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Sociologia como ponto de vista

CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

Sociologia como ponto de vista

Luiz Carlos Jackson

O texto inaugural da sessão Clássicos da Sociologia Brasileira, "A sociologia no Brasil", de Antonio Candido, foi publicado pela primeira vez em 1959, na Enciclopédia Delta-Larousse (que teve várias edições nos anos de 1960)1 1 Todas as referências desta apresentação foram retiradas da excelente bibliografia de Antonio Candido, organizada por Vinicius Dantas (São Paulo, Duas Cidades/Editora 34, 2002). . Resultou de uma encomenda feita por Fernando de Azevedo a seus assistentes na cadeira de Sociologia II, Antonio Candido e Florestan Fernandes2 2 Não se sabe em que ano foi feito o convite. Se posterior a 1954, Florestan estava à frente da cadeira de Sociologia I. , que ficaram responsáveis pela redação do item sobre sociologia3 3 Incluído em sessão sobre as ciências sociais. Fernando de Azevedo escreveu uma introdução. O artigo de Florestan trata do objeto, das divisões e do desenvolvimento histórico da sociologia na Europa e nos Estados Unidos. .

Balanço da experiência compartilhada com outros jovens cientistas sociais, que herdaram da primeira geração de professores brasileiros e estrangeiros o compromisso de construir as ciências sociais em São Paulo, o texto de Antonio Candido é também o último que escreveu como sociólogo4 4 Antonio Candido foi professor assistente na cadeira de Sociologia II, na FFCL-USP, dirigida por Fernando de Azevedo, de 1942 a 1958. De 1958 a 1960, lecionou Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis. Assumiu a cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada, na FFCL-USP, em dezembro de 1960. , ainda que possamos discordar que ele tenha deixado de sê-lo em algum momento de sua trajetória acadêmica.

É possível destacar em sua obra, entretanto, uma série de textos estritamente sociológicos publicados entre 1947 e 1959: "Opinião e classes sociais em Tietê" (Sociologia, São Paulo, 1947, IX (2): 97-112); "O nobre: contribuição para o seu estudo" (Sociologia, São Paulo, 1948, X (2-3): 140-155); "Sociologia: ensino e estudo" (Sociologia, São Paulo, setembro de 1949, XI (3): 275-289); "The brazilian family" (em T. Lynn Smith e Alexander Marchant (orgs.), Brazil: Portraits of Half a Continent, Nova York, The Dryden Press, 1951, pp. 291-312); "Euclides da Cunha, sociólogo" (O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13/12/1952, p. 5); "Contribuição ao estudo de problemas do ensino rural" (em J. Querino Ribeiro, Pequenos estudos sobre grandes problemas educacionais: alguns aspectos do ponto de vista da administração escolar, São Paulo, 1952, pp. 17-23 [tese apresentada ao IV Congresso Normalista de Educação Rural, em São Carlos, em outubro de 1951]); "A estrutura da escola: contribuição sociológica aos cursos especializados de administração escolar" (Caderno n. 5, São Paulo, FFCL da USP, 1953, 33 pp.); "A vida familial do caipira" (Sociologia, São Paulo, 1954, XVI (4): 341-367); "Informação sobre a sociologia em São Paulo" (O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25/1/1954, p. 135 [número comemorativo ao IV Centenário, 1954]); "L'état actuel et les problèmes les plus importants des études sur les sociétés rurales du Brésil" (Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas [em São Paulo, de 23 a 28/08/1954], v. I, São Paulo, Anhembi, 1955, pp. 321-332); "O papel do estudo sociológico da escola na sociologia educacional" (Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia, São Paulo, Sociedade Brasileira de Sociologia, 1955, pp. 117-130); "Possíveis raízes indígenas de uma dança popular" (Revista de Antropologia, São Paulo, junho de 1956, IV (1):1-24); "A sociologia no Brasil" (Enciclopédia Delta-Larousse, Rio de Janeiro, Delta S.A., 1959, pp. 2216-2232).

Infelizmente dispersos e de difícil acesso, constituem, juntamente com Os parceiros do rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida (Rio de Janeiro, José Olympio, 1964, 239 pp.), a expressão de sua atuação como professor assistente de Sociologia na FFCL-USP nas décadas de 1940 e 1950. Deve-se notar, ainda, intervalo significativo demarcado pela última de suas "Notas de crítica literária" (27/2/1947), publicadas então no Diário de São Paulo, e o primeiro texto (sobre Guimarães Rosa, em 6/10/1956) publicado no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo. Não há exagero na afirmação de que, nesse período, Antonio Candido foi, em primeiro lugar, sociólogo. Sua opção posterior pela crítica literária não pode ser compreendida sem que se considerem as perspectivas teóricas adquiridas nas ciências sociais.

Esse afastamento dos jornais permitiu finalizar também A formação da literatura brasileira (1959). Centrada em nossa formação literária, a obra-prima de Antonio Candido é o ponto de referência para um conjunto de textos que avalia o sentido da experiência intelectual brasileira5 5 Do qual constam, sobretudo, "Literatura e cultura de 1900 a 1945", em Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1965, 230 pp.); "O significado de Raízes do Brasil", em Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil (5 ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1969, pp. XIX-XXX) e "Radicalismos", em Vários escritos, 3 ed. revista e ampliada, São Paulo, Duas Cidades, 1995, 358 pp. , no qual se inscreve "A sociologia no Brasil". Duas grandes teses norteiam esse percurso, a primeira deriva da definição de literatura como sistema e, portanto, como representação coletiva. A segunda afirma sua precedência na construção de nossa identidade como nação em relação a outras formas de produção intelectual e artística.

Nesse sentido, tanto a crítica da cultura como a sociologia deveriam constituir-se como resultantes dessa experiência histórica, decisiva para a conformação de certo estilo intelectual, marcado pelo rigor científico, mas também por liberdade expressiva. Este é, salvo engano, o ponto de vista sociológico que o autor defende vigorosa e discretamente, em meio às disputas e tensões que caracterizaram as décadas de institucionalização das ciências sociais em São Paulo.

Luiz Carlos Jackson é professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP. E-mail:ljackson@usp.br.

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    Todas as referências desta apresentação foram retiradas da excelente bibliografia de Antonio Candido, organizada por Vinicius Dantas (São Paulo, Duas Cidades/Editora 34, 2002).
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    Não se sabe em que ano foi feito o convite. Se posterior a 1954, Florestan estava à frente da cadeira de Sociologia I.
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    Incluído em sessão sobre as ciências sociais. Fernando de Azevedo escreveu uma introdução. O artigo de Florestan trata do objeto, das divisões e do desenvolvimento histórico da sociologia na Europa e nos Estados Unidos.
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    Antonio Candido foi professor assistente na cadeira de Sociologia II, na FFCL-USP, dirigida por Fernando de Azevedo, de 1942 a 1958. De 1958 a 1960, lecionou Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis. Assumiu a cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada, na FFCL-USP, em dezembro de 1960.
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    Do qual constam, sobretudo, "Literatura e cultura de 1900 a 1945", em
    Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1965, 230 pp.); "O significado de
    Raízes do Brasil", em Sérgio Buarque de Holanda,
    Raízes do Brasil (5 ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1969, pp. XIX-XXX) e "Radicalismos", em
    Vários escritos, 3 ed. revista e ampliada, São Paulo, Duas Cidades, 1995, 358 pp.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: temposoc@edu.usp.br