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Les ouvriers et la politique: permanence, ruptures, réalignements 1962-2002

RESENHAS

Maurício Rombaldi

Mestrando do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo

Guy Michelat e Michel Simon, Les ouvriers et la politique: permanence, ruptures, réalignements 1962-2002. Paris, Presses de Scienses Po, 2004, 375 pp.

O operariado deve ser identificado como uma classe social privilegiada para a promoção de um projeto de emancipação universal? Ou deve-se considerá-lo como sinônimo de uma classe portadora de certo ressentimento reivindicativo nos planos socioeconômico e político, tendendo então a posturas autoritárias e à intolerância diante das minorias? Ainda mais: seria o operariado um grupo em vias de perder a sua especificidade, em uma sociedade marcada por uma individualização crescente? Esses são alguns questionamentos recorrentes em afrontamentos relacionados à análise do operariado contemporâneo, sobre os quais os autores Guy Michelat e Michel Simon, em Les ouvriers et la politique: permanence, ruptures, réalignements 1962-2002, pretendem lançar luz, a partir da análise das transformações das atitudes políticas operárias na França no período situado entre os anos de 1962 e 2002.

No livro, Michelat e Simon tratam da diversidade e de um conjunto de novas dimensões relativas às atitudes e às orientações políticas operárias francesas transcorridas em um intervalo de quatro décadas a partir das relações entre a oposição no sistema de classes, das atitudes político-ideológicas e do voto. Utilizando uma pesquisa qualitativa realizada no ano de 1978 e dezoito pesquisas quantitativas realizadas no período entre 1962 e 2002, desenvolve-se um rico conjunto de correlações estatísticas e modelos interpretativos que possibilitam traçar as dinâmicas do comportamento político operário.

Durante o intervalo de tempo estudado, as transformações no plano político francês mostram-se eloqüentes: a diminuição dos votos computados ao partido comunista a partir da década de 1980; o recuo do número de votos recebidos pelo partido socialista na década seguinte; a crescente diminuição da capacidade de mobilização do movimento sindical; e, finalmente, a emergência do voto de extrema-direita, que tem como referência o partido Frente Nacional (FN), são manifestações das mudanças inscritas em uma conjuntura política nova, na qual a globalização econômica constitui um dos aspectos mais salientes. Disso emergem as seguintes questões: tendo em vista que as orientações políticas do operariado francês tradicionalmente se vinculavam ao voto de esquerda, qual o significado dessas transformações? O que há de realmente novo nas disposições operárias?

Michelat e Simon estabelecem a construção do modelo de uma "cultura política original" que se constitui como um quadro de orientações simbólicas (ou constelações de sentido, nas palavras de Bourdieu), ordenado ao redor do sentimento de pertencimento de classe e de um sistema de identificações de oposições de classe que a partir da década de 1970 passam por profundas mudanças.

Segundo os autores, diversas formas de individualização da vida operária se estabelecem à medida que emergem novas atividades profissionais e uma crescente desigualdade nas oportunidades de acesso à escolarização, que influenciam na subseqüente diferenciação das formas de sociabilização operária. Ainda, ao mesmo tempo em que o crescimento da exposição ao desemprego se torna presente na raiz da experiência operária, as perspectivas para o futuro passam de um porvir edificador para outro em que há essencialmente a preocupação em se salvar, e a partir disso constitui-se um ambiente propício para o surgimento de posturas etnocêntricas e autoritárias.

Nesse sentido, os autores argumentam que as categorias operárias utilizadas para a apreensão do mundo social comportam uma potencialidade de adesão a concepções xenófobas de conotação racista, direcionadas principalmente aos imigrantes de origem subsaariana e magrebina, compostos em sua maioria por trabalhadores desqualificados. Esse sentimento hostil ao estrangeiro dirige-se sobretudo a uma população socialmente próxima, e não às elites. Explica-se: o desemprego e a insegurança estão relacionados à concorrência por postos de trabalho; soma-se a isso o passado colonial francês e as feridas ainda abertas pela guerra da Argélia, o que acaba por propiciar aquilo que os autores denominam de racisme de ressentiment.

Ao mesmo tempo, observa-se que o voto de esquerda na França é historicamente caracterizado por uma firme recusa aos elementos autoritários e xenófobos: assim, o autoritarismo operário, a intolerância diante das minorias e a crispação sobre a identidade nacional, longe de constituírem um voto "de classe" em favor da esquerda, constituem um freio à sua expressão. No pólo oposto, ainda que o voto na direita parlamentar dependa do grau de acordo com a ideologia liberal, ele é favorecido pela incorporação de temas autoritários e etnocêntricos entre suas propostas: para o voto na direita, a dimensão socioeconômica pode deixar de ser central quando são consideradas tais dimensões éticas e culturais. Justamente os dados quantitativos permitem aos autores afirmar que o aumento do apoio à FN é proporcional ao aumento da hostilidade com relação aos imigrantes.

Com isso, argumenta-se que o voto operário na direita pode ser considerado como um "voto de classe", desenvolvendo-se, no entanto, sobre bases ideológicas antinômicas com relação ao "voto de classe" da esquerda política. Permite-se com isso concluir não somente que o operariado francês do período jamais se constituiu como grupo ideologicamente homogêneo, mas que o sentido de sua orientação política contém contornos divergentes ou até mesmo opostos.

Em consonância com a proposição de Pierre Bourdieu, segundo a qual a noção de classe social é um instrumento analítico pertinente para a análise das representações sociais e dos comportamentos políticos, sobretudo se considerada menos como "classe substantiva" e mais como "classe teórica" ou "construto probabilístico", os autores contrapõem-se às análises anacrônicas presentes em alguns estudos de classe com ênfase estruturalista, já que visam à especificidade operária dentro do sistema de relação de classes, nas determinadas conjunturas e experiências vivenciadas.

Assim, pode-se afirmar que Les ouvriers et la politique apresenta-se ao cientista social interessado nas análises sobre a classe operária como um instigante esforço que pode servir de inspiração para estudos a serem desenvolvidos no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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