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Raízes alemãs da sociologia econômica

The German roots of economic sociology

Resumos

O texto recupera a fonte clássica weberiana e da Escola Histórica Alemã para a formação da economia institucionalista no contexto acadêmico norte-americano das últimas décadas do século XIX. Para isso, retoma as reflexões de Weber em torno da sociologia do direito e a conexão entre normas jurídicas e ação econômica. Apresenta em seguida a sua recepção do outro lado do Atlântico como grandemente devedora das figuras respectivas de Richard T. Ely, destacado representante de uma geração de estudantes formados pelo ambiente cultural alemão, e em seguida de J. R. Commons, leitor do primeiro. O artigo também mostra as relações entre os temas da democracia industrial e da grande empresa cooperativa, nos Estados Unidos, com a aquela tradição intelectual, estabelecendo assim as condições históricas para o surgimento posterior da sociologia econômica. Sugere, dessa forma, que as afinidades eletivas entre a economia e as outras esferas do social, uma abordagem de raiz weberiana, têm explicitada a sua linha de continuidade encontrada nas classificações disciplinares mais recentes.

Rechtssoziologie; Institucionalismo; Sociologia econômica


The text reassesses the use of Weber and the German Historical School as classical sources in the formation of institutionalist economics in the US academic context during the final decades of the 19th century. This aim in mind, it turns to Weber's writings on the sociology of law, and the connection between juridical norms and economic action. Subsequently, the text presents the reception of his work on the other side of the Atlantic, in particular via the figures of Richard T. Ely, the leading figure of a generation of students influenced by the German cultural environment, followed later by J. R. Commons, a close reader of the former's work. The article also focuses on the relations between this intellectual tradition and the themes of industrial democracy and large cooperative companies in the United States, a process that established the historical conditions for the later emergence of economic sociology. In conclusion, it suggests that the 'elective affinities' between economics and other social spheres, an approach rooted in Weber, help explain lines of continuity found in more recent disciplinary classifications.

Rechtssoziologie; Institutionalism; Economic sociology


ARTIGOS

Raízes alemãs da sociologia econômica

The German roots of economic sociology

Michel Lallement

RESUMO

O texto recupera a fonte clássica weberiana e da Escola Histórica Alemã para a formação da economia institucionalista no contexto acadêmico norte-americano das últimas décadas do século XIX. Para isso, retoma as reflexões de Weber em torno da sociologia do direito e a conexão entre normas jurídicas e ação econômica. Apresenta em seguida a sua recepção do outro lado do Atlântico como grandemente devedora das figuras respectivas de Richard T. Ely, destacado representante de uma geração de estudantes formados pelo ambiente cultural alemão, e em seguida de J. R. Commons, leitor do primeiro. O artigo também mostra as relações entre os temas da democracia industrial e da grande empresa cooperativa, nos Estados Unidos, com a aquela tradição intelectual, estabelecendo assim as condições históricas para o surgimento posterior da sociologia econômica. Sugere, dessa forma, que as afinidades eletivas entre a economia e as outras esferas do social, uma abordagem de raiz weberiana, têm explicitada a sua linha de continuidade encontrada nas classificações disciplinares mais recentes.

Palavras-chave:Rechtssoziologie; Institucionalismo; Sociologia econômica.

ABSTRACT

The text reassesses the use of Weber and the German Historical School as classical sources in the formation of institutionalist economics in the US academic context during the final decades of the 19th century. This aim in mind, it turns to Weber's writings on the sociology of law, and the connection between juridical norms and economic action. Subsequently, the text presents the reception of his work on the other side of the Atlantic, in particular via the figures of Richard T. Ely, the leading figure of a generation of students influenced by the German cultural environment, followed later by J. R. Commons, a close reader of the former's work. The article also focuses on the relations between this intellectual tradition and the themes of industrial democracy and large cooperative companies in the United States, a process that established the historical conditions for the later emergence of economic sociology. In conclusion, it suggests that the 'elective affinities' between economics and other social spheres, an approach rooted in Weber, help explain lines of continuity found in more recent disciplinary classifications.

Keywords:Rechtssoziologie; Institutionalism; Economic sociology.

Nota sobre sociologia econômica

Este artigo é ao mesmo tempo denso e oportuno, conquanto conciso e econômico no talhe. Denso porque mobiliza fontes da sociologia clássica, esclarecendo passagens e influências às vezes pressupostas, porém nem sempre devidamente marcadas com a clareza e a precisão que o assunto – a imbricação entre os temas econômicos e os temas da organização social, passando pelo medium privilegiado do direito – exige. Oportuno porque aponta, talvez involuntariamente, para implicações políticas mais próximas da agenda do presente, incluindo a aposta no cooperativismo e em uma economia social de mercado. A discussão sobre a vertente norte-americana do reformismo social, caldo de cultura da corrente institucionalista, e que dá empuxe à diferenciação do campo disciplinar chamado "sociologia econômica", é esclarecedora a esse respeito. Ela, aliás, abre uma brecha para se levantar a questão das condições sociais de eleição intelectual de determinadas classificações "sábias", como é o caso, sugerido no texto, para a American Economic Association. O recurso à história, aqui apenas roçado, é a fresta por onde se ilumina o que está de fato em jogo: lutas de classe, tendências monopolistas das firmas, desapossamento do saber de ofício, desemprego e crise social. Juntando os fios, é possível entrever, para a conjuntura de nascimento do institucionalismo (final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX), os outros componentes (não mencionados pelo autor) do quebra-cabeça: taylorismo, fordismo, crise do liberalismo e o "novo contrato social". Este artigo, portanto, estimula o paladar, se se pode dizer assim, e esse não é um mérito menor.

Com respeito à influência da escola histórica alemã na sociologia econômica – mote da contribuição –, o efeito é igualmente estimulante. Seus esclarecimentos podem não ser originais, mas são certamente abalizados e ponderados, confirmando elegantemente a intuição de que os argumentos hoje enfatizados pelo campo são devedores de uma problemática que está posta em Max Weber e que, se assim é, o retorno àquela problemática (re)descobrirá muitos elos que a riqueza daquele patrimônio permite estabelecer. Um exemplo: a relação entre as formas do direito (direito formal e direito material) e da organização econômica. Ou ainda: entre capitalismo e tecnologias de poder. Difícil, portanto, confinar tudo isso a uma especialidade. O texto de Michel Lallement é bom por causa dessa abertura.

* * *

Para a sociologia econômica em particular, assim como para a sociologia em geral, o tema das instituições constitui sem nenhuma dúvida um objeto seminal. Ainda que agreguem pontos de vista bastante diversificados (teoria dos custos de transação, escola da regulação, political economy, teoria das convenções...), as abordagens institucionalistas reivindicadas pelos economistas foram prova de uma vitalidade notável no curso desses últimos decênios (cf. Hodgson, 1994). A sociologia conformou-se a esse diapasão mais tardiamente e, na falta de uma verdadeira abordagem unificada, nota-se, sobretudo no período recente, igualmente discursos que reivindicam de maneira explícita um ponto de vista institucionalista (cf. Lallement, 2004a). Ratifica tal constatação o fato de, na presente contribuição, voltar-se à temática institucionalista, que ocupa, como é de reconhecimento geral, um lugar importante no campo da sociologia econômica contemporânea. Minha tese maior é que, nessa matéria, somos grandemente devedores dos trabalhos ainda bastante desconhecidos hoje da escola histórica alemã. Tal escola ocupou um lugar central, para não dizer hegemônico, no seio do espaço intelectual alemão desde a metade do século XIX até os anos de 1920. Na tradição cameralista, ela assume uma amplidão em economia graças aos primeiros trabalhos de Wilhem Roscher, Karl Knies e Bruno Hildebrand. Recordemos muito rapidamente suas causas e suas origens.

Em 1843, W. Roscher publica uma pequena obra que afirma sua vontade de usar um método comparável àquele mobilizado por Friedrich Karl von Savigny, jurista que defende que o direito não é a emanação da Razão, mas a expressão singular, até mesmo irracional, de experiências nacionais. Em um espírito similar, o objetivo dos economistas consiste menos em abstrair e em especular do que em descrever.

O artigo de fé metodológico da escola histórica, o artigo fundamental e distintivo, era de que o organon da economia científica devia principalmente – no início se havia dito exclusivamente – consistir nos resultados das monografias históricas e nas generalizações que eram extraídas daí. Pode-se resumir precisamente o credo da escola histórica pela proposição de que o economista, considerado um pesquisador, deve ser essencialmente um historiador da economia (Schumpeter, 1983, III, pp. 85-86).

Essa vontade de analisar os fatos econômicos sem abstraí-los do rico solo social, jurídico e histórico no qual germinam é, desde seu nascimento, uma constante da sociologia econômica. Para esclarecer mais precisamente o sentido e o alcance de tal asserção, há dois argumentos maiores que incitam a debruçar-se sobre as fontes germânicas. O primeiro é que Max Weber, figura das mais eminentes, mas também das mais ambíguas da escola histórica1 1 Em Schumpeter (1983), Weber aparece como uma das figuras de proa da terceira geração da escola histórica, ao lado de Arthur Spiethoff (especialista dos ciclos econômicos, que foi assistente de Schmoller) e de Werner Sombart. Sobre as relações complexas de Weber com a escola histórica alemã e com a teoria econômica austríaca, ver Lallement (2004b). , trabalhou abundantemente o campo de uma sociologia econômica (cf. Weber, 1999). Ainda que não o mais conhecido, um de seus resultados de maior importância consiste em dar atenção às regras e, mais exatamente, à articulação entre normas jurídicas e ação econômica. Em seus escritos consagrados à racionalização do direito, Weber desenvolve assim uma sólida reflexão sobre as condições sociais de gênese e de funcionamento da economia moderna. Essa problemática estará no coração da primeira parte da presente contribuição. O segundo argumento que me incita a voltar à Alemanha é o seguinte: nós hoje sem dúvida esquecemos, mas a escola histórica alemã emigrou de maneira fecunda para além de suas fronteiras, em direção notadamente à América do Norte. É impossível, por exemplo, compreender a entrada americana do institucionalismo sem antes se tomar consciência de que, a despeito da variedade de esquemas analíticos que pôde produzir, tal opção toma emprestadas da escola histórica alemã suas hipóteses de base. Seria preciso, para isso, de intermediários. O socioeconomista americano Richard Ely, autor bem menos renomado que Weber, foi um dos mais ativos dentre eles. Seus trabalhos serão apresentados na segunda parte. Limitando-me assim, de maneira certamente parcial, aos trabalhos de Weber e de Ely, é à posteridade imediata das primeiras e das segundas escolas históricas que dedicarei meu interesse. Weber e Ely têm, com efeito, respirado a mesma atmosfera intelectual quando de seus estudos alemães, mas as contribuições de seus respectivos trabalhos para a sociologia econômica de ontem e de hoje inscrevem-se em registros tão diferentes quanto complementares.

Regras e instituições econômicas: a contribuição de Max Weber

As múltiplas contribuições de Max Weber à sociologia econômica são hoje suficientemente conhecidas e não é necessário retomá-las em detalhe (cf. Swedberg, 1998). Minha intenção é focalizar a atenção sobre um aspecto que se poderia ter como marginal, considerando-se por exemplo os grandes estudos do autor sobre a ética religiosa e as práticas econômicas, mas que reputo como particularmente esclarecedor na perspectiva institucionalista aqui priorizada. Trata-se, no caso, do estatuto das regras, em especial das regras de direito, na dinâmica econômica. A análise das transformações do direito no longuíssimo prazo permite esclarecer de maneira original a tese clássica da racionalização do mundo ocidental moderno.

Fundamentos de uma sociologia do direito

O que se pode dizer sobre a evolução do direito, de um espaço social a outro, e como caracterizar suas formas múltiplas? A fim de responder a essa interrogação, Weber – que era jurista de formação e começou sua carreira como advogado – principia por distinguir direito formal de direito material. Uma lei é dita formal se pode ser deduzida de um sistema de noções e proposições por meio unicamente das regras da lógica. Nesse caso, busca-se elaborar uma teoria jurídica na qual as normas obedeceriam exclusivamente à coerência da ordem jurídica abstrata e se deixariam deduzir umas das outras, alheias a toda consideração exterior (ética, política, religiosa, econômica...)2 2 O direito formal é, em outros termos, um conjunto jurídico que se refere somente às pressuposições mesmas, ou postulados de um sistema jurídico dado. Ele conduz assim a uma racionalização do direito por razões puramente jurídicas. . Uma lei é dita material se ela é conforme aos dados da ética, da religião, da economia, da política do momento: o direito material é, pois, um sistema que se refere a elementos extrajurídicos. Dito ainda de outro modo, esse direito tem em conta elementos não jurídicos, na medida em que não está a serviço de sua própria lógica abstrata e de sua coerência ideal, mas das exigências da sociedade histórica concreta cuja ordem ele regulamenta. Weber combina em seguida essa dicotomia com outra partição: aquela que opõe direito racional (uso de regras gerais) e direito irracional (que não emprega regras gerais). Daí, como indica a Quadro 1, a obtenção de quatro tipos ideais de conformação do direito3 3 Essa tabela recorre explicitamente aos termos utilizados por Grosclaude em sua introdução (pp. 20 ss.) de Sociologie du droit, de Weber (1986). .


Em sua Rechtssoziologie, Weber distingue no essencial dois aspectos da racionalização do direito: um aspecto interno (dimensão formal da racionalização) e um aspecto externo (dimensão material). Essa distinção elementar tem para si a vantagem de favorecer a apresentação das teses de Weber e permite sobretudo trazer à tona a questão da racionalização econômica, em meio à qual as relações de trabalho aparecem em lugar destacado.

O direito e a história

Tome-se em primeiro lugar o caso da racionalização interna. É a dimensão em que nos demoraremos menos. Para marcar as etapas determinantes dessa primeira forma de racionalização, Weber retém quatro estádios (cf. Weber, 1986, pp. 221 ss.). O ponto de partida é a revelação carismática do direito pelos profetas. Os exemplos típicos são o decálogo revelado por Jeová a Moisés, os oráculos babilônicos ou helênicos, os druidas gauleses, os sacerdotes fetichistas africanos, o cádi muçulmano, o tirano, mas também o júri moderno. Esse direito é irracional e formal. Qualificá-lo desse modo não significa que temos de nos defrontar com a aplicação de uma norma geral a um caso particular, mas antes a uma decisão cuja forma é válida para o caso considerado independentemente dos interesses ou do sentimento subjetivo de justiça. A produção da atividade jurídica passa em seguida – segundo estádio – para as mãos das notabilidades judiciárias (Rechthonorationen), a exemplo dos juízes ingleses ou dos jurisconsultos romanos. O direito é então concebido como uma série de problemas a resolver. A atividade jurídica permanece aqui em um nível muito concreto, donde o caráter ao mesmo tempo empírico e casuístico desse tipo de direito. O terceiro estádio corresponde ao desenvolvimento de comunidades políticas mais vastas e acarreta a aparição de poderes organizados de caráter teocrático (direito hindu, islâmico, israelita) ou principesco (direitos sagrados e legislações principescas do século XIX, por exemplo). O objetivo é arrancar o direito de seu irracionalismo, seja em nome de uma ética religiosa, seja em nome da razão de Estado, e isso com a finalidade de elaborar um direito de racionalidade material. Não há, nesse caso, distinção entre moral e direito, entre exigência ética e princípios jurídicos. A extensão da atividade estatal, o interesse da burguesia e o desenvolvimento da burocracia acarretam por fim a aparição de juristas especializados formados pela universidade. O direito tem então um caráter de racionalidade formal, uma vez que o trabalho legislativo é formalmente racional, na medida em que os fatos juridicamente importantes são determinados por meio de uma interpretação lógica significativa e que, em conformidade com essa última, conceitos jurídicos são produzidos e mobilizados sob forma de regras abstratas.

Evidentemente, o percurso não é tão linear quanto sugere essa rápida retrospectiva, dependendo sobretudo, de um país a outro, de variáveis que condicionam o grau de formalização do direito. Weber retém três dessas variáveis: as relações entre Estado e grupos sociais (classes, ordens etc.), as relações entre poderes teocráticos e poderes profanos e, por fim, a diversidade na estrutura dos notáveis de toga. A despeito das variações nacionais, três elementos terão jogado um papel determinante a favor da racionalização interna do direito. Em primeiro lugar, a ação dos práticos e dos teóricos do direito. O direito romano é o primeiro que escapa da religião e torna-se uma técnica dominada por especialistas (os jurisconsultos) que empregam uma linguagem jurídica precisa. Inversamente, na Inglaterra, a racionalização do direito é retardada em função da ausência de uma burocracia e, conquanto se possa falar ali da existência de profissionais, esses últimos jamais elaboraram uma linguagem conceitualizada. A difusão da escrita – segundo fator – teve por efeito desorganizar a interpretação carismática e irracional do direito. Os códigos são um meio de obrigar à consideração de precedentes, assim como à elaboração de regras como desdobramento de conflitos, a fim de evitar outros conflitos. Weber considera que o código civil napoleônico constitui, juntamente com o direito romano e a prática anglo-saxã, a terceira grande fonte de racionalização. Trata-se de um direito essencialmente urbano, escrito por legisperitos e clérigos. Plenamente constitutivo do fato burocrático, foi impulsionado pelos príncipes e senhores patrimoniais para assentar seu poder contra o direito carismático de seus opositores.

Normas de direito e dinâmicas econômicas

Ainda que não se possa subestimar sobretudo o alcance da racionalização interna (ou formal), a dimensão externa tem implicações muito mais imediatas para a sociologia econômica. Lembremo-nos a esse propósito que, ao abordar a história econômica, Weber (1991) inscreve-se explicitamente na esteira dos questionamentos de Karl Marx, já que seu projeto visa também a interrogar as relações entre as diferentes esferas da atividade social. Weber põe em evidência a congruência entre certos fenômenos que participam diretamente do movimento de racionalização do mundo moderno: o capitalismo, por exemplo, só pôde desenvolver-se constituindo a empresa em um quadro jurídico apropriado, isto é, sobre a base de um direito positivamente avaliável. O capitalismo não é, pois, simplesmente um fenômeno econômico: para funcionar, nota Weber, ele tinha necessidade de um direito com o qual se pudesse contar, tal como uma máquina. Por isso, Weber não acreditava na lógica marxista das instâncias. Ele se desfaz explicitamente de tal crença afirmando que não existe no capitalismo nenhum fator decisivo que favoreça a racionalização do direito4 4 Isso pode ser demonstrado, segundo Weber, pelo direito inglês, que não constituiu um verdadeiro obstáculo ao capitalismo, na medida em que a formação jurídica foi confiada a advogados (entre os quais se recrutavam os juízes), portanto a uma classe social a serviço dos possuidores. Acrescente-se, sempre nas pegadas de Weber, que a concentração da administração e da justiça em Londres, além do custo elevado do procedimento judiciário, equivalia a uma negação da justiça para os menos afortunados. . A uma explicação determinista e monocausal, ele contrapõe uma abordagem dialética e pluridimensional. Trata-se, falando de outra maneira, de um complexo de variáveis que favoreceu o desenvolvimento do direito à liberdade ou, se se preferir, a garantia de não ser importunado por terceiros – em particular o aparelho estatal – no domínio do juridicamente permitido. Esse tipo de relações jurídicas, conforme se verá, conduz diretamente à configuração de relações de trabalho no quadro do capitalismo moderno. A questão é tanto mais atual quanto Weber se interessa pelo desenvolvimento de prescrições jurídicas que conferem poderes aos indivíduos, graças aos quais esses últimos podem regular reciprocamente, de maneira discricionária e autônoma (porém no quadro de certos limites, apesar de tudo) as relações que os envolvem.

Voltemos antes às quatro variáveis que, de uma maneira ou de outra, intervieram na racionalização externa do direito. O primeiro fator determinante foi o alargamento dos mercados. Em uma economia autárquica, o direito não tem ação sobre a economia; ele somente delimita, para cada indivíduo, uma esfera de liberdade determinada por fatores não econômicos. "Com o alargamento dos mercados", escreve Weber, "aqueles que estão interessados no mercado formam um grupo importante cuja influência determina as transações jurídicas que o direito deve regular pelas prescrições que conferem poderes" (1986, p. 46). As transformações das estruturas sociais é o segundo vetor permissivo para a racionalização externa do direito. Fruto da ação de funcionários, a criação de um novo direito material responde à necessidade de um procedimento mais racional, que emana antes de tudo das classes sociais trabalhando racionalmente do ponto de vista econômico. Trata-se, em primeiro lugar, da classe burguesa, cujos interesses exigem um direito unívoco, claro, livre de todo arbitrário irracional, de toda perturbação irracional por privilégios concretos, garantindo a validez dos contratos e funcionando de maneira previsível. A aliança entre interesses burgueses e principescos é, desse ponto de vista, um fator determinante do processo de racionalização formal do direito: "A racionalização utilitarista característica de toda administração burocrática vai por seu próprio movimento ao encontro do racionalismo econômico das classes burguesas" (Idem, p. 194). Outras classes sociais (o campesinato, a burguesia na Antigüidade) puderam, entretanto, interessar-se por essa formalização: assim, as XII tábuas, sob as quais estava transcrito o direito da cidade romana, definiam elas mesmas normas gerais e abstratas que consagram um verdadeiro compromisso entre classes sociais. A burocratização da atividade orgânica das comunidades fornece o terceiro ingrediente ao coquetel da racionalização externa. Tal movimento está ligado à necessidade de poder dos soberanos e dos funcionários. A burocratização do Estado moderno incita à racionalização da jurisdição. Torna-se assim mais fácil encarar as reivindicações dos grupos de interesses, e opor sua própria ética racional à irracionalidade das camadas e classes contestadoras. Enfim, como os comerciantes das cidades estavam preocupados com os contratos redigidos em boa e devida forma, a urbanização constitui o quarto e último parâmetro que pôde ser mobilizado em favor da racionalização externa do direito.

Sob a ação desses diferentes fatores, o direito privado e o direito público viram-se consideravelmente modificados. Suas transformações tiveram impactos diretos na noção de contrato (e notadamente naquela de contrato de trabalho), cuja questão, de fato, é central na sociologia weberiana do direito e é, por vezes, a essa única dimensão – de maneira equivocada, a meu ver – que é reduzida a contribuição de Weber nesse campo de análise5 5 A tese de Coutu (1995) permite fazer justiça a essa simplificação abusiva. . Para ser mais exato, as observações consagradas à racionalização das práticas contratuais ocupam uma parte importante do capítulo II da Rechtssoziologie. Nessa parte, dedicada à criação dos direitos subjetivos, Weber sustenta que a racionalização jurídica se desdobra por ocasião da passagem do "contrato-estatuto" em direção ao "contrato-função". Os contratos-estatuto estão na origem dos atos mágicos e simbólicos que, na maior parte das vezes, dependem da fraternalização: um indivíduo torna-se o pai, o escravo etc. de outro. Para retomar os termos de Weber, eles implicam uma mudança na situação jurídica e no habitus social dos contratantes. Uma das conseqüências dessa personalização do contrato é que a responsabilidade contratual não engaja a fortuna do devedor, mas o corpo deste último. Assim, em caso de não-pagamento,

[..] o que o credor pode tomar é a pessoa do devedor, a qual ele pode matar, prender como refém, manter como empregado doméstico, vender como escravo; ali onde vários credores estão presentes, o devedor é cortado em pedaços, como se supõe por uma passagem das XII tábuas; o credor pode igualmente se instalar na casa do devedor (Idem, p. 59).

Quanto ao contrato-função, ele é o quadro no qual são fornecidas prestações concretas que não engajam o estatuto das pessoas. Se ele serve ao desenvolvimento econômico, sua origem é um "fenômeno geral e regulamentado entre associados de uma comunidade política ou econômica, mas somente no domínio não econômico, ou seja, como troca de mulheres entre clãs exógamos" (Idem, p. 51). Com o uso da função monetária na manipulação dos metais, o desenvolvimento do empréstimo, o reconhecimento do direito à liberdade etc., os contratos-função se desenvolvem. Certamente as resistências são múltiplas, e Weber dá conta delas abundantemente. Mas historicamente há de fato congruência entre racionalização dos procedimentos contratuais e desenvolvimento das trocas econômicas; trocas mudas – para retomar a expressão de Weber – pois desprovidas de todo formalismo mágico.

A exportação do esquema institucionalista: Richard Ely e a democracia econômica

Dado que o mercado de trabalho não é certamente um mercado no sentido walrasiano do termo, as relações de trabalho constituem, desde muito tempo, um eixo de reflexão considerável para os sociólogos da economia. Os estudos de Weber, de quem alguns lineamentos foram anteriormente esboçados, convidam assim a entender o direito como uma das peças importantes a concorrer diretamente para as regulações econômicas. Esse postulado faz parte de um conjunto de hipóteses que está na origem de um ponto de vista institucionalista, cuja fama, conforme veremos a partir de agora, ultrapassa rapidamente as fronteiras alemães. Os Estados Unidos constituem, desse ponto de vista, um lugar de acolhida particularmente fecundo.

Da escola histórica alemã à economia institucionalista norte-americana

O laço entre a escola histórica alemã e a tradição institucionalista americana está hoje claramente estabelecido. Em uma palavra, recorde-se simplesmente que os anos de 1870 e 1880 constituem, para os Estados Unidos, uma virada importante: sob o pano de fundo da depressão econômica e de movimentos sociais (greves, manifestações, sucessos do proselitismo dos "Cavaleiros do trabalho"), eles registram a insatisfação crescente de jovens estudantes – John Bates Clark, Henry Carter Adams, Richard T. Ely, Edmund J. James, Simon Patten, Edwin R. A. Seligman e outros – com as teorias econômicas dominantes. As alternativas intelectuais que esses filhos de boa família, formados na cultura protestante (à exceção de E. Seligman), desejam promover beneficiam-se diretamente dos ensinamentos colhidos quando de seus estágios na Alemanha, momentos privilegiados por ocasião dos quais eles se impregnam das teses da escola histórica. De volta a seu país de origem, esses jovens pesquisadores americanos estão decididos então a desenvolver um ponto de vista que se socorre, em ampla medida, da abordagem germânica. A declinação organizacional do projeto toma forma com a American Economic Association, batizada em 1885. Fundada graças ao élan decisivo de Richard Ely (1886a), essa associação quer ser um lugar aberto ao vento da revolta e, por oposição às abordagens do tipo laissez-faire, promove métodos de investigação indutivos, históricos e estatísticos (cf. Hamilton, 1919). Em 1918, os estatutos da associação precisam explicitamente o projeto: "as instituições – e não mais o valor – serão daqui em diante o objeto da ciência econômica. O termo 'institucionalismo' é então proposto pela primeira vez para designar a escola de pensamento econômico na qual se formarão todos aqueles que aderirem a esta carta" (Guéry, 2001, p. 19).

Richard T. Ely (1854-1943) é um dos pais dessa economia institucionalista. Depois dos estudos em Columbia, Ely estagia três anos em Heidelberg, onde obtém um doutorado em filosofia (1879)6 6 Para mais detalhes da trajetória de Ely, bem como as de outros economistas, levados no início de carreira pela esperança socialista (J. B. Clark, por exemplo, que terminará por adotar um ponto de vista marginalista), ver Ross (1991, pp. 106 ss.). . De volta aos Estados Unidos, contribui para a difusão das teses da escola histórica alemã, o que o leva, aliás, a se envolver em uma Methodenstreit americana com seu colega Simon Newcomb, matemático, físico e astrônomo cedo convertido ao ponto de vista marginalista. Professor no Departamento de História e Política da Universidade John Hopkins (a partir de 1881), depois na Universidade de Wisconsin (a partir de 1892), Ely distingue, sem grande originalidade, dois tempos da economia política: o da escola inglesa (Malthus, Ricardo, Mill) daquele da escola alemã. A primeira, ortodoxa, caracteriza-se, segundo ele, por um andamento dedutivista, uma propensão a raciocinar sob a base do simples princípio do Selfishness, por uma ausência de referências estatísticas e históricas, por uma valorização do laissez-faire, por uma tendência a cindir os fenômenos econômicos dos outros fatos sociais, pela fraqueza dos serviços que ela pode prestar para a ação prática, pelo irrealismo de suas teses (como, por exemplo, a da igualização das taxas de lucro). Ely posiciona-se, assim como Weber, à sombra dos trabalhos da segunda escola – aquela que encarna os nomes de Hildebrand, Knies, Roscher e outros:

Eles tomaram o nome de escola histórica a fim de se aliar às grandes transformações no domínio da política, do direito e da teologia. Eles estudaram o presente à luz do passado. Adotaram a experiência como um guia e avaliaram o que iria advir por referência àquilo que foi. Esse método pode também ser chamado de experimental. É o mesmo método que deu excelentes frutos na ciência física (Ely, 1883, p. 233).

A experiência e a experimentação em questão tomam forma aqui graças à história, ao tratamento estatístico ou, ainda, ao método comparativo. Uma dupla exigência é assim afirmada: aquela da empiria, por um lado – "a primeira coisa é reunir os fatos" (Idem, p. 234) –, e aquela da ruptura com uma concepção muito estreitamente individualista dos homens, por outro lado – "como Blackstone sublinhou, o homem é feito para viver em sociedade" (Idem, p. 234).

O que dizer, mais precisamente, das questões sobre as relações de trabalho? Para Ely (1886b), três fatores explicam que os assalariados estejam em situação de inferioridade no mercado de trabalho. O primeiro está relacionado à imperfeição desse mercado particular e às desigualdades que resultam daí. O economista constata empiricamente o quanto a existência de coalizões de empregadores pode prejudicar os assalariados. Monopsônios e oligopsônios de empregadores, ou, dito de forma direta, o conluio desses últimos (por meio principalmente das associações profissionais), tornam-se fonte de iniqüidades, o que se traduz concretamente em práticas discriminatórias em relação a minorias, imigrantes e mulheres. Esses modos de gestão são tanto mais carregados de injustiça quanto a mobilidade dos assalariados é limitada pela perda de direitos de tempo de serviço (e outros direitos associados) que a mudança de uma empresa a outra acaba acarretando. O segundo fator relaciona-se ao fato de que, a despeito dos direitos políticos adquiridos no século XIX pelos trabalhadores, as relações empregadores-empregados permanecem amplamente marcadas pela cunha do autoritarismo. A ausência de democracia industrial está na origem de múltiplos problemas: fraca implicação dos assalariados em seu trabalho, propensão a abandonar as empresas nas quais as relações de trabalho tenham se tornado insuportáveis, conflitos de trabalho etc. Ely relaciona a insegurança econômica como o terceiro fator determinante das desigualdades que estruturam as relações entre empregadores e assalariados. Ele denuncia sobretudo os danos causados pela mercadorização do trabalho, o que torna os assalariados vulneráveis aos mais diversos acasos (a boa vontade do empregador, acidentes de trabalho, doenças etc.).

Democracia e economia

Diante da incapacidade flagrante do mercado de trabalho de reabsorver de maneira autônoma as dificuldades e as iniqüidades que Ely e, mais geralmente, os economistas institucionalistas untados de ciência histórica à moda alemã põem em evidência, o que se deve fazer? Para Ely, como para J. B. Clark ou H. C. Adams, a esperança socialista está associada ao advento de uma democracia industrial, tendo a grande empresa cooperativa como seu local privilegiado de desenvolvimento. "Nossa época é mais democrática do que as outras, pois ela é mais cristã", escreve Ely na introdução de uma série de três artigos que aparecem em 1887 no Harper's New Monthly Magazine. Confiante na fraternidade dos homens, Ely estima que o desenvolvimento das grandes empresas por ações traz uma solução ao autoritarismo tradicional dos donos de empresa, pois elas carregam consigo um princípio de democracia industrial (cf. Ely, 1887a). Mais do que as outras, as empresas financiadas por capitais negociados em bolsas, com efeito, podem desenvolver suas capacidades produtivas e encorajar a poupança. Sua estrutura as incita sobretudo a delegar as diferentes tarefas de produção e de gestão, por exemplo, àqueles que possuem as competências para isso. Dessa forma, por-se-ia um ponto final no autoritarismo patronal e, sob o modelo da cooperativa, vislumbrar-se-ia a tomada da gestão das empresas pelos seus próprios empregados (cf. Idem)7 7 No espírito de Ely, democracia industrial não significa o apagamento das diferenciações estatutárias e sociais. "Quando as empresas se tornarem verdadeiras cooperativas respeitadoras do fator trabalho, os capitães de indústria não desaparecerão. A hierarquia é compatível com a mais perfeita das democracias" (Ely, 1887b, p. 260). . Ely não é, no entanto, completamente ingênuo. Ele sabe dos perigos e dos limites da grande firma industrial. Confiar as funções de organização e de direção à gerência, por si só, não é suficiente. Ela pode desperdiçar os recursos que estão sob sua alçada e dar provas de ineficiência na realização de suas tarefas. Não é certo, além do mais, que os assalariados teriam asseguradas condições de trabalho decentes. A propensão ao açambarcamento monopolístico é, por fim, um perigo que ronda sempre, com sua coorte de métodos duvidosos (produzir a baixo custo para provocar a falência do concorrente e em seguida adquiri-lo) e de danos para os assalariados implicados nesse processo. Daí por que a regulação econômica e social das empresas deve ser objeto de uma responsabilidade diferenciada, segundo pertençam elas a setores de indústrias com rendimentos constantes, decrescentes ou crescentes. Nos dois primeiros casos, é possível satisfazer-se com o princípio competitivo, na medida em que a tentação monopolística é diminuta. No último caso, ao contrário – como por exemplo no setor do gás –, a intervenção se impõe. "O espaço econômico coberto pelos rendimentos crescentes deve ser abandonado pelas empresas em prol do governo federal, quer seja do Estado apenas, quer seja de combinações associando o Estado com suas diferentes subdivisões, com as municipalidades devendo vir em primeiro lugar" (Ely, 1887b, p. 262).

O raciocínio de Ely mistura múltiplos ingredientes tipicamente alemães: pano de fundo deísta, cuidado com a acumulação de dados empíricos, denúncia das desigualdades sofridas pelos assalariados, engajamento em favor de certa intervenção estatal no curso dos negócios econômicos e, por fim, esquema de análise tipicamente historicista. Graças à aliança entre cristianismo e teoria econômica, o conjunto fica a serviço de um projeto ético que tem no combate às desigualdades naturais e sociais uma de suas manifestações mais tangíveis. A ligação com a escola histórica se esclarece ainda mais se se recorda que a economia social (die Volkswirstschaft), tal como a concebem os socialistas de cátedra,

[...] não consiste simplesmente em uma sociedade de produção. O que importa antes de tudo não é saber como se pode produzir o mais possível, mas, antes, como os homens vivem, até que ponto a atividade econômica realiza as finalidades morais da vida, os postulados de justiça de humanidade e de moralidade que se impõem a toda sociedade humana (Schoenberg, apud Durkheim, 1975, p. 270).

Ely argumenta paralelamente em favor de uma abordagem econômica na qual a justiça social constitua o horizonte privilegiado8 8 Nau e Steiner (2002) mostraram que a preocupação moral é um traço comum à sociologia durkheimiana e à escola histórica alemã. A despeito de diferenças não negligenciáveis, Durkheim e Schmoller dedicam, com efeito, um interesse comum pela questão das reformas e da justiça social. O institucionalismo americano, Ely em primeiro lugar, inscreve seus trabalhos plenamente nesse mesmo conjunto de preocupações. . Mas, como se pode facilmente admitir, as análises desse autor permanecem insatisfatórias para opor-se à escola inglesa, dotada, independentemente do que se pense, de um fôlego teórico muito mais potente do que aquele dos heterodoxos americanos. A indignação e o investimento empírico não são suficientes para fundar uma teoria das relações de trabalho. É justamente tal fragilidade que as industrial relations irão deplorar, e continuarão depois sempre a fazê-lo. Em 1958, John T. Dunlop o reconhece na primeira hora:

[...] o campo das relações industriais de hoje pode ser descrito nos termos de Julian Huxley: montanhas de fatos foram empilhados nas planícies da ignorância humana... o resultado é uma superabundância de materiais brutos. Massas inteiras de dados jazem ali, inutilizados ou mobilizados, quando é o caso, ou então de maneira parcial. A empiria tomou o lugar das idéias. A teoria ficou para trás em favor de um empirismo expansivo ([1958]* * A data entre colchetes refere-se à edição original da obra, indicada na primeira vez em que a obra é citada. Nas demais ocorrências indica-se apenas a data da edição utilizada pelo autor (N. E.). 1970, p. vi).

Se essa constatação permanece ainda parcialmente válida hoje em dia, ela merece contudo ser nuançada. No corpus dos trabalhos institucionalistas encontram-se traços de tentativas originais de formalização teórica que tanta falta fazem a inúmeras investigações empíricas.

J. R. Commons, herdeiro de Richard Ely

É o que acontece, antes de tudo, com as pesquisas de J. R. Commons9 9 Se, por um lado, não sucumbe à tentação de empirismo radical, esse aluno de Ely não renuncia contudo a unir teoria e prática. Participa, assim, de grandes questionários sobre o movimento operário, sobre a imigração, e, a título dessa participação, acabará tendo uma influência na legislação operária americana. Torna-se membro, ademais, de comissões industriais encarregadas de fixar o valor dos salários em caso de litígio em uma profissão. Em suma, Commons confessa-se partidário de um capitalismo razoável e popular, que saiba conferir ao sindicalismo o lugar que ele merece. . Ele manifesta primeiramente a vontade de sistematizar, depois dos economistas alemães e de Richard Ely, as etapas históricas que marcaram a transformação progressiva das articulações entre mercado e relações de trabalho. As análises a que se dedica Commons sobre o movimento operário têm, assim, raiz em um conjunto de reflexões consagradas à lógica de desenvolvimento do sistema econômico. O capitalismo percorre as etapas sucessivas do capitalismo comercial, capitalismo do empregador e depois capitalismo bancário (cf. Commons et al., 1918). Em segundo lugar, ele traz as regras e suas negociações para o coração das relações econômicas e esboça, nesse passo, uma verdadeira teoria das transações (cf. Bazzoli, 1999). A influência de Sidney e Beatrice Webb é aqui explícita. No início dos anos de 1900, Commons lê On industrial democracy. À maneira do casal inglês, ele posiciona as regras no centro de sua análise, a fim de mostrar que a prática operária e a ação coletiva podem desembocar na produção de normas, da mesma forma que influenciar as atividades de trabalho e estabilizar os conflitos de interesse. Mais ainda: insatisfeito com a lógica individualista que funda as análises da relação de trabalho sobre o contrato, Commons desenvolve uma reflexão institucionalista que assegura todo lugar ao coletivo e à organização hierárquica.

O artigo seminal que Commons consagra aos Shoemakers, em 1909, fornece uma bela ilustração empírica do que se acabou de mencionar. O artigo inscreve-se explicitamente na tradição alemã. O autor o reconhece, aliás, de bom grado, uma vez que compara seu trabalho ao de Karl Marx, de Gustav Schmoller e de Karl Bücher. Ao primeiro Commons concede o interesse por uma apreensão do mundo em termos de etapas econômicas. Mas, em vez de raciocinar a partir do modo de produção e de uma teoria da mais-valia, ele propõe priorizar uma explicação pelos mercados. A evolução industrial pode ser lida, com efeito, pelo prisma do alargamento incessante do espaço de difusão de bens produzidos. Convém estar atento, a esse propósito, às múltiplas perturbações que vêm falsificar a eficácia e a boa harmonia no seio da comunidade de produtores (fabricação de produtos de má qualidade, utilização de trabalho de prisioneiros ou do trabalho de crianças, recurso a assalariados não grevistas...), uma série de problemas que suscitam o emprego de medidas protecionistas. Quanto a Schmoller e Bücher, Commons lhes felicita por terem evitado os caprichos da abstração, o que nem por isso os escusa, acrescenta ele, da fragilidade de suas tipologias.

A fim de apoiar empiricamente seu próprio quadro de análise, Commons se detém no caso dos Shoemakers. Ponta-de-lança dos combates e dos conflitos que marcam a industrialização dos Estados Unidos, esses fabricantes de calçados compõem uma classe de homens qualificados, pulverizada no conjunto do território, perpetuamente ameaçada pelas mudanças industriais e comerciais, mas que, graças à sua capacidade de organização, soube sempre remediar os riscos relacionados à extensão crescente das fronteiras do mercado. Como indica explicitamente o subtítulo do artigo ("A sketch of industrial evolution"), trata-se de tomar como pretexto o estudo de um grupo profissional particular para, à maneira dos pesquisadores da escola histórica alemã, determinar os estágios da evolução industrial. A aproximação não é forçada. Mesmo por tradução interposta, o livro de Bücher (1893), consagrado à evolução das sociedades industriais, serve explicitamente de referência a Commons. O método utilizado é simples: consiste em supor que, para diferentes tipos de organização dos Shoemakers – Commons distingue seis tipos, que vão de The company of Shoemakers (Boston, 1648) ao The boot and shoe worker's union (1895) –, correspondem estágios definidos de evolução industrial. Reconhece-se aqui, aliás, outra hipótese tipicamente alemã: aquela em virtude da qual a extensão do espaço mercantil é o verdadeiro motor da evolução das formas industriais e, em conseqüência, de tipos de regulação das relações de trabalho. O método consiste, pois, em dar prioridade a uma variável explicativa para tornar inteligível a razão daquela que se deseja explicar (abordagem por "hierarquia dos fatores").

Não detalharei os múltiplos estágios que J. R. Commons comenta longamente nesse artigo. Em vez disso, limito-me à primeira etapa, a qual, em meados do século XVII, conduz os Shoemakers a regulamentar sua profissão (instauração de uma comissão, de um código da profissão, de uma tabela de penalidades etc.), em conseqüência da produção de mercadorias de má qualidade por alguns deles. De fato, a regulamentação proíbe a fabricação de calçados no domicílio dos clientes, a fim de melhor favorecer o controle dos sapateiros menos competentes pelos artesãos qualificados e, in fine, para repelir esses últimos do mercado de trabalho do calçado. Reconfigurar dessa maneira os espaços dos mercados de bens e de trabalho é algo pleno de conseqüências sociais: com o risco de serem expulsos da profissão, caso infrinjam as normas de qualidade, os Shoemakers pouco qualificados deverão daí em diante trabalhar em oficinas e não mais de acordo com a encomenda do cliente (que fornecia o local, o material e a alimentação), fazendo com que funções anteriormente separadas (as de comerciante, mestre e operário) sejam doravante unidas em um único estatuto. Commons igualmente mostra como a passagem de um custom-order market de vizinhança a um mercado mais amplo participa diretamente dessa evolução. A instauração de novas normas profissionais vai de par com as transformações técnicas (estoque de mercadorias, venda em lojas, desenvolvimento do shop work, além do trabalho por encomenda10 10 Trata-se de um trabalho em que o executante não fornece a matéria-prima para a confecção do produto (N.T.). etc.). Por fim, o desenvolvimento econômico tem um impacto forte sobre as classes sociais. Por meio das mutações mercantis, regulamentares e técnicas, o mestre artesão muda de estatuto para adquirir o de comerciante e de empregador. Ao longo de toda a exposição dos diferentes estágios que se seguem, Commons dá conta, de uma maneira similar, das articulações evolutivas entre configurações mercantis, relações de trabalho e laços entre produtores e consumidores. Na linha direta da escola histórica alemã, ele oferece assim um esquema de análise original das condições de emergência das relações econômicas nos Estados Unidos.

Conclusão

Cada um a sua maneira, Max Weber e Richard Ely fizeram frutificar as hipóteses e os pressupostos metodológicos da escola histórica alemã, a fim de alimentar aquilo que podemos considerar hoje o corpus fundador da sociologia econômica. Weber convida-nos a levar a sério as regras do direito e, em conseqüência, a não tomar o capitalismo, as relações de trabalho e a organização das empresas como fenômenos econômicos encerrados em si mesmos. Tal posição é fortalecida por múltiplas outras obras que Weber consagra ao trabalho industrial, à história econômica, à religião, à arte e à ciência (cf. Weber, 1964; 1969; 1991; 1992; 1998; 1999; 2000). Em todas essas representações, o sociólogo alemão põe em evidência um duplo resultado. Em primeiro lugar, aponta para a existência de afinidades mais ou menos eletivas entre a economia e os outros mundos sociais, de onde a impossibilidade de pensar o econômico de maneira pura e autônoma. E não cessa, em seguida, de ir ao encalço das múltiplas tensões que opõem, tanto no sistema jurídico como alhures, racionalização formal e racionalização material. Desses postulados e intuições, somos ainda hoje devedores (cf. Supiot, 1984; Weis, 1989). Ely trilhou, por seu turno, a via de uma ciência das instituições econômicas em que um dos méritos é fazer voar em pedaços a oposição entre economia e política, e, de certa maneira, a célebre partição entre julgamentos de fato e julgamentos de valor. Instaurando assim a exigência democrática no coração da reflexão sobre as relações econômicas, Ely não apenas vivificou um veio intelectual – do qual Commons, mas também Selig Perlman (1928), ou ainda John T. Dunlop (1958) são os mais célebres representantes – mas, de maneira diferente de Weber, precocemente também ele apresentou as balizas de uma reflexão sobre o lugar da ética na ação econômica. Eis por que o cuidado em não separar moral e economia seja talvez, finalmente, a herança maior da escola histórica alemã à sociologia econômica contemporânea.

Recebido em 5/3/2005 e aprovado em 1/9/2005.

Apresentação e tradução de Leonardo Mello e Silva

Michel Lallement é professor de sociologia do Laboratoire Interdisciplinaire pour la Sociologie Économique (LISE) – CNRS CNAM. E-mail: lallemen@cnam.fr.

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  • *
    A data entre colchetes refere-se à edição original da obra, indicada na primeira vez em que a obra é citada. Nas demais ocorrências indica-se apenas a data da edição utilizada pelo autor (N. E.).
  • 1
    Em Schumpeter (1983), Weber aparece como uma das figuras de proa da terceira geração da escola histórica, ao lado de Arthur Spiethoff (especialista dos ciclos econômicos, que foi assistente de Schmoller) e de Werner Sombart. Sobre as relações complexas de Weber com a escola histórica alemã e com a teoria econômica austríaca, ver Lallement (2004b).
  • 2
    O direito formal é, em outros termos, um conjunto jurídico que se refere somente às pressuposições mesmas, ou postulados de um sistema jurídico dado. Ele conduz assim a uma racionalização do direito por razões puramente jurídicas.
  • 3
    Essa tabela recorre explicitamente aos termos utilizados por Grosclaude em sua introdução (pp. 20 ss.) de
    Sociologie du droit, de Weber (1986).
  • 4
    Isso pode ser demonstrado, segundo Weber, pelo direito inglês, que não constituiu um verdadeiro obstáculo ao capitalismo, na medida em que a formação jurídica foi confiada a advogados (entre os quais se recrutavam os juízes), portanto a uma classe social a serviço dos possuidores. Acrescente-se, sempre nas pegadas de Weber, que a concentração da administração e da justiça em Londres, além do custo elevado do procedimento judiciário, equivalia a uma negação da justiça para os menos afortunados.
  • 5
    A tese de Coutu (1995) permite fazer justiça a essa simplificação abusiva.
  • 6
    Para mais detalhes da trajetória de Ely, bem como as de outros economistas, levados no início de carreira pela esperança socialista (J. B. Clark, por exemplo, que terminará por adotar um ponto de vista marginalista), ver Ross (1991, pp. 106 ss.).
  • 7
    No espírito de Ely, democracia industrial não significa o apagamento das diferenciações estatutárias e sociais. "Quando as empresas se tornarem verdadeiras cooperativas respeitadoras do fator trabalho, os capitães de indústria não desaparecerão. A hierarquia é compatível com a mais perfeita das democracias" (Ely, 1887b, p. 260).
  • 8
    Nau e Steiner (2002) mostraram que a preocupação moral é um traço comum à sociologia durkheimiana e à escola histórica alemã. A despeito de diferenças não negligenciáveis, Durkheim e Schmoller dedicam, com efeito, um interesse comum pela questão das reformas e da justiça social. O institucionalismo americano, Ely em primeiro lugar, inscreve seus trabalhos plenamente nesse mesmo conjunto de preocupações.
  • 9
    Se, por um lado, não sucumbe à tentação de empirismo radical, esse aluno de Ely não renuncia contudo a unir teoria e prática. Participa, assim, de grandes questionários sobre o movimento operário, sobre a imigração, e, a título dessa participação, acabará tendo uma influência na legislação operária americana. Torna-se membro, ademais, de comissões industriais encarregadas de fixar o valor dos salários em caso de litígio em uma profissão. Em suma, Commons confessa-se partidário de um capitalismo razoável e popular, que saiba conferir ao sindicalismo o lugar que ele merece.
  • 10
    Trata-se de um trabalho em que o executante não fornece a matéria-prima para a confecção do produto (N.T.).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      01 Set 2005
    • Recebido
      05 Mar 2005
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