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Razón y modernidad: Gino Germani y la sociología en la Argentina

RESENHA

Fábio Cardoso Keinert

Doutorando em Sociologia pela FFLCH - USP

Alejandro Blanco, Razón y modernidad: Gino Germani y la sociología en la Argentina. Buenos Aires, Siglo Veitiuno, 2006, 280 pp.

Razón y modernidad: Gino Germani y la sociología en la Argentina parece ter se beneficiado em grande medida dos cuidados de que se cercou seu autor na construção de uma perspectiva analítica que incorporasse as principais advertências teórico-metodológicas formuladas no bojo da proposição de modelos de pesquisa sobre história intelectual. É nesse registro que Alejandro Blanco se lançou num trabalho de reconstrução histórica afirmando a exigência de um ponto de vista mais distanciado, que rompesse com possíveis circuitos de empatia com os agentes inscritos no processo examinado. O tom analítico deste livro impõe-se como antídoto ao risco de adesão, tanto às representações míticas criadas em torno da figura de Germani como "pai fundador" da sociologia na Argentina, como aos estereótipos que desqualificaram o seu empreendimento, reduzindo-o ao caráter de introdutor de uma concepção empiricista e funcionalista de ciência social.

A extensa pesquisa documental realizada por Blanco forneceu a sustentação necessária a seu propósito analítico fundamental: o de qualificar as relações entre o processo de institucionalização da sociologia na Argentina e o empreendimento de Gino Germani, ligado à defesa de uma concepção de ciências sociais fundada numa inovação a um só tempo institucional, intelectual e editorial. A análise do autor demonstra, pouco a pouco, a fraqueza das hipóteses que associam a figura do intelectual ítalo-argentino a um ato heróico de fundação da moderna "sociologia científica", o que dá ensejo a uma visão mais equilibrada sobre a atuação de Germani, na medida em que revela o seu enraizamento num intrincado espaço de relações acadêmicas, vividas tanto no registro da concorrência como da montagem de um sistema de alianças que viabilizaria seu projeto. Assim, Blanco vai sugerindo, no andamento de sua análise, que o empreendimento de Germani teve efeitos importantes no processo de institucionalização da sociologia na Argentina, ao mesmo tempo em que assinala o fato de que este teve uma abrangência que ultrapassou a dimensão estrita de seus atos.

Nesse intuito de evitar toda sorte de simplificações no exame de um processo marcado por grande complexidade, Blanco leva ao limite o esforço de conferir historicidade ao empreendimento de Germani, visto sempre de maneira relacional, isto é, como tomada de posição num jogo de forças que, ao longo da década de 1950, foi definindo uma polaridade estruturante do campo recém-constituído: a "sociologia científica" versus a "sociologia de cátedra". Essa oposição organizava simbolicamente o esquema classificatório que diferenciava os agentes, as instituições e, sobretudo, os perfis intelectuais, segundo graus distintos de reivindicação do caráter científico, empírico e especializado da profissão do sociólogo.

Ao longo do livro, Blanco deslinda as linhas de tensão que constituíram os diversos estados do campo da sociologia, desde os anos de 1940 até meados da década de 1960. Com isso, a trajetória intelectual de Germani adquire inteligibilidade em função das injunções socioistóricas advindas da experiência de concorrência entre os agentes, o que fundamentou a construção de uma análise efetivamente circunstanciada das ações do sociólogo. Nesse sentido, Blanco combina o exame atento dos escritos de Germani com uma análise da dinâmica do campo intelectual, tornando possível esquivar-se dos riscos inerentes à fatura de uma história intelectual de imergir na declaração de intenções do autor da obra. Assim, pôr em relevo os aspectos extratextuais cria as condições para que o analista, no mínimo, desconfie das interpretações calcadas nos ecos do discurso do autor sobre si mesmo e sobre sua própria obra.

O ponto de partida deste livro remonta aos impulsos iniciais da institucionalização da sociologia no ambiente universitário, verificados no início da década de 1940. Ainda que se registre o ensino da disciplina no âmbito de outras carreiras universitárias desde a criação da Universidade de Buenos Aires (UBA), em 1898, é a partir de 1940 que surgem as primeiras instituições específicas ligadas à prática da sociologia: o Instituto de Sociologia da UBA, de 1940, e o Boletín del Instituto de Sociología, em 1942. Destaca-se o cuidado especial com que Blanco maneja a abordagem do universo da disciplina durante o período peronista, relativo aos anos de 1946-1955. Apesar da gestão autoritária da universidade e da prevalência nesta dos setores politicamente conservadores, simpáticos ao governo, Blanco não subestima, ao contrário do que afirmou a literatura sobre o tema, a importância do processo de expansão da moldura institucional da disciplina nesse período, que teria lastreado o processo que deu contornos mais definitivos à sua institucionalização, após a queda de Perón, cujo signo mais destacado diz respeito à criação do Departamento de Sociologia da UBA, em 1957.

Do ponto de vista intelectual, esse é um período marcado pelo predomínio da orientação ligada ao nacionalismo católico, no âmbito da prática universitária da sociologia. Atento aos matizes implicados nessa experiência, Blanco demonstra que, a despeito dessa hegemonia, definiam-se concepções diversas acerca do caráter da disciplina. Assim, armava-se uma tensão entre, de um lado, aqueles que afirmavam a centralidade da dimensão empírica da investigação e, de outro, os que representavam a identidade da disciplina pela sua conexão estreita com a filosofia. Blanco demonstra, com isso, que as reivindicações da sociologia como ciência empírico-indutiva não se limitaram às ações de Germani, já que foram vocalizadas também por outros agentes, como parte de uma estratégia de oposição aos "filosofismos sociológicos", conforme as palavras de Tecera Del Franco, citadas no livro, que traduzem de forma exemplar essa posição.

Um dos elementos mais importantes na montagem do argumento do livro diz respeito ao exame minucioso realizado por Blanco da atuação de Germani como editor. Afastado da universidade pelo regime autoritário, em 1946, o sociólogo empreende um trabalho notável de direção de duas coleções de livros publicadas pelas editoras Abril e Paidós, traduzindo obras estrangeiras e escrevendo prólogos a estas. A análise desse extenso material foi revelando as matrizes teóricas, bastante heterogêneas, que inspiraram Germani, definindo um perfil intelectual bastante complexo, por vezes heterodoxo, ainda que tenha sido o estandarte do projeto da "sociologia científica" na Argentina. Isso porque a seleção dos textos editados contemplou diversas tradições de pensamento, não necessariamente afinadas com uma concepção mais ortodoxa de sociologia. Correntes de estudo ligadas à Escola de Frankfurt, à psicanálise reformista, ao culturalismo norte-americano, à psicologia social, à teoria política, entre outros, compuseram o leque do material editado.

Assim, Blanco descortina, aos poucos, a complexidade a marcar a experiência que pretende reconstituir, cancelando as tentações de simplificá-la, sobretudo no que se refere à figura de Germani, que emerge neste livro como intelectual localizado a meio-termo entre a ortodoxia e a heterodoxia. Ainda que tenha difundido a cultura cientificista, elementos de sua trajetória intelectual são indicativos da montagem de uma concepção de sociologia difícil de ser enquadrada num perfil unidimensional.

A heterogeneidade do material editado por Germani, conforme assinala Blanco, conectava-se com aquilo que ele imaginava ser a nova agenda de temas a serem enfrentados pelas ciências sociais. Inspirado nas formulações de Mannheim, presentes, sobretudo, em Diagnóstico do nosso tempo, Germani elegia a "crise do mundo moderno", expressão do "irracionalismo contemporâneo", como problema de fundo a partir do qual a investigação sociológica deveria se articular. Dessa temática abrangente derivaria a reflexão sobre o totalitarismo, sobre a sociedade de massas e as razões da adesão destas a líderes autoritários. No bojo dessas reflexões, inscrevia-se a problemática do fenômeno do peronismo, que exigia também uma análise sobre a especificidade da formação da sociedade argentina.

Na trilha do pensamento de Mannheim, Germani afirmava a condição de protagonista da sociologia num projeto de reforma social, pensada no registro da "planificação", cujo objetivo seria o de programar uma "reconstrução racional da sociedade". Note-se que esse projeto envolveria uma colaboração interdisciplinar, com especial destaque à contribuição da psicanálise, como via ao entendimento dos aspectos psicológicos inscritos em processos sociais. Nessa medida, desenhava-se uma concepção de sociologia erigida na defesa de seu caráter positivo e empírico, mas que, ao mesmo tempo, se alargava com a incorporação de um repertório teórico diversificado, evocado em função de questões que excediam o domínio mais estrito da sociologia.

As reivindicações em favor de uma renovação das ciências sociais, que nos anos de 1940 surgem ainda de modo disperso, tomaram a forma de um projeto acadêmico instituído, sob a batuta de Germani, após a queda de Perón. A chamada "sociologia científica" assumia, naquele momento, as feições de um empreendimento programático, fundado num ideal de inovação que se expressava tanto do ponto de vista intelectual como de novos modelos organizacionais de instituições. Em resumo, esse projeto de renovação, liderado por Germani, incluía uma nova definição dos perfis institucionais, em função da ênfase na produção da pesquisa e do treinamento profissional, assim como afirmava o caráter coletivo da empresa científica, centrada na investigação empírica e na qualificação de métodos e técnicas.

O novo cenário político e cultural, aberto com a queda do peronismo, favorecia consideravelmente a implementação de um projeto acadêmico com essa fisionomia. O clima ideológico marcado pela exigência da "desperonização" da sociedade argentina afinava-se com as convicções liberais de Germani, ávido por pensar o futuro da democracia no país e as questões da modernização e do desenvolvimento econômico, tema que se colocava como imperativo à sociologia praticada na América Latina, de modo geral. Da mesma maneira, a profissionalização das atividades universitárias prevista pela Reforma, iniciada em 1955, modificava as condições do trabalho intelectual, proclamando a pesquisa científica como o elemento definidor da identidade profissional do docente.

Se Blanco indica os elementos que viabilizaram a consolidação do projeto acadêmico de Germani, assinala, em contrapartida, que o êxito dessa empreitada não pode ser interpretado, num registro simplista, como hegemonia absoluta. Nesse ponto da análise, o autor opera um verdadeiro esquadrinhamento das linhas de tensão, estruturantes das relações entre os agentes, como condição imprescindível a uma compreensão mais eficiente do empreendimento de Germani, posto em marcha num momento em que Alfredo Poviña, representante da "sociologia de cátedra", desfrutava de importantes posições institucionais - como a presidência da Associação Latino-americana de Sociologia (Alas), entre outros cargos - e de significativa reputação no campo.

Assim, Blanco enquadra a análise sobre a formulação do projeto da "sociologia científica" no âmbito da polaridade constituída entre esta e a "sociologia de cátedra". Essa oposição figura uma tensão entre perfis intelectuais, traduzível nos seguintes pares de opostos: cientistas e humanistas; empíricos e teóricos; profissionais e amadores. Essas duas formas de conceber a prática da sociologia corresponderiam ainda a uma clivagem política fundamental: de um lado, católicos e peronistas, e, de outro, liberais e socialistas. Note-se que o conteúdo dessa série de oposições homólogas foi revelado, para Blanco, no registro de um esquema classificatório nativo, isto é, segundo a maneira como os próprios agentes se referiam uns aos outros.

Em função da lógica dessa concorrência montava-se um complexo sistema de alianças, que vinculava instituições nacionais, continentais e internacionais, revelando as marcas dos tempos que corriam, definidas pela progressiva internacionalização das ciências sociais. Assim, a Associação Sociológica Argentina (ASA), fundada por Germani em 1960, aliava-se à Flacso, Clapcs, Cepal, Unesco e ISA (International Sociological Association), desfrutando ainda de recursos advindos de agências de fomento como a Fundação Ford, enquanto a Sociedad Argentina de Sociología (SAS), fundada por Poviña em 1959, vinculava-se à Alas e ao IIS (Institut International de Sociologie).

Do ponto de vista dessa disputa, Germani parece ter manejado de modo mais eficiente sua estratégia, tanto de legitimação de seu projeto acadêmico como de aquisição de prestígio. Seu modelo de ciência social aparecia, naqueles anos, muito mais afinado com o padrão de sociologia que era difundido internacionalmente que o de seu contendor, valendo-se, por conseguinte, de um reconhecimento externo que se firmava como importante fonte de consagração.

Certamente, dar conta de todos os condicionantes que concorreram na definição da trajetória de Germani excederia o escopo deste livro, baseado numa opção analítica precisa: enquadrar o exame do empreendimento do sociólogo em função da dinâmica do campo intelectual, bem como das circunstâncias políticas referentes ao período estudado. No entanto, a própria eficiência da análise proposta em Razón y modernidad parece despertar no leitor uma curiosidade por saber o modo como outras constrições, algumas delas aludidas no "Epílogo", advindas da origem social do sociólogo, de sua condição de emigrado fugido do fascismo italiano e da sua formação superior na área de economia, perfilaram os rumos dessa trajetória, especialmente no que se refere à lógica que tornou possível sua acolhida favorável por círculos da intelectualidade local.

Em suma, trata-se de contribuição que parece ser ainda mais substantiva se pensarmos nas possibilidades abertas por este livro, tanto no que se refere à construção de visadas comparativas com o caso brasileiro, como para reflexões mais abrangentes sobre os enfoques possíveis incluídos no domínio da escrita de histórias intelectuais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Nov 2008
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