinação a um público específico: os turistas. Também nas bibliotecas, a exemplo da Stadt Bibliothek de Berlim, é possível encontrar edições de folhetos, livros e catálogos de várias épocas, classificados no índice catalográfico como história ou cidade e imagem, comprovando a interface dessa produção com as ciências sociais, incluindo arquitetura e urbanismo.

A autoria desses informativos nem sempre é evidente, embora seja possível encontrar, sobretudo em catálogos e guias especializados, o registro de fotógrafos e escritores de renome. As versões são feitas em várias línguas, estando presente também, em um mesmo veículo, o texto original em alemão e as respectivas traduções em inglês, francês e espanhol.

Os guias e os catálogos têm em comum o público a que se dirigem - geralmente o visitante alemão ou estrangeiro -, constituindo-se num veículo que objetiva "apresentar a cidade" pela recomendação da visita a determinados locais e que, como o próprio nome diz, é contrário à atitude daqueles que caminham a esmo pela cidade, retendo na memória apenas sua forma subjetiva e peculiar de apreendê-la. A racionalidade no uso do tempo recomendada ao visitante difere da concepção ideal de conhecimento do espaço urbano de Walter Benjamin, para quem: "Importa pouco não saber orientar-se em uma cidade. Perder-se, ao contrário, em uma cidade, como quem se perde em um bosque, requer aprendizagem" (Benjamin, 1962, p. 15).

Os materiais informativos funcionam, nesse sentido, como uma direção que evita "caminhos incertos" ou desvios de um modo planejado de conhecer a cidade. E, se em alguns momentos as páginas de um guia destacam um aconselhamento sobre uma possível travessia dispersa de certas ruas, é para logo mais apresentar uma direção ou lugar onde é "impossível não se deter", sob pena de não haver "conhecido" de fato a cidade. É sobretudo após haver efetivado o roteiro previamente estabelecido que o observador pode construir seu próprio percurso, pois "durante a primeira visita é aconselhável obter uma impressão global recorrendo às proximidades das avenidas Unter den Linden e Kurfrüstendamm. Depois pode simplesmente deixar-se levar pela magia da cidade" (Armin, 2000, p. 5).

A maioria dos guias é composta de fotos e imagens que têm papel preponderante na informação, funcionando como mostra antecipada do monumento ou local a ser visitado. As tomadas das fotos, aéreas ou em close, diurnas ou noturnas, são dotadas de luminosidade e amplitude bastante semelhantes àquelas que se vêem nos cartões-postais. Os registros fotográficos, feitos das cúpulas das edificações ou de seus interiores, valorizam os espaços remodelados, evidentes, sobretudo, nos dez últimos anos, como parte do processo de construção da "Nova Berlim". São fotos que, ao privilegiarem os monumentos e seus interiores, excluindo geralmente a presença de pessoas, funcionam como quadros paisagísticos capazes de permitir o conhecimento da cidade em diferentes dimensões topográficas2 2 Alguns guias apresentam a cidade em vistas aéreas, enfatizando sobretudo as cúpulas de igrejas e, mais recentemente, a reforma da cúpula do Reichstag. : do alto da torre Alexanderplatz, do balão na Potsdamer Platz, dos subterrâneos dos transportes urbanos ou mesmo através das escavações da "topografia do terror", onde o passado trágico implanta a memória dolorosa da guerra.

Compostos de introdução, fotos e apresentação de locais a serem vistos, os materiais topográficos sobre o espaço urbano são como vitrine que pretende conter uma espécie de "identidade citadina": a visão panorâmica do que constitui foco de atração e diferenciação das demais cidades. Em certo sentido, reafirmam a instituição de "lugares", na acepção discutida por Augé (1998), capazes de registrar experiências passadas que almejam se contrapor ao provisório ou efêmero que marca a paisagem atual das grandes metrópoles.

As produções catalográficas expressam também o fenômeno da editoração, típico dos meios de comunicação de massa, com exemplares em diferentes línguas. A existência de fotos padronizadas que ilustram parte significativa dos guias e dos catálogos supõe, portanto, a vigência de uma "indústria de consumo", exemplificada nas várias edições sobre o muro de Berlim, sobre a Potsdamer Platz, o Mitte e determinados locais eleitos como pontos emblemáticos da cidade.

A edição de catálogos e livros, narrando por meio de gravuras e fotos a "história da cidade de Berlim", faz parte de uma tradição literária. Além de catálogos dos anos de 1930, ilustrados com gravuras e textos que mostram praças, palácios e edificações, escritores famosos como Theodor Fontane produziram importantes registros, posteriormente editados em uma série especial de guias sobre a cidade3 3 Ver, a esse respeito, o livro de Fontane (1968), reeditado em uma série especial voltada para o registro de lugares característicos, artísticos e históricos. Segundo nota do editor: "Estas séries começam onde os guias comuns terminam. Apresentam lugares que se distinguem pela beleza de eventos, paisagem, artes e história, retratados nos estudos de escritores famosos. O texto encoraja visitantes, não apressados e residentes interessados, a enriquecer seus conhecimentos por meio do poder de descrição dos artistas". . As narrativas são caracterizadas, nesse contexto, pela descrição de zonas paisagísticas ilustradas com gravuras típicas dos meados do século XIX, nas quais se percebe a imagem de uma visão integrada entre homem e natureza.

Em certo sentido, os guias turísticos das últimas décadas são uma herança readaptada desses catálogos e narrativas sobre a cidade, levando-se em consideração a linguagem e a imagem padronizadas desses materiais. Os guias recentes apresentam, no entanto, informações resumidas, acompanhadas de fotos primorosas que substituem antigas gravuras, destacando-se certos locais que motivam a existência de um passeio com roteiro. A natureza prática dos guias atuais está na síntese das descrições e na explicitação dos acessos, incluindo ruas e meios de transporte.

Os mapas e guias são também legitimadores de cenários e emblemas da memória social, pois, assim como se diz que é impossível ir a Paris sem contemplar a torre Eiffel (cf. Loyrette, 1992, pp. 475-501), também não é possível "conhecer" outras cidades sem o acesso a determinados acervos que são produtos de investimentos materiais e simbólicos, em torno de sua conservação e difusão.

Os guias impressos são também sintoma dos processos sociais de anonimato que ocorrem na metrópole contemporânea, em substituição à informação pessoal, advinda do contato interativo face a face. Lembro, aqui, a reflexão de Simmel (1976), quando se refere à reserva, à desconfiança e ao estranhamento dos habitantes da cidade grande, compensados, no entanto, pela construção de outras formas elementares de inserção urbana. O pensamento do autor, voltado à explicação de especificidades da sociabilidade citadina, pode também dar subsídios para se pensar sobre a função dos guias como objeto contemporâneo de socialização de turistas numa grande cidade.

Os mapas e os guias poderiam ser vistos, nesse sentido, como substitutos do narrador, isto é, aquele que adquire o conhecimento sobre a cidade associado à memória e à experiência de algo vivido em algum lugar (cf. Benjamin, 1962). Se os materiais informativos que compõem a "história da cidade" são relatados por um autor, este, na maioria das vezes, é desconhecido e dirige suas informações e apelos para um conjunto potencial de pessoas pertencentes a um espaço público impessoal, tendo em vista o fato de que "hoje em dia é ao turista, mais que ao flâneur, que a nova cultura da cidade quer apelar, ao mesmo tempo em que teme o indesejável duplo do turista: o migrante expatriado" (Huyssen, 2000, p. 91).

Os roteiros contidos nos materiais informativos aparecem como evidentes e reveladores da "história da cidade", organizando determinados pontos fixos dotados de múltiplas temporalidades, a exemplo da indicação de visita a um monumento imperial, seguida de uma descrição do "muro de Berlim" ou do museu egípcio. É essa marca descontínua de símbolos superpostos que pode despertar o plano da curiosidade: a organização de peças históricas que seguem a lógica do colecionador. Em certo sentido, o turista habitual é, ele próprio, um colecionador de curiosidades materializadas nas visitas, nas fotos e nas compras pelas quais vai montando o seu acervo de conhecimentos, baseado em itinerários cuja peculiaridade é estarem em movimento4 4 Uma discussão sobre o turista como figura típica da pós-modernidade encontra-se em Bauman (1998). . Não por acaso, Bauman (1998) aponta o turista como expressão típica da pós-modernidade, considerando a montagem de suas experiências vividas de forma desconexa no tempo e no espaço.

Os guias e os catálogos, vistos indistintamente e de forma rápida, podem ser considerados veículos de consumo que dão sentido à experiência e ao conhecimento da cidade. É importante, no entanto, identificar diferenças marcantes entre materiais informativos, a exemplo daqueles produzidos por ocasião da divisão política de Berlim. Os guias refletem, em tal perspectiva, os conflitos simbólicos entre as narrativas da cidade, confirmando o princípio segundo o qual aquilo

[...] que cada grupo hegemônico estabelece como patrimônio nacional e relato legítimo de cada época é o resultado de operações de seleção, combinação e encenação que mudam segundo os objetivos das forças que disputam a hegemonia e a renovação de seus pactos (Canclini, 1997, p. 126).

A discussão a seguir apresenta de forma paradigmática a situação de disputa entre as formas de apresentar Berlim, confirmando o caráter diversificado das narrativas.

As narrativas da cidade como disputa simbólica

Um segmento de guias e catálogos sobre Berlim demonstra a existência de discursos que competem quanto às versões da cidade a serem difundidas ao público dentro e fora da Alemanha. Esses materiais apontam a querela instituída no contexto da Guerra Fria e da divisão do país, ostentada no registro peculiar de espaços e intervenções urbanas.

Um dos catálogos editados na Deutsche Demokratische Republik (República Democrática Alemã, RDA), por ocasião do 750º aniversário de Berlim, contendo versões em russo, inglês, francês e alemão, traz elementos importantes para se pensar sobre essa questão (cf. Brückner, 1987, pp. 10-17). As primeiras imagens dessa edição mostram pessoas andando e tomando sorvete, crianças, homens e mulheres. Segue-se, nas demais páginas, uma visão panorâmica do centro da cidade, incluindo outras imagens que representam uma espécie de símbolo de potência da Alemanha Oriental: a torre de televisão e a Câmara do Povo, apresentada em funcionamento, com participação de pessoas votando em um plenário. O catálogo, após a exposição de algumas fotos, explana a "história da cidade" nos seguintes termos:

[...] 750 anos de existência mudam uma cidade ligada à história da Alemanha e sob muitos pontos de vista à história européia e mundial. Vila próspera, centro político, econômico, intelectual e cultural do primeiro Estado socialista sob o sol da Alemanha, capital da República Democrática Alemã, onde a paz é o princípio supremo da política, Berlim festeja seu 750º aniversário [...]. A capital da RDA está profundamente enraizada nas tradições ricas e múltiplas dos 750 anos de história da cidade. Nesta cidade é preservado o fruto do trabalho e das lutas das classes trabalhadoras no curso dos séculos. As aspirações das forças e das personalidades progressistas, democráticas e humanitárias, as obras culturais artísticas e científicas, qualquer que tenha sido o meio social de onde emergiram (Brückner, 1987, pp. 15-17).

A linguagem heróica e ufanista do catálogo é percebida, sobretudo, nos relatos do final da guerra, em que "os inválidos, doentes e velhos foram obrigados a lutar até o final obedecendo a última ordem, até que a chegada da armada vermelha deu sua grande contribuição à derrubada do fascismo". A ilustração caricaturada desse momento é a célebre foto do soldado soviético, sob os escombros, levantando a bandeira da União Soviética, ostentada como símbolo de libertação do nazismo. Outras fotos do catálogo incluem rituais do Primeiro de Maio, representantes oficiais do governo e multidões nas ruas, compondo exposições de uma imagem da cidade reconciliada com seus ideais: "Tal como uma fênix renascendo das cinzas de uma terrível catástrofe, Berlim na festa do seu 750º aniversário respira saúde onde a vida é ritmada pelo esforço dos berlinenses e de toda população do país" (Idem, p. 16).

A apresentação de Berlim, como se pode perceber, encontra-se fortemente vinculada à afirmação do socialismo como ideologia capaz, em um primeiro momento, de libertar a cidade e, depois, preservá-la dos chamados ataques inimigos.

Outras ilustrações mostram ainda monumentos, esculturas e fatos representativos do socialismo, buscando expressar uma narrativa citadina na qual política, trabalho e vida cotidiana estão plenamente reconciliados em ideais também extensivos ao domínio da arte: "A eclosão de uma cultura socialista na RDA se traduz na emergência de novos gêneros dramáticos". A exposição fotográfica de áreas de lazer, como piscinas, parques e florestas, conclui a unidade do conjunto harmonioso difundido para o restante do mundo como documento importante de afirmação de tranqüilidade, em reação à imagem negativa da repressão do regime socialista transmitida por ocasião do debate ideológico travado durante a Guerra Fria.

No plano dos espaços urbanos considerados mais representativos, o catálogo destaca a Alexanderplatz, um dos pontos de orgulho da RDA:

A praça está intimamente ligada à história de Berlim. Ela deve seu nome a uma visita efetuada pelo tzar Alexandre I da Rússia e foi centro de numerosos combates envolvendo trabalhadores revolucionários [...] ao percorrer o olhar sobre a nossa capital socialista, o visitante só pode admirar o centro moderno da cidade, traduzindo o esforço generoso de construção e uma concepção urbana equilibrada.

O modo peculiar de apresentar a cidade, por meio dos materiais contidos nos catálogos produzidos na Berlim Oriental, pode ser percebido desde a exposição das fotos até a linguagem que reivindica legitimidade de representação da cidade em seu conjunto urbano.

Considerando, por exemplo, que a separação da Alemanha foi acompanhada pela fundação do "Estado separatista de Bonn", outro catálogo denominado Berlin Hauptsadt der DDR, de Werner Fahr (1965), afirma o processo de reforma urbana da cidade:

A construção da cidade avançou rapidamente. O centro recebe um aspecto novo: os prédios destinados aos órgãos políticos e administrativos de nosso Estado são construídos na praça Marx-Engels. É aqui que se elevará a torre de televisão de 360 metros. A capital da RDA conta com mais de 1 milhão de habitantes. São hóspedes cordiais para bons amigos. Nossa capital lhe agradará. Visite-nos.

Os catálogos editados na Alemanha Oriental, por ocasião do 750º aniversário da cidade, apresentam a construção de dois momentos históricos enunciados tanto por meio das fotos como da linguagem que sinaliza a existência de um "antes" e de um "depois". Ao tempo histórico de fundação do equipamento urbano associam-se os momentos de sua destruição e de sua reconstrução, sendo esta apresentada como luta contra o fascismo e imagem do progresso. As referências ao muro são omitidas, destacando-se uma idéia sutil de unidade que é passada ao longo de todo o texto do catálogo.

Os guias e os catálogos editados na Berlim Ocidental, por outro lado, acentuam os espaços de reconstrução urbana, privilegiando, por contraste, os equipamentos e os investimentos situados nessa zona da cidade. Alguns trechos da introdução do catálogo Berlim 1945/Berlim hoje (cf. Curlis, 1965, pp. 3-4) caracterizam com nitidez o fenômeno:

O ano zero na nova história da Alemanha é também o ano zero para a antiga capital do Reich. Desde 1965 Berlim tornou-se o centro industrial mais importante do continente [...] em 1965 o turista descobre sob as margens do Spree uma metrópole moderna que foi construída sobre os antigos bairros totalmente destruídos. A tristeza provocada pelo que foi irremediavelmente perdido é mitigada pelo orgulho elevado pelo espetáculo de realizações novas.

Os catálogos e os guias produzidos pela Alemanha Oriental, ao contrário daqueles produzidos pela Alemanha Ocidental, referem-se minimamente à divisão da cidade. A construção do muro é justificada pela "existência de oitenta organizações de espionagem e de subversão que operavam a partir de Berlim Oeste para desestabilizar politicamente a RDA".

As narrativas da destruição e da reconstrução urbanas fazem parte de um conjunto significativo de catálogos que visam a apresentar a cidade a partir de um ponto de origem. Não por acaso, muitos deles têm o nome "Stunde Null" (hora zero), identificando o momento em que a cidade é destruída e reconstruída. As edições produzidas em cada uma das Alemanhas traduzem essa dimensão de morte e renascimento, que recupera uma certa mitologia das origens típicas de cidades ou sistemas políticos (cf. Girardet, 1987). O ponto zero evoca também a idéia de um Salvador e de um momento histórico em que tudo parece recomeçar de modo positivo.

Se as situações de destruição e reconstrução caracterizam uma série de catálogos, produzidos tanto na Alemanha Oriental como na Ocidental, a apresentação dos processos de reconstrução difere na busca dos melhores porta-vozes da recuperação de uma cidade destruída. Nessa disputa entre versões de uma história a ser explanada, destacam-se também as narrativas sobre o muro.

Registros catalográficos do muro

O muro constitui um dos pontos emblemáticos bastante presente nos guias e nos roteiros, suscitando visitações permanentes. Vendas de "pedaços do muro" em cartões-postais e adornos em forma de relíquias refletem bem os significados atribuídos a esse ícone da história berlinense5 5 Os efeitos da divisão da cidade de Berlim sobre as identidades citadinas, bem como a instauração de uma assimetria entre as duas zonas espaciais, foram bastante discutidos na literatura antropológica e histórica, destacando-se questões de ordem econômica e social como ponto de demarcação das diferenças. Ver Bornerman (1997). , conhecido por designações como muro antifascista, segundo a terminologia da RDA, ou "muro da vergonha", segundo a acepção dos críticos e dos descontentes com a divisão da cidade como símbolo da Guerra Fria e espaço de afirmação do socialismo.

Inaugurado em 13 de agosto de 1961, o muro inspirou, a cada "aniversário" de sua existência, a realização de rituais de contestação e posteriores comemorações oficiais, que exemplificam as diferentes possibilidades de apropriação simbólica de uma edificação urbana (cf. Stein, 1997). A queda do muro foi, nesse sentido, mais do que a recomposição da unidade urbana, a expressão visível da perda da hegemonia socialista ou da abertura democrática no mundo.

O "Muro de Berlim" faz parte, hoje, do roteiro dos guias turísticos e catálogos de apresentação da cidade. Por exemplo, o guia Walk the wall possui mapa específico em várias línguas, contendo uma narrativa didática dirigida aos visitantes e a apresentação do "caminho do muro", caracterizado como "o traço mais recente do passado de Berlim". É importante acompanhar a forma como "a história do muro" é contada aos visitantes, sendo um importante móvel simbólico de denúncia:

Turistas de todo o mundo não poderão imaginar sua monstruosa construção e influência. Para isso nós fizemos a rota do muro sobre o nosso mapa da cidade. Ele deve também servir como lembrança para todas as pessoas que moram em Berlim e mostrar até onde o fanatismo pode levar.

O muro é apresentado desde a sua fundação, enfocando etapas que apontam o papel dos artistas na elaboração de desenhos sobre sua superfície e também filmes como o de Wim Wenders, Himmel über Berlim (Asas do desejo), que ostenta imagens do local em várias tomadas de cena. A narrativa presente em Walk the wall mostra várias declarações das vítimas que tentaram atravessar a zona de acesso, referindo-se também a lugares históricos estratégicos, que tiveram as suas funções alteradas depois do soerguimento da barreira, como foi o caso da Potsdamer Platz. Um dos pontos de destaque nas narrativas é a Bernauer Strasse, rua que ficou dividida ao meio pelo muro e que abrigava também uma igreja (capela da reconciliação), demolida por localizar-se na fronteira entre leste e oeste, e posteriormente reconstruída. A rua, percebida como símbolo da divisão, transformou-se também em ícone da "confrontação entre dois sistemas mundiais", segundo o texto explicativo do guia.

A crítica à existência do muro acompanha o registro de sua queda, vista como exaltação e recomposição da unidade perdida. Nesses termos, é importante recorrer a outro veículo informativo, El Muro de Berlín, onde encontramos as palavras de Eberhard Diepgen, prefeito de Berlim:

Quem percorre hoje as ruas de Berlim não pode imaginar como uma barreira de lambris e pua manteve separada e dividida por quase trinta anos esta metrópole palpitante, cheia de vida, aberta ao mundo. [...] Os restos do muro são recordação e exortação. Recordam a segunda ditadura do século XX em território alemão e ante todas as vítimas. Exortam a uma decidida entrada em ação pela paz, a liberdade e a justiça. Agora Berlim é a capital da Alemanha livre e reunificada, que tem encontrado seu lugar reconhecido na comunidade internacional, em paz com seus vizinhos e vinculada aos pactos ocidentais (2001, p. 3).

O museu Check Point Charlie constitui-se num dos locais onde se encontram os registros mais importantes da história do muro. Antes de ser museu, a principal função do Check Point era guardar a área de acesso na fronteira entre as zonas leste e oeste da cidade. Uma enorme placa indicativa, até hoje preservada e posta na entrada do atual museu, informa: "Você está deixando o setor americano". O museu, situado próximo à antiga fronteira, passou a sediar, inicialmente, um grupo de estudos e exibições sobre o muro e a cidade de Berlim durante o pós-guerra. Algumas exposições, como "O muro, de 13 de agosto até hoje"; "Berlim - a cidade como porta e ponte para a Europa"; "Pintores interpretam o muro"; "De Ghandi a Walesa - combate pelos direitos humanos sem violência"; "Topografia da Alemanha - a Alemanha de fronteira", hoje estão incorporadas ao acervo do museu, integrando-se às demais figurações que buscam representar a "história" do muro.

O museu contém, além de diferentes salas de exposições, fotos e relatos da interdição, acompanhados de objetos que teriam sido usados em tentativas de fuga por habitantes de Berlim Oriental. Mantendo uma concepção clara de crítica ao socialismo, o acervo não contém registros de moradores de Berlim Oriental, que são apresentados apenas em sua insatisfação permanente revelada na tentativa freqüente de fuga.

O muro reflete, espacialmente, diferentes momentos da história da cidade na descrição desses guias e mapas, sendo ponto de referência importante das narrativas construídas, que sinalizam marcas temporais referentes a um "antes" e um "depois". Por um período longo, simbolizou o rechaço da democracia e a intolerância às diferenças, o que tornou sua derrubada um momento especial de ruptura, como pode ser visto nas palavras poéticas de Darnton sobre o dia oficial da abertura da fronteira:

Foi um momento mágico de tomada de posse de uma cidade por um povo. Na quinta, 9 de novembro, sob uma lua entre a sombra do Reichstag e a massa ameaçadora da Porta de Brandemburgo, o povo de Berlim dança sobre o muro, transformando a paisagem urbana mais cruel em uma cena de hilaridade e esperança, e colocando fim a um século de guerra (Darnton, 1991, p. 86).

A percepção da queda do muro como instauração de uma nova era encontra-se presente em vários guias e catálogos que mostram uma "Nova Berlim" unificada, com projeções para um futuro.

A construção da Nova Berlim nos guias contemporâneos

A transformação de Berlim em nova capital da Alemanha unida foi acompanhada de amplas intervenções de reforma urbana, com o objetivo de recuperar prédios danificados e instituir outro visual de "cidade integrada". Naquele momento, a cidade era também palco de conflitos étnicos e de minorias, dando, ainda, visibilidade a antigas e novas desigualdades sociais (cf. Jaquand, 1994).

Uma espécie de reapropriação do antigo centro, que fazia parte de Berlim Leste, passa a ocorrer com intensidade, acompanhada também da ampliação de linhas de trem e outros serviços. Os catálogos e os guias editados após a queda do muro caracterizam-se por expressar, nitidamente, os investimentos urbanos na reconstrução da cidade, sob a ótica da unidade. A emergência de uma "nova Berlim" pode ser percebida na apresentação do Guia fotográfico a cores da capital Berlim:

Eis a nova Berlim - Berlim no limiar entre o segundo e o terceiro milênio. Agora que todos os foguetes do milênio já foram lançados, que todas as rolhas das garrafas de champanhe foram recicladas e que todos os hinos foram cantados, resta-nos uma Berlim dos superlativos: maior, mais cara, mais alta, mais luminosa, mais alegre, mais pomposa, mais rica, mais fascinante, mais poderosa, mais inteligente e mais imoral que todas as outras cidades vizinhas (2000, p. 1).

Essa dimensão superlativa da cidade, presente na maioria dos catálogos e dos guias editados após a queda do muro, integra as concepções de renascimento embutidas de modo evidente, por exemplo, na quantidade de construções e de restaurações, na implantação de novas linhas férreas, que tornam a cidade, aos olhos dos visitantes, o "maior canteiro de obras da Europa". De fato, as construções em pontos específicos da cidade refletem um processo de renovação urbana com diferentes sentidos: recuperar a parte leste, fazer jus a grandes investimentos de companhias multinacionais e criar equipamentos urbanos compatíveis com a transferência da capital de Bonn para Berlim. A construção da "Nova Berlim" enseja uma ressignificação de sua história, contada sob a perspectiva do presente.

Ainda segundo a narrativa do mesmo guia:

Quatro datas dominam a história mais recente da capital alemã: 1871, quando Berlim foi nomeada a capital do Império Alemão; 1945, quando a capital do Reich nazista foi tomada pelas tropas do Exército Vermelho; 1961, quando o hediondo Muro de Berlim foi construído numa única noite de agosto; e 1989, quando finalmente caiu o Muro que separou Berlim Oriental de Berlim Ocidental [...]. A Berlim do ano 2000, esta metrópole moderna com os seus milhões de habitantes, é uma conseqüência nova e historicamente lógica dos acontecimentos ocorridos em 1871, 1945, 1961 e 1989 (Idem, p. 2).

A designação dos locais e dos monumentos existentes na maior parte dos materiais catalográficos segue o roteiro de uma descrição histórica, no qual se evidenciam a origem das edificações, os malefícios da guerra, a construção do muro e sua posterior destruição. Sobre a maneira de apresentar a "nova cidade" aos turistas, destaca-se também o artigo de Victoria Curiel, difundido no site "El Siglo":

La experiencia más interesante al visitar Berlín es experimentar cuando uno es turista cómo una ciudad puede enfrentarse con tanta dignidad y democracia a su pasado, y sobre todo con tanta creatividad e imaginación. De cada lado del ex-muro florecen y crecen las librerías, las galerías de arte, con propuestas de vanguardia tanto en las fotografías como en las instalaciones, la escultura y la pintura, artistas de todas partes del mundo acuden y abren sus talleres a los turistas; estamos en una ciudad que se está descubriendo a ella misma, y a sus pobladores, para ello basta con pasarse una mañana en el Reichstag, restaurado con su nueva cúpula de vidrio, y verán autobuses enteros de niños, adolescentes, adultos de las dos Alemanias, en fin, reunidos para visitar y reintegrar el Parlamento que fue incendiado por los grupos nazis que seguían a Hitler en 1933. Este es el espectáculo más conmovedor de Berlín reconciliado con la democracia desde los dos lados.

Os investimentos empresariais e arquitetônicos são mencionados como exemplos do novo visual da cidade:

Duas megaempresas, a Sony e a Daimler-Benz, compraram quarteirões inteiros na praça e construíram seus domínios. A Sony criou uma estrutura futurista, com uma Torre de Cristal, como chamam os alemães. Trata-se de um edifício de vidro, a sede da empresa no país, e uma arena coberta com uma cúpula, uma espécie de shopping, com cinema de tela gigantesca, cervejarias, bares, lojas e até apartamentos para morar. No dia 27 de setembro do ano passado, foi inaugurado lá o Museu do Cinema, com grande parte dos objetos usados por Marlene Dietrich (Kleine, 2001).

A evidência dada a arquitetos e artistas como Christus e Daniel Libeskind representa a tentativa de emprestar uma dimensão criativa à cidade. Várias fotos registram esses emblemas de um novo tempo: o museu judeu projetado com a forma da estrela-de-davi, o Reichstag, a restauração da sinagoga feita no final do governo da Alemanha Oriental, o Sony Center e a Potsdamer Platz desenhados pelo arquiteto alemão-americano Helmut Jahr, cujas obras expressam a face mais nova de Berlim.

É nesse momento de debate sobre o desenvolvimento urbano, permeado de construções monumentais, que se constrói a visão da cidade capaz de recuperar seu passado glorioso dos anos de 1920, ocasião em que Berlim era vista como "encarnação extrema da modernidade" (Richard, 1993), e também como cidade-capital do século XXI, conforme se pode observar nos cartazes fixados em forma de exposição no espaço em reconstrução do Palácio da República, próximo à ilha dos museus:

O início do novo milênio mostra Berlim como metrópole de novas proporções. A imagem da capital unificada tem sido transformada por novos empreendimentos arquitetônicos espetaculares criados por artistas e arquitetos durante os últimos anos. [...] Berlim é uma cidade cujo presente, passado e futuro aparecem nitidamente diante de nossos olhos, imbuída de uma energia que inspira progresso.

Outras formas de narrar a cidade em seu passado e presente emergem intensamente depois da unificação, momento em que a "Nova Berlim" passa a fazer parte de uma rede discursiva que a projeta para além de suas fronteiras. É nesse sentido que a cidade se tornou referência para análise não só de questões como o urbanismo e a arquitetura na contemporaneidade, mas também do complexo tema da "memória histórica".

A memória como reinvenção permanente do passado

Berlim é feita de cicatrizes, de lembranças dolorosas. De ditadura, intolerância, guerra, destruição, separação, dualidade e reunificação. Intriga pelo contraste, conquista pela riqueza de detalhes e fascina pelo passado turbulento. A história não foi esquecida. Está nas balas da Segunda Guerra, ainda incrustadas em prédios do antigo bairro judeu, nas ruínas de igrejas e sinagogas bombardeadas, nos monumentos socialistas e, claro, no que restou do muro. Por isso, o primeiro requisito para o visitante de Berlim é gostar de história (Klein, 2001).

A descrição acima, retirada de uma reportagem especialmente dedicada a Berlim publicada no Brasil, traz registros sobre a cidade difundidos em todo o restante do mundo: as turbulências da guerra e as posteriores disputas doutrinárias signatárias da Guerra Fria.

Outras formas de evocar a cidade são menos sinistras e encantam pela figuração poética. Walter Benjamin, autor consagrado pela maneira peculiar e sensível de tratar a temática da cidade, apresenta uma das rememorações de sua infância:

En las tardes de invierno, mi madre me llevaba consigo, a veces cuando iba a hacer la compra. Era un Berlín oscuro y desconocido el que, a la luz del gas, se extendía a mi alrededor. Nos quedamos en la parte del antiguo Oeste, cuyas calles eran más uniformes y modestas que aquellas que se prefirieron más tarde. Los frisos y los miradores que constituyen el adorno de estas casas de alquiler se encontraban en la oscuridad. Pero en las fachadas se veía una luz que de manera peculiar llevaba hasta las ventanas. ¿Seria debido a los visillos de muselina, a las cortinas amarillas o a la camisa de una lámpara colgada? El hecho es que esta luz revelaba poco de las habitaciones iluminadas. Existía por sí misma, colocándose seductora, aunque tímida, en las ventanas. Me atraía y me hacía reflexionar. Cuando luego volvía a casa, abría mi álbum de tarjetas postales y me buscaba al Hallesches Tor (1962, p. 111).

O olhar ainda inocente de Benjamin, que mais tarde lhe serviria de referência para uma elaboração crítica da modernidade, distancia-se de outras descrições contemporâneas que objetivam apresentar, a eventuais visitantes, os espaços urbanos de Berlim. O próprio Benjamim lamenta o desaparecimento gradual da narrativa fundada na experiência e na sensibilidade portadora de laços entre indivíduos e gerações (cf. Benjamin, 1986).

A memória de uma cidade sacraliza-se também por meio de monumentos, "a pedra", na acepção de Sennett (1994), ao lado da "carne", que define o registro da sociabilidade, anunciando formas de poder e estéticas que marcaram épocas. Não por acaso a destruição e a construção de determinados monumentos estão associadas a múltiplas formas de poder.

A dimensão rememorativa aparece igualmente no relato de escritores que cristalizam momentos da vida cotidiana, tornando-se clássicos de uma época e de um lugar6 6 Em Berlim, destaca-se o célebre romance de Döblin (1995), Berlim Alexanderplatz, que narra a vida de um marginal, personagem emblemática da difícil condição de sobrevivência em uma cidade que se modernizava e criava, conseqüentemente, seus espaços de disciplinamento e exclusão social. Freitag (1995, pp. 127-145) chama atenção para o uso da literatura como forma de identificar momentos significativos da história de uma cidade. . As ruínas e as imagens da devastação foram também objeto de incursão de uma literatura de registros.

Jean-Michel Palmier (1990), que realizou uma viagem literária pelas ruas de Berlim, escolheu como ângulo de observação a estranheza, percebida na confrontação entre a imagem da cidade e seu passado. O livro é, portanto, a explicitação desse sentimento, fixado aleatoriamente em imagens e encontros que mais tocaram o autor. Suas narrativas contêm a nostalgia da cidade destruída pela guerra, baseada no fato de que poucas cidades acusam tão fortemente os traços do passado como Berlim com suas ruínas. A reconstituição do passado traduz, assim, as rememorações de uma cidade desaparecida cujos vestígios não cessam de interpelar, produzindo notas nascidas da confrontação entre imaginário e real.

Além dos traçados arquitetônicos, os lugares oficiais de culto da memória, como museus ou monumentos, realizam outra forma de lembrança, atuando como redutos de cultura com suas representações locais ou universais. Berlim, com sua ilha de museus, acena com o desejo de centralizar patrimônios da humanidade, ao mesmo tempo que designa singularidades da cultura alemã como o acervo de pintura dos expressionistas, os memoriais dos campos de concentração e os registros da história do país e da cidade.

O tema da memória possui significação especial em uma cidade cujos processos de destruição, reconstrução, divisão e unificação parecem combinar-se ao longo do tempo, conforme a visão de Huyssen:

[...] talvez não haja outra grande cidade industrial que suporte as marcas da história do século XX tão intensamente e de forma tão autoconsciente como Berlim. A cidade-texto tem sido escrita, apagada e reescrita ao longo deste século violento, e sua legitimidade se deve tanto mais às marcas visíveis do espaço construído quanto às imagens e memórias reprimidas e rompidas pelos eventos traumáticos (2000, p. 93).

A evocação de eventos traumáticos não se restringe à memória da guerra. Alguns guias e catálogos sobre o muro destacam determinadas ruas próximas à barreira que separava as duas Alemanhas (cf. Trotnow, 1999), principalmente a Bernauer Strasse - rua dividida ao meio pelo muro - e os acontecimentos ocorridos em suas imediações, com as tentativas de fuga da população do lado oriental para o lado ocidental. À explanação dos eventos ocorridos nesse lugar segue-se a proposta de construção de um memorial, um museu que teria também a função de construir uma versão histórica, já que "poucos turistas que vieram a Berlim tinham a noção da cidade dividida".

A apresentação da cidade para os turistas não se separa de um processo simbólico de reconstrução, também articulado à presença de uma memória trágica que atravessa, como sombra, a trajetória urbana da capital da Alemanha, conforme se lê no Guia fotográfico em cores:

Atualmente, na Berlim do terceiro milênio, no centro da União Européia, com uma moeda única e sem fronteiras, a era da fuligem das fábricas e do conservantismo burguês pertence ao passado. O que conta agora é a vigilância e a tolerância, um planejamento audacioso e cuidadoso, a vontade de assumir riscos e uma perseverança obstinada. Resumindo, trata-se de um mundo de contradições que os berlinenses têm que enfrentar por sua conta e risco. Esse eterno conflito entre o presente e o passado, entre o ruído e o silêncio, acima e abaixo, bom e mau: tudo isso é Berlim (2000, p. 5).

Ainda no âmbito dos eventos traumáticos, alguns guias turísticos refletem as narrativas da guerra na descrição de monumentos que foram objeto de reconstrução, tornando memoráveis também lugares ligados a acontecimentos impregnados pelas marcas do nazismo.

Fortuna (1997) aponta a valorização do significado e da função estética das ruínas, observando-as como artefatos que atualizam o passado e estimulam a construção imaginada do presente. Ao lado dos monumentos, elas são demonstrações da heterogeneidade cultural, carreando, no entanto, o perigo de se tornarem paisagem estetizada com funções similares à de mercadoria.

Em outra versão dessa temática, Simmel vê a arquitetura como vitória sublime do espírito sobre a Natureza, e as ruínas são percebidas como um processo de deslocamento e retorno inserido em uma totalidade. Se o que erigiu o edifício foi a vontade humana, a Natureza fez da obra de arte o seu material, como antes a arte se servira da Natureza como sua substância. O fato de que tudo o que é humano "vem do pó e ao pó retornará" afirma uma versão não niilista entre o "ainda não" e o "não mais". A ruína seria, na versão do autor, o ressurgimento da matéria, mas não o seu efeito trágico, constituindo-se numa direção existencial profunda. A ruína, nesse sentido, une-se à paisagem e traz a impressão da paz, criando a forma presente de uma vida pretérita, o passado com seus destinos e suas mudanças. O que existe de sedutor na ruína é que, afinal, a obra humana é percebida como produto da natureza desgastada pelo tempo. A ausência de sedução revela-se, por outro lado, quando a destruição é obra do homem. Essa é, talvez, a questão mais complexa em Berlim: suas ruínas são fruto de uma destruição causada pela guerra, e não produzida pelas marcas do tempo.

A apresentação das ruínas nos guias explicita-se também pelas diferentes maneiras de fazer alusão aos dois lados da cidade por meio de espaços e monumentos que se tornaram ícones históricos. No lado oeste, destaca-se, por exemplo, a igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche, arrasada durante um ataque aéreo, em novembro de 1943, e conservada em ruínas. O "dente oco", tal como é conhecida, contém uma retrospectiva de fotos e projetos arquitetônicos do antigo templo organizados numa exposição para visitantes. O fato de a igreja manter a imagem de sua destruição empresta-lhe um caráter de rememoração, tornando-a emblema da devastação provocada pela Segunda Guerra Mundial. "A Igreja da Lembrança, Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche, a mais bela ruína de Berlim, não será jamais reconstruída, permanecerá para sempre uma lembrança do passado" (Armin, 2000, p. 89). As ruínas dos monumentos grandiosos radicalizam o passado de devastação, tornando-se rememorações cristalizadas de evocação permanente7 7 A dimensão trágica dos registros de destruição é estudada por Lapostolle (1981, pp. 67-76). A autora analisa o registro fotográfico da Comuna de Paris, captado a partir de um duplo ponto de vista: o dos partidários da Comuna, que registram as barricadas e os heróis em ação, e o do lado anticomuna, que dá aos monumentos uma aparência menos sentimental, acompanhada de um inventário das catástrofes, um cenário de ruínas onde a presença humana é insignificante. .

Outras imagens da destruição estão fortemente presentes nos guias da cidade, como a da Neue Synagoge, incendiada em 1943 e reconstruída em 1988. "Sua cúpula dourada, visível a longa distância, converteu-se em símbolo do bairro. Ela, que em sua época era a mais sinuosa sinagoga da cidade, foi incendiada em 1838, no transcurso da chamada 'noite dos cristais rotos', sofrendo danos adicionais durante um ataque aéreo em 1943" (Armin, 2000, pp. 60-61). A Bebelplatz, centro intelectual e artístico na época de Federico II, é também destacada devido à existência de um monumento subterrâneo que rememora a queima de livros considerados contrários ao regime, ocorrida em 1943, por ordem dos nacional-socialistas. Entre outros locais marcados pela memória da perseguição nazista, destaca-se, no referido guia, a exposição permanente da "topografia do terror", no antigo quartel geral da Gestapo.

Em 1986, descobriram-se restos de calabouço e câmaras de tortura no transcurso de umas escavações realizadas no que havia sido os sótãos do edifício. Dois anos mais tarde organizou-se nesse lugar uma exposição provisória sobre a antiga central do terror nacionalista (Idem, p. 23).

O monumento à resistência alemã homenageia conspiradores que atentaram contra o regime nazista (Idem, p. 31).

As alusões a diferentes momentos históricos contidas nos registros dos guias fazem pensar sobre as formas evocativas da memória na contemporaneidade. Huyssen (2000) aporta uma importante reflexão sobre a existência de uma política da memória instituída a partir da queda do muro de Berlim. As transformações anunciadas no livro referem-se à construção de cenários urbanos nos quais novos sentidos de memória histórica são anunciados. O imaginário urbano explora as lembranças traumáticas tendo como cenário a cidade de Berlim, exemplificando a volta ao passado em contraste com o privilégio do futuro, que constitui a marca na Europa a partir da década de 1980. Assiste-se, segundo o autor, a uma recodificação do passado, a exemplo da discussão sobre o holocausto (cf. Finkelstein, 2000), o que demonstra a disseminação geográfica da cultura da memória e seu uso político como fenômenos que se entrelaçam e (re)fundam mitos do mundo moderno. A difusão da memória não está separada também de apropriações políticas de efeitos ideológicos, conforme se pode perceber em evocações ao holocausto.

Em Berlim convivem diferentes formas de memória, havendo mesmo um paradoxo entre as tragédias a não serem esquecidas, porque funcionam como lições para a humanidade, e a tentativa de redefini-las, com o objetivo de criar novas narrativas para a cidade. Percebe-se, portanto, que, se os guias evocam esse conjunto de tempos históricos desconexos, o fazem na suposição de que o presente carrega um passado portador de tensões e contradições.

Berlim teria também uma relação perturbada com sua ancestralidade, traduzida, por exemplo, na construção do "novo" sobre as ruínas do passado. Freitag (1994) ilustra esse paradoxo remetendo o leitor ao moderno campanário azul-transparente construído ao lado da ruína da velha torre da igreja. Outros espaços, como o da avenida Unter den Linden, apresentam essa mesma relação aparentemente contraditória entre passado e presente. Qual seria a "verdade alemã", construída no espaço de Berlim?, indaga Freitag, e afirma que, na sua concepção, seria a vontade de dar conta do passado nazista, do holocausto, do racismo e da pulsão bélica que caracterizaram por séculos a cultura da Prússia.

As diferentes formas de expressão da memória revelam seu caráter histórico e sua base variada de significações, ora atuando como denúncia, ora como lições para a vida e para a história. As narrativas do passado também se materializam em representações simbólicas, apontando, ao pesquisador, múltiplas possibilidades de análise de seus registros.

As explanações contidas nos guias e sua função de apresentar bem a cidade instauram e legitimam narrativas que induzem o estabelecimento de rituais. Nesse contexto, as tragédias encontram também um lugar de rememoração, instituindo-se como foco de atração, singularidade e exotismo. A visita aos campos de concentração ou às ruínas da guerra integra-se aos roteiros de conhecimento da cidade, afirmando o turista como flâneur ambíguo da rememoração e do esquecimento. Emerge, nessa direção, uma relação paradoxal com o passado: esquecer para não lembrar os traumas e lembrar para não repetir a história.

As múltiplas evocações do passado explicitam a dimensão plural da memória8 8 Sobre esse tema, é importante atentar para a reflexão de Pollak (1989, pp. 3-15) sobre a memória oficial dos judeus em contraponto a outras lembranças reprimidas. com seus conflitos vigentes em diferentes construções discursivas sobre a cidade9 9 Sobre a percepção do patrimônio como construção histórica, ver Choay (1999). . Os guias e os catálogos podem ser vistos como modos específicos de "contar a história da cidade" e fortalecer elos entre o passado e o presente. Ressalta-se, dessa perspectiva de análise sociológica, uma metodologia de observação que pode ser ampliada a múltiplas experiências urbanas. Embora Berlim traga a peculiaridade da nitidez dos conflitos políticos e ideológicos, constituindo-se numa espécie de tipo ideal weberiano de disputa entre espaços, outras experiências urbanas podem explicitar questões semelhantes. Nesse sentido, guias turísticos e catálogos podem ser percebidos como mapas de representações da cidade e de sua inscrição no tempo. Eles integram, portanto, uma economia específica de bens materiais e simbólicos, que tocam a relação entre cidade, memória e consumo na contemporaneidade.

Texto recebido em 5/4/2004 e aprovado em 9/12/2004.

Irlys Alencar Firmo Barreira é professora titular do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. E-mail: ialencar@secrl.com.br.

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  • WALK THE WALL Pharus Plan. Haus am Checkpoint Charlie/Pharus-Verlag Heinrich Möller KG, english edition.
  • 1
    O material que serviu de referência às reflexões deste texto foi obtido durante minha estadia em Berlim, entre 15 de agosto e 15 de novembro de 2001. Os dados coletados nos catálogos, folhetos e guias turísticos foram obtidos em museus, livrarias e bibliotecas. As edições mais antigas e os catálogos produzidos na Alemanha Oriental foram obtidos na Stadt Bibliothek de Berlim. As citações dos catálogos contidas no presente artigo foram traduzidas pela autora. Gostaria de registrar meus agradecimentos especiais à professora Renate Rott, pelo convite para estágio na Freie Universität Berlin no programa Capes/DAAD.
  • 2
    Alguns guias apresentam a cidade em vistas aéreas, enfatizando sobretudo as cúpulas de igrejas e, mais recentemente, a reforma da cúpula do Reichstag.
  • 3
    Ver, a esse respeito, o livro de Fontane (1968), reeditado em uma série especial voltada para o registro de lugares característicos, artísticos e históricos. Segundo nota do editor: "Estas séries começam onde os guias comuns terminam. Apresentam lugares que se distinguem pela beleza de eventos, paisagem, artes e história, retratados nos estudos de escritores famosos. O texto encoraja visitantes, não apressados e residentes interessados, a enriquecer seus conhecimentos por meio do poder de descrição dos artistas".
  • 4
    Uma discussão sobre o turista como figura típica da pós-modernidade encontra-se em Bauman (1998).
  • 5
    Os efeitos da divisão da cidade de Berlim sobre as identidades citadinas, bem como a instauração de uma assimetria entre as duas zonas espaciais, foram bastante discutidos na literatura antropológica e histórica, destacando-se questões de ordem econômica e social como ponto de demarcação das diferenças. Ver Bornerman (1997).
  • 6
    Em Berlim, destaca-se o célebre romance de Döblin (1995),
    Berlim Alexanderplatz, que narra a vida de um marginal, personagem emblemática da difícil condição de sobrevivência em uma cidade que se modernizava e criava, conseqüentemente, seus espaços de disciplinamento e exclusão social. Freitag (1995, pp. 127-145) chama atenção para o uso da literatura como forma de identificar momentos significativos da história de uma cidade.
  • 7
    A dimensão trágica dos registros de destruição é estudada por Lapostolle (1981, pp. 67-76). A autora analisa o registro fotográfico da Comuna de Paris, captado a partir de um duplo ponto de vista: o dos partidários da Comuna, que registram as barricadas e os heróis em ação, e o do lado anticomuna, que dá aos monumentos uma aparência menos sentimental, acompanhada de um inventário das catástrofes, um cenário de ruínas onde a presença humana é insignificante.
  • 8
    Sobre esse tema, é importante atentar para a reflexão de Pollak (1989, pp. 3-15) sobre a memória oficial dos judeus em contraponto a outras lembranças reprimidas.
  • 9
    Sobre a percepção do patrimônio como construção histórica, ver Choay (1999).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      05 Abr 2004
    • Aceito
      09 Dez 2004
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