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Religião e modernidade em Ernst Troeltsch

Religion and modernity in Ernst Troeltsch

Resumos

Este artigo pretende demonstrar a importância da contribuição de Ernst Troeltsch para a sociologia do cristianismo e ressaltar que a atualidade teórica desse pensador advém precisamente de suas divergências e não de suas afinidades eletivas em relação a seu amigo Max Weber.

Religião; Cristianismo; Modernidade; Intramundanidade


This paper aims to show the importance of Ernst Troeltsch's contribution to the sociology of Christianity, arguing that the contemporary significance of Troeltsch's theories derives precisely from their divergences from those of his friend Max Weber, rather than their elective affinities.

Religion; Christianity; Modernity; Diesseitigkeit


ARTIGOS

Religião e modernidade em Ernst Troeltsch

Religion and modernity in Ernst Troeltsch

Sérgio da Mata

RESUMO

Este artigo pretende demonstrar a importância da contribuição de Ernst Troeltsch para a sociologia do cristianismo e ressaltar que a atualidade teórica desse pensador advém precisamente de suas divergências e não de suas afinidades eletivas em relação a seu amigo Max Weber.

Palavras-chave: Religião; Cristianismo; Modernidade; Intramundanidade.

ABSTRACT

This paper aims to show the importance of Ernst Troeltsch's contribution to the sociology of Christianity, arguing that the contemporary significance of Troeltsch's theories derives precisely from their divergences from those of his friend Max Weber, rather than their elective affinities.

Keywords: Religion; Christianity; Modernity; Diesseitigkeit.

Le christianisme est une forêt d'interprétations, que Troeltsch,

le premier et le seul, a tenté de débroussailler.

ÉMILE POULAT

Introdução

"Há pouco, com Ernst Troeltsch, a Alemanha perdeu uma personalidade que, tal como Max Weber, personificava a unidade e o universalismo das ciências do espírito." Assim se expressou Max Scheler (1963, p. 377) quando da morte de Troeltsch.

De fato, Ernst Peter Wilhelm Troeltsch (1865-1923) pertenceu a uma das mais importantes gerações de representantes das "ciências do espírito" alemãs, figurando ao lado de homens como Simmel, Dilthey, Husserl, Scheler, Meinecke e Weber. Sua influência estendeu-se para muito além da teologia, sua disciplina de origem, fazendo-se sentir também na sociologia, filosofia, teoria da história e ciência da religião. Foi um pensador vigoroso e original, um escritor infatigável, um político atuante.

No Brasil, e à diferença dos nomes acima citados, Troeltsch pode ser considerado um ilustre desconhecido. O fato de que se trata de um teólogo de formação seguramente contribuiu para isso. A existência de uma cesura entre ciência social e teologia (que em absoluto é um fenômeno especificamente brasileiro) não se explica apenas pelo caráter marcadamente normativo da segunda. A disputa se dá, antes, no plano cognitivo, uma vez que ambas têm - ou tiveram, até um passado relativamente recente - a pretensão de "explicar" a religião. Como se sabe, o diálogo nunca é coisa fácil entre concorrentes1 1 . Não para Weber. Embora figure entre os "pais fundadores" da sociologia, ele sabidamente acompanhava com interesse a obra de teólogos como Albrecht Ritschl, Rudolf Sohm, Adolf von Harnack e o próprio Troeltsch. Ver o elucidativo estudo de Graf (1987). .

Debruçando-me sobre os escritos de Troeltsch, tenho em mente um duplo objetivo. Trata-se de dar uma modesta contribuição à recepção, entre nós, da obra daquele que Hartmut Lehmann qualificou de um dos "gigantes" alemães da sociologia da religião (cf. Lehmann, 1999, p. 295), como também, subsidiariamente, de insistir na idéia de que algum diálogo entre os dois concorrentes em questão não chega a ser uma absurdidade2 2 . Friedrich Tenbruck constata: "Só se rastreia a relação problemática da sociologia com a teologia por meio da história de ambas, pois a sociologia pretendeu se apossar, e em diversos aspectos se apossou, da herança da teologia" (Tenbruck, 1977, p. 218). Basta pensar em nomes como Comte e Bellah para se dar razão a Niklas Luhmann (1981, p. 302) quando afirma que a sociologia é "latentemente religiosa" ( latent religiös). .

Nesses tempos em que a influência do protestantismo no campo religioso brasileiro atinge (numa perspectiva histórica) um patamar inédito, a compreensão da relação entre protestantismo e mundo moderno passa a ser uma prioridade em termos teóricos. Nos últimos anos, tornou-se comum ver nessa expansão protestante, ou, antes, no great awakening evangélico e pentecostal, uma "ameaça" a valores e princípios especificamente modernos. A fim de saber até onde tais temores se justificam ou não, impõe-se a tarefa prévia de identificar algumas das linhas de força que atravessam a história do protestantismo. Para tanto, a obra de Troeltsch assume uma importância de primeira ordem.

É hora, acredito, de retornar a ela. E de demonstrar sua importância e atualidade.

A modernidade em Troeltsch

Aos olhos de Míchkin, protagonista de O idiota de Dostoiévski, os homens de seu tempo padecem "de uma dor do espírito, de uma sede do espírito, de uma nostalgia por uma causa elevada". Há descrença, é certo, mas ela freqüentemente se transforma em seu oposto: "os nossos não só se tornam ateus como passam a crer forçosamente no ateísmo como se fosse numa nova fé" (Dostoiévski, 2002, p. 609). A descrença não passaria de auto-engano. Era como um tormento, em todo o caso, que ele vivia a expectativa de declínio da religião. Como Troeltsch via essa questão? Afinal suas questões eram, num plano mais profundo, as mesmas do genial escritor russo. Troeltsch conhecia bem a posição de Weber, no entanto suas investigações levaram-no a conclusões bem distintas das - senão opostas às - de seu colega e amigo.

O que me parece incontestável é que Troeltsch se dedicou mais freqüente e sistematicamente que Weber a analisar a situação religiosa de seu próprio tempo. A partir do estudo de alguns de seus escritos, buscarei distinguir com maior clareza o que efetivamente separa a perspectiva de Troeltsch da de Weber. E, no que diz respeito ao problema da religião na modernidade, em que pontos o primeiro elabora um diagnóstico mais preciso e sofisticado que o segundo.

Ainda uma última palavra a esse respeito. Deve-se imputar ao "mito Max Weber" a idéia, defendida por alguns autores, de que esses dois homens desenvolveram suas pesquisas conjuntamente, partindo das mesmas premissas, e, sobretudo, a idéia de que tais premissas haviam sido estabelecidas por Weber. Somente a força de tal mito, aliada ao desconhecimento dos trabalhos e da trajetória de Troeltsch, justificam afirmações como a de que ele teria delineado "uma perspectiva unilinear da secularização" (Martelli, 1995, p. 280), ou ainda a de que partilharia com Weber uma "avaliação pessimista do papel da religião na sociedade moderna" (Iggers, 1997, p. 238).

Em 1907, Troeltsch publica um longo ensaio sobre A essência do mundo moderno. Sua intenção ali é, num primeiro momento, identificar o que vem a ser isso, "modernidade". Somente depois é que se poderia falar do lugar (ou do não-lugar) da religião na mesma. Para Troeltsch, toda e qualquer tentativa de discutir a questão da orientação do indivíduo contemporâneo pressupõe uma análise histórica das diferentes forças que se articularam e impuseram como eixos definidores de sua identidade. É do choque e das interinfluências recíprocas desses distintos componentes culturais e institucionais que resulta o "espírito" moderno. Essa última distinção, por si só, impõe uma constatação: as forças éticas, religiosas e ideológicas são de natureza mais instável, e nem sempre se apresentam em seu estado de pureza original, pois não é raro que haja entre elas algum grau de hibridização. Já as forças institucionais, sociais e econômicas tendem a ser mais estáveis. Troeltsch julga que o caminho correto consiste em começar pela análise das últimas, e somente então se deter sobre as primeiras. Apenas o entendimento da lógica dos seus fundamentos concretos permitirá iluminar o funcionamento e a dinâmica da "camada superior da cultura" (Troeltsch, 1925, pp. 301-302).

A primeira dessas instâncias "concretas" é o Estado. A Idade Moderna marca não apenas sua vigorosa afirmação nos planos econômico e político; ela assiste a sua emancipação também no plano das idéias. Em sua luta contra o poder eclesiástico, ele adquire consciência de sua autonomia enquanto instância de poder no plano "terreno". Por outro lado, e à diferença da outrora poderosa Igreja, o Estado reconhece que não pertence às suas atribuições o domínio sobre a totalidade da vida dos indivíduos. São dois, no entender de Troeltsch, os aspectos que o caracterizam. A alteração radical dos seus mecanismos de legitimação leva ao que ele chama de Diesseitigkeit, que podemos entender como um reforço e uma preeminência da esfera da imanência. Seus fins são destacadamente "terrenos". Tudo o que se situa além dessa esfera não lhe diz respeito. O segundo traço é o racionalismo. Para o homem moderno, o Estado torna-se "a providência racional e imanente em lugar da divina e irracional" (Idem, p. 303). Verdade é que, ao desvencilhar-se do poder religioso, o Estado não foi capaz de produzir "valores e verdades" que substituíssem plenamente aqueles aos quais minara. Diante, porém, dos grandes embates político-sociais dos séculos XVII-XVIII, surgem tentativas de transformar o Estado em algo mais - numa esfera que englobasse em si "a totalidade da cultura e da razão". Ele seria a própria razão objetivada. Tal ideal nunca chegou a se realizar completamente, mas encontrou sua expressão filosófica (Hegel). Iniciativas como a estatização do sistema educacional demonstram que o poder político procurou elaborar instâncias alternativas de produção de sentido. Troeltsch identifica um paradoxo nesse movimento. Ele constata, de um lado, uma "racionalização radical da existência até a corporificação de toda a cultura racional no Estado, e, de outro, novamente um sentimento oposto em favor dos direitos majésticos da esfera pessoal-individual, do religioso e do espiritual com suas inúmeras forças irracionais" (Idem, p. 304).

A segunda grande força é o individualismo político. Este, por sua vez, divide-se em duas correntes principais: o "racionalista" e o "irracionalista". Para o individualismo político racionalista, a ação do Estado não se contrapõe à liberdade individual (ele predominaria no pensamento de Rousseau e no ideário socialdemocrata). De outro lado, há o individualismo irracionalista, contrário ao poder ilimitado do Estado e, portanto, inclinado ao controle e à regulamentação de toda ação estatal (modelo majoritário no mundo anglo-saxão e nas nações influenciadas pelo "antigo liberalismo"). Ao individualismo racionalista correspondeu uma democracia da igualdade (Gleichheitsdemokratie), ao irracionalista, uma democracia da liberdade (Freiheitsdemokratie)3 3 . Grosso modo, essa dicotomia foi defendida por Troeltsch até a Primeira Guerra. A virada se dá numa conferência de 1922 (cf. Troeltsch, 1957), na qual publiciza sua conversão à democracia liberal. Desde então ele contou entre os representantes mais ilustres dos Vernunftrepublikaner da República de Weimar (cf. Ringer, 2000, pp. 106-107, 192-195). .

A terceira força é o capitalismo. Para além da transformação radical da esfera material e das relações entre as distintas classes sociais, as conseqüências culturais são igualmente importantes: radicalização do impulso aquisitivo, intensificação sem precedentes do ritmo do trabalho, ânsia desmedida por luxo e bem-estar, além de um "colossal materialismo prático". O resultado: uma transposição de todos os interesses, pensamentos e expectativas humanas para o plano da imanência. Confiança desmedida nas capacidades humanas, racionalização, até mesmo auto-idolatria: eis o estado de espírito do homem moderno (cf. Idem, p. 309). De um ponto de vista mais amplo, entretanto, o capitalismo exerce um efeito despersonalizador. Ele "gera um análogo da escravidão antiga e da servidão medieval, que destitui totalmente essas formas antigas de seus elementos pessoais e mantém povos e Estados na dependência de forças financeiras internacionais" (Idem, p. 310).

Esses seriam os três pilares do mundo moderno. Resta a análise do edifício cultural erigido sobre tal "infra-estrutura". Troeltsch decompõe-no em suas diversas camadas, a começar pela esfera jurídica. As transformações no direito penal, o desenvolvimento de uma moral laica de responsabilidade social (oposta ao mero assistencialismo eclesiástico) e a elevação do ideal de humanidade ao status de princípio social fundamental e sucedâneo do amor cristão ao próximo revelam o esgotamento do antigo sistema de valores, que extraía do sobrenatural sua legitimação e efetividade.

A seguir, temos a ciência. Troeltsch vê nela "a verdadeira guia da vida moderna. Vencedora em sua batalha contra o dogma e a Igreja, ela imprime a sua marca ao mundo moderno e transforma-o numa civilização reflexiva" (Idem, p. 313). Para sua origem concorreu principalmente o desenvolvimento das ciências naturais, que estabeleceram a observação e a experimentação como caminhos obrigatórios para a descoberta das leis que governam o universo. Surgem, em face de seus sucessos, a "crença na onipotência do método" e o otimismo naturalista, segundo o qual tudo poderia ser explicado desde que se empreguem os mesmos procedimentos (cf. Idem, p. 314). O excesso de otimismo impediu a ciência natural moderna de perceber os limites do método e dos conceitos por ela formulados, uma vez que a esfera histórico-social apresentaria características próprias (daí que o desenvolvimento das ciências humanas seja um fenômeno tardio)4 4 . Nas palavras de Odo Marquard (2001, p. 101), "as ciências experimentais da natureza são 'challenge'; as ciências do espírito são 'reponse'". . As origens distantes das ciências do homem devem ser buscadas na Renascença e no protestantismo, e o espírito que as anima não é outro senão o da crítica. O advento do historismo implicou a primeira grande revolução do saber histórico-cultural: em vez da trajetória linear e racional da humanidade, pensada pelo iluminismo, desenvolve-se uma visão mais complexa e multifacetada da dinâmica social. Mas o historismo trouxe consigo um problema novo e desafiador: o relativismo. Ao apresentar "toda formação como uma manifestação individual específica", o relativismo "não deixa espaço algum para verdades e ideais absolutos, indistintamente válidos" (Idem, p. 318)5 5 . Daí a problemática de fundo que percorre toda sua obra, qual seja, "the essential and insoluble connection between history and faith" (Troeltsch, 1991, p. 73). Para um primeiro contato com sua visão dos "problemas do historicismo", ver Troeltsch (2005) e a excelente coletânea preparada por Gisel (1992). .

A arte não pôde deixar de manifestar todo esse gigantesco movimento que conduz ao mundo moderno, sobretudo na medida em que espelha a redescoberta da imanência e do próprio indivíduo. A despeito disso, Troeltsch não identifica na arte dos primeiros anos do século XX um diálogo seja com o individualismo político-democrático, seja com a vida estatal e econômica. A arte de seu tempo manter-se-ia alheia, senão pessimista, diante da realidade político-social.

Quanto à filosofia: ao afastar-se decididamente da religião da Igreja, especializar-se e tornar-se cada vez mais complexa, encolhe seu impacto social global. A importância cultural da filosofia moderna residiria, antes, em dois princípios básicos: ausência de pressupostos (pressupostos metafísicos, bem entendido) e exigência de cientificidade da visão de mundo. Os sistemas filosóficos aumentam em número, complexidade e abrangência, a afirmação de um resultando quase sempre da invalidação de outro. Para Troeltsch, as conseqüências desse quadro são "um ceticismo desagregador, uma conscientização que elimina toda espontaneidade, a crença no poder exclusivo da ciência e da evidência, e, por fim, sobretudo, o culto das autoridades científicas como forma de salvação, e que se transforma numa tirania das teorias da moda" (Idem, p. 322). No seu entender, a filosofia "colocou à prova e esgotou todos os pontos de vista possíveis; agora as pessoas estão cansadas e se limitam aos fatos e a um utilitarismo compreensível a qualquer um, ou [então] transforma-se a filosofia em história da filosofia" (Idem, p. 323). A moral liberta-se igualmente de suas amarras religiosas. As antigas motivações, hauridas da crença num "além" que premia ou condena, são agora transferidas para o horizonte estreito do hic et nunc. Também aqui, a palavra-chave passa a ser "ceticismo". Entre as massas, o quadro lhe parece multifacetado. Para alguns, os valores principais são ainda os cristãos; para outros, contudo, há uma diversidade de sucedâneos à disposição: iluminismo, patriotismo, consciência de classe etc.

Chegamos, enfim, à religião, última das esferas analisadas por Troeltsch. Pelo visto até o momento, tudo pareceria confirmar a tese de Weber quanto ao desencantamento do mundo6 6 . Além dos sentidos que Pierucci (2003) identifica nesta expressão ("desmagificação" e desencantamento pela ciência), parece-me haver um terceiro, este implícito: desencantamento como profecia. Weber não era exatamente um homem avesso a prognósticos! Com razão observa Tenbruck (1975, p. 682), num ensaio clássico, que a sociologia weberiana da religião não se desvencilhou da tradição evolucionista da época. . Mas é precisamente aqui que o diagnóstico de um se afasta do do outro. Enquanto Weber denuncia o "protestantismo de fachada" das Igrejas luterana e evangélica de seu tempo7 7 . Em 1911, durante o primeiro congresso alemão de sociologia, Weber fala em " Namens-Christentum in Deutschland" ( apud Simmel et al., 1911, p. 202). , Troeltsch acredita que Igrejas e seitas, "a despeito de todas as sentenças de morte", continuam a dispor de um poder considerável (cf. Idem, p. 327). A partir do século XVII as divisões interconfessionais passam a demandar um clima de tolerância não apenas entre elas, mas, sobretudo, do Estado em relação a cada uma, indistintamente. Tanto nos países anglo-saxões como na França a separação entre Estado e Igreja torna-se uma realidade. Eis aí um outro aspecto típico do mundo moderno. Mas não é esse o ponto decisivo. Troeltsch vê Igrejas e seitas como formas de institucionalização da vida religiosa típicas de uma época que já não é a nossa. Em termos concretos, equivale a dizer que "a religião moderna não se esgota nas Igrejas". Para além delas, há toda uma variedade de formas de vida religiosa extra-eclesiásticas, que uma abordagem sociológica convencional não está em condições de perceber.

Em que pese a vitalidade da religião, para Troeltsch não parece haver nenhuma grande novidade no multifacetado universo da religiosidade extra-eclesiástica. Há ali um pouco de tudo: uma fé cristã interiorizada e, ao mesmo tempo, intimamente articulada com o ideário moderno; um idealismo ético de extração kantiana-fichteana, mesclado com elementos das doutrinas de Goethe e Hegel; um sincretismo radical em que cabem princípios religiosos das mais distintas tradições; comunidades espíritas e ocultistas nas quais antigos cultos aos espíritos são revividos; uma volátil religião artificial (freischwebende Kunstreligion) que procura mesclar fruição estética e experiência da natureza; reavivamentos pessimistas e salvacionistas que se articulam antes ao budismo que ao cristianismo; uma ânsia de religião sem expressão sociológica coerente e que, entretanto, recua diante de toda e qualquer idéia "religiosa"; um pensamento cristão que se ampara unicamente na certeza íntima da revelação divina, que a constrói por intermédio da história e que aposta numa renovação ética da personalidade individual e coletiva com base na crença em tal revelação (cf. Idem, pp. 328-329). Some-se a esse quadro a costumeira indiferença religiosa dos meios intelectuais e o ateísmo. Troeltsch percebe, como Dostoiévski, em que medida uma postura anti-religiosa pode dar origem a religiões de substituição. A socialdemocracia alemã, afirma ele, encontra seu correlato da doutrina do pecado original na idéia de perversidade da sociedade burguesa, sua doutrina da salvação e seu além-mundo na projeção de uma forma estatal que haverá de vir no futuro, e seu substituto para Deus na crença em um progresso racional e inexorável. Se Troeltsch não nega que o mundo contemporâneo se encontra em meio a uma "grave crise religiosa", esta, aos seus olhos, nada tem de definitiva ou irreversível. Herdeiro intelectual da "escola da história da religião" (Religionsgeschichtliche Schule) dos seus tempos na Universidade de Göttingen8 8 . A respeito, ver Drescher (1991, pp. 82-83). , ele se coloca na contracorrente dos arautos da inevitabilidade do processo de secularização e da "morte de Deus". Uma análise histórica demonstraria, na verdade, que "uma época fundamentalmente determinada por idéias religiosas é sucedida, no movimento pendular do tempo, por outra essencialmente mundana e débil em termos religiosos" (Idem, p. 329).

Seriam duas as formas básicas de cristianismo disponíveis: de um lado, o eclesiástico (Troeltsch refere-se aqui tanto às igrejas como às seitas) e, de outro, um cristianismo amalgamado com inúmeros elementos da cultura moderna. "Nenhum outro desenvolvimento futuro é imaginável", acredita ele9 9 . Num texto escrito pouco antes de sua morte, ele advoga que a identidade entre cristianismo e "europeidade" ( Europäertum) não teria como ser dissolvida: o cristianismo "cresceu conosco e é parte de nós" (Troeltsch, 1924, p. 77). . Como suas análises se limitam aos continentes europeu e norte-americano, e num momento em que a diversidade do campo religioso ocidental se dava primordialmente no interior da tradição cristã, há que reconhecer a limitada aplicabilidade do seu diagnóstico à nossa época e contexto próprios. Não obstante, desde que tenhamos essas limitações em mente, as reflexões de Troeltsch permanecem válidas em muitos dos seus postulados centrais.

A história espiritual e religiosa dos últimos séculos deu origem a uma cultura religiosa que, mais cedo ou mais tarde, tende a repudiar o autoritarismo eclesiástico - tanto o católico como o protestante. Tal cultura leva "à superação das igrejas e de suas autoridades sobrenaturalmente reveladas" (Idem, p. 330), na medida em que indivíduo e imanência se tornam conceitos centrais. Por outro lado, Troeltsch estava consciente do fato de que na contemporaneidade não há mais espaço para monopólios. Quem diz modernidade, diz pluralização: "pertence à essência do próprio mundo espiritual moderno produzir as mais distintas correntes de idéias" (Idem, p. 331). Tentativas de reconstituir um domínio total da religião sobre a vida estariam invariavelmente fadadas ao fracasso: "Acabou o mundo eclesiástico da Idade Média, com sua autoridade, seu supranaturalismo e sua cosmovisão filosófica da natureza e da história, sua antropologia e sua psicologia, seus livros [divinamente] inspirados e suas tradições sagradas" (Idem, p. 333)10 10 . Para uma visão sucinta do que ele chamou de "civilização eclesiástica" medieval, ver Troeltsch (1980). .

Haveria, nesse caso, uma oposição insuperável entre modernidade e cristianismo? Nada mais falso: "Os adeptos do cristianismo têm de aprender a ver no mundo moderno, em grande parte, um produto do cristianismo; e os inimigos do cristianismo precisam convencer-se de que o mundo moderno pode ser emancipado do cristianismo apenas em relação a alguns aspectos, mas nunca em sua totalidade" (Idem, p. 332). De maneira que para o teólogo Troeltsch a postura mais apropriada não poderia consistir numa negação radical da modernidade (como insistia em fazer a Igreja católica)11 11 . Nossa literatura historiográfica e sociológica ainda está por dar o devido tratamento crítico ao antimodernismo católico do século XIX, especialmente à época de Pio IX e Leão XIII. Sem isso, só se compreende muito mal os desenvolvimentos recentes dos papados de Wojtyla e Ratzinger. Para uma análise do fundamentalismo católico ultramontano, ver Mata (2007). , mas na identificação cuidadosa daquilo que porventura representasse uma ameaça real, bem como na busca de estratégias apropriadas para lidar com tais "perigos". O que ele propõe é um meio-termo entre reação inteligente e acomodação. Mas fica-nos a suspeita, ao fim, de que seu estudo revelou um complexo de forças de tal magnitude que o homem ocidental está, por assim dizer, condenado a ser moderno: "Somos filhos do tempo e não senhores do tempo, e somente a partir dele é que podemos agir" (Idem, p. 337).

A face antimoderna do "velho" protestantismo

Durante muito tempo, seu estudo sobre o significado do protestantismo para a formação do mundo moderno (cf. Troeltsch, 1951) foi considerado a expressão mais evidente da "influência" de Weber. Quando da publicação da sua primeira versão, pareceu a alguns que esse ensaio estava umbilicalmente ligado à Ética protestante. O historiador Felix Rachfahl postulou até mesmo a existência de uma "tese de Troeltsch-Weber". Tanto Weber, em suas "anticríticas", como Troeltsch apressaram-se a afirmar que seus trabalhos não haviam sido elaborados em conjunto12 12 . Em sua resposta a Rachfahl, Troeltsch desmente a existência de qualquer "empreendimento científico comum" (2003, pp. 184-187) . A dimensão econômica, central para Weber, é apenas um dos aspectos que ele diz levar em conta nos seus estudos. .

Num certo sentido, Rachfahl não estava inteiramente errado em associá-los entre si. Havia muito em comum entre esses dois homens, embora o atual culto acadêmico a Weber não permita perceber, em especial para o público acadêmico situado fora da Alemanha, em que medida eles se influenciaram reciprocamente (cf. Graf, 1988). Todavia, e para isso poucas vezes se atentou, não são menos evidentes as diferenças entre esses dois brilhantes ensaios. Sua publicação, aliás, deu-se quase que simultaneamente (a Ética em 1904-1905, e o "Significado" em 1906).

Duas diferenças manifestam-se desde logo: para Troeltsch a modernidade inviabilizou não a religião, mas - como foi visto acima - toda e qualquer possibilidade de reerguer uma "civilização eclesiástica". Por outro lado, em Troeltsch a ênfase não recai, como em Weber, no processo de racionalização ocidental, mas no individualismo ocidental13 13 . A importância decisiva de Troeltsch para um Louis Dumont (1993) não precisa ser ressaltada. .

A originalidade de Troeltsch está em sua demolidora crítica à crença, corrente entre evangélicos e luteranos da Alemanha fin de siècle, na suposta "superioridade" do protestantismo diante do catolicismo. Fiquemos apenas em alguns exemplos. O historiador Heinrich von Treitschke afirmara que o protestantismo seria o fundamento de tudo o que há de "grande e nobre" no mundo moderno. Um político liberal como Friedrich Naumann (de quem Weber se sentia tão próximo) gostava de citar uma frase do teólogo Gerhard Uhlhorn segundo a qual "a máquina tem algo de protestante". A imprensa alemã vira na vitória norte-americana sobre a Espanha na guerra de 1898 a expressão da "inferioridade" católica (cf. Nipperday, 1995, p. 78). Não parece infundado atribuir a essa pretensão de superioridade protestante parte da responsabilidade pela grande repercussão causada pela Ética protestante e o espírito do capitalismo no meio acadêmico alemão, uma vez que tal superioridade parecia agora - ao menos no que diz respeito à esfera econômica - cientificamente "demonstrada"14 14 . Não era essa, evidentemente, a intenção de Weber. Mas estou de acordo com Nipperday que a redação e, em especial, a repercussão da Ética não podem ser adequadamente compreendidas fora desse contexto. .

O que se vê em Troeltsch é algo totalmente distinto. Sua tese: não se pode postular que a civilização moderna seja um produto do protestantismo. De fato, o que se constata é uma oposição entre o protestantismo dos séculos XVI-XVII e a modernidade. Se a problemática de fundo e mesmo a forma de abordagem de Troeltsch são basicamente as mesmas de Weber15 15 . O "Significado" partilha os mesmos fundamentos epistemológicos básicos da Ética: a teoria da formação de conceitos de Rickert (cf. Mata, 2006). Apenas que Troeltsch denomina "conceitos históricos gerais" aquilo que Weber prefere chamar de "tipos ideais". A primeira formulação sobre os "conceitos históricos gerais" aparece em 1903, um ano antes da apresentação dos tipos ideais no famoso ensaio de Weber sobre a "Objetividade". Ver Troeltsch (1977, pp. 177-179). , suas conclusões não se prestam a qualquer espécie de autoglorificação protestante. O velho protestantismo sem dúvida significara um maior acento na imanência; entretanto a persistência da idéia de pecado original teria mantido nele a desvalorização do "mundo". Paradoxalmente, o advento do protestantismo significou um revigoramento momentâneo do ideal medieval de uma "civilização eclesiástica" - seja diretamente, na Genebra de Calvino, seja indiretamente, ao suscitar a restauração católica. Até mesmo a "abertura" luterana para a moral moderna não deve ser superestimada. O fim do celibato foi contrabalançado por uma ênfase ainda mais intensa no preceito da virgindade pré-nupcial. O calvinismo, de sua parte, "converteu a vida amorosa em um meio para um fim [a procriação], quando não a eliminou" (Troeltsch, 1951, p. 54).

Troeltsch faz reparos à famosa tese de Jellinek (2003) sobre a origem puritana dos direitos civis. "A democracia genuína", afirma, "é estranha ao espírito calvinista e pôde originar-se dele apenas naqueles casos nos quais, como ocorria na Nova Inglaterra, estavam ausentes os velhos estamentos da Europa" (Idem, p. 64). Contudo, mesmo os territórios de maioria puritana repudiavam a noção de liberdade de consciência "como uma espécie de ceticismo ateu". Rhode Island e Pensilvânia, as mais democráticas das colônias, não eram calvinistas e sim de maioria batista e espiritualista (cf. Idem, p. 67).

E quanto à esfera econômica? Não deixa de surpreender a independência do pensamento de Troeltsch, que, não nos esqueçamos jamais, nunca deixou de se definir como teólogo. Segundo ele, "o desenvolvimento, efetivamente maior, da população protestante alemã deve contar com outras razões, mais poderosas do que as religiosas" (Idem, p. 71). Ele concorda com Weber no que diz respeito ao impacto econômico gerado pelo ascetismo intramundano calvinista, mas acredita que outros fatores, tais como a situação econômica peculiar do Ocidente e o desterro dos dissidentes rumo à América, tiveram também a sua importância. Já no campo social, o protestantismo mostrou-se majoritariamente conservador. Apenas grupos batistas radicais defenderam reformas sociais de maior alcance. De resto, conclui Troeltsch, "condena-se rigorosamente o espírito revolucionário" (Idem, p. 81).

Em resumo, todos os grandes avanços modernos teriam operado sem o influxo direto do velho protestantismo luterano e calvinista, quando não a despeito dele. É inegável que seus efeitos econômicos (no caso do calvinismo) se fizeram sentir. Contudo, eles foram, para Troeltsch, um produto indireto e involuntário das idéias religiosas propriamente ditas. Para ele, "o protestantismo é, em primeira instância, uma potência religiosa, e somente em segunda ou terceira instância uma potência cultural no sentido estrito da palavra. Não se deve estranhar, portanto, que seus verdadeiros efeitos radiquem também no campo religioso" (Idem, p. 92).

Advento de uma religião de fé (Glaubensreligion), de uma ética da convicção (Gesinnungsethik), abertura para o mundo (Weltoffenheit) e individualismo religioso. Eis aí as quatro potências especificamente religiosas introduzidas pelo protestantismo. As transformações impostas pelo Estado, pela economia, ciência e arte modernas não implicariam uma acentuação de algo originariamente produzido pelo próprio protestantismo, "mas valores inteiramente novos, uma ênfase nos interesses mundanos por si mesmos e uma idolatria e dominância do mundo na arte e na ciência que são o oposto da velha 'ascese intramundana'" (Idem, p. 87).

A individualização da religião

Em 1910, Troeltsch proferiu uma conferência sobre Individualismo religioso e Igreja diante de uma audiência composta, em sua maioria, de pastores. O texto, publicado um ano depois, divide-se em duas partes. Na primeira, Troeltsch procura fazer um raio X "objetivo" do problema, enquanto na segunda propõe algumas estratégias no plano especificamente pastoral. Interessa-nos aqui, é claro, somente essa primeira parte. Troeltsch mostra que a expressão mais evidente do individualismo religioso é a crescente recusa do modelo eclesiástico (Unkirchlichkeit). Ele sustenta que

[...] as causas disto não são, de forma alguma, uma oposição especial à religião e às coisas religiosas; pelo contrário, trata-se de uma recusa específica do modelo eclesiástico e uma aversão à forma da Igreja e aos pressupostos da Igreja. A opinião corrente é: a religião não é nada que possa ser exercido em comunidade; nada, em absoluto, que possa ser construído de maneira análoga; ela é uma coisa privada do indivíduo. [...] As causas deste fenômeno indicam, em grande medida, que a vida religiosa está a procurar outros caminhos que não os eclesiásticos (Troeltsch, 1913, p. 110).

Tal individualização se verificaria até mesmo no interior das Igrejas. Aversão generalizada ao modelo eclesiástico (Kirchenfeindschaft), saturação eclesiástica (Kirchenüberdruss): sinais visíveis de sociedades em pleno processo de desencantamento? Troeltsch, como já demonstrei, não acredita nisso. Para ele, o que se coloca numa relação em particular difícil com o mundo moderno são as Igrejas tradicionais, não a religião. O que, precisamente, deixou de "funcionar" nelas? Que outras formas alternativas de organização religiosa cristã podem ser verificadas na história, e qual delas resistiria melhor - e por quê - ao impacto da modernidade?

Historicamente, verificam-se dois tipos sociológicos básicos de organização cristã: a Igreja e a seita16 16 . Elaborados por Weber num artigo publicado em 1906 no jornal protestante-liberal Mundo Cristão (cf. Weber, 1973), os conceitos antitéticos de "seita" e "Igreja" recebem tratamento bem mais elaborado nas Soziallehren de Troeltsch (1994). Um fragmento de seu magnum opus chegou a ser traduzido para o português (cf. Troeltsch, 1987). . Por sua própria constituição, a Igreja tende a ser uma instituição conservadora, com pretensões universalistas, que se autodefine como instituto de salvação e que minimiza a importância da vida religiosa interior. É precisamente essa minimização que possibilita o surgimento de grandes Igrejas, uma vez que um controle mais rígido das disposições morais e de fé dos adeptos é incompatível com o crescimento quantitativo a que aspira a Igreja (Idem, p. 113). Igrejas, por definição, não podem caracterizar-se por um rigorismo extremo no plano religioso e moral. Com as seitas dá-se o oposto. Elas tendem à inflexibilidade, à ênfase na obediência literal e ao radicalismo com que os adeptos observam tradição e dogmas comuns. Isso se expressa na prova (sempre renovada) da certeza da própria conversão interior e numa conduta de vida em tudo condizente com essa certeza. Sectários vêem-se normalmente como uma "elite" religiosa. Tendem a ser críticos em relação à "permissividade" das Igrejas, razão pela qual a forma mais comum assumida pela seita é a comunidade fechada. A salvação, nas seitas, não é algo que se obtém por intermédio de meios de salvação (sacramentos), mas de uma submissão integral do ser à fé.

Como as seitas existem desde o início da história do cristianismo, pode-se dizer que a crítica à Igreja é tão antiga quanto a própria Igreja. E, sobretudo: o que adquire centralidade, nas seitas, é o sentimento religioso e a fé individual. "A partir de tais concepções", assevera Troeltsch (1913, p. 114), "é que temos de compreender boa parte do nosso individualismo e subjetivismo religioso contemporâneos. Pois tão logo este [individualismo e subjetivismo] sai dos fechados círculos sectários e da vida comunitária dos grupos pietistas, ele se transforma em puro individualismo." Para aqueles que não se adaptam nem ao autoritarismo das Igrejas, nem ao estilo de religiosidade heróica das seitas, resta a fuga para o império da mística (Reich des Mystischen).

Em meio à nova constelação cultural global advinda da e com a modernidade, "não se sabe o que há de vir; sente-se que o pensamento religioso do homem passará por uma transformação integral, e que, tal como está, não poderá ficar. Nestas condições, tem-se a sensação de uma constrangedora insegurança" (Idem, p. 116). Tal como o homem de ciência, o homem religioso contemporâneo está marcado pela exigência de autonomia intelectual. Também ele vive à procura de respostas ("Wir sind allseitig Suchende", escreve Troeltsch), no entanto, está condenado a fazê-lo sozinho. De modo que, na construção de suas próprias convicções religiosas, o caminho do indivíduo tende a ser extra-eclesiástico.

O individualismo religioso ocidental alimentou-se do clima intelectual moderno e da ênfase na interioridade, uma herança das seitas cristãs. A essas causas, Troeltsch acrescenta uma terceira: a dissolução do senso de pertencimento comum a instituições divinamente fundadas. Para a sensibilidade moderna, "toda comunidade brota do trabalho e da vontade consciente dos indivíduos" (Idem, p. 117). De um lado, isso se expressa no desenvolvimento e na afirmação da doutrina liberal. De outro, na propagação do livre-associacionismo religioso. O que, por sua vez, exerceria um efeito desagregador sobre as antigas Igrejas, pois como elas podem se impor num mundo em que o princípio da associação voluntária se torna uma idéia dominante? Sob o influxo do liberalismo, da democracia e da cultura moderna, "tanto a Igreja quanto a comunidade religiosa não podem ser nada além de associações constituídas livremente". Chegamos a uma situação em que "todos os que não querem participar na Igreja não precisam participar, e somente os que o podem é que de fato concordam; de modo que a desagregação da Igreja em conventículos isolados e a formação de uma grande massa de pessoas sem Igreja (kirchenlose Masse) seriam as conseqüências naturais" (Idem, p. 118). Nada disso é pura teoria para Troeltsch; ele vê na crescente difusão de seitas e formas de vida comunitária a concretização dessas tendências. Finalmente, a privatização da religião atinge os seus extremos. Os comentários de Troeltsch a esse respeito têm algo de pitoresco, mas também de atual. Nos dias de hoje, diz ele,

[...] pessoa alguma pergunta a outra por sua religião e confissão; só se mantêm sobre isso conversações desagradáveis; é uma descortesia quando, inoportunamente, se pergunta a alguém o que ele pensa a respeito. Cada um sabe perfeitamente, de antemão, que a religião, como santuário do indivíduo, deve ser também um segredo individual (Idem, pp. 120-121).

Tudo isso expressa, ao fim e ao cabo, o processo de individualização por que passa a vida religiosa. Mais uma vez surpreende que um mapeamento como esse se fizesse logo na primeira década do século passado, numa direção exatamente oposta à teoria durkheimiana e seu postulado máximo de que vida religiosa e socialização seriam apenas as duas faces da mesma moeda. Troeltsch antecipou, dessa maneira, problemáticas para as quais as ciências humanas só acordaram há relativamente pouco tempo, o que parece indicar que alguns dos pressupostos da teoria social clássica representaram antes um entrave que uma via de acesso a uma realidade que era a de ontem e que, num certo sentido, continua a ser a de hoje.

Presente e futuro do cristianismo

Se a oposição de Troeltsch àquilo que Evans-Pritchard chamou de "metafísica sociológica" durkheimiana não chega a ser completamente explicitada, o mesmo não se pode dizer da perspectiva de Simmel. Troeltsch dedica boa parte de um balanço de 1911 sobre A Igreja na vida do presente a contestar a previsão de Simmel de que as instituições eclesiásticas estariam condenadas pelo avanço da ciência17 17 . Troeltsch não dá o nome do artigo de Simmel em questão. Mas há boas razões para crer que se trata do ensaio "Das Problem der religiösen Lage" (cf. Simmel, 1919), originalmente publicado em 1911. . Para ele, as igrejas cristãs encontravam-se diante de uma crise de grandes proporções, mas não num beco-sem-saída histórico.

Traçando um painel da situação das diversas Igrejas nacionais, Troeltsch mostra que as coisas não se passavam como imaginava Simmel. Nos países latinos predominava ainda "um catolicismo rígido, cada vez mais centralista e romanizado". Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a despeito da "indiferença e do ceticismo", as Igrejas continuavam a desfrutar da condição de "grandes forças social-históricas". Na Alemanha, e de maneira invertida em relação à França, a imbricação entre Estado e Igreja levara a um enquadramento religioso do funcionalismo, de tal modo que "um subtenente não-batizado é algo tão impossível como um condutor de trem laico" (Troeltsch, 1979, pp. 162-163). A essa diversidade de situações se sobrepõe ainda uma clivagem segundo os diversos estratos sociais. Troeltsch reconhece que trabalhadores socialdemocratas, intelectuais e pessoas pertencentes aos meios artísticos e burgueses estavam já de todo afastados das Igrejas. Não era o caso, porém, do campesinato, pequeno-burgueses, aristocracia e classes dirigentes.

Convicto do avanço do individualismo religioso e, possivelmente, repercutindo o verdadeiro culto à comunidade (Gemeinschaft) que se desenvolveu na Alemanha das primeiras décadas do século passado, Troeltsch acredita que "é de se esperar uma expansão crescente das seitas". Por outro lado, a maior plasticidade das Igrejas também lhes permitiria adequarem-se minimamente às demandas do presente. Seria precipitado "falar de uma morte lenta das Igrejas e do cristianismo". Pelo contrário: não é inimaginável que mesmo na modernidade venha a se produzir "uma forte reação religiosa" (Idem, p. 166).

Se assistimos à inversão de toda a nossa ordem de prioridades no sentido da imanência, conjugada com uma cultura religiosa crescentemente individualizada e individualista, e se o relativo estreitamento das possibilidades das instituições eclesiásticas estão igualmente claros para Troeltsch, que novas alternativas surgiram a fim de dar conta daquela "nostalgia por uma causa elevada" a que se referia Dostoiévski? Em outros termos, quais são as possibilidades futuras do cristianismo? Troeltsch aventurou-se a fazer esse exercício de prospecção num artigo assim intitulado, publicado no primeiro número da revista Logos.

Troeltsch concentra seu olhar sobre um novo tipo, que ele denomina "livre-cristianismo". De que se trata, afinal?

Em primeiro lugar, ele substitui a associação eclesiástico-autoritária por um senso de interioridade constituído livre e individualmente a partir da força da solidariedade tradicional; em segundo lugar, ele transforma a antiga idéia cristã fundamental de regeneração milagrosa de uma humanidade mortalmente infectada pelo pecado numa idéia de elevação [espiritual] salvadora e de libertação da personalidade por intermédio da adoção, a partir de Deus, de uma vida individual mais elevada (Troeltsch, 1911, p. 167).

A questão-chave consiste em saber se tal formação seria de fato viável, se poderia vir a ser promissora, se se resumiria ao "último eco de uma cristandade que se desagrega" (Idem, p. 167) ou mesmo se não passaria de uma intervenção indevida dos anseios e das inquietações do teólogo sobre o estudioso do universo religioso ocidental.

Mais uma vez: Troeltsch não acredita na possibilidade de uma transformação radical do cristianismo, e menos ainda num refluxo definitivo do religioso. Uma síntese religiosa abrangente, totalizante, capaz de conferir um sentido último e integral à existência, parece-lhe igualmente improvável. Se algo, porém, é capaz de aproximar-se desse ideal, seria o livre-cristianismo. Suas chances advêm de um ideal de divindade profético-cristão que não teria sido inviabilizado pela modernidade.

Se isso se torna possível, é porque um amplo processo de racionalização não é, aos seus olhos, algo tão evidente como o fora para Weber. Entendida num sentido mais estrito, a racionalização é um processo nunca realizado por completo, pois "os motivos irracionalistas estão tão fortemente representados no pensamento moderno quanto os racionalistas" (Idem, p. 170). São esses hiatos que tornam possível a existência ou a persistência de visões de mundo teístas-personalistas.

Com a crise dos modelos eclesiásticos tradicionais, o caminho pareceria estar aberto para a terceira das manifestações sociológicas concretas do ideal cristão: a mística. Não se trata, para Troeltsch, de uma simples religiosidade espontânea, de uma "mística sem forma nem conteúdo". Trata-se de uma "mística do Cristo" supostamente capaz de unir indivíduos em torno de um culto. Residiria aí "o núcleo de todo cristianismo autêntico e verdadeiro, ao menos enquanto este existir" (Idem, p. 173). Nada disso implica uma manutenção das antigas concepções cristocêntricas do mundo ou da história. Graças a seu diálogo com a historiografia, com a sociologia e com a ciência comparada das religiões, Troeltsch acrescenta uma inusitada pitada de relativismo à sua análise do campo religioso: é ingênuo acreditar, diz ele, que "toda a humanidade atinja seu cume em Jesus e que ela possa ser conquistada pelas forças religiosas associadas a Jesus. [...] É provável que ainda possa haver outros estilos de vida religiosa (religiöse Lebenszusammenhänge), com seus próprios salvadores e figuras exemplares" (Idem, p. 174).

O cristianismo fatalmente assumirá novas formas, mas isso não quer dizer que seu lugar no Ocidente se tornará periférico. Uma eventual dissociação entre um e outro só pode realizar-se completamente quando não mais houver Ocidente: "É loucura acreditar que possa haver uma nova religião numa época tão profundamente enraizada no cristianismo e em forças religiosas que com ele mantêm algum parentesco, como as da Antigüidade" (Idem, p. 175).

E quanto às práticas rituais? O culto comunitário continuaria a manter toda a sua importância, ao menos se aceitamos seu postulado de que "uma religião sem culto seria uma religião agonizante" (Idem, p. 175). Troeltsch identifica precisamente nesse ponto a maior dificuldade para o livre-cristianismo, pois o que se pode esperar de um estilo de religiosidade tão individualizado, tão entrelaçado com o espírito crítico e a ciência moderna? Uma leitura privatizada do cristianismo deveria assumir para si a tarefa de tentar equacionar tais problemas, se é que de fato pretende se constituir em alternativa real. Em todo o caso, o "individualismo radical" poderia suscitar, pelos seus próprios excessos, uma nostalgia em relação às formas tradicionais de exercício religioso coletivo. O movimento inverso é igualmente plausível: correntes antiindividualistas modernas (Troeltsch as identifica no socialismo, na burocracia e no capitalismo) produzem um aumento de sensibilidade para o seu oposto, e desse movimento o livre-cristianismo e sua comunidade de culto poderiam se beneficiar (cf. Idem, p. 182).

Posicionando-se na contracorrente da visão dominante nos meios acadêmicos e intelectuais de seu tempo, Troeltsch elaborou um diagnóstico que, na sua essência, sobreviveu bastante bem à erosão do tempo. Minha tese é a de que isso não deve ser atribuído à sua fé pessoal (embora possa tê-lo sido, em parte), mas sim ao fato de que ele resistiu à tentação de reificar a teoria - de origem iluminista, como mostrou Hans-Georg Gadamer (1993) - sobre o inexorável desencantamento do mundo18 18 . Para Thomas Luckmann, a reificação da teoria (de resto um fenômeno relativamente comum na história das ciências sociais) seria uma das expressões mais evidentes do "fiasco cosmológico da sociologia" (Luckmann, 1999, p. 317). . O investimento simbólico crescente na esfera da imanência, essa Diesseitigkeit moderna de que fala Troeltsch, nada tem a ver com uma suposta dissolução da religião. Talvez sem dar-se conta de todas as implicações de suas análises, ele nos faz atentar para a necessidade de pensar as novas formas que o fenômeno religioso assume no Ocidente. A partir de tais premissas, abre-se ante nossos olhos um amplo espectro de possibilidades: da individualização do religioso à civil religion, das convencionais seitas e Igrejas cristãs às inúmeras variáveis sincréticas resultantes da fusão entre culturas religiosas distintas, passando ainda por aquela religiosidade intramundana e aparentemente avessa a qualquer expressão institucional concreta - algo que Helmuth Plessner denominou Weltfrömmigkeit (cf. Plessner, 1974)19 19 . Vê-se que é a própria noção corrente de "transcendência" que está posta em questão. A perspectiva sociofenomenológica proposta por Luckmann (1996) não foi ainda, acredito, devidamente explorada entre nós. Do ponto de vista empírico, os trabalhos de Sanchis (1995), Soeffner (2000) e, em especial, Srubar (1999) coadunam-se bastante bem com a análise de Luckmann. . Por outro lado, desfaz-se, depois de uma leitura atenta de Troeltsch, o mito do "caráter progressista" do protestantismo. Um mito que, por essas ironias da vida, justamente um homem religiosamente "a-musical" como Weber contribuiria para reforçar.

Troeltsch escapou aos termos da aporia weberiana: sua obra atesta a existência de uma terceira via possível entre ceticismo e "sacrifício do intelecto" (Weber, 1988, p. 566)20 20 . A famosa passagem da Zwischenbetrachrung de Weber nada mais é que uma paráfrase de palavras que Simmel publicara nove anos antes: " Erst wo der Verstand Nein sagt, ist der ja-sagende Glaube überhaupt am Platz, hat er eine ihm eigene Funktion auszuüben" (Simmel, 1919, pp. 213-214). . Em seu rigor analítico, erudição, honestidade intelectual e - se assim posso me expressar - em sua humildade diante da história reside a grandeza de seu legado para a sociologia da religião.

"É bem possível que, em nosso mundo, sejam iminentes grandes revoluções no terreno religioso. Mas ninguém é capaz de vislumbrá-las e prevê-las. As novas forças nos são ainda desconhecidas" (Troeltsch, 1979, pp. 170-171).

Texto recebido em 3/7/2007 e aprovado em 30/1/2008.

Sérgio da Mata é professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto. E-mail: sdmata@ichs.ufop.br.

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  • 1
    . Não para Weber. Embora figure entre os "pais fundadores" da sociologia, ele sabidamente acompanhava com interesse a obra de teólogos como Albrecht Ritschl, Rudolf Sohm, Adolf von Harnack e o próprio Troeltsch. Ver o elucidativo estudo de Graf (1987).
  • 2
    . Friedrich Tenbruck constata: "Só se rastreia a relação problemática da sociologia com a teologia por meio da história de ambas, pois a sociologia pretendeu se apossar, e em diversos aspectos se apossou, da herança da teologia" (Tenbruck, 1977, p. 218). Basta pensar em nomes como Comte e Bellah para se dar razão a Niklas Luhmann (1981, p. 302) quando afirma que a sociologia é "latentemente religiosa" (
    latent religiös).
  • 3
    .
    Grosso modo, essa dicotomia foi defendida por Troeltsch até a Primeira Guerra. A virada se dá numa conferência de 1922 (cf. Troeltsch, 1957), na qual publiciza sua conversão à democracia liberal. Desde então ele contou entre os representantes mais ilustres dos
    Vernunftrepublikaner da República de Weimar (cf. Ringer, 2000, pp. 106-107, 192-195).
  • 4
    . Nas palavras de Odo Marquard (2001, p. 101), "as ciências experimentais da natureza são 'challenge'; as ciências do espírito são 'reponse'".
  • 5
    . Daí a problemática de fundo que percorre toda sua obra, qual seja, "the essential and insoluble connection between history and faith" (Troeltsch, 1991, p. 73). Para um primeiro contato com sua visão dos "problemas do historicismo", ver Troeltsch (2005) e a excelente coletânea preparada por Gisel (1992).
  • 6
    . Além dos sentidos que Pierucci (2003) identifica nesta expressão ("desmagificação" e desencantamento pela ciência), parece-me haver um terceiro, este implícito: desencantamento como
    profecia. Weber não era exatamente um homem avesso a prognósticos! Com razão observa Tenbruck (1975, p. 682), num ensaio clássico, que a sociologia weberiana
    da religião não se desvencilhou da tradição evolucionista da época.
  • 7
    . Em 1911, durante o primeiro congresso alemão de sociologia, Weber fala em "
    Namens-Christentum in Deutschland" (
    apud Simmel
    et al., 1911, p. 202).
  • 8
    . A respeito, ver Drescher (1991, pp. 82-83).
  • 9
    . Num texto escrito pouco antes de sua morte, ele advoga que a identidade entre cristianismo e "europeidade" (
    Europäertum) não teria como ser dissolvida: o cristianismo "cresceu conosco e é parte de nós" (Troeltsch, 1924, p. 77).
  • 10
    . Para uma visão sucinta do que ele chamou de "civilização eclesiástica" medieval, ver Troeltsch (1980).
  • 11
    . Nossa literatura historiográfica e sociológica ainda está por dar o devido tratamento crítico ao antimodernismo católico do século XIX, especialmente à época de Pio IX e Leão XIII. Sem isso, só se compreende muito mal os desenvolvimentos recentes dos papados de Wojtyla e Ratzinger. Para uma análise do fundamentalismo católico ultramontano, ver Mata (2007).
  • 12
    . Em sua resposta a Rachfahl, Troeltsch desmente a existência de qualquer "empreendimento científico comum" (2003, pp. 184-187) . A dimensão econômica, central para Weber, é apenas
    um dos aspectos que ele diz levar em conta nos seus estudos.
  • 13
    . A importância decisiva de Troeltsch para um Louis Dumont (1993) não precisa ser ressaltada.
  • 14
    . Não era essa, evidentemente, a intenção de Weber. Mas estou de acordo com Nipperday que a redação e, em especial, a repercussão da
    Ética não podem ser adequadamente compreendidas fora desse contexto.
  • 15
    . O "Significado" partilha os mesmos fundamentos epistemológicos básicos da
    Ética: a teoria da formação de conceitos de Rickert (cf. Mata, 2006). Apenas que Troeltsch denomina "conceitos históricos gerais" aquilo que Weber prefere chamar de "tipos ideais". A primeira formulação sobre os "conceitos históricos gerais" aparece em 1903, um ano
    antes da apresentação dos tipos ideais no famoso ensaio de Weber sobre a "Objetividade". Ver Troeltsch (1977, pp. 177-179).
  • 16
    . Elaborados por Weber num artigo publicado em 1906 no jornal protestante-liberal
    Mundo Cristão (cf. Weber, 1973), os conceitos antitéticos de "seita" e "Igreja" recebem tratamento bem mais elaborado nas
    Soziallehren de Troeltsch (1994). Um fragmento de seu
    magnum opus chegou a ser traduzido para o português (cf. Troeltsch, 1987).
  • 17
    . Troeltsch não dá o nome do artigo de Simmel em questão. Mas há boas razões para crer que se trata do ensaio "Das Problem der religiösen Lage" (cf. Simmel, 1919), originalmente publicado em 1911.
  • 18
    . Para Thomas Luckmann, a reificação da teoria (de resto um fenômeno relativamente comum na história das ciências sociais) seria uma das expressões mais evidentes do "fiasco cosmológico da sociologia" (Luckmann, 1999, p. 317).
  • 19
    . Vê-se que é a própria noção corrente de "transcendência" que está posta em questão. A perspectiva sociofenomenológica proposta por Luckmann (1996) não foi ainda, acredito, devidamente explorada entre nós. Do ponto de vista empírico, os trabalhos de Sanchis (1995), Soeffner (2000) e, em especial, Srubar (1999) coadunam-se bastante bem com a análise de Luckmann.
  • 20
    . A famosa passagem da
    Zwischenbetrachrung de Weber nada mais é que uma paráfrase de palavras que Simmel publicara nove anos antes: "
    Erst wo der Verstand Nein sagt, ist der ja-sagende Glaube überhaupt am Platz, hat er eine ihm eigene Funktion auszuüben" (Simmel, 1919, pp. 213-214).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2007
    • Aceito
      30 Jan 2008
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