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Entrevista com Mário Wagner Vieira da Cunha

ENTREVISTA

Entrevista com Mário Wagner Vieira da Cunha* * Mário Wagner Vieira da Cunha (1912-2003) concluiu o curso de direito (1936) na Universidade de São Paulo e pertenceu à turma de ciências sociais e políticas (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na mesma universidade. Foi professor na Escola Livre de Sociologia e Política, professor catedrático de ciência da administração da Faculdade de Economia e Administração e diretor do Instituto de Administração anexo à FEA-USP. Autor, entre outros trabalhos, de "Descrição da festa de Bom Jesus de Pirapora" (in Revista do Arquivo Municipal, 1937), "Povoamento e classes rurais do município de Cunha" (1939), "Social research in Brazil", em parceria com Donald Pierson (1946), Burocratização das empresas industriais (1951) e O sistema administrativo brasileiro 1930-1950 (1963). Esta entrevista foi realizada em 17 de dezembro de 1986.

Edição final e notas de Fernando Antonio Pinheiro Filho e Sergio Miceli

A entrevista inédita com Mário Wagner Vieira da Cunha foi concedida à equipe engajada no projeto "História das ciências sociais no Brasil", que se desenvolveu no Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) entre 1986 e 1992, com subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), sob minha coordenação. Integraram a equipe desse projeto os seguintes pesquisadores, todos eles autores nos dois volumes da obra História das ciências sociais no Brasil (organização de Sergio Miceli, vol. 1, São Paulo, Vértice/Editora Revista dos Tribunais/Idesp, 1989; 2ª edição, São Paulo, Editora Sumaré, 2001; vol. 2, São Paulo, Editora Sumaré/Fapesp, 1995): Sergio Miceli, Fernanda Peixoto, Fernando Limongi, Heloísa Pontes, Lília Katri Moritz Schwarcz, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Paul Freston, Mariza Corrêa, Lúcia Lippi de Oliveira, Bernardo Sorj, Maria da Glória Bonelli e Silvana Rubino. Os consultores principais do projeto eram Bolívar Lamounier, Maria Tereza Sadek, Fernando Novais, Manuela Carneiro da Cunha e Lourdes Sola. Não há registro de quais pesquisadores participaram da entrevista ora publicada. Pretende-se divulgar outras entrevistas concedidas ao projeto por cientistas sociais dessa geração pioneira no processo de institucionalização da ciência social brasileira. A divulgação desses depoimentos foi autorizada pelos entrevistados na data de sua realização. Cortamos algumas repetições e certos cacoetes da linguagem oral; fizemos notas esclarecedoras a respeito dos cientistas sociais estrangeiros citados e de diversos cientistas sociais brasileiros hoje pouco conhecidos. Os materiais contidos nas entrevistas foram amplamente utilizados nas análises empreendidas pelos integrantes do projeto.

SERGIO MICELI, editor responsável

O senhor pode começar contando um pouco de sua trajetória, a partir do ginásio de Campinas?

Eu me formei no ginásio do estado, em Campinas, onde estudei entre 1924 e 1929. Eu era um dos melhores alunos, muito bom em matemática, e me encheram a cabeça para que eu fosse engenheiro. E de fato fui para a Escola Politécnica, fiz lá o primeiro ano, e fui apanhado então pela revolução, em 1930. Resolvi me engajar com o João Cabanas1 1 . João Cabanas (1895-1974), militar participante do movimento tenentista de 1924, em São Paulo. Após exílio no Uruguai, voltou ao país para atuar na Revolução de 1930 e foi um dos articuladores da Aliança Nacional Libertadora, em 1935. . Entrei naquele grupo, com algumas outras pessoas, mais por uma reação contra a situação elitista da escola e outras coisas. Disso resultou que resolvi sair da Politécnica, aquilo era massacrante, em termos de pedagogia, era uma maneira de fazer a seleção, de modo que os professores eram altamente exigentes e eu estava meio condenado a uma reprovação se não houvesse a promoção legal, promoção por lei. Daí fui para o direito. Fiz o vestibular, me matriculei lá e comecei o curso. Quando estava começando o direito, abriram um curso na escola da Praça da República; não era a Caetano de Campos ainda, mas era ali na Praça da República, e os professores eram esses quatro mentores da Escola Nova: Lourenço Filho2 2 . Manoel Bergstrom Lourenço Filho (1897-1970), educador paulista. , Fernando de Azevedo3 3 . Fernando de Azevedo (1894-1974), mineiro, educador atuante em São Paulo. , Roldão de Barros4 4 . Roldão Lopes de Barros (1884-1951), educador paulista, primeiro titular da cadeira de história e filosofia da educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. e Almeida Júnior5 5 . Antônio Ferreira de Almeida Júnior (1892-1971), educador paulista. . O curso me dava a vantagem de que eu poderia ser nomeado professor primário já para a capital, não teria que fazer como meu pai, trinta anos de interior, sendo promovido de cidade a cidade até chegar aqui. Fiz este curso, que também me influenciou muito, que me deu um pouco de interesse pela sociologia. Não que eu me desse bem com o Fernando de Azevedo, porque tradicionalmente sempre fui contra ele, nós tínhamos algumas razões para estar sempre discutindo. Eu estava muito apegado ao Roldão de Barros, que era uma espécie de paizão, tinha sempre a idéia de que devia orientar cada um dos alunos, de maneira que não se contentava em dar as aulas, sempre fazia questão de sair junto com os alunos para tomar uma cerveja e conversar. A história como professor primário também foi triste, porque não havia nem sala, eu tive que arranjar uma sala, não tinha carteira, eu tinha que ensinar os alunos sentados no chão. E assim foi até passar para grupo escolar. Mas nesta ocasião abriram a faculdade, foi em 1934, criaram a universidade, mas eu não entrei na primeira turma, sou da segunda turma da faculdade. Ela começou em 1934, entrei em 1935. Nesse ano mesmo me formei em direito.

O senhor continuava dando aula na escola primária?

Sim, continuava. Na Faculdade de Direito não havia freqüência. Havia freqüência obrigatória, um sistema difícil de fichas e bedéis fiscalizando, mas a gente driblava tudo aquilo. Eu dava aula pela manhã e assistia o curso na Faculdade de Direito. Umas vezes faltava, outras vezes ia. Era mais a escola mesmo que eu tinha que freqüentar. Comecei a faculdade na segunda turma e peguei todo esse grupo inicial. Aquele pequeno trecho do Lévi-Strauss em Tristes trópicos6 6 . Claude Lévi-Strauss, Tristes tropiques, Paris, Librairie Plon, 1955; Tristes trópicos, São Paulo, Anhembi, 1957, tradução de Wilson Martins revista pelo autor. descrevendo o ambiente daquela escola, acho que é bem falseado, ele estava completamente por fora da situação. Mas, em linhas gerais, o ambiente era este: a universidade, principalmente a Faculdade de Filosofia, surgia como grande novidade no meio, que ia realmente marcar um ponto de partida na vida intelectual brasileira. Mas havia um repúdio muito forte com relação aos valores intelectuais brasileiros, inclusive com a preocupação de trazer professores estrangeiros, não reconhecendo que alguns daqui podiam ser aproveitados. Os aproveitados foram quase massacrados, como o Taunay7 7 . Afonso d'Escragnolle Taunay (1876-1958), catarinense, filho do escritor Alfredo Taunay, historiador e diretor do Museu Paulista. , por exemplo, que foi para a cadeira de história. Em todo o sistema, os diretores, os alunos e outras pessoas minimizaram ao máximo a influência desses professores, porque os outros eram verdadeiros deuses, eram o deslumbramento para todos nós. E embarcamos duramente nesse posicionamento. O autodidatismo era considerado a coisa mais ridícula, como se não valesse absolutamente nada, inclusive Mário de Andrade, quer dizer, não se fazia grande diferença. Quem salvou Mário de Andrade foi de certo modo o Antonio Candido, quando criou aqueles grupos e o aproximou. Mas, mesmo assim, sempre ficou a oposição ao autodidatismo. Na segunda turma, eu fui o orador e, perfeitamente impregnado daquele clima, expus essa posição. Era a posição de uma ciência pura: tudo tinha de ser aprendido, até agora tudo que nós tínhamos feito estava mal, tínhamos que romper com todo aquele passado. Essa turma se formou em 1938. O Lévi-Strauss chama a atenção mais para o clima dos alunos, que de fato era importantíssimo. O primeiro diretor da escola foi um diretor da Politécnica8 8 . Teodoro Augusto Ramos (1895-1937), engenheiro e matemático paulista, professor da Escola Politécnica da USP e primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), tendo participado da contratação dos professores estrangeiros. , professor de matemática e física. Ele era um sujeito muito retraído, pouco escrevia, de modo que a gente não conhecia bem o pensamento dele; mas era quem estava junto com Júlio de Mesquita Filho, para efetivar as idéias de Júlio na Europa, convidando aqueles professores e explicando a concepção da universidade para eles. Pelo menos ele realmente parecia ter feito um esforço para saber o que era uma universidade. Já os outros vieram por indicação do conselho, com uma função quase administrativa, apesar de Júlio de Mesquita fazer reuniões periódicas, levar os professores, como o próprio Lévi-Strauss explica, para discutir seus problemas lá, e criar realmente uma universidade. Tanto assim que aquilo tudo era precário no princípio, a Faculdade de Filosofia foi jogada de um lado para outro, nos piores prédios possíveis, completamente separada do resto da universidade. Eu fui presidente do grêmio também, durante algum tempo, e na minha presidência o problema era esse, era tentar nos conhecermos melhor, e entender alguma coisa do sentido universitário. Mas também não resultou em nada, entrou política e no fim os comunistas me fecharam, e eu acabei brigando. O próprio Almeida Prado9 9 . Antônio de Almeida Prado (1889-1965), médico paulista, catedrático na Faculdade de Medicina e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. uma vez disse num discurso - que até interrompi, achei um desaforo - que foi muito difícil criar a Faculdade de Filosofia, que ele teve que lutar com muitas dificuldades, inclusive recrutar professores primários como alunos. Como eu era professor primário, me insurgi contra aquilo. Mas a verdade era essa, não havia alunos. As sessões poderiam cair mais no agrado das pessoas, dos antigos intelectuais, mas eles realmente não se dispunham a fazer o curso. Ficou esse problema, eles tiveram que definir uma posição mais ou menos marginalizada, eram ouvintes graduados do curso. Vinham às cinco, o curso já era dado às cinco horas da tarde, provavelmente para facilitar essa solução. Então ia das cinco às sete da noite, e vinha uma quantidade grande de moças - naquele tempo com os chapéus grandes que se usavam -, ficavam todas naquele frufru que a gente conhece. O professor de filosofia, que era bem falante, se punha no gosto daquelas pessoas, e todos iam, todos fizeram curso de filosofia. E também, um pouquinho por concessão, o curso de sociologia, porque o de sociologia já não tinha aquele tom. O Arbousse-Bastide10 10 . Paul Arbousse-Bastide (1900-1978), professor francês que ocupou a cátedra de sociologia na Universidade de São Paulo desde sua chegada ao país, em 1934, até seu desmembramento em Sociologia I e Sociologia II, transferindo-se em 1942 para a recém-criada cadeira de política. Em 1946, retornou à França. , a gente dormia na aula, não tinha outra coisa a fazer. Sua maneira de falar era muito lenta, a gente não agüentava, especialmente eu, que naquele tempo trabalhava em vários lugares. Um dia até me assustei, o Arbousse-Bastide fazia entrevistas com os alunos e achava que eu era um dos pobretões da classe. Quando contei para ele o meu ordenado, que era maior que o dele, ele disse: "Mas, como?". Eu disse: "Trabalhando em vários lugares, eu estou ganhando às tantas". Era um jogo assim.

O senhor só dava aula ou chegou a trabalhar na área de direito?

Não, nunca trabalhei com direito. Na faculdade havia esse negócio da listagem, uma história interessante porque era como se fosse 1964. Era uma coisa de mistério, cheia de listas, de coisas assim. A gente se reunia naqueles cafés ali da rua Direita; existiam vários cafés e nós bebíamos conversando sobre a Bucha11 11 . Antiga organização estudantil na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. , mas eu não fui membro. Não sei, tenho sempre cisma contra o elitismo, tenho a impressão de que o elitismo marretou várias vezes, entende? Teria que recapitular um pouco essa história, um pouco da penetração política dos estudantes, para ver como era a coisa. Quando me formei no ginásio de Campinas, fui chamado pelo presidente do diretório do Partido Republicano Paulista (PRP), que era o grande partido de São Paulo, em Campinas. Ele então me ofereceu: "Olha, você agora vai estudar, nós podemos financiar os seus estudos, podemos conseguir até uma colocação, você vai seguir uma boa carreira, e queremos que você entre no nosso partido", e coisas assim. Quer dizer, era um recrutamento muito bem pensado.

E o seu pai era do PRP, ou era ligado a algum partido?

Não, meu pai era professor primário.

Mas não tinha nenhuma vinculação com partidos?

Não tinha. Mas normalmente naquele tempo todo mundo tinha que ser disciplinado, e de fato ele era cauteloso. Este quadro dos alunos era muito importante, o clima era esse, foi preciso recrutar professores primários como comissionados, para assistir aos cursos. De outro lado havia aquele pessoal de uma elite intelectual, que freqüentava as aulas. Naturalmente, esse era um clima mais para as ciências sociais, e não para a física e outras coisas. Mas em todas as sessões, mesmo em física, em química, havia uma turma, mais ou menos ampla, de professores primários, ou de pessoas recrutadas assim, num nível mais baixo. E formou-se, estruturou-se lentamente certa visão, que eu explorei na minha eleição de presidente, que era essa cisão entre o pessoal mais ou menos elitista, que realmente se pensava como uma elite dentro da escola, e as pessoas mais humildes. Essa turma mais humilde tem uma história que foi desaparecendo, mas que também se poderá restabelecer dentro da sociologia. Enquanto os outros realmente puderam ter um rumo em São Paulo e alcançar posições mais ou menos importantes, estes foram diretamente jogados como professores de sociologia no interior do estado. Eles têm vários livros publicados, são os primeiros livros de sociologia e naturalmente foram inspirados pelos cursos que faziam naquela ocasião.

Então vou ler a lista dos alunos que Lévi-Strauss levanta, para o senhor ver se reconhece as pessoas e nos conta sobre elas... Zenaide12 12 . Zenaide Vilalva de Araújo pertenceu à turma de filosofia (1936) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. ...

Era uma senhora meio enamorada por mim, uma velhusca, sabe, era professora primária, bem mais velha que nós; tínhamos vinte e quatro, vinte e cinco anos - sou de 1912. Ela foi para os Estados Unidos.

Ela e o Florestan tinham grandes brigas, por causa daquelas histórias das modinhas, do folclore.

Todos pertenciam àquela turma folclorista.

Lavínia Vilela13 13 . Lavínia Costa Vilela era da turma de ciências sociais e políticas de 1935, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, autora de uma das primeiras teses de sociologia apresentadas nessa faculdade, Algumas danças populares no estado de São Paulo (1945). , ela traduziu o livro do Ralph Linton, O homem: uma introdução à antropologia, foi para os Estados Unidos?

Foi. O marido morreu, ela foi para os Estados Unidos. Ela tinha uma filha, já casada com um americano. Ela esteve aqui várias vezes, até me procurou. Mas ela realmente foi uma aluna muito dedicada, era muito mais velha também do que nós, mais velha que a Zenith14 14 . Zenith Mendes Silveira pertencia à turma de ciências sociais e políticas de 1936, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. , ela já tinha os seus quarenta e cinco anos naquela ocasião.

Zenith também era professora primária?

Ela foi, mas já tinha abandonado há muito tempo. Casou-se muito bem, o marido dela era um grande advogado aqui em São Paulo. Depois fez um trabalho lá, para publicar naqueles boletins. Nós criticávamos o trabalho, achávamos que era demasiadamente jornalístico. O folclorista vinha com aquela coisa do etnólogo, de pegar no pulo. Antes que os índios morressem, era preciso ir atrás deles. Eles também gravavam aquilo, naturalmente era uma coisa de folclore, de festa. Chegavam lá, viam, registravam e acabou-se, era muito superficial.

Depois temos a Gioconda Mussolini, Gilda de Mello e Souza, Lucila Hermann15 15 . Gioconda Mussolini (1913-1969) e Lucila Hermann (1912-) pertenciam à turma de ciências sociais e políticas (1935), e Gilda de Moraes Rocha (depois de casada, Gilda de Mello e Souza) (1919-2005) à turma de 1937, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. A respeito de Gilda de Mello e Souza, consultar Sergio Miceli e Luiz Fernando Franklin de Mattos (orgs.), Gilda, a paixão pela forma, Rio de Janeiro, Fapesp/Ouro sobre Azul, 2008. .

Da Lucila existem trabalhos publicados16 16 . Lucila Hermann diplomou-se pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1938) e pela Escola Livre de Sociologia e Política (1942); mestre pela Escola de Sociologia (1946) e doutora em geografia e história com a tese Evolução da estrutura social de Guaratinguetá num período de 300 anos (1945, publicada em 1948), foi assistente de sociologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. .

Zenith Mendes Silveira, que foi professora de economia depois. As outras foram professoras primárias, a Gioconda inclusive. As mulheres quase todas eram professoras primárias, então. Mas a Gilda não veio da escola primária. A Gilda era do grupo da elite?

A Gilda não se filiou de imediato a ele. Quer dizer, esse grupo teve primeiro o impacto propriamente dos intelectuais da cidade. Depois houve certa fusão com eles e se forçou então uma cisão interna do grupo, que aí então desaparece, porque mesmo o Lourival Gomes Machado17 17 . Lourival Gomes Machado (1917-1967), crítico e historiador da arte, especializado no barroco brasileiro, catedrático de política na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, foi integrante do grupo mentor da revista Clima. e a Lourdes18 18 . Maria de Lourdes dos Santos Machado, formada em educação, docente de didática na Universidade de São Paulo, secretária da revista Clima. especialmente, que é a mulher dele, vêm da escola primária, também. Mas eles se bandearam, logo que se formaram as reivindicações internas e todas as questões, já com aquela frente.

Nicanor19 19 . Nicanor Teixeira de Miranda (1907-), folclorista e educador paulista. ...

Esse era o pai do folclore. Era advogado e trabalhou com o Mário de Andrade no Departamento de Cultura. Ele era um colaborador muito íntimo do Mário de Andrade.

Nicanor de quê?

Nicanor Miranda. E ele se considera mesmo o papa do folclore no Brasil. Tem vários livros publicados.

Lívio...

Lívio Teixeira20 20 . Lívio Teixeira (1902-1975), filósofo e professor de filosofia, pertenceu à primeira turma de filosofia, de 1934, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. .

De filosofia?

Professor de filosofia. Lívio Teixeira também é uma figura muito interessante. Ele tinha um assistente que era mais interessante ainda, o João Cunha. Esse era dos nossos, mas era da linha comunista.

Mas ele tinha idéia fixa com a Igreja.

Ah, sim.

Hoje, com a Teologia da Libertação e a igreja progressista, ele ia ficar bem atrapalhado. Porque ele era do Partido Comunista e o assunto dele era a oposição à Igreja. Ele estava imbuído do "espírito de Voltaire", nas palavras dele.

Aliás, não sei se ele traduziu Voltaire.

Há também um advogado, o James Alvim. Ele já era advogado e depois foi fazer a faculdade?

Eu acho que já era. Como eu também já me formara advogado, naquela ocasião. Era uma coisa comum a gente ter quatro ou cinco diplomas. O James acabou escrevendo alguma coisa em economia. Ele virou depois corretor de imóveis, tinha uma firma imobiliária aqui muito importante.

Temos depois o Azor21 21 . Azor Montenegro pertenceu à primeira turma de ciências sociais e políticas (1934) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. ...

Esse também era professor primário, também ficou no interior, tenho a impressão que ficou lecionando. Era da linha comunista. Acho que ficou pelo interior.

Aquiles Archero Júnior22 22 . Aquiles Archero Júnior pertenceu à segunda turma de filosofia (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, autor de manuais didáticos de sociologia. .

Esse era pedagogo. O Aquiles ainda foi homenageado outro dia, como eu também devia ter sido, mas não fui. Eram os cinqüenta anos de formados de escolas normais, eu fui paraninfo dessa turma em 1936. Eu não contei, mas tenho um desvio, quer dizer, quando era professor primário, meu pai era professor da Escola Padre Anchieta, então ele me arranjou um lugar lá de substituto. Foi aí que dei o primeiro curso de sociologia. Fui substituto do professor Murilo Mendes, que era professor de sociologia da escola. Não é o poeta, não. O Murilo foi secretário da universidade, da USP. Andou fazendo lá umas falcatruas e quase o puseram na cadeia. Murilo Mendes morreu já há bastante tempo. Não sei se escreveu alguma coisa. Ele era um intelectual mesmo, uma grande capacidade.

E a família é de São Paulo?

Eu acho que sim...

Ele deu aula na Escola de Sociologia?

Sim. Eram aulas extraordinárias, os alunos gostavam imensamente, era história.

Depois temos o Décio Ferraz Alvim23 23 . Décio Ferraz Alvim pertenceu à primeira turma de filosofia (1934) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. , irmão do James. Ele era psicólogo?

Ah, sim, foi psicólogo. Mas ele de fato era corretor de imóveis.

E Milton24 24 . Milton Lourenço de Oliveira pertenceu à segunda turma de ciências sociais e políticas (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. ?

Ah, o Milton era um negrão de uns dois metros de altura, professor primário e militante do grupo de professores primários, de modo que era nossa frente. Era advogado e com ele passei uma das experiências mais interessantes da minha vida. Ele morava em Campinas e uma vez me convidou a ir à casa dele, e cheguei numa casa sem móveis, entendeu? Ele tinha ainda aqueles hábitos da escravidão, de comer com o prato na mão, de sentar no chão, de ter os tamboretes. Fiquei tão impressionado... Ele tinha uma projeção social enorme, vestia-se com muito aprumo, era bonitão, uma pessoa muito bem apresentada.

Era o único negro da turma?

O único.

O senhor estava falando, antes de começarmos com essa listinha, que havia uma cisão entre o grupo da elite e o pessoal mais humilde, nas suas palavras. Como o senhor definiria melhor esses dois grupos, e a qual deles o senhor pertencia?

Era aquela idéia: quem era desse grupo menor tinha que trabalhar, tinha que se esforçar para viver, os outros estavam sempre flanando. Acabei me bandeando para o grupo dos flanadores porque consegui um comissionamento, quer dizer, o governo acabou me pagando para eu estudar, aí então a coisa melhorou. A verdade é que voltou à tona aquela velha tradição literária vigente no país; tudo tinha que ser em termos mais ou menos literários, enquanto nós continuávamos fincando pé em que a coisa tinha que ser empírica.

Vamos em frente.

Aí houve o episódio da Revolução Constitucionalista.

Isso é importante.

No episódio da Revolução Constitucionalista, o que ocorreu na verdade foram aquelas tramóias; combinaram tudo, realmente metade da Faculdade de Direito já estava sabendo da coisa. A outra metade não sabia bem, e eu estava nessa metade, de modo que no dia 14 de julho nós entramos pro batalhão. Eu fiquei no Batalhão 14 de Julho. Foi o primeiro batalhão que se formou com os alunos da Faculdade de Direito. Há um batalhão chamado 9 de Julho, mas esse é muito posterior. Fomos mandados lá para Itararé, mas não chegamos, ficamos em Itapetininga, já estávamos mesmo numa frente de batalha ali.

Mas como, na faculdade, a formulação da idéia da universidade, de que o senhor tinha falado, e da idéia de uma nova cultura, como a Revolução de 1932, estavam ligadas?

Bom, aí já se começou a esquematizar um pouco a coisa, a história da sociologia. E a história da sociologia aqui em São Paulo tem dois focos iniciais, a Escola de Sociologia e Política e a Faculdade de Filosofia. A Escola de Sociologia vem primeiro, dois anos antes, e é ela realmente que retém toda aquela herança emocional e mesmo ideológica da Revolução de 32. Temos então a figura de Roberto Simonsen25 25 . Roberto Cóchrane Simonsen (1889-1948), engenheiro e empresário paulista, fundador da Escola Livre de Sociologia e Política, historiador e político. , um sujeito que para a época era muito esclarecido, quer dizer, um leitor de Mussolini, de coisas assim, de modo que ele fundou o Senai. O Senai era um apoio para a industrialização, algo em que ele estava interessado. Apoio na formação dos operários, mas também um apoio no sentido de que o dinheiro público passasse para as mãos dos empresários. Quando da fundação do Senai, ficou estabelecido por lei que haveria uma contribuição que formaria um fundo, que os próprios empresários dirigiriam, e não teriam que prestar contas ao governo. O Legislativo conseguiu que o Senai, por obrigação, entendesse aquele dinheiro como dinheiro público, e por força de lei tinha que prestar contas da arrecadação. Mas já se haviam passado dez anos e durante esse tempo o dinheiro foi gasto à vontade, especialmente nas campanhas políticas. Porque o Simonsen foi eleito senador com esse dinheiro, e outras coisas mais foram feitas dessa forma. Foi uma luta longa para se chegar a uma coisa que hoje é tão corriqueira. O Simonsen cogitou então da formação da elite em economia, já que ela deveria ser assessora do governo, deveria influir e assessorar também os empresários. Nesta ocasião, a formulação dele incluía também as ciências sociais, a sociologia, porque ele era um homem de vasta cultura, de uma visão muito ampla das coisas. E creio até que de certo ponto de vista ele apoiou uma sociologia avançada.

Ele trouxe dois professores dos Estados Unidos: Horace Davis26 26 . Um dos primeiros cientistas sociais norte-americanos contratados para ensinar na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. e Samuel Lowrie27 27 . Samuel H. Lowrie, sociólogo norte-americano, professor da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo na década de 1940. .

Lowrie e Davis eram então ligados aos sindicatos americanos, como assessores.

Davis era comunista?

É o que se diz, ele era comunista, e muito avançado. Mas logo o Simonsen achou que aquilo era demais. Mandou o Davis de volta e trouxe o Lowrie. O Lowrie era protestante e muito comedido; mais disciplinado, trabalhador, especializado em demografia. Lowrie prestou um grande serviço aqui na ocasião do recenseamento, ajudou muito nessa parte. Além disso, tinha a cadeira de economia, que manteve por muito tempo, com o Kafka28 28 . Alexandre Kafka (1917-2007), economista tcheco cuja família imigrou para o Brasil em 1940, tendo ensinado economia na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo; mais tarde, foi assessor econômico da Fiesp, chefe da divisão latino-americana do FMI, órgão do qual se tornou diretor-executivo por mais de três décadas. , em que lecionou vários anos. Então, Simonsen formou aquele núcleo, de que no princípio ele tinha as rédeas. Ele sabia que estava indo no caminho certo. Há um outro detalhe, menos conhecido, mas muito importante. É que, também quando eu cheguei dos Estados Unidos, logo o diretor do Senai, o Roberto Mange29 29 . Roberto Mange, primeiro diretor regional do Senai em São Paulo. , me convidou para dar um curso de relações humanas. E eu dei. Parece que o curso do Lourenço Filho foi antes do meu, mas o meu curso de certo modo teve mais repercussão no Brasil, naquela época. Eu fiz as apostilas, que foram multiplicadas, não se fez um livro, era na mesma linha do Simonsen. Quer dizer, eu estava sendo enquadrado. Com o Simonsen mesmo eu não conversei, mas havia a preocupação de trazer todo aquele clima de relações industriais, que estava se desenvolvendo nesse momento. Quando fui para os Estados Unidos, foi para estudar antropologia. Fui porque me convidaram, o Alfredo Ellis30 30 . Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), historiador e catedrático de história do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. me convidou, para ser professor de antropologia da faculdade, e eu disse: "Olha, eu nunca estudei antropologia, então primeiro vou aos Estados Unidos estudar e depois dou as aulas". Fui então estudar antropologia. E de fato Chicago era um dos centros principais de antropologia da época. Nessa ocasião, quem deveria ser o orientador da tese que eu iria preparar lá, a tese de mestrado, era o Robert Redfield31 31 . Robert Redfield (1897-1958), antropólogo norte-americano, professor e chefe do departamento de antropologia da Universidade de Chicago, autor de estudos clássicos de comunidades. , que era para nós aqui a grande figura no cenário norte-americano, com estudos de comunidades. Estava tudo preparado para eu fazer o trabalho com ele, levando todo o material mais ou menos orientado daqui, mas quando cheguei lá ele já estava muito doente, então ele me pôs a trabalhar com o Lloyd Warner32 32 . William Lloyd Warner (1898-1970), antropólogo norte-americano, professor de sociologia e antropologia na Universidade de Chicago, autor de estudos clássicos sobre comunidades negras. , que, apesar de eu nunca ter percebido antes seu reconhecimento intelectual, era o papa do movimento empresarial, junto aos sindicatos. A compreensão que se deveria ter naquela época dos sindicatos, e como orientá-los, repetindo mais ou menos o trabalho de umas décadas antes, era o Lloyd Warner que devia dar naquela ocasião, entre 1940 e 1950.

Quantos anos o senhor passou em Chicago?

Eu passei de 1941 a 1944.

Por que o senhor não fez o mestrado na Escola de Sociologia e Política? Nessa época já existia o mestrado em sociologia, criado em 1941.

Primeiro não estava interessado. Nós considerávamos a Escola de Sociologia um pouco inferior. Eu era aluno das duas escolas, quer dizer, para assistir aulas do Pierson33 33 . Donald Pierson (1900 -1995), sociólogo norte-americano, mestre e doutor pela Universidade de Chicago, com tese sobre relações sociais na Bahia. Residiu no Brasil entre 1939 e 1959 e foi professor da Escola Livre de Sociologia e Política. Dirigiu a coleção Biblioteca de Ciências Sociais, subvencionada pela Fundação Rockefeller e pelo Departamento de Estado norte-americano, e co-editou a revista Sociologia, sendo autor de estudos de comunidades, de relações raciais e de candomblé. eu fui à Escola de Sociologia. Havia alunos brilhantes lá, como o irmão do Juarez.

Mauro Lopes.

Mauro Lopes, sujeito brilhante. Nós tínhamos contínuos arranca-rabos, ele sustentava a posição da escola, eu sustentava a oposição. Depois a coisa se deslocou e meus arranca-rabos eram com o Juarez, quando ele sustentava a posição da faculdade, do núcleo da Fundação Getúlio Vargas, e eu da universidade. Mas o fato é esse: eu de jeito nenhum estava interessado nesse doutoramento. Estava mais interessado numa viagem aos Estados Unidos, uma viagem completa, não só de estudos. Queria conhecer, os Estados Unidos naquela época ainda eram um deslumbramento, eu achava que era um lugar que a gente não podia morrer sem ver.

E a sua bolsa era de onde?

Da Fundação Rockefeller. Foi o Pierson que ajudou a obter a bolsa.

As bolsas, em geral, eram da Fundação Rockefeller?

Eu conheço muito as da Fundação Rockefeller, mas não sei se havia outras iguais.

O Smithsonian não dava bolsas na época?

Dava também. Mas o Smithsonian era mais qualificado, mais difícil de obter.

Mas, por outro lado, o senhor disse que a Escola de Sociologia estava mais diretamente ligada a 1932. E a faculdade, a universidade, é sempre vista como um produto de 1932, muito ligada à família Mesquita, por sua vez bastante vinculada a 1932.

A questão é como fazer essa formulação. Pelos escritos, ou por quem foi o Júlio de Mesquita, se chega a isso, mas para quem viveu o clima da faculdade, não era assim, absolutamente. A faculdade nunca se identificou assim. Primeiro porque ela não era estruturada. Tinha esse grupo de vanguarda, que poderia levar abertamente ao que seria uma identificação com as idéias do Júlio de Mesquita, mas havia o outro grupo, que era o dos alunos, que já se sentia hostilizado dentro daquele ambiente, e as linhas comunistas, que eram bem fortes de fato naquele grupo.

Isso desde o início?

Desde o início. Mas a gente não tinha muitas posições políticas. Nós estávamos profundamente influenciados pelos franceses, que iríamos ser grandes intelectuais; que realmente a ciência é a ciência pura, não tem nada que ver com ação, com política, e que então a gente tinha que se compenetrar naquilo, a metodologia era muito importante, o alheamento a uma série de circunstâncias etc.

Tudo isso não seria mais convergente com 1932? Com os Mesquita?

Nessa questão da sociologia, o Simonsen na certa representava esse grupo, no princípio muito bem orientado, ele sem dúvida era um homem que queria utilizar os intelectuais a serviço dos empresários da industrialização. Então, a coisa era bem delimitada, bem clara. Depois ele nomeou o substituto, o Berlinck34 34 . Cyro Berlinck, diretor da Escola Livre de Sociologia e Política. , que era realmente frouxo em tudo isso, nunca tomava posição política, nem com alunos, nem com os outros. Ele não tinha a clarividência do Roberto Simonsen. A coisa então descambou um pouco, entraram outras influências muito estranhas. Nessa ocasião, havia uma pressão enorme dos Estados Unidos para penetrar nas escolas. A penetração na universidade era um pouco difícil, eles sabiam disso: a burocracia, uma porção de gente que mandava, discussões no conselho. A escola era um campo ideal: até a organização que a escola poderia ter era feita, e eles aplicavam imediatamente. De fato, eles se ligaram fortemente. Eu fui lá com o interesse meramente egoísta de conseguir uma viagem para os Estados Unidos. Agüentava então as aulas do Pierson, que tinham certo sentido para nós, porque estávamos à procura da ciência, e achando que a ciência dependia de fatos, e tínhamos que aprender a manipular os fatos. Não sabíamos, nós éramos literatos, todos, no país. A gente era capaz de escrever sobre qualquer assunto, mas reunir três ou quatro fichas para depois analisar, isso não se fazia, era uma coisa estranha. Nisso a Escola de Sociologia se apresentava mesmo para nós como mais pragmática. Por outro lado, ela era efetivamente mais pragmática, porque também dava empregos. Uma das artes, também, do Roberto Simonsen, foi desenvolver a psicologia ocupacional, ou melhor, a psicologia de seleção. Fortaleceu a posição de uma das professoras lá, Lurdes Viegas, que realmente se tornou a maior psicóloga que nós tínhamos no país, naquela ocasião, em matéria de seleção. Ninguém aqui sabia tanto como ela, que tinha o conhecimento de todos os testes, fazia tudo. Isso foi largamente aplicado na indústria, naquela ocasião. E o Simonsen apoiava esse movimento. De fato, ela precisava de muitos auxiliares, para as entrevistas e outras coisas, tudo aquilo se movimentava ali naquela escola. Portanto era um pragmatismo, um utilitarismo enorme. Agora, quanto aos serviços mesmos que ela prestava à sociedade, isso é muito relativo, porque essa idéia que temos hoje de vender projetos, de vender estudos, de fazer isso que vocês estão fazendo, de ter um pai-grande que está dando dinheiro para vocês, isso não existia, de jeito nenhum. Tudo que fazíamos era com o dinheiro do nosso bolso. Viagens, estadias, material, tudo tinha que sair dali, é por isso que a gente saía pela tangente, fazia as pesquisas nas férias. Era tudo assim, porque não havia recursos de ordem nenhuma. Era tudo por conta do próprio pesquisador, que tinha que pagar. E nessa situação é que a Escola de Sociologia começou a financiar alguma coisa, mas de modo limitado.

Aquelas pesquisas iniciais feitas com trabalhadores urbanos eram financiadas pela Prefeitura Municipal?

Pela Prefeitura. Mesmo quando a escola entrava com alguma coisa, como no caso do índice do IPC e do custo de vida, que realmente foi decisivo, essa pesquisa saiu do Departamento de Cultura, onde o Lowrie trabalhava. Isso porque a própria Escola de Sociologia ou a Fundação Rockefeller achavam conveniente que ele, além de professor da escola, fosse assessor direto desse departamento. Aí criaram nesse departamento um núcleo de estudos demográficos, de pesquisas de custo de vida, e outras coisas extraordinárias. Por exemplo, lá estava o Oscar Egídio de Araújo35 35 . Oscar Egídio de Araújo (1908-), formado em direito pela USP, foi professor de estatística e de pesquisas sociais da Escola de Serviço Social e assistente de métodos e pesquisas sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Foi diretor da Divisão de Pesquisas Sociais do Sesi. , que foi um grande homem nisso tudo. Em todo caso, quando se diz que a Escola de Sociologia é pragmática, tem que saber do que se está falando. Está-se falando que a escola dava emprego? Dava. Se realmente auxiliava as pesquisas? Claro. Se havia preferência pelos estudos empíricos? Sim. Mas ela também evitava o máximo possível uma formulação política. Fugia de toda e qualquer coisa que pudesse dar em agitação. E, como não havia a compra de pesquisas, a escola também não funcionou nesse sentido. Mesmo quando aparecia a proposta de um estudo, como esse do custo de vida, ela descarta e apóia a vinda do seu auxiliar, do Lowrie, para o trabalho. Agora, em comparação com a Filosofia, a gente era formado lá como filósofo. Mesmo Lévi-Strauss, com certa influência etnográfica e em outras coisas, ele realmente valia para nós como filósofo. E tudo, tudo ali era filosofia. Diante desse clima, de gosto pelas idéias, pelas grandes generalizações, pelas grandes esquematizações, era um contraste, era uma coisinha pequena o que o Pierson apresentava. Isso era chamado às vezes de pragmatismo, ou o caráter prático da escola. Na nossa formação, nós tivemos que viver essas duas influências distintas. Mas o Willems36 36 . Emílio Willems (1905-1997), antropólogo alemão, professor na Escola Livre de Sociologia e Política e na USP, entre 1937 e 1949, co-editor da revista Sociologia e autor de importantes trabalhos sociológicos de feitio etnográfico. realmente foi uma dessas grandes contribuições que tivemos, de elementos estrangeiros, que sem dúvida alguma tinham uma formação e que contribuíram conosco. Ele e o Baldus37 37 . Herbert Baldus (1889-1970), antropólogo alemão, professor de etnologia brasileira na Escola Livre de Sociologia e Política, co-editor da revista Sociologia, diretor da Revista do Museu Paulista e autor de extensa e relevante obra etnológica, inclusive uma Bibliografia crítica da etnologia brasileira em dois volumes, publicada em 1954. são mais ou menos semelhantes, com uma diferença: Baldus é um indivíduo formado de fato. Porque há muitos desses estrangeiros que chegam aqui, alardeiam coisas e coisas, e não são nada. Eles realmente começaram como nós estávamos começando. Mas o Baldus vinha com uma formação e manteve sempre certos contatos com outras pessoas. Seu trabalho era de primeira linha. Lévi-Strauss entrou de cheio contra o Baldus. Porque Lévi-Strauss chegou aqui e começou a dar curso de etnografia, e o Baldus achou que não tinha sentido, porque ele não sabia nada de etnografia. Ele na verdade não sabia nada.

Baldus era professor na escola, não na faculdade, não é?

Era professor na Escola de Sociologia.

Como era o convívio entre os alunos?

Nós alunos freqüentávamos a escola mesmo. Terminava a aula e não saíamos, ficávamos horas lá, estávamos sempre juntos. Depois os grupos se afinam, fora da escola. Havia alguns encontros, mas sem uma tradição de bar. Era um encontro com a namorada ou porque queriam ir juntos a certo lugar. Quando a Dinah Lévi-Strauss deu o curso, foi lá na Escola de Sociologia e Política, naquele edifício da Escola de Comércio, à noite. Nós nos reuníamos lá, ali se perdia a hora. A classe devia terminar às nove, em geral terminava às dez e nós ficávamos no bate-papo até meia-noite, na escola mesmo.

O senhor estava contando do Baldus versus o Lévi-Strauss.

O Lévi-Strauss realmente se considerava um profissional naquilo e tinha nome internacional. Para ele foi muito doído. Não só porque dava as aulas, mas porque acabou sendo como um deus na Faculdade de Filosofia. A Escola de Sociologia ficou um pouco para baixo, todo mundo só falava de Lévi-Strauss. Mas, dizendo a verdade nua e crua, ele não sabia nada. E fez até isto, ele tirava os livros da Escola de Sociologia. E como o Baldus fazia o mesmo, muitas vezes os dois brigaram por isso. O Lévi-Strauss, depois de algum tempo, passou a pôr os livros numa mala e não devolvia mais, passava tempos com aqueles livros. Eles quase não se falavam.

A Dinah tinha uma formação mais etnológica que o Lévi-Strauss, em antropologia física, como a gente chamaria hoje.

Sim, ela tinha um pouquinho mais de conhecimento, não há dúvida. Mas o Lévi-Strauss não tinha nada, e tudo começou ali. E nos cursos, na verdade, ele simplesmente queria ler o Lowie38 38 . Robert Henry Lowie (1883-1957), nascido na Áustria, antropólogo atuante nos Estados Unidos, estudioso das tribos indígenas norte-americanas e professor de antropologia na Universidade de Berkeley/Califórnia, figura central da moderna teoria antropológica. , traduziu e nos deu as aulas.

O senhor estava falando da influência do Willems, que, ao contrário de Baldus, não tinha formação.

O Willems, eu não sei bem qual era a formação dele39 39 . Willems era graduado pela Universidade de Berlim (1928), doutor pela mesma universidade (1930) e livre-docente pela USP (1937). .

Ele era professor primário quando chegou de Santa Catarina.

Professor primário, pois é.

Segundo ele, era doutor em filosofia na Alemanha.

É uma coisa que tem de averiguar. Mas ele realmente fez um trabalho desde o princípio muito bom. Eu acho que era bom professor, era muito dedicado aos alunos e os ajudava muito nas pesquisas.

Ele era professor na Escola de Sociologia e Política e na Filosofia?

Na Escola de Sociologia. Na faculdade havia os professores estrangeiros. Junto aos professores estrangeiros estavam os assistentes, que eram chamados "príncipes herdeiros". E para que o Fernando de Azevedo pudesse romper essa barreira, apesar da amizade com o Júlio de Mesquita, eles acabaram criando uma estratégia. Criaram na Filosofia um curso de didática, com base nessa justificativa, de que nós iríamos ser professores secundários e então precisávamos saber como ensinar. O sujeito aprendia física, mas tinha que aprender depois didática para poder ensinar física. Claro, nós rompemos com isso, achávamos uma bobagem, iam ser só generalidades, iriam falar umas coisas bobas, porque, se o sujeito não sabe física, como é que ia ensinar? E os próprios professores franceses também ficaram conosco; formamos uma frente de oposição e queríamos fechar aquele curso. Tínhamos um movimento, tínhamos um professor que era muito medíocre, o Onofre, apesar de muito simpático, mas era medíocre, a gente aproveitava o Onofre como fachada. Eu tinha as brigas com o Fernando de Azevedo em classe. É a esse grupo que se filia o Willems, e por meio desse grupo - ele era muito amigo do Fernando de Azevedo - penetra também na faculdade, passa a ter um cargo de assistente do Fernando de Azevedo e vai fazendo a sua carreira lá dentro.

Quer dizer que quando o Fernando de Azevedo vem para a Faculdade de Filosofia, para a segunda cadeira de Sociologia, seria uma solução para esse problema da didática?

É. Daí ele aproveita, dá o golpe final.

O senhor estava na Faculdade de Filosofia, onde a maior parte dos professores eram franceses e havia uma orientação menos pragmática, menos empiricista. O senhor acabou indo para os Estados Unidos com uma bolsa via Pierson, quer dizer, o senhor estava mais ligado à Faculdade de Filosofia e a sua experiência de vida no exterior foi através da Escola de Sociologia e Política, não é? Essa sua opção foi porque o senhor foi convidado a dar aula de antropologia e achou que na França não tinha o que estudar em antropologia, e então foi para os Estados Unidos?

Primeiro, na época, eu tenho a impressão de que não havia nem condições de conseguir bolsas para a França, de tanto que eles estavam afastados daquela coisa pragmática, muito materialista, de fazer viagens ao exterior. Agora, realmente, isso representava também uma posição, porque a verdade é que eu não embarcava totalmente na posição francesa. Eu também me perdia naquele filosofar, ao ponto de me sentir insatisfeito. Também queria ver se eu conseguiria, enfrentando outra posição, reformular a minha postura. Eu vivia zanzando, criticando os dois lados, mas nenhum deles me satisfazia. A descoberta de Weber, de certa maneira, foi também um ponto de apoio para dizer "vamos ver se eu saio desse positivismo e entro em alguma coisa". Mas não. Primeiro não tinha orientação nenhuma, ninguém colocava o problema para eu analisar, e eu não estava em condições de fazer isso sozinho, naquela época. Agora, nos Estados Unidos, a vivência universitária com alunos de vários pontos, de várias matérias, a efervescência política do campus, isso era muito importante. A verdade é que para mim a efervescência política existia já no período da guerra, além do problema do nazismo, que se colocava, e havia algumas manifestações, mas muito menores - sobretudo quanto ao problema racial. Então eu me filiei a uma organização que se chamava Cor, que defendia posições dos negros e coisas assim. E isso abriu um pouco minhas perspectivas, porque a vida política aqui no Brasil era muito fraca. Ou o sujeito entrava na Faculdade de Direito, e se tornava um político profissional pela mão daqueles indivíduos, vendo a coisa daquele enquadramento, ou passava para o comunismo. E o comunismo sempre me pareceu uma posição sectária. Eu não agüentava aquele sectarismo, aquela exigência; várias vezes fui abordado e sempre escapei, não quis me filiar ao partido. O mais significativo, do ponto de vista político, é que fui, então, auxiliar de pesquisa do Lloyd Warner. Eu tive com ele uma intimidade maior do que com os outros professores, de discutir assuntos de aulas e outras coisas. Daí entendi a posição dele, uma posição que ainda acho discutível, se houvesse tempo eu faria uma revisão. Mas há essa figura enorme de Lloyd Warner. Ele não conseguiu lançar-se, mas toda a sua construção é grandiosa, ele realmente fez uma reformulação inovadora das classes sociais. Foi a tentativa mais ambiciosa que se poderia tentar fazer naquele meio. Ele foi duramente combatido pelos comunistas, não há dúvida, e sempre me dizia, "aqui, neste país, você fala em classe social e já está mal. Não pode dizer nada". Por trás daquilo há estudos interessantes, como estudos sobre a greve. Ele também me pediu ajuda na parte da ideologia do brasileiro, e até me agradece, no volume quatro. Isso foi o que eu trouxe como bagagem, por assim dizer, instrumental da minha estadia nos Estados Unidos. Naturalmente eu não vinha como emissário dele, mas eu estava vendo Lloyd e o trabalho desses intelectuais.

Ao voltar, o senhor foi para onde?

Eu era professor primário. Depois entrei com recurso para ir para a escola normal, e fiquei também na Padre Anchieta, como professor de uma das cadeiras, a de pedagogia. Como professor de pedagogia eu ganhava mais do que como assistente na faculdade. Então eu sempre preferi estar comissionado como professor de pedagogia a ser assistente. Era assistente no título, mas em termos de ordenado eu preferia o outro cargo. Quando fui para os Estados Unidos, levei o ordenado de professor da Escola Padre Anchieta. Eu recebia aquele ordenado, que me ajudava na bolsa, que era pequeníssima. Quando eu voltei, reassumi a minha posição de assistente, com aqueles vencimentos.

O senhor era assistente de que disciplina na faculdade?

Eu era assistente do Lévi-Strauss e depois passei a assistente do Roger Bastide. Quando voltei, tornei-me assistente do Roger Bastide, em Sociologia I.

Na Escola de Sociologia, o senhor lecionou Métodos e Técnicas?

Dei esse curso, eu sempre dava Métodos, um curso metodológico. Na Escola de Sociologia eu fiz a grande aventura, porque quando voltei, de certa maneira, a minha carreira na Faculdade de Filosofia ficou cortada. O que poderia fazer era continuar como assistente, esperar passar.

O Willems já estava quando o senhor voltou?

Sim.

Tinha saído o Lévi-Strauss e entrado o Willems.

O Fernando de Azevedo assumiu a direção e logo convidou o Willems. Quando eu voltei, fiquei um pouco na dúvida se continuaria a carreira na Faculdade de Filosofia ou não. Reformei a minha posição na Escola de Sociologia. Primeiro porque a bolsa tinha sido dada por eles, e o Pierson cobrava duramente. Eu me dispus a dar vários cursos, e trabalhava muito mais na Escola de Sociologia do que na Filosofia. Foi para lá então que eu trouxe tudo que tinha aprendido em Chicago em quatro anos. Quer dizer, pela primeira vez, acho que no Brasil, dei o curso de arqueologia e o curso de lingüística, e dei o curso de etnografia em outras bases, não o que estava por aí com o Baldus, que era já bem antiquado. Dei também o curso de antropologia física, e ainda tinha uma quinta sessão, de antropologia cultural, uma coisa assim. O curso em Chicago era dividido em cinco ramos da antropologia e eu tratei de dar a iniciação a esses cinco ramos lá. Eu explicava, dizia aos alunos "vou dar as primeiras noções, depois quero que um de vocês se decida a seguir essa especialização, e eu vou apoiar a ir em frente, porque não vou ficar nisso". Realmente eu trazia algumas coisas boas, lingüística por exemplo. Todo o movimento de lingüística da guerra, eu pude reunir todo aquele material e trazer, para começar a ensinar lingüística. E assim também com a arqueologia. Em Chicago fiz várias pesquisas de arqueologia. E, por coincidência, com vantagem, porque Chicago tinha como especialização da sua arqueologia o sudeste dos Estados Unidos, que é uma região cujas tribos possuem uma cultura muito elementar, como a de nossos índios. De modo que fazíamos a pesquisa com uma escova de dentes, servia para descobrir o buraco do poste de uma cabana, coisinhas assim. Algo que era interessante também transpor para cá. Peguei o Maurício, disse, "Maurício, você vai ser arqueólogo", mas ele refugou.

De etnologia e arqueologia, em Chicago, quem eram os seus professores?

O professor de arqueologia tinha um livro publicado, realmente ele não era de grande projeção. Mas os assistentes dele foram grandes arqueólogos depois. O professor de antropologia física estava doente quando cheguei lá, fazendo uma operação no cérebro, um tumor. Depois veio etnografia, Fred Eggan40 40 . Frederick Russell Eggan (1906-1991), antropólogo norte-americano e professor na Universidade de Chicago. , que era também muito bom.

Lingüística...

Lingüística era aquele da New School, que influenciou tanto o Lévi-Strauss, o Bloomfield41 41 . Leonard Bloomfield (1887-1949), criador da lingüística estrutural norte-americana e autor do clássico Language (1933). . Era um professor que não tinha um nome muito destacado, não me lembro dele. Mas está tudo na bibliografia dos meus cursos na Escola de Sociologia e Política, naquele tempo tinha mania de fazer uma bibliografia muito extensa. Depois, no meu concurso, vieram em cima, dizendo "ah, você cita o que você não leu". Eu disse, "olha, eu não leio o livro de página a página, eu leio no livro o que me interessa, isso eu li, não há duvida". Era a mania de fazer listas enormes.

Embora tendo atuado nessa associação a favor dos direitos dos negros, o senhor nunca fez nenhuma pesquisa sobre a questão racial, nem lá nem aqui?

Eu não fiz não. Eu deveria participar da pesquisa do Florestan com o Bastide, mas estava tão sobrecarregado de serviço administrativo naquele instituto que também não participei.

Que instituto?

Instituto de Administração.

O senhor estava começando a organizar...

Eu era o diretor. O instituto foi criado naquela ocasião, fui o primeiro diretor.

Antes, uma pergunta. O senhor, quando estava tratando da USP, montou dois grupos basicamente, contrapondo, nas suas palavras, os humildes aos elitistas. Os humildes teriam procurado uma linha mais empirista enquanto os elitistas seriam mais flanadores.

Eu digo assim, mas a vivência é que tem de ser levada em conta. No fundo, não eram grupos organizados, tomavam posição mais sistemática, mais organizada, perante um determinado problema, uma situação de eleições, e coisas assim. Mas era genuíno: um pobre não se dava bem com aquilo tudo, aqueles tons.

Quando o senhor retorna dos Estados Unidos, como vê essa cisão entre os dois grupos, ou não era mais possível enxergar essa divisão?

Talvez eu trouxesse essa coisa ainda na pele, de modo que ainda sentia, não é? Mas a coisa estava mais enfraquecida.

Quando o senhor fez uma crítica, logo no início, ao Lévi-Strauss, no Tristes trópicos, o que o senhor quer dizer é que na reconstituição do ambiente ele só toma em consideração esse grupo elitista?

Sim.

É como se não houvesse outro?

O outro não existia.

O interessante é que as pessoas que ele cita são, em sua maioria, professores primários.

É a contradição do Lévi-Strauss. Mas ele não conhecia bem cada uma dessas pessoas para qualificá-las, deu um quadro geral em termos de um grupo só.

Gostaria que o senhor fizesse uma avaliação do professor Florestan Fernandes nessa sua classificação. Ele começa a carreira como folclorista e passa pela Escola de Sociologia e Política. Como o senhor se relacionava com ele?

Eu me relacionava muito bem com o Florestan, nós morávamos quase vizinhos, de modo que tínhamos muito contato. Além disso, minha posição também foi muito reforçada pelo auxílio que o Florestan me prestou quando tive algumas dificuldades. Porque, quando fui para a Escola de Economia, foi em razão de uma crise que, de certa maneira, quem puxou, quem insistiu, foi o jornal Estado de S. Paulo, o Estadão. E, vizinho do Florestan, morava Laerte Ramos42 42 . Laerte Ramos de Carvalho (1922-1979), formado em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, doutor em filosofia pela USP (1951), catedrático de história e filosofia da educação nessa faculdade, redator do jornal O Estado de S. Paulo e diretor da Faculdade de Educação da USP (1972). , o homem que escrevia os artigos no Estadão. Então, várias vezes eu tinha necessidade de procurar o Laerte e explicar a situação, defender meus interesses. Florestan era um grande amigo em tudo isso, o elemento de ligação com o Laerte. Depois nós, por toda a vida, tivemos muito boas relações. Tenho muita admiração pelo trabalho do Florestan. Como sempre, fiz certas reservas, nas argüições de tese dele, dizia a ele francamente o que pensava daquele Estudo do Método Sociológico sobre o qual tive de argüir. Mas a crise foi o seguinte: criaram a Escola de Economia por injunção do Macedo Soares, que era o interventor no estado, e de um auxiliar do Macedo, muito direto, muito íntimo, o José Reis, que na ocasião era diretor de um órgão importante do governo. De modo que os dois se entendiam bem, o José Reis de certa maneira sugeriu (estou supondo) ao Macedo Soares a criação dessa escola. Criaram então a Faculdade de Ciências Econômicas. Foram buscar um decreto antigo que já estabelecia a criação, de modo que eles ficaram responsáveis pela instalação. Passaram a determinar qual seria o programa da escola e qual seria, antes de tudo, seu pessoal.

Professor Hugon43 43 . Paul Hugon, economista e professor de economia, integrante da missão de professores estrangeiros na USP. não teve algo a ver com essa criação?

Eu tenho a impressão de que o professor Hugon não. Hugon era uma pessoa que não tomava posição muito marcada. Ele chegou aqui, tornou-se grande amigo do diretor da Sociologia e da Sociedade Comercial também, do Brasílio Machado. De fato, o Brasílio não podia estar indiferente a isso, ele também deve ter se agitado um pouco e pedido ao Hugon que interviesse. O Estadão, por certas razões, barrou um pouco o Hugon porque a primeira pretensão dele era tornar-se professor da escola. Em vez disso, foi o Lourival Gomes Machado, que era aluno do Hugon, com quem não se entendia muito bem. De modo que houve uma luta aí, de que resultou isso. O José Reis é que tinha a grande influência, era o pai de tudo, quem fazia e desfazia. Ele também se apoiou logo no outro papa da universidade, que era o Zeferino Vaz. Ele e o Zeferino Vaz puseram-se a manipular tudo aquilo. Quando chegou a hora de fazer as nomeações, eles convidaram várias pessoas. Primeiro, ligaram-se aos líderes dos contadores, Dória e Hipólito.

Não tinha um tal de Campiglia?

O Campiglia era assistente, ele se tornou importante depois, mas eu acho que influenciou muito mais no Rio do que aqui, onde parece que esse Campiglia foi decisivo. Aqui foi realmente o Dória, Francisco Dória. Ele conseguiu se enfiar no grupo, mas com ele veio mais ou menos aquele grupinho que de fato representava a elite dos contabilistas do estado, todos eles já com mais ou menos a mesma formação, haviam passado pela Escola Álvares Penteado, possuíam o mesmo traquejo profissional, os mesmos hábitos. Interessante notar que todos esses contadores tinham a característica de funcionários públicos, enxergavam o funcionalismo como superior à administração privada, em matéria de administração. De fato, o estado, por bem ou por mal, precisa ter um orçamento organizado. Uma empresa funciona muitas vezes sem orçamento, ou funcionava, naquela época. O estado tem um grupo tal de funcionários que é preciso disciplinar, e logo criaram um estatuto, uma disciplina, antes da legislação do trabalho. De modo que esses contabilistas prestaram um grande serviço à administração privada, que hoje ela renega de todo jeito. Eles limitaram a administração privada e constituíram realmente uma burocratização exagerada do serviço público na administração privada. Mais do que isso, era uma análise em que não entravam economia nem finanças. Entrava contabilidade. Portanto, eles estavam completamente desamparados. Havia ainda a questão de que esses professores tomaram a escola e começaram a ensinar. Eles levaram vantagem sobre os outros professores porque tinham seus trabalhos. Quase nenhum aceitou o tempo integral. A escola tinha como padrão um pouco o da Filosofia, de ser uma escola auto-suficiente e voltada para si mesma. O Reis namorava essas idéias, mas os outros não, os outros imediatamente entraram lá como profissionais - o ensino era um bico, traziam, de fato, a experiência profissional. De modo que os alunos também não se importaram muito com isso, estavam sentindo que aqueles professores tinham alguma coisa a lhes ensinar, coisas práticas com as quais iam arranjar um emprego. Além de eles também terem posições no mercado de trabalho, serem donos de várias firmas que davam emprego. Apesar de o Estadão e eu, entre outros, acharmos que eles pertenciam a um grupo inferior, que eram medíocres, com uma cultura muito elementar. Eles eram contadores, indivíduos que não tinham visão de nada, não tinham nem cultura geral, nem nada. Mas, por circunstâncias históricas, foram pioneiros até com relação à administração privada.

Eles não se associavam com os professores de direito?

Havia nesses contadores a vaidade de serem advogados. Quase todos, se podiam, tiravam também o diploma de advogado. Mas eles não exerciam e não havia ligação muito íntima com a advocacia. Você não pode trabalhar em quase nada, na contabilidade, sem levar em conta a legislação do país, as exigências de ordem legal. Por conta desse afã de interpretação, desse viés jurídico, havia relações com os advogados, mas nunca se percebeu uma ligação muito firme, de relacionamento. Hoje eu vejo muitos advogados aprendendo contabilidade, interessando-se por essa aprendizagem, entendendo-se mais nesse conluio. Enquanto esse desprezo que nós tínhamos pela contabilidade era um pouco do afastamento dessas duas linhas.

Porque se dizia que na Faculdade de Economia os alunos tinham muito direito, muita contabilidade e pouca economia.

Tinha muita contabilidade, efetiva, eficiente, que deu a sua contribuição, não há dúvida, os alunos preferiam esse curso ao de Economia. Os economistas reduziam a economia a algo quantitativo, que você pode classificar, perceber as inter-relações, calcular índices e outras coisas mais. Jogando de lado o que é reação psicológica, tudo que é relação social, o modo como os grupos atuam nessa situação, tudo isso desaparece. Havia esse grupo, e no currículo foi preciso incluir as cadeiras de direito. Não incluíram muitas, só duas: uma de instituições do direito privado, outra de instituições de direito público. Duas barbaridades, porque ninguém sabe tudo isso. Mas, enfim, conseguiram professor, um deles foi o Montoro. Outras cadeiras também eram subestimadas pelos alunos, que tinham razão - os professores não podiam ensinar nada dentro daquela concepção, não conheciam nada de economia, nada de contabilidade, para poder dar um ensino mais efetivo. Depois criaram as cadeiras de economia, uma delas conquistada pelo Dorival Teixeira Vieira44 44 . Dorival Teixeira Vieira, catedrático na Faculdade de Economia e Administração da USP. , que também fez os contatos com o Estadão, como eu fiz, para garantir a cadeira.

O senhor fala Estadão, é o grupo do jornal Estado de S. Paulo, implicando contato direto com Júlio de Mesquita.

O Júlio de Mesquita fez a universidade. Ele esteve em tudo aquilo, tinha ligação com todos. Se ele saísse de sua comodidade e dissesse a um reitor ou a um professor que queria algo, todos fariam o possível para realizar. Ele sempre se sentiu dono de mim, e era a mesma coisa com o Zeferino Vaz. O Zeferino também era muito militante, ativo, tinha efetivamente bons amigos, conhecia muito bem a situação dentro da universidade, melhor que o reitor. Mas era um indivíduo que se dava ares de dono daquilo. Aí escolheram esses outros dois, da área do direito. Depois tinham que escolher para economia, mas aí a coisa já começou a ficar mais confusa. Não havia quase economista, só os formados pela Filosofia. No Rio, já tinham se antecipado um pouco nessa formação, no Rio conseguiríamos. Mas não apareceu ninguém. Surgiu a possibilidade de chamar um professor estrangeiro, a solução que sempre se adotou na Filosofia, que foi o Hugon. Na verdade, o Hugon estava um pouquinho estremecido com o Estadão, não por ele, mas pela ligação que tinha com o Brasílio Machado Neto. Eles indicaram e o Estadão tomou a peito a defesa da candidatura do Dorival. E resolveram encaixar mais dois da Filosofia juntos: a Alice Canabrava e outro, que deveria ser o Willems, que não aceitou. Foi a vez então de eu me beneficiar: o Willems não aceitando, ele indicou a mim, e eu fui. Ou seja, eu fui convidado pelo Reis, que estava formando o grupo, não para ser professor, mas para ser, com a Alice Canabrava45 45 . Alice Piffer Canabrava (1911-2003) pertenceu à turma de geografia e história (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo; historiadora e economista, professora catedrática de história econômica do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e na Faculdade de Economia e Administração da USP. , técnico de administração. Criada a faculdade, criou-se ao mesmo tempo o Instituto de Administração, com a idéia de dar emprego aos altos funcionários do DESP. Tinham lá suas razões teóricas muito boas, mas era prematuro, não havia sentido formar aquele pessoal. O Reis estava cansado de saber que era errado, mas levou todos os diretores de divisões do DESP, como técnicos de administração. Nessa ocasião ele criou essa classe de funcionários, "técnico de administração", com obrigação de exercer o cargo em tempo integral, com um ordenado maior do que o dos catedráticos da universidade. Foi um escândalo. E eu entrei nisso, fui nomeado técnico de administração. Alice também aceitou e foi para o setor de história do instituto. Aí surgiu também essa obrigação de criar dentro do instituto certos setores conforme a especialização dessas pessoas escolhidas. Então, lá fui eu para o setor de ciências sociais e Alice para o de história, que também não deveria existir nesse Instituto de Administração. O Estadão saiu com isso: para esconder as necessidades de contadores, de advogados, tinham designado três eminências da Faculdade de Filosofia. E lá ficamos nós, os eminentes.

Era o senhor, a Alice e o Dorival.

Isso mesmo. Eu me apoiei no Laerte e no Florestan, e conseguimos essa nomeação. Feita a nomeação, logo surgiu entre os professores certo desentendimento. O Reis tomou a peito a questão e brigou. Disse, "olha, se é assim, se vocês fazem questão de que a coisa seja feita assim, eu não fico mais aqui". Ele era o diretor. Depois ele até escreveu um livrinho, dizendo que por uma questão de ética, de dignidade, ele tinha que sair. Depois disso, a cadeira ficou vaga. Foi para lá o Vanzolini, professor de administração na Escola Politécnica, o único que realmente poderia ser considerado da área, mas ele era um industrial e não tinha tempo para aquilo. Então ele disse, "olha, fico aí uns meses", ficou uns cinco ou seis meses e foi embora. Vagou de novo, aí eu me candidatei, com certas injunções com o Laerte, e fui nomeado diretor do Instituto de Administração e professor da Cadeira de Ciência da Administração e Estrutura das Organizações Econômicas. Depois aconteceu a coisa desagradável de que estava falando, quando o Florestan veio me ajudar, porque o Reis começou a mover uma ação judicial negando que tivesse pedido demissão do cargo, e portanto queria ser reintegrado. O Zeferino estava manobrando para que isso se efetivasse, porque conhecia muito bem o valor do Reis, um homem que havia demonstrado grande capacidade no DESP e que, lá dentro da escola, teria sido também uma história diferente, se ele tivesse ganhado. Eu fiquei ali naquela luta contra o Reis, dizendo "não, eu não quero ser posto na rua. Ou vocês me dão uma cadeira antes ou tenho que objetar a esse pedido do Reis". E foi o que eu fiz, e no fim ganhei.

Essa história desaguou em processo no Judiciário?

Um processo que durou anos. Um processo inquietante pra mim, porque no fim de contas, nessa altura da minha carreira de professor, batalhar numa universidade... Eu já não sabia nem o que eu ia fazer depois. Com essa mentalidade que eu tivera a vida toda, de cientista, não tinha nenhuma aptidão para um trabalho um pouco mais profissional. Nunca me ligara com nada. Então eu cairia no buraco.

Esse processo durou quanto?

Ele se iniciou um ano depois da minha posse, acho que começou em 1948 e depois continuou uns quatro ou cinco anos, até 1952, 1953. Mas foi uma coisa desagradável. Desagradável para o Reis, que também teve a sua vida profissional duramente perturbada, porque ele realmente tinha interesse. Ele vinha do Instituto Biológico, tinha interesse pelas ciências naturais, tinha uma grande capacidade nisso, já tinha feito várias pesquisas originais, mas se enamorava da parte política. No momento em que ocupou esse cargo do DESP, ele passou a gostar da coisa, gostar da administração que exercia naquele cargo. Ele queria abrir esse caminho. Eu de certo modo fui um óbice, ainda que não quisesse. O Zeferino queria outra solução, um desdobramento da cadeira. Agora eu não sei se ele não fez isso porque o Reis também não se sentiu bem nessa situação. O que ele queria mesmo era que reconhecessem o direito dele. O certo é que ficamos nisso. Eu também fui muito prejudicado, porque foram anos penosos de inquietação financeira. No fim, também não me apeguei à escola e na primeira oportunidade saí, fui para as Nações Unidas.

Eu gostaria de saber um pouco a respeito das pesquisas, tanto na Escola de Sociologia e Política como na faculdade, no período em que o senhor estava mais vinculado, antes de viajar. Como eram os laços, as pesquisas eram feitas em conjunto?

Na Escola de Sociologia, não sei bem quantos anos fiquei. Em 1934 foi criada a Escola; em 1947 fui nomeado em tempo integral e tive que largar a Escola de Sociologia. Então fiquei na escola, na volta dos Estados Unidos, dois ou três anos, acho que não cheguei a completar três anos. Não posso me lembrar de qualquer pesquisa que tivesse sido esquematizada ou realizada ali pelos alunos, sob minha orientação, durante esse tempo. Havia essas pressões que eu fazia para que os alunos se decidissem por uma especialização, já começassem a pensar. O que pesava sobre mim era a pressão do Pierson, com respeito às comunidades. Ele, nessa ocasião, me fez entrar na elaboração daquela bibliografia de antropologia.

"Pesquisas e possibilidades de pesquisa".

Isso, "Pesquisas e possibilidades de pesquisa", que foi um auxílio que ele obtivera numa fundação norte-americana e queria que eu ajudasse. Dei uma ajuda bem precária, porque eu estava um pouco fora daquilo. Eu acabara de receber um treinamento teórico de antropologia, mas não tinha ainda começado a digerir o material daqui, e lá em Chicago isso foi muito secundário. Mas, enfim, eu o ajudei nessa parte, me meti na área de análise das línguas e outras coisas mais, mas simplesmente pegando o material existente, o que já havia sido feito, para pôr em ordem. Depois o Baldus também estava bravo com aquilo, achava que eu não era a pessoa certa para ter sido chamada, deveria ter sido ele, e depois ele meteu o pau na minha bibliografia, e coisas assim. Mas a verdade é que eu dei uma ajuda precária. Mais efetiva foi a ajuda na seleção da comunidade que o Pierson ia tomar como base de seu estudo, que depois ele publicou pela Vale do Rio Doce. De fato, desde 1935, 1936, eu já vinha percorrendo São Paulo, procurando essas pequenas cidades em volta de São Paulo, analisando - a base era sempre o festival, a festa de lá - e recolhendo algum material. Eu tenho um material fotográfico muito amplo disso, que pode ter algum interesse lateral em questões de habitações, de ocupação urbana, que transparecem nessas fotografias. Desse trabalho, havia um que para mim era o trabalho pivô, e que deveria constituir a minha tese de doutoramento em Chicago, o estudo de Cunha. Esse trabalho já tinha sido iniciado antes de eu ir para os Estados Unidos. Lá eu pensava em fazer a tese de mestrado com base no trabalho de Pirapora, quer dizer, eu fui a Pirapora, vi algumas coisas, reuni algum material, quando voltei o Mário de Andrade estava ansioso para publicar o trabalho, então eu publiquei. Mas aquilo não era nada ainda, era um primeiro relato, simplesmente, da festa.

E como é que vocês negociavam essas publicações?

O Mário de Andrade era diretor do Departamento de Cultura, diretor da revista. Ele recebia os originais, mandava para um revisor, que era o irmão da Ofélia Ferraz Amaral, o Breno, que também era uma figura amargurada, porque foi muito amigo do Monteiro Lobato e se tornou uma figura de proa no mundo intelectual, naquele tempo. Mas depois deu a virada, o Monteiro Lobato ficou por baixo, e ele também foi de roldão nisso. Eu fiz o trabalho muito depressa, cheio de erros de português, e mandei para o Breno. E o Breno, de propósito, não corrigiu nada e levou pro Mário de Andrade. Então o Mário me chamou, "mas o que você fez aí?". Eu disse, "ah, você também escreve errado, por que eu não posso escrever?". Aí ele disse, "olha, eu escrevo errado e sei onde está errado e porque está errado, mas você não sabe. Quer ver?". Começou a fazer a sabatina. Mas disso tudo resultou que no fim o trabalho ainda saiu cheio de erros, porque o Breno não se incomodava com a revisão, o erro que estava lá, ele deixava como estava. Isso foi na Escola de Sociologia, essa atividade de orientação para uma futura direção profissional dos alunos e esse trabalho. Escrevi um artigo nessa ocasião também, que era um pouco de lá, daquela...

Revista de Antropologia?

Revista de Antropologia? Bem... Agora, na Faculdade de Filosofia, também mais ou menos nesse período, eu fiquei mais dois anos, que foram de adaptação. Mas lá a coisa estava mais estruturada, já antes de eu sair tínhamos organizado um centro de pesquisa. E, nessa ocasião em que eu estava voltando, estavam a Gioconda, a Lucila, a Lavínia...

Orientadas pelo Roger Bastide?

Sim, sempre orientadas pelos professores. Nós fazíamos com alguma independência, mas sempre procurávamos orientação. Roger Bastide se interessou bastante, muito mais do que Lévi-Strauss.

E o trabalho era sobre folclore, basicamente?

Cada um tinha o seu trabalho, que, nesse sentido, era um pouco individual, com orientação do professor. Eu tenho a impressão de que a Lucila ainda estudava Guaratinguetá, ela estava remoendo o assunto naquele tempo. A Gioconda enfrentava o mesmo problema com a pesca no litoral.

Nesse centro, se não havia uma unidade de temas, a unidade era em função do quê?

De cada um dar o seu auxilio à pesquisa do outro.

Financiamento, não havia nenhum?

Não, nem se pensava, a gente achava que aquilo que a gente fazia não tinha comércio, não tinha preço.

E a seleção de comunidades? O senhor começou a falar e não continuou, professor.

Na seleção de comunidades, como eu já tinha um largo conhecimento de várias delas, fui com o próprio Pierson visitá-las outra vez, para considerar a possibilidade de estudá-las. O Pierson tinha também um ajudante, que prestou um auxílio enorme naquele tempo, foi quem depois fez a pesquisa com ele. Ele tem alguns trabalhos publicados na revista, mas o grande trabalho dele foi o do Pierson. Tanto que houve um certo atrito entre os dois depois, certas divergências, e eu sempre falo a ele que publique, mas ele não tem publicado. Seria até interessante ver se ele tem esse material, porque quem fez mesmo a pesquisa foi ele, quem morou na aldeia, durante algum tempo, com a família.

A pesquisa de doutorado o senhor pretendia fazer sobre Cunha?

Não. A tese de mestrado eu tinha a intenção de fazer com base no material que levava de Pirapora, que era uma interpretação dos festivais, como o próprio Redfield tem vários estudos. Mas quando comecei a elaborar, a imaginação começou a atuar muito fortemente. Havia hiatos na documentação, e eu estava preenchendo com a imaginação. Chegou um ponto que eu disse "não, acho que não dá". É uma situação de trabalho, a memória parece que trabalha um pouquinho, está mais divorciada de certos elementos de referência. Então ela sai por aí, principalmente se se tem que escrever uma tese. Era uma loucura. Então eu parei e disse ao Redfield, "eu acho que não dá. Eu vou ter que escolher outro tema". Como eu estava muito metido em festival, lendo muito sobre isso, depois ajudei a Maria Isaura Pereira de Queiroz a fazer aquele trabalho sobre messianismo. Porque eram os dois temas meus. Aí, fiz uma análise de material e acabei encontrando algo muito rico sobre festivais na biblioteca da universidade. Era um material dos comissionados, dos técnicos ingleses, que iam colonizar aquelas ilhas do sul. Eles faziam os relatórios para Sua Majestade, uma coisa extraordinária. Eu me propus a fazer aquilo e depois tomar outros festivais, outros locais, e elaborar uma teoria funcionalista do festival. Daquelas grandes ambições, grandes idéias. E fiz! Fiz a tese, saiu razoável, apesar do meu inglês, que também não era muito bom para escrever. A tese era tão razoável que depois, nos cursos que se deram lá na universidade, de psicologia social, ou de matéria relacionada com isso, sempre era de leitura obrigatória. Essa tese também não foi publicada.

Mas na pesquisa do vale do São Francisco o senhor ajudou em alguma coisa?

Não. Grande parte foi feita pelo Pierson também. Depois a tese de doutoramento é que eu pretendia fazer sobre Cunha.

Cunha foi onde o Willems estudou.

Pois é, aí o Willems também furou o negócio. Não tem importância. Antes de ir para os Estados Unidos, eu já tinha estado em Cunha por vários meses, morando lá, recolhendo um excelente material. Mas escrevi apenas um pequeno artigo, que apareceu naqueles Anais...

Da História?

Não, nos Anais do IX Congresso de Geografia e História.

Revista dos Estudos Históricos e Geográficos Brasileiros, não é?

Ali há dois artigos meus e um deles é sobre o povoamento de Cunha.

E quando o senhor voltou, o Willems já tinha trabalhado nisso, não?

Não, durante a minha ausência o Willems resolveu também fazer o seu estudo. Pior ainda, resolveu fazer o estudo de Cunha, com a orientação do Robert Redfield, com quem eu tinha intencionado também fazer.

Por que essa fixação em Cunha?

Era essa preocupação de encontrar uma comunidade isolada. As comunidades isoladas em volta de São Paulo sempre tinham como característica um relacionamento com a metrópole razoavelmente fácil e mais ou menos brutal, com relação à organização comunitária. Então era preciso depurar esse traço, para poder fazer os tais estudos. Cunha era uma cidade decadente, uma cidade isolada, no meio da montanha, não tinha estrada naquele tempo, não se chegava lá senão a cavalo.

O Willems escolheu Cunha porque ele gostava de sítio, conhecia muito bem a cidade, passava suas férias lá. As pessoas então sugeriram como um lugar isolado, típico de uma comunidade de trabalhadores.

É, mas como havia trabalhos publicados... Isso era conversa de todos dentro da faculdade, só não foi elemento de decisão.

Quer dizer que não havia muita diferença entre os temas escolhidos na Escola de Sociologia e na faculdade?

Não, só entre eu e o Willems!

Mas o senhor ficou na Faculdade de Administração ou saiu?

Eu fui nomeado professor, fui nomeado técnico de administração, passei a ser professor interino lá, contratado, e insisti em tentar fazer o concurso. Conseguimos, enfim, nós três - Dorival, Alice e eu -, que marcassem o concurso. Eles estavam protelando, porque os outros professores pretendiam prestar. Estavam achando que poderiam tornar-se catedráticos sem fazer esse trabalho. O concurso foi em 1951. Depois fui para a França, voltei... O Instituto de Administração tinha esse aspecto de nascimento: ele era a transposição de um corpo de funcionários para uma análise histórica. Talvez na mão do Redfield, que já tinha trabalhado com esse grupo, recebesse outro rumo, mas eu tive que dar organização, a preocupação era realmente não criar um problema individual com cada um deles, porque estavam debaixo do tacão do jornal O Estado de S. Paulo, que chamava todo mundo de analfabeto e coisas assim. O meu problema foi ver como se poderia trabalhar com aquele pessoal, que tinha formação muito restrita. Havia alguns que não tinham nem curso secundário completo, e outros com uma formação para ser professor universitário, como o Raul de Moraes. Eu levei depois para lá a Lucila, que ficava na dependência de abrir uma vaga, que só podia abrir com morte! Você tinha que arranjar uma morte. Era uma manobra difícil com o corpo de funcionários: tempo integral, tinha que ficar o dia inteirinho lá, fazendo alguma coisa, a gente não sabia o que eles queriam fazer. Aí o Roger foi pelo folclore. Ele publicava um trabalhinho de folclore, lá vinha marretada nas conversinhas na sala dos professores, "Vê, o nosso instituto aqui está fazendo folclore", e coisas assim. Mas era o que ele gostava de fazer, fazia razoavelmente bem. Depois os outros foram postos assim: a Lucila em ciências sociais, fez o trabalho de Guaratinguetá lá e terminou aqui. Mais tarde, saiu a Lucila, veio o Juarez46 46 . Juarez Rubens Brandão Lopes. no seu lugar. Enfim, foi possível acomodar. Resultou que nós trabalhamos primeiro, e muito, no sentido da assistência à administração pública. A administração pública não estava acostumada a pedir estudos, mas pedia que a gente fizesse certos trabalhos de que ela precisava, sem pagamento. Era um pessoal relativamente capaz, que já tinha tido experiência a respeito, mas os conhecimentos, do ponto de vista histórico, eram muito elementares, eram jargões que estavam sendo usados mas serviam para a época. Trabalhamos muito também na área de pessoal, com o Raul, e foi possível desenvolver a parte de seleção. Todo o movimento de seleção na indústria, de seleção mesmo do serviço público, desde o movimento de testes para ingresso na universidade, tudo foi feito por esses que saíram lá do instituto, pessoal bem qualificado, bem treinado e muito experiente nesse tipo de trabalho. Mas isso não era reconhecido, havia uma hostilidade contra o instituto, uma maneira genérica de dizer "Vieram para cá, intrometidos, sem ter nada, não fizeram concurso, não foram convidados", e a história passou-se assim durante alguns anos. Não sei bem qual seria a outra saída, se esperar outras mortes ou o que era. No fim criaram outro instituto, absorveram este, marcharam para a frente e saíram, para cá e para lá. Bem, nessa situação é que recebi o convite para ir às Nações Unidas. O convite era feito para a área de administração, para assessorar a administração do nosso país e especialmente organizar o ensino de administração para os funcionários. Eu fui para a Colômbia e ao fim de um ano de trabalho propus a criação da Escola Superior de Administração Pública. Instalei a escola, trabalhei um pouco aí e depois fui para a Venezuela. Na Venezuela também criei logo a escola e comecei a trabalhar no treinamento de serviço, trabalhei uns dois anos lá, e a Colômbia pediu a minha volta. Voltei à Colômbia, continuei a trabalhar na escola, melhorando certos aspectos. Por volta de 1968, achei que o regime ditatorial ia acabar com tudo, então peguei minhas coisas nas Nações Unidas e vim para cá.

Voltando à questão da USP, tem-se a impressão de que o Departamento de Cultura, e algumas iniciativas que aí tomaram corpo, influíram na produção da USP no início - como, por exemplo, os trabalhos sobre folclore. Quando o senhor falou que a Lavínia fazia um trabalho muito jornalístico sobre o folclore, algo superficial, parece ter havido bastante influência desse pessoal diletante que estava com Amadeu Amaral, Mário de Andrade, que faziam um trabalho mais jornalístico, sobre essas pessoas na universidade.

Não há. Tomando os casos concretos: Lavínia, que a gente acusou de trabalho jornalístico, não tinha nenhuma influência nesse sentido. Aqueles trabalhos sobre folclore publicados na Revista do Arquivo é preciso cotejá-los um pouco cronologicamente, porque eles começam a melhorar, como aquele da "Dança de São Gonçalo", desse rapaz que foi secretário do Mário de Andrade e responde muito pela organização do trabalho de Mário nos outros anos. Esse rapaz já publica um trabalho um pouco melhor de folclore; melhor até do que os que nós vínhamos fazendo na faculdade. Mas aí era um pouco por injunção do Mário de Andrade. Apesar de não ter passado pela faculdade, Mário tinha uma formação muito melhor: tinha a técnica; podia, por exemplo, gravar uma música; nós não podíamos, não tínhamos gravador; e eram escassos os musicólogos que podiam ouvir uma música e transcrever. Mário fazia isso: em Pirapora ele fez ali, na minha frente, tudo. Lavínia tinha um pouco dessa postura jornalística, mas que é dela, não tinha nada a ver com Mário. Agora, quanto à melhoria, a influência desses trabalhos do departamento sobre a faculdade, não creio. A faculdade era de fato naquele tempo um pequeno grupelho. No fim de contas, havia os alunos que saíam para o interior para serem professores e ficava aquele corpo de assistentes, com mais uns quatro ou cinco apêndices, alunos que estavam desgarrados e ficaram por ali. Esse grupelho é fundamentalmente o que o Lévi-Strauss cita. Era em essência o grupo de pesquisa de ciências sociais, porque mesmo dentro da faculdade também saíram os que formaram o grupo literário, com Antonio Candido, Lourival Gomes Machado e outros. Esse grupelho realmente não tinha nem relações pessoais muito íntimas. Eu era o que zanzava mais nesse meio e acabei também trabalhando no Departamento de Cultura.

Qual é a relação desse grupo do Estado de S. Paulo, que eram na época os redatores do Estadão - Plínio Barreto, Paulo Duarte, Leo Vaz, Amadeu Amaral? Havia alguma relação dessas pessoas com o pessoal da faculdade?

Acho que não. Pelo contrário. Sempre gostei de ler e de guardar os livros, eu tinha uma leitura de Amadeu e de todos aqueles. Mas o pessoal tinha a posição que eu também assumi, de romper com a cultura. O Amadeu começa a evoluir um pouco nesta parte, como folclorista. Mas no geral não há realmente ligação com esses antigos mentores do Estadão, não havia ninguém que fizesse essa ligação. A única ligação que viria a ocorrer, mais formal, era com o Sérgio Milliet. Porque o Sérgio, a penetração do Sérgio representaria isso. É verdade que o Lourival Machado era um homem do Estado de S. Paulo, publicava o Suplemento Literário, estava sempre com o Júlio de Mesquita. Mas o Lourival não era desses que nós estamos chamando de sociólogos. Ele logo saiu da sociologia e ingressou na política.

Por que folclore, então?

Eu não sei bem dizer por que folclore. Mas a idéia era a seguinte: nós precisávamos fazer uma ciência, essa ciência dependia de dados, esses dados exigiam que nós encontrássemos uma relação com a realidade social. Quando fui fazer a tese para professor catedrático, eu queria estudar uma indústria em que essas transformações estivessem acontecendo; a isso eu chamava de "burocratização", passagem de um regime de administração baseado em certo paternalismo para um regime distinto, aquele pregado pela ciência norte-americana de administração. Eu vasculhei e achei até que eu devia ir para a Votorantim, mas não houve jeito de eu conseguir uma penetração. Acabei indo para o Instituto Pinheiros. O Paulo Ayres era o diretor e me abriu as portas. Eu pude não só passar lá muitas horas, mas mandar mesmo uma funcionária minha, para ficar como empregada dele durante quase um ano; e aí recolhi um material riquíssimo. E tanto ele sabia que era riquíssimo que depois começou a fechar o tempo, para que eu não publicasse a tese.

Isso foi quando?

Em 1951 eu fiz o concurso. Isso foi em 1949, 1950. De verdade, acho que a tese representa uma certa contribuição. Ela foi esquecida depois, porque o Guerreiro Ramos fez uma política também bombástica. Ele disse que eu podia escrever outra coisa. Isso é fácil dizer, não? Mas o Guerreiro Ramos achava que nós não devíamos ficar em teses monográficas, devíamos captar aspectos mais genéricos. Eu estava justamente na tese monográfica. Cheguei até a martelar o próprio Antonio Candido nesse sentido. Ele dava um curso sobre sociologia rural baseado naquela relação rural-urbano do Sorokin47 47 . Pitirim A. Sorokin (1889-1968), sociólogo russo imigrado para os Estados Unidos em 1923, onde fundou o departamento de sociologia na Universidade de Harvard. e me ajudou, introduziu vários trechos do Sorokin para ajudar no curso. Nessa ocasião, com esse material rico, eu escrevi a tese, que se intitula "Burocratização das empresas industriais". Mas ela é o estudo de apenas uma indústria, ainda que procure caracterizar um período de desenvolvimento da administração industrial do país, fato que escapou ao Guerreiro Ramos. Eu achava que aquilo decerto iria cair nos padrões apregoados pelo ensino de administração, o ensino que estava sendo dado. Eu nem trazia as técnicas de administração para a minha cátedra, considerava que estavam atrasadas, queria ensinar algo mais adiantado, ainda que eu reconhecesse que a administração pública estava mais adiantada do que a administração privada. Muitas vezes, no Instituto de Administração, fiz seminário para o pessoal da indústria, e o pessoal de administração de pessoal não entendia nada, nunca tinha ouvido falar de certas coisas, de modo que precisava começar a arejar aquilo. Então, a tese coloca isso e procura mostrar o que é a organização paternalista, que eles desenvolviam naquela época, e como já havia indícios de modificação. Mais nada, eu não preguei a nova administração. Mas a idéia era mostrar a compreensão que se precisava ter. Depois, a coisa revolucionou, quer dizer, as multinacionais deram um impulso danado e se está fazendo hoje aquilo que eu ensinava e que era copiado dos livros norte-americanos.

O senhor havia citado Weber, dizendo que ele fora importante para fugir tanto do filosofismo da USP como do pragmatismo do Pierson. Gostaria que o senhor falasse a respeito dessa recepção do Weber no Brasil.

Não sei, mas pode ser que eu esteja falando com um pouco de entusiasmo e vocês achem que estou me deliciando com isso. Mas, na verdade, para mim, essa minha história é uma história de fracassos, de frustrações. Porque, por certas circunstâncias, nunca pude amadurecer nada. O meu grande sonho era o estudo do messianismo, que ficou em quase nada - uma quantidade enorme de leituras e realmente nada esboçado. Eu pretendia voltar a fazer esse estudo de Cunha, e isso falhou. O estudo de Pirapora foi publicado na pior hora, só porque o Mário de Andrade foi junto comigo lá e queria publicar o trabalho logo. Aí, também, vem essa história de Weber. Quando eu voltava dos Estados Unidos, como a passagem era de graça, eu disse: "Eu quero parar no México". E passei lá uns vinte dias, que foram deliciosos, incluindo meu encontro com Weber. Eu tinha visto alguma coisa lá nos Estados Unidos, mas muito pouco. No México, foi justamente nessa ocasião que saiu a tradução; comprei os volumes, comecei a ler. Era aquela tolice de professor, enfim eu era sempre o professor que tinha a ambição de trazer a última moda das coisas. Eu sempre vivia na crista da onda. No fim, eu era um repetidor, um reprodutor, não saía muito disso. Nesse caso, a reflexão que fiz com Weber foi muito insuficiente. Cheguei a escrever alguma coisa sobre ele, um ou dois trabalhos. O que me pegou depois do Weber, muito duramente, foi, logo quando eu começava a ler e me interessar por ele, passar para a administração. Porque Weber acaba realmente dando os fundamentos mais sérios para a administração. Eu vinha ensinando a administração, mas estava enjoado com aquilo. Em que consiste de fato a administração industrial, a administração pública nos Estados Unidos? Uma série de preceitos, regras, que se tornaram, com o tempo, usuais, e eles agora ensinam. E eu vinha de lá, debaixo daquela luta das relações humanas. Mas aqui as relações humanas eram novidade, ninguém tinha idéia daquilo. E quem lia, então, o primeiro livro de relações humanas, dizendo como você adota uma estratégia de tratamento do operário? Eu tinha que ensinar isso, isso era a minha ciência, porque sem isso não havia administração pública, não havia o que ensinar. Tinha que ensinar de uma maneira um pouco crítica. Mas com o Weber era sobretudo a concepção básica da administração moderna. Era o que estava no taylorismo, separar o trabalho do indivíduo e fazer o trabalho, determinar o trabalho nos mínimos detalhes, e o operário aprende aquilo e cumpre segundo os cânones estabelecidos. O fundamental era a administração do trabalho e do emprego, e na administração pública essa era a grande revolução que tinha que ser feita, naquele momento. Quando comecei a dar os primeiros pareceres - como diretor do Serviço Civil do Estado, no tempo do Garcez -, comecei a insistir nisso. Pouco a pouco, isso foi aceito pelos advogados, que havia a distinção entre o emprego e o empregador, porque havia muita coisa ainda na administração do pessoal, no Estado, que era reivindicada em termos do trabalho, do trabalhador. O indivíduo dizia: "Ah, agora eu me formei em direito e então quero um cargo de direito", quando na repartição nem tinha cargo de advogado. Eu tinha que explicar: "Os cargos são organizados de acordo com o trabalho realizado, existe um sistema de classificação de cargos", tudo isso estava baseado no Weber. Era uma maneira muito barata de tirar do Weber o que realmente influenciou. Mas a questão que eu estava colocando, o drama que eu estava vivendo, persistiu: não me aprofundei o suficiente em Weber para poder mudar minha posição. Até hoje, acho que sou um velho ex-positivista, muito apegado ainda a certo empirismo. Mesmo Maugüé48 48 . Jean Maugüé (1904 -1990), professor de filosofia, integrante da missão de professores franceses contratados pela USP. , o nosso ídolo, era um grande professor, mas não ensinava propriamente. Ele deixava a gente viver aquilo, ele mesmo dizia: "Olha, realmente o que interessa é que você leia o original e pense como ele. Seja um Bergson, quando você ler um Bergson. Isso é o fundamental". Não gostávamos desse jogo. De modo que é como disse, uma maré de frustrações, não houve tempo para fazer muita coisa, nem sempre tinha a consciência, realmente, do que deveria ser feito. Acho que isso é ainda a confusão da sociologia. Quando a gente pega o que é o sociólogo, o que os sociólogos fazem, o que eles pretendem fazer, no fundo, no geral, ainda são literatos ou são filósofos. Ou têm uma posição ainda empiricista ou positivista.

Existe certa tendência a atribuir ao Lévi-Strauss, na época em que esteve aqui, coisas que apareceram muito depois. Naquele momento, ele era um dos integrantes da missão francesa.

Não era, isso é ilusão! Acho que eu tenho as apostilas do Lévi-Strauss. Ele devia até ter vergonha. Pois é, ele realmente não sabia nada de nada do que estava ensinando. Ele simplesmente traduzia o livro do Lowie e repetia. E do estruturalismo ele ainda estava longe, talvez soubesse menos lingüística do que eu na época.

Em todo caso, eu estava invocando um exemplo só para lhe perguntar o seguinte: as pessoas costumam dizer que havia dois alunos, que depois se tornaram professores brilhantes na década de 1940, começo de 1950, na Escola de Sociologia e Política e na USP, que eram Renato Jardim Moreira e Eduardo de Oliveira. Por que as ciências sociais perderam esses talentos? Porque ouvi variadas explicações, desde a menção de relações sociais complicadas até a atração pelo ramo mais lucrativo dos negócios. Como o senhor enxerga a saída deles?

O Eduardo49 49 . Eduardo Alcântara de Oliveira pertenceu à turma de ciências sociais e políticas (1936) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. foi para os Estados Unidos comigo; foi para a Northwestern, não fomos contemporâneos. Ele foi aluno do Herskovits50 50 . Melville Jean Herskovits (1895-1965), antropólogo norte-americano, professor na Universidade Northwestern, em Chicago. , que tinha um sentido muito paternal, ajudava, tinha muita amizade pelo Eduardo. Acho que o Eduardo aproveitou muito do Herskovits. Provavelmente o Herskovits abriria a carreira para ele, daria condições de obter o financiamento das instituições americanas para as pesquisas. Mas a verdade é que não havia da nossa parte uma convicção sobre tudo que estávamos fazendo, aquela convicção grandiloqüente de ser um cientista. A coisa estava tão alta, tão inacessível para a gente ser como Lévi-Strauss, que realmente era motivo de frustração. Não tinha patamares, não havia intermediários para a gente chegar a alguma coisa sem problema. A não ser que se fosse mesmo grande, extraordinário. O Eduardo, em especial, nunca foi esse tipo de intelectual. Por outro lado, não houve oportunidade. Ele teve algumas relações com o Departamento do Índio e era até muito amigo do Darcy Ribeiro, e provavelmente o Darcy o levou para lá. Mas não havia condições de viver daquilo ou poder ter alguma perspectiva. A Escola de Sociologia nunca propiciou uma perspectiva muito sólida de carreira, ou o indivíduo se apegava a isso e fazia a carreira do curso, ou não tinha mais nada, porque o diretor não tinha visão e não desenvolveu o financiamento da escola a ponto de agüentar um baque como esse. A escola não dava segurança nenhuma. Aqui, tinha só o museu. O Baldus, sempre disputando o lugar de diretor do museu, acabou também deixando o Eduardo de fora. Eu acho que eram oportunidades que de fato ele não teve, que eram muitíssimo escassas. O Renato eu não conheço.

Ele trabalhou no início da década de 1950 na pesquisa do Florestan, do Bastide, e o pessoal que o conheceu, que foi colega dele, na época, dizia que era uma pessoa incrível. Foi casado com Maria Sílvia de Carvalho Franco.

Tenho a impressão de que ele saiu, inicialmente, da faculdade para o jornal O Estado de S. Paulo. Ele foi trabalhar com o Fernando de Azevedo.

Parece que ele saiu do quadro de professores para fazer uma pesquisa e depois se desentendeu com o Fernando de Azevedo. Coincidiu nessa época de ele, inclusive, estar se separando e ir para o Rio.

Hoje, então, nem é bom falar. As escolas de economia, como a Fundação Getulio Vargas, já estão calcadas nessa perspectiva de encaminhar esse pessoal para o setor privado. Realmente a atração é enorme.

Mas nas ciências sociais é mais raro.

É mais raro. É aquele problema que eu via na Escola de Sociologia, que tinha mesmo que ter um sentido pragmático, um sentido prático. E também pensavam no que de prático poderia fazer o sociólogo. Esse setor de relações humanas também abriu para muitos da Escola de Sociologia a análise da indústria. Porque, na falta ainda de psicólogos, eram realmente os que podiam fazer algo.

No começo da Faculdade de Filosofia - especificamente no setor de história -, o senhor falou que o Taunay era meio marginalizado. Havia então essa coisa dos estrangeiros, de ruptura com essa cultura prévia e também o esnobismo dos alunos que só queriam entender coisas estrangeiras, e o professor nacional ficou meio marginalizado. Em história, tivemos professores estrangeiros, mas não se ousou convidar o Taunay para lecionar história do Brasil.

Hoje a gente já põe em dúvida, mas no meu tempo era absoluto, ninguém presta! Todo mundo era autodidata. Taunay realmente era insuportável. Eu não tive aula, mas entre os meus muitos empregos fui revisor da Imprensa Oficial. Quando não tinha serviço, vinham os manuscritos do Taunay, pilhas e pilhas.

Qual era a postura do Estadão, desse pessoal que criou a universidade? O fato de história do Brasil não ser ministrada por um estrangeiro, ter ficado com um brasileiro, resultou de uma decisão deles mesmos ou foi uma resistência externa? O grupo que criou a universidade gostaria de ter chamado um francês para ensinar história do Brasil e não conseguiram? Se eles mesmos achavam que devia ser um brasileiro, por que ele foi desprestigiado?

Mas talvez nem existisse ainda um nome na França que tivesse tal projeção para poder trazer. Começa aí o problema.

Mas havia também certo nacionalismo, não? O Taunay não era um sujeito influente, importante?

No Estado de S. Paulo ele tinha tradicionalmente essa influência social.

Nesse contexto, acho estranho que ele ficasse marginalizado.

Mas realmente ele não trazia nada. E não havia esse nacionalismo, que se pudesse dizer "nós temos essa obrigação com a história do Brasil". Isso não passava na cabeça dos alunos.

O Taunay era considerado um autodidata pelos críticos.

Ele era um cronista, não era um historiador.

O senhor falou que, quando foi para Chicago, foi convidado para a Antropologia, cujo diretor era o Ellis Jr., o substituto de Taunay. Quando o Taunay se aposentou, foi substituído pelo Ellis Jr., que devia ter algum prestígio porque chegou a diretor.

Nessa história do Ellis Jr. eu nunca pensei. Não sei nem como ele foi parar lá.

Como historiador ele era tão ruim quanto o Taunay.

O Ellis Jr. era muito malquisto. De fato ele fez algumas coisas meio exageradas. Ele era considerado um ajudante, um auxiliar do Simonsen. Fala-se muito que ele escreveu várias coisas do Simonsen. Na Escola de Sociologia ele não teve penetração. Mas o Simonsen é muito melhor.

Quem foi secretário do Simonsen muito tempo foi o Cyro Berlinck, que instituiu o Roberto Simonsen na direção na escola, não?

O Cyro Berlinck não tinha bagagem cultural.

Parece que há uma tradição na família do Cyro Berlinck de criar escola. O avô, Horácio, cria a Escola de Comércio; depois, pelo que consta, a idéia da escola veio do Cyro Berlinck, que teria dito: "Olha, Simonsen, tem uma escola na Europa, que está fazendo muito sucesso, é a sociologia. Você está procurando alguma coisa, então vamos criar uma Escola de Sociologia". Aí, mandaram um telegrama para os Estados Unidos dizendo: "Mande um sociólogo". Diz a lenda que os professores fizeram fila na porta da embaixada brasileira para poder vir para o Brasil, porque havia um desemprego muito grande nos Estados Unidos, naquela época.

Acho que essa interpretação não está bem, é folclore, não dá. Eu não acho que o Cyro teve tanta importância na criação da escola, muito menos que ele tenha sugerido para o Roberto Simonsen.

Ele queria criar uma escola.

Isso sim. Ele foi visto sempre como o administrador, o gerente de uma escola. Agora, a discussão da Escola de Sociologia foi muito ampla. Aquele manifesto assinado por tantas pessoas, algumas que a gente sabia que eram muito ativas, estavam muito inquietas. Não há dúvida de que tem alguma coisa que está nos escapando, não conhecemos ainda. E acho que o Cyro foi figura de proa de tudo aquilo.

O Estado de S. Paulo deu também uma ajuda muito longa durante muitos anos. Embora menor que a do Simonsen.

O Estado de S. Paulo apoiou para não perder posição. O Estadão nunca foi muito simpático à escola, havia aquela imagem de que a grande escola era a faculdade. A Escola de Sociologia tinha que ficar no plano secundário. Isso penetrava no Estadão, penetrava no corpo de alunos.

O senhor disse que se interessou por Weber a partir do fim da guerra, que passou no México e pegou a tradução. Isso significa que não corria por aqui a reinterpretação do Weber pelo Parsons51 51 . Talcott Parsons (1902 -1979), influente sociólogo norte-americano nas décadas de 1950 e 1960, professor de sociologia na Universidade de Harvard, autor de uma teoria geral dos sistemas sociais ( The structure of social action, 1973) .

Acho que não.

Quando o senhor esteve nos Estados Unidos, o Parsons deveria estar surgindo como o grande nome nessa época.

Ele estava aparecendo nos Estados Unidos nessa época, mas tão pouco ainda que não me pegou na Universidade de Chicago. Na Universidade de Chicago os livros de Weber estão em todas as bibliografias, mas era esse Weber.

Weber não fora traduzido em inglês!

Nem nos Estados Unidos.

Economia e sociedade é anterior à tradução espanhola. O livro do Parsons é de 1938. Por volta do fim da guerra, o Parsons já é o jovem promissor de Harvard.

Em Harvard pode ser que tenha penetrado. Mas em Chicago...

Não circulava?

Não. Naquela ocasião, Chicago era a primeira universidade. Hoje já perdeu muito, mas naquele tempo rivalizava com Harvard.

Aqui no Brasil Weber aparecia de alguma forma?

Não.

Por que em algumas bibliografias do Pierson ele inclui o Weber?

Mas nós temos isso de incluir apenas na bibliografia. Mas mesmo isso é posterior, o Pierson aprendeu sobre Weber aqui.

Muito obrigado pela entrevista fascinante que o senhor nos concedeu.

  • 6. Claude Lévi-Strauss, Tristes tropiques, Paris, Librairie Plon, 1955;
  • Tristes trópicos, São Paulo, Anhembi, 1957, tradução de Wilson Martins revista pelo autor.
  • 15. Gioconda Mussolini (1913-1969) e Lucila Hermann (1912-) pertenciam à turma de ciências sociais e políticas (1935), e Gilda de Moraes Rocha (depois de casada, Gilda de Mello e Souza) (1919-2005) à turma de 1937, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. A respeito de Gilda de Mello e Souza, consultar Sergio Miceli e Luiz Fernando Franklin de Mattos (orgs.), Gilda, a paixão pela forma, Rio de Janeiro, Fapesp/Ouro sobre Azul, 2008.
  • *
    Mário Wagner Vieira da Cunha (1912-2003) concluiu o curso de direito (1936) na Universidade de São Paulo e pertenceu à turma de ciências sociais e políticas (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na mesma universidade. Foi professor na Escola Livre de Sociologia e Política, professor catedrático de ciência da administração da Faculdade de Economia e Administração e diretor do Instituto de Administração anexo à FEA-USP. Autor, entre outros trabalhos, de "Descrição da festa de Bom Jesus de Pirapora" (in
    Revista do Arquivo Municipal, 1937), "Povoamento e classes rurais do município de Cunha" (1939), "Social research in Brazil", em parceria com Donald Pierson (1946),
    Burocratização das empresas industriais (1951) e
    O sistema administrativo brasileiro 1930-1950 (1963). Esta entrevista foi realizada em 17 de dezembro de 1986.
  • 1
    . João Cabanas (1895-1974), militar participante do movimento tenentista de 1924, em São Paulo. Após exílio no Uruguai, voltou ao país para atuar na Revolução de 1930 e foi um dos articuladores da Aliança Nacional Libertadora, em 1935.
  • 2
    . Manoel Bergstrom Lourenço Filho (1897-1970), educador paulista.
  • 3
    . Fernando de Azevedo (1894-1974), mineiro, educador atuante em São Paulo.
  • 4
    . Roldão Lopes de Barros (1884-1951), educador paulista, primeiro titular da cadeira de história e filosofia da educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 5
    . Antônio Ferreira de Almeida Júnior (1892-1971), educador paulista.
  • 6
    . Claude Lévi-Strauss,
    Tristes tropiques, Paris, Librairie Plon, 1955;
    Tristes trópicos, São Paulo, Anhembi, 1957, tradução de Wilson Martins revista pelo autor.
  • 7
    . Afonso d'Escragnolle Taunay (1876-1958), catarinense, filho do escritor Alfredo Taunay, historiador e diretor do Museu Paulista.
  • 8
    . Teodoro Augusto Ramos (1895-1937), engenheiro e matemático paulista, professor da Escola Politécnica da USP e primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), tendo participado da contratação dos professores estrangeiros.
  • 9
    . Antônio de Almeida Prado (1889-1965), médico paulista, catedrático na Faculdade de Medicina e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 10
    . Paul Arbousse-Bastide (1900-1978), professor francês que ocupou a cátedra de sociologia na Universidade de São Paulo desde sua chegada ao país, em 1934, até seu desmembramento em Sociologia I e Sociologia II, transferindo-se em 1942 para a recém-criada cadeira de política. Em 1946, retornou à França.
  • 11
    . Antiga organização estudantil na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
  • 12
    . Zenaide Vilalva de Araújo pertenceu à turma de filosofia (1936) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 13
    . Lavínia Costa Vilela era da turma de ciências sociais e políticas de 1935, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, autora de uma das primeiras teses de sociologia apresentadas nessa faculdade,
    Algumas danças populares no estado de São Paulo (1945).
  • 14
    . Zenith Mendes Silveira pertencia à turma de ciências sociais e políticas de 1936, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 15
    . Gioconda Mussolini (1913-1969) e Lucila Hermann (1912-) pertenciam à turma de ciências sociais e políticas (1935), e Gilda de Moraes Rocha (depois de casada, Gilda de Mello e Souza) (1919-2005) à turma de 1937, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. A respeito de Gilda de Mello e Souza, consultar Sergio Miceli e Luiz Fernando Franklin de Mattos (orgs.),
    Gilda, a paixão pela forma, Rio de Janeiro, Fapesp/Ouro sobre Azul, 2008.
  • 16
    . Lucila Hermann diplomou-se pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1938) e pela Escola Livre de Sociologia e Política (1942); mestre pela Escola de Sociologia (1946) e doutora em geografia e história com a tese
    Evolução da estrutura social de Guaratinguetá num período de 300 anos (1945, publicada em 1948), foi assistente de sociologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 17
    . Lourival Gomes Machado (1917-1967), crítico e historiador da arte, especializado no barroco brasileiro, catedrático de política na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, foi integrante do grupo mentor da revista
    Clima.
  • 18
    . Maria de Lourdes dos Santos Machado, formada em educação, docente de didática na Universidade de São Paulo, secretária da revista Clima.
  • 19
    . Nicanor Teixeira de Miranda (1907-), folclorista e educador paulista.
  • 20
    . Lívio Teixeira (1902-1975), filósofo e professor de filosofia, pertenceu à primeira turma de filosofia, de 1934, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 21
    . Azor Montenegro pertenceu à primeira turma de ciências sociais e políticas (1934) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 22
    . Aquiles Archero Júnior pertenceu à segunda turma de filosofia (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, autor de manuais didáticos de sociologia.
  • 23
    . Décio Ferraz Alvim pertenceu à primeira turma de filosofia (1934) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 24
    . Milton Lourenço de Oliveira pertenceu à segunda turma de ciências sociais e políticas (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 25
    . Roberto Cóchrane Simonsen (1889-1948), engenheiro e empresário paulista, fundador da Escola Livre de Sociologia e Política, historiador e político.
  • 26
    . Um dos primeiros cientistas sociais norte-americanos contratados para ensinar na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo.
  • 27
    . Samuel H. Lowrie, sociólogo norte-americano, professor da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo na década de 1940.
  • 28
    . Alexandre Kafka (1917-2007), economista tcheco cuja família imigrou para o Brasil em 1940, tendo ensinado economia na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo; mais tarde, foi assessor econômico da Fiesp, chefe da divisão latino-americana do FMI, órgão do qual se tornou diretor-executivo por mais de três décadas.
  • 29
    . Roberto Mange, primeiro diretor regional do Senai em São Paulo.
  • 30
    . Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), historiador e catedrático de história do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 31
    . Robert Redfield (1897-1958), antropólogo norte-americano, professor e chefe do departamento de antropologia da Universidade de Chicago, autor de estudos clássicos de comunidades.
  • 32
    . William Lloyd Warner (1898-1970), antropólogo norte-americano, professor de sociologia e antropologia na Universidade de Chicago, autor de estudos clássicos sobre comunidades negras.
  • 33
    . Donald Pierson (1900 -1995), sociólogo norte-americano, mestre e doutor pela Universidade de Chicago, com tese sobre relações sociais na Bahia. Residiu no Brasil entre 1939 e 1959 e foi professor da Escola Livre de Sociologia e Política. Dirigiu a coleção Biblioteca de Ciências Sociais, subvencionada pela Fundação Rockefeller e pelo Departamento de Estado norte-americano, e co-editou a revista
    Sociologia, sendo autor de estudos de comunidades, de relações raciais e de candomblé.
  • 34
    . Cyro Berlinck, diretor da Escola Livre de Sociologia e Política.
  • 35
    . Oscar Egídio de Araújo (1908-), formado em direito pela USP, foi professor de estatística e de pesquisas sociais da Escola de Serviço Social e assistente de métodos e pesquisas sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Foi diretor da Divisão de Pesquisas Sociais do Sesi.
  • 36
    . Emílio Willems (1905-1997), antropólogo alemão, professor na Escola Livre de Sociologia e Política e na USP, entre 1937 e 1949, co-editor da revista
    Sociologia e autor de importantes trabalhos sociológicos de feitio etnográfico.
  • 37
    . Herbert Baldus (1889-1970), antropólogo alemão, professor de etnologia brasileira na Escola Livre de Sociologia e Política, co-editor da revista
    Sociologia, diretor da
    Revista do Museu Paulista e autor de extensa e relevante obra etnológica, inclusive uma
    Bibliografia crítica da etnologia brasileira em dois volumes, publicada em 1954.
  • 38
    . Robert Henry Lowie (1883-1957), nascido na Áustria, antropólogo atuante nos Estados Unidos, estudioso das tribos indígenas norte-americanas e professor de antropologia na Universidade de Berkeley/Califórnia, figura central da moderna teoria antropológica.
  • 39
    . Willems era graduado pela Universidade de Berlim (1928), doutor pela mesma universidade (1930) e livre-docente pela USP (1937).
  • 40
    . Frederick Russell Eggan (1906-1991), antropólogo norte-americano e professor na Universidade de Chicago.
  • 41
    . Leonard Bloomfield (1887-1949), criador da lingüística estrutural norte-americana e autor do clássico
    Language (1933).
  • 42
    . Laerte Ramos de Carvalho (1922-1979), formado em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, doutor em filosofia pela USP (1951), catedrático de história e filosofia da educação nessa faculdade, redator do jornal
    O Estado de S. Paulo e diretor da Faculdade de Educação da USP (1972).
  • 43
    . Paul Hugon, economista e professor de economia, integrante da missão de professores estrangeiros na USP.
  • 44
    . Dorival Teixeira Vieira, catedrático na Faculdade de Economia e Administração da USP.
  • 45
    . Alice Piffer Canabrava (1911-2003) pertenceu à turma de geografia e história (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo; historiadora e economista, professora catedrática de história econômica do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e na Faculdade de Economia e Administração da USP.
  • 46
    . Juarez Rubens Brandão Lopes.
  • 47
    . Pitirim A. Sorokin (1889-1968), sociólogo russo imigrado para os Estados Unidos em 1923, onde fundou o departamento de sociologia na Universidade de Harvard.
  • 48
    . Jean Maugüé (1904 -1990), professor de filosofia, integrante da missão de professores franceses contratados pela USP.
  • 49
    . Eduardo Alcântara de Oliveira pertenceu à turma de ciências sociais e políticas (1936) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
  • 50
    . Melville Jean Herskovits (1895-1965), antropólogo norte-americano, professor na Universidade Northwestern, em Chicago.
  • 51
    . Talcott Parsons (1902 -1979), influente sociólogo norte-americano nas décadas de 1950 e 1960, professor de sociologia na Universidade de Harvard, autor de uma teoria geral dos sistemas sociais (
    The structure of social action, 1973)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Nov 2008
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