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Die moralisierung der märkte: eine gesellschaftstheorie

RESENHAS

Stefan Fornos Klein

Doutorando em Sociologia pela FFLCH - USP

Nico Stehr, Die Moralisierung der Märkte. Eine Gesellschaftstheorie. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 2007, 379 pp.

No âmbito do debate que envolve os limites da teoria da ação, o renomado sociólogo alemão Nico Stehr apresenta em seu mais recente livro, A moralização dos mercados: uma teoria da sociedade1 1 Curiosamente, a edição em inglês teve o título e o subtítulo alterados, numa mudança que dificilmente pode ser considerada irrelevante: Moral Markets: How Knowledge and Affluence Change Consumerism and Products. Boulder, Paradigm Publishers, 2007. A paginação das citações refere-se à edição alemã. , sua contribuição a essa disputa. Ele sustenta que as mudanças sociais e econômicas estruturais, ocorridas na sociedade capitalista durante o século XX, clamam pela alteração do cerne do olhar teórico. Para recorrer às palavras do autor: "[...] a premissa da obra de Émile Durkheim continua válida, e a moral social se altera com a mudança no meio social dos seres humanos" (p. 13). Dessa feita, Stehr contrapõe-se àquela vertente da abordagem econômica que compreende a racionalidade humana como única e perene.

São dois os principais pontos a balizar essa tese: (i) o predomínio histórico da teoria da produção - tanto nos estudos das ciências sociais como na economia - em detrimento do enfoque voltado ao consumo, sendo que este passa a ocupar um lugar cada vez mais destacado no "lado real" da economia; (ii) ao mesmo tempo, o fato de elementos não exclusivamente monetários (ou financeiros) terem participação cada vez maior na tomada de decisão dos indivíduos quanto ao consumo, dando espaço ao que ele denominará de decisões morais. Elas são impulsionadas por diversos fatores, entre os quais ele dá preeminência a dois: (a) a crescente disseminação do bem-estar nas sociedades modernas, ainda que, como frisa o autor, seja mal distribuído; (b) um aumento na Wissenheit (knowledgeability) - que opto por traduzir pelo termo "cognoscibilidade".

Retomando a controvérsia da definição de "moral" juntamente com a de ética, Stehr afirma que tais antecedentes não impedem o uso do conceito. "Uma moralização dos mercados, em contraponto, não significa que normas morais 'superiores', 'mais civilizadas', 'mais humanas' ou até mesmo claramente 'duráveis' repentinamente dominem os acontecimentos econômicos como um todo" (p. 15). Trata-se, portanto, de um ponto de vista orientado à ação dos indivíduos, e que, por isso, entende como condicionante fundamental, no esteio de outras obras de Stehr, o crescente acesso ao conhecimento - e sua importância - que se fez presente, em especial, no período pós-guerras.

Em linha com a sociologia econômica recente, ele retoma a reconstrução histórica elaborada por Karl Polanyi em A grande transformação, obra amplamente deixada de lado na literatura estritamente econômica. No vasto espaço dedicado ao debate da origem, conceituação e crítica do mercado, Stehr reserva uma entre as nove partes de seu livro à genealogia do mercado, filiando-se ao viés interpretativo da construção social do mercado. Concomitantemente, mobiliza o conceito de enraizamento (embeddedness), formulado por Mark Granovetter, como possível vetor pelo qual a moralização se faz presente, dado que os juízos dos consumidores passam não apenas a se nortear por motivos extramonetários, mas com recorrência recusam explicitamente a maximização dos interesses financeiros em benefício do atendimento a outros condicionantes. A consequência essencial consiste na referência a um acoplamento entre o consumo e a produção, obrigando a se pensar essas esferas conjuntamente.

Dessa forma, Stehr objetiva apresentar uma alternativa à polarização desse debate entre os "defensores" do mercado, que constituem o mainstream da teoria econômica e advogam a existência do homo oeconomicus, e os "críticos" do mercado - originários de um espectro político que vai do liberalismo esclarecido ao conservadorismo - que entendem a sua restrição ou superação como necessária. Igualmente procura, mutatis mutandis, escapar à visão de que as relações de poder entre produtores e consumidores teriam aqueles como dominantes. No bojo da ascensão do conhecimento, afirma: "O caráter cognoscitivo [knowledgeability] dos atores aumenta suas possibilidades de ação, sua capacidade de assegurar que, ao menos, suas vozes encontrarão eco; crescem as chances de formular uma opinião categórica, de organizar resistência e, de modo geral, ser um participante ativo no mercado" (p. 237) e "gostaria de definir conhecimento e knowledgeability [cognoscibilidade] como a faculdade para a ação social (capacidade de ação), como a possibilidade de iniciar algo" (p. 248).

Nesse movimento, seu referencial teórico pauta-se, sobretudo, pelos estudos de Émile Durkheim e Max Weber e, em termos do debate contemporâneo, no diálogo crítico com autores como Niklas Luhmann2 2 Ainda que sejam esses seus principais interlocutores, Stehr mobiliza amplo espectro teórico de diversas colorações. Menciono, outrossim, a remissão a Georg Simmel, Karl Marx e Pierre Bourdieu; e igualmente a referências centrais da sociologia econômica, como Richard Swedberg e Neil Smelser. . A principal divergência que Stehr levanta quanto a essa abordagem consiste em matizar a disposição à contínua diferenciação funcional dos sistemas sociais: "Mas também desse ponto de vista a diferenciação funcional do sistema econômico não pode ser entendida de maneira que a instituição economia alcance uma autonomia abrangente em relação a outros sistemas sociais" (p. 79). Embasado em pesquisas de opinião de países "altamente desenvolvidos", o autor traz o exemplo da biotecnologia e do comportamento axiologicamente orientado, em que observa a intenção de organizar-se para deixar de adquirir produtos geneticamente modificados.

A partir de seu principal exemplo empírico, permito-me levantar uma possível questão a essa proposta. Diante da constatação da forte tendência ao aumento no grau de pressão exercido pelo consumidor ante as empresas e governos, o próprio exemplo dos OGM mostra que, passando ao largo das pressões dos indivíduos, sua implementação na agricultura persiste avançando significativamente. Deve-se entender, então, que o diagnóstico de Stehr de fato revela a tônica desse momento histórico, ou estaria, antes, projetando um futuro desejável? De todo modo, o edifício teórico apresenta contribuições fundamentais à sociologia contemporânea, ao desenhar uma crítica multifacetada ao pressuposto da ação racional do indivíduo, que (ainda) permanece como base do enfoque econômico dominante, e que também tem implicações sobre as práticas teóricas e políticas.

Notas

  • 1
    Curiosamente, a edição em inglês teve o título e o subtítulo alterados, numa mudança que dificilmente pode ser considerada irrelevante:
    Moral Markets: How Knowledge and Affluence Change Consumerism and Products. Boulder, Paradigm Publishers, 2007. A paginação das citações refere-se à edição alemã.
  • 2
    Ainda que sejam esses seus principais interlocutores, Stehr mobiliza amplo espectro teórico de diversas colorações. Menciono, outrossim, a remissão a Georg Simmel, Karl Marx e Pierre Bourdieu; e igualmente a referências centrais da sociologia econômica, como Richard Swedberg e Neil Smelser.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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