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Um crítico no redemoinho

A critic in the whirlpool

Resumos

Este artigo acompanha a recepção dos trabalhos de Roberto Schwarz sobre a obra de Machado de Assis. A partir das tomadas de posição de um conjunto de autores sobre esses textos, procura traçar um panorama dos jogos de força em atuação no campo da crítica literária no Brasil nos últimos anos

Roberto Schwarz; Machado de Assis; Critica literária; Campo literário


This article studies the reception of Roberto Schwarz's texts on the work of Machado de Assis. Based on the positions taken by a group of authors concerning these texts, it looks to delineate a panorama of the power games at work in the field of literary criticism in Brazil over the last few years

Roberto Schwarz; Machado de Assis; Literary criticism; Literary field


DOSSIÊ - CRÍTICA LITERÁRIA

Um crítico no redemoinho

A critic in the whirlpool

Flávio Rosa de Moura

RESUMO

Este artigo acompanha a recepção dos trabalhos de Roberto Schwarz sobre a obra de Machado de Assis. A partir das tomadas de posição de um conjunto de autores sobre esses textos, procura traçar um panorama dos jogos de força em atuação no campo da crítica literária no Brasil nos últimos anos.

Palavras-chave: Roberto Schwarz; Machado de Assis; Critica literária; Campo literário.

ABSTRACT

This article studies the reception of Roberto Schwarz's texts on the work of Machado de Assis. Based on the positions taken by a group of authors concerning these texts, it looks to delineate a panorama of the power games at work in the field of literary criticism in Brazil over the last few years.

Keywords: Roberto Schwarz; Machado de Assis; Literary criticism; Literary field.

O estudo Ao vencedor, as batatas, que inaugura a opção do crítico Roberto Schwarz de estudar a obra de Machado de Assis, foi publicado em 1977. Em 1990, saiu seu segundo trabalho a respeito, Um mestre na periferia do capitalismo, destinado à discussão das Memórias póstumas de Brás Cubas. No intervalo entre essas duas publicações, e mais intensamente a partir dos anos de 1990, as interpretações da obra de Machado feitas por Schwarz traçam uma linha divisória no campo da crítica literária brasileira. Pela repercussão que obtiveram, elas reorganizam o debate em torno da literatura no país e são, por esse motivo, uma linha privilegiada para guiar o olhar sobre a crítica do período.

Parte expressiva dos críticos literários, das extrações mais diversas, tomou posição sobre o trabalho. Nas adesões mais entusiasmadas ou nas invectivas mais ácidas, o que importa registrar é a impossibilidade de não tomar conhecimento da novidade, num processo que, examinado com vagar, ajuda a revelar um mapa de tendências expressivas do debate literário nos anos de 1980 e 1990 no país, cujos ecos seguem audíveis. As dissensões dizem respeito não apenas a uma disputa pela interpretação legítima da obra de um autor central para o cânone como Machado, mas também repõem conflitos e diferenças que remontam a gerações anteriores de críticos e sedimentam a diferença entre caminhos interpretativos que vão aos poucos assumindo a feição de correntes rivais. Como questão de fundo e eixo das diferenças, seja quando Machado está explicitamente em pauta, seja quando as polêmicas remetem a temas diversos, está a validade da matriz sociológica como parâmetro de interpretação da literatura.

Ao vencedor, as batatas estuda as origens do romance brasileiro à luz da relação entre a forma do romance moderno e uma sociedade pautada pelas exigências do sistema colonial. O argumento tenta traçar os pontos de continuidade entre José de Alencar e os romances da primeira fase de Machado de Assis, apontando a singularidade de Machado sem deixar de reconhecer a dívida com Alencar. Mas é o ensaio de abertura do livro, "As ideias fora do lugar", que lhe garantiu posição de destaque. Síntese do trabalho de uma geração de intelectuais que renovou a interpretação da história do Brasil, o texto, de apenas treze páginas, procura iluminar não apenas a obra de Machado de Assis, mas as particularidades e o destino de uma nação periférica na ordem internacional - o Brasil -, formada na convivência contraditória entre capitalismo e escravidão. É interessante registrar como as referências ao livro têm como foco sempre o ensaio de abertura - os nexos sugeridos entre Alencar e a primeira fase de Machado raramente ocupam o proscênio do debate.

Um mestre na periferia do capitalismo dá continuidade ao enfoque, desta vez tendo como objeto a obra machadiana da maturidade. Para tanto, o crítico retoma, em outro contexto, a hipótese da "redução estrutural" proposta no estudo de Antonio Candido sobre as Memórias de um sargento de milícias. Para Schwarz, o burguês ocioso brasileiro era um tipo instável. Os conteúdos ideológicos do período de Machado, em seu entender, encontram equivalente literário no "narrador volúvel" das Memórias póstumas, cuja oscilação é a expressão maior de sua face autoritária. A forma livre, que Machado reconheceu por seu modelo na feitura do romance, aparece como variante literária da ideologia entre patriarcal e burguesa do Brasil Império.

Ambos os livros atualizam a obra de Antonio Candido e parecem avançar em relação ao ponto onde Candido parou na Formação da literatura brasileira. O projeto é deliberado por parte de Schwarz, que se assume como epígono e é o principal depositário do legado de Candido, como se sua obra cristalizasse e levasse adiante um conjunto de premissas que se tornaram sinônimo de uma forma de olhar a literatura que se tornou hegemônica, a julgar pela quantidade e variedade de reações que suscita e pelos pontos estratégicos onde pôde se institucionalizar e se propagar, caso dos departamentos de Teoria Literária da Universidade de São Paulo e da Universidade de Campinas, ambos criados por Candido. Os trabalhos sobre Machado realizados por Schwarz tornaram-se a expressão máxima de uma vertente da crítica que passou a ocupar um espaço incontornável nas últimas décadas e são a guia para entender uma disputa por legitimidade que, vista com as devidas ressalvas, contribui para tornar mais nítidos os contornos da produção crítica recente no Brasil.

O debate velado de Alfredo Bosi

No ensaio "Por um historicismo renovado: reflexo e reflexão em história literária", publicado em 2002, Alfredo Bosi procura traçar, do romantismo até a contemporaneidade, as tentativas no Brasil de se criar um "historicismo aberto, largo e profundo, que saiba fundar conceitualmente uma história da literatura como história das obras literárias" (Bosi, 2002, p. 9). Para isso, faz um apanhado sucinto dos principais dilemas que dividiram a historiografia literária brasileira e tempera as dissensões com juízos sobre a maior ou menor fecundidade crítica em cada caso.

Reposto de modos diferentes conforme o momento histórico, o dilema aparece sempre como uma questão de buscar a síntese possível entre a obra literária como produto do contexto e como individualidade irredutível. A questão está posta na epígrafe, tomada à História da literatura ocidental, de Otto Maria Carpeaux:

A literatura não existe no ar, e sim no Tempo, no Tempo histórico, que obedece ao seu próprio ritmo dialético. A literatura não deixará de refletir esse ritmo - refletir, mas não acompanhar. Cumpre fazer essa distinção algo sutil para evitar aquele erro de transformar a literatura em mero documento das situações e transições sociais.

Já no primeiro parágrafo, o ponto reaparece. Bosi abre seu texto com uma referência a Gustave Lanson (1857-1934), autor da Histoire de la littérature française, de 1894. Ressalta sua surpresa com o prefácio desse livro, em que o historiador francês insiste no caráter singular da obra de arte e na necessidade de compreender os autores em sua individualidade num momento em que, na França, predominavam os determinismos da leitura positivista. O restante da obra, contudo, estaria mais de acordo com o espírito da época, visto que Lanson adere, por exemplo, à prática de buscar as origens da literatura francesa na descrição dos caracteres da raça, entre os quais "a falta de paciência ou de tenacidade", ou o "gosto da eloquência". Bosi aproveita para citá-los, pois julga-os próximos de traços atribuídos aos brasileiros por teorias do caráter nacional que nem sempre seriam vistas com o devido matiz. "Ainda repetimos às vezes automaticamente as definições prestigiosas que dele fizeram Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, acreditando que ambos tenham descoberto peculiaridades nossas, e apenas nossas" (Idem, p. 8).

O passo seguinte do argumento é apresentar o impasse entre literatura e sociedade nos moldes em que estava dado na segunda metade do século XIX no Brasil. Bosi lembra que, nesse momento, predomina no país o historicismo nacionalista. Derivada de uma noção romântica de literatura, essa concepção adota o critério histórico de representatividade de autores e obras como medida de valor, e, de acordo com o autor, já conteria, em germe, o historicismo sociológico "que o século XX herdou do positivismo e do evolucionismo" (Idem, p. 11). Representantes dessa linhagem seriam Sílvio Romero, que preferia o nacionalista Alencar ao "pessimista" Machado; José Veríssimo, que condenava a falta de cor local no naturalismo e no realismo; e Araripe Jr. Este último, embora não tenha escrito uma história literária exaustiva, mas ensaios, estaria menos contaminado pelos determinismos contidos nesse enfoque por trabalhar com a ideia de "estilos individuais", que seriam a resultante entre o temperamento do autor e as forças modeladoras do meio. Sua obra, de acordo com Bosi, "representava uma tentativa de contornar o impasse de determinismo (racial e social) e expressão pessoal". Importa frisar esse ponto porque, na visão do autor, já estariam dados aí os pontos centrais que seriam o mote para o debate crítico no século que viria. Como afirma Bosi,

[...] o impasse foi reproposto pela historiografia do século XX, herdeira das sínteses de Romero e de Veríssimo. Enfrentaram-se posições radicalmente adversas ao longo dos anos modernistas, os quais, por sua vez, conheceram os dogmatismos extraestéticos da Direita e da Esquerda.

E vieram mais tarde os conflitos recorrentes entre historicistas e formalistas de cujas refregas somos ainda hoje testemunhas

(

Idem

, p. 20, grifos meus).

Nos decênios seguintes, apesar dos bons resultados obtidos pelo ensaísmo de Augusto Meyer e Álvaro Lins, ambos críticos egressos do modernismo, Bosi afirma que a "gangorra tendeu para o outro lado", e, no campo da historiografia literária, ganharam força os estudos formalistas. O principal nome dessa tendência seria o de Afrânio Coutinho, que pregava, em meados dos anos de 1950, a prática de uma nova crítica, empenhada em ver nas obras mais sua qualidade estética do que fatores históricos ou biográficos, tidos por externos à criação literária. Apesar do empenho do crítico, Bosi afirma que os resultados foram "magros". Como indicariam os seis volumes cuja edição Coutinho coordenou - A literatura no Brasil -, ele teria ficado a meio caminho entre o estético e o histórico, sem se aprofundar em nenhum dos campos. Isso não impediu, continua Bosi, que, nos anos de 1960 e 1970, o formalismo tomasse conta dos estudos universitários. A questão fica mais clara posta nos termos do autor: "Para o estruturalismo de estrita observância, a 'série literária' corre paralela à 'série histórico-social'. Esta seria apenas 'interessante', mas, como dizia jocosamente um corifeu concretista, 'não interessa'" , escreve Bosi. "A distinção de fatores externos e internos foi absolutizada e rotinizada na pedagogia das Letras criando um campo, aliás estéril, de áridas polêmicas entre os cultores da diacronia e os paladinos da sincronia" (Idem, p. 29).

Ao fim de seu texto, o crítico elege dois livros que, pouco antes dessa voga formalista, teriam conseguido apresentar sínteses proveitosas do impasse entre estética e história, e, assim, praticar um historicismo "largo e profundo", tal como apregoado no início: História da literatura ocidental, de Otto Maria Carpeaux, e Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido. Ambos os livros, no entender de Bosi, lançariam mão de várias mediações que impedem que categorias de sociedade e de nação penetrem no tecido da linguagem de modo mecânico ou esquemático. Em Carpeaux, Bosi elogia a capacidade de identificar nos grandes textos literários não só a apresentação da cultura hegemônica, mas também os elementos de dissonância, o "gesto resistente da diferença e da contradição" (Idem, p. 36). A literatura para ele, portanto, não seria apenas o reflexo das estruturas dominantes, mas um campo de tensões em que o estilo individual se constrói a partir do espelhamento ou da negatividade da relação entre o escritor e a sociedade. Daí derivaria a proximidade entre os autores e a tradição estilística, ou sua capacidade de operar inovações.

Em Candido, Bosi aponta uma dupla concepção de historicidade, derivada da convivência, na mesma obra, da sociologia positiva e da visão dialética. Ele considera a segunda visada mais "promissora e fecunda", pois impediria que a noção de sistema nivelasse os escritores por baixo, sufocando assim a singularidade das obras artísticas. Por esse mesmo motivo, considera pontos altos da Formação as análises de autores e obras, capazes de plasmar os traços psicológicos dos escritores e as formas esteticamente relevantes e articuladas. Nessas passagens, acredita Bosi, "o crítico faz sem alardear o que outros alardeiam sem fazer" (Idem, p. 42). É também essa a razão da manifesta preferência de Bosi por um livro como Tese e antítese, em que Candido praticaria um historicismo cultural dilatado, aberto a leituras biográficas e existenciais, a uma obra como Literatura e sociedade, em que enxerga um aspecto esquemático decorrente do didatismo e dos problemas metodológicos que o autor se dispõe a enfrentar.

É possível depreender uma série de inferências a partir da montagem argumentativa do texto de Alfredo Bosi, todas mais ou menos derivadas de sua rejeição aos determinismos que considera próprios do enfoque sociológico. Apesar de se apresentar como um ensaio sobre a história das histórias literárias feitas no Brasil, o texto pode ser visto como uma reflexão sobre o historicismo, sobre como praticá-lo sem cair numa relação esquemática entre literatura e sociedade. O conteúdo da epígrafe tomada a Carpeaux e o próprio elogio a Lanson que abre o texto já indicam essa possibilidade. Da mesma maneira, a posição de destaque que o ensaio ocupa no livro - além de ser o maior texto, foi também o escolhido para abrir a coletânea - dá indícios da importância que o autor atribui à sua tomada de posição sobre o problema.

Pode ser temerário sugerir discussões veladas em que a questão não está formulada de modo explícito, mas breve exame da obra de Bosi sugere que não faz parte de seu procedimento enunciar seus interlocutores. Em resenha sobre a Dialética da colonização (cf. Schwarz, 1999a, p. 81), Roberto Schwarz lembra que Bosi monta sua interpretação de Gregório de Mattos indicando de passagem as diferenças com as demais, mas não cita nenhum nome, deixando no ar um debate virtual que, segundo Schwarz, valeria a pena ativar.

É o caso de notar as implicações da escolha de Candido e Carpeaux como exemplos de críticos praticantes do historicismo largo e profundo que Bosi reivindica para a crítica brasileira. A opção por Candido, em que pese a força de sua inserção no campo e a capilaridade de sua obra, mostra-se ainda um modo de Bosi estabelecer novo "debate virtual" e, ao que tudo indica, o interlocutor seria o mesmo Roberto Schwarz. Ao explicar o método de redução estrutural enunciado por Candido em Literatura e sociedade, Bosi detém-se na análise de um trecho de Senhora. Procura inserir o livro no contexto das ideias românticas de José de Alencar, que julgava moralmente a situação de utilitarismo retratada no livro (o casamento por dinheiro) e aspirava, idealisticamente, a converter seus personagens em almas nobres. O objetivo é distingui-lo de Machado de Assis, que, antirromântico por excelência, jamais aspiraria a operar tal redenção. "Pouco se ganha, no caso, ao forçar a nota das continuidades de assunto rastreáveis de Alencar a Machado, quando o núcleo vivo da ficção se constrói pela perspectiva e se realiza pela estilização, e em ambas é a diferença que avulta, e não a semelhança", escreve Bosi. Cumpriria lembrar que é justamente essa continuidade que Schwarz defende em Ao vencedor, as batatas. Mas, mais uma vez, Bosi não cita nomes.

Isso muda em 2006, com a publicação de Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. O livro reúne três ensaios do professor Bosi sobre Machado, oriundos de cursos na pós-graduação que ministrara em anos anteriores. E o primeiro deles, homônimo ao livro, constrói-se em boa parte como resposta à leitura empreendida por Schwarz em Um mestre na periferia do capitalismo. Quem teve a oportunidade de assistir aos cursos de Bosi sobre Machado na pós-graduação em fins dos anos de 1990, começo dos anos 2000, lembra-se como as aulas se construíam em diálogo constante com as interpretações sociológicas da obra de Machado, tidas como horizonte do qual era preciso marcar distância para preservar a complexidade da obra. O livro condensa e cristaliza esse ponto de vista.

Segundo Bosi, o trabalho de Schwarz está inteiramente norteado pela tese de que a composição das Memórias imita a estrutura da sociedade brasileira do século XIX, marcada pela coexistência de escravidão e liberalismo. Nos termos dele:

Para tanto, o crítico retoma, em outro contexto, a hipótese da "redução estrutural" proposta e discretamente adotada no estudo antológico de Antonio Candido sobre as

Memórias de um sargento de milícias

. Para Schwarz, o burguês ocioso brasileiro seria um tipo instável, pois, por hipótese, viveria em uma sociedade disparatada senão absurda: logo, Brás saiu um tipo arbitrário e volúvel. Os conteúdos ideológicos supostos acabam fixando e qualificando os movimentos psicológicos do narrador e de suas personagens. Seguindo a mesma lógica do externo que vira interno, a forma livre, que Machado reconheceu por seu modelo na feitura do romance, explica-se como uma variante literária da ideologia entre patriarcal e burguesa do Brasil Império encarnada na personagem Brás Cubas, que desempenharia assim uma função típica na fronteira com a alegoria (Bosi, 2006, p. 43).

Bosi reforça os laços entre Schwarz e Candido, mas sugere que o primeiro é uma versão menos sutil do segundo. A redução estrutural que Candido aplica com "discrição" em seu estudo "antológico" sobre o livro de Manuel Antonio de Almeida aparece, nos estudos machadianos de Schwarz, de forma mecânica e causal. Bosi não usa esses termos, mas o sentido é este: a transposição entre os conteúdos ideológicos do liberalismo à brasileira do século XIX encontra correspondência direta nos movimentos do narrador das Memórias póstumas, num processo em que se perdem de vista dimensões decisivas da complexidade de Machado de Assis. "A redução estrutural assumida, pela qual o andamento do texto romanesco imita o movimento ideológico de uma determinada classe, revela-se insuficiente para dar conta da variedade e ousadia da teia compositiva e estilística" (Idem, p. 45).

Até esse ponto a crítica de Bosi não fica distante dos argumentos em geral disparados contra o viés "sociológico" de interpretação, com a diferença de que procura preservar Candido, capaz em seu entender de praticar uma redução estrutural mais sutil, sem o reducionismo que identifica em Schwarz. Com isso, poupa Candido, cujo papel fundador e de liderança ele reconhece, instaurando-se em alguma medida como seu herdeiro, inclinação que se nota no modo como se refere a Candido e Carpeaux no texto sobre o historicismo literário. A ojeriza de Bosi ao sociologismo, assim, é a mesma praticada pelos demais detratores, mas recai com exclusividade sobre Schwarz.

A novidade maior da crítica de Bosi, contudo, não está apenas na marcação de distância da sociologia, mas na insinuação, essa mais surpreendente, de que é impreciso o arcabouço histórico de que Schwarz se vale. Bosi defende a existência de formas diferentes de liberalismo ao longo do século XIX brasileiro que invalidariam a possibilidade de traçar uma ideologia uniforme para as camadas dominantes do Brasil no período. Havia noções conflitantes de liberalismo - e esse é o traço que, segundo Bosi, teria escapado a Schwarz.

Quanto ao nexo histórico entre liberalismo e conservação do trabalho escravo (de resto vigente em todas as formações sociais baseadas na economia de plantagem), convém levar em consideração a existência de dois liberalismos em conflito, sobretudo a partir dos anos 1860 - o que retifica o teor supostamente homogêneo da ideologia liberal (

Idem

, p. 46).

Eis o ponto mais forte de sua crítica: Bosi joga no campo do adversário, sugerindo lacunas de conhecimento histórico no trabalho de um crítico historicista por definição. Mas há uma tensão curiosa no modo de expor a crítica. Como no texto sobre o historicismo, em que o debate aparece de forma velada, nesse ensaio sobre Machado parece haver a disposição de não conferir espaço exagerado a Schwarz e manter diálogo equilibrado com diversos interlocutores. Mas não há como negar que a tese do colega sobre as ideias fora do lugar é o ponto de origem de sua reação e seu alvo por excelência. Bosi dedica uma imensa nota de rodapé, que ocuparia cerca de um terço do tamanho do ensaio se fosse incluída no texto, para discutir a questão da convivência das duas formas de liberalismo.

A tese das "ideias fora do lugar", proposta por Schwarz em

Ao vencedor, as batatas

, não parece compatível com a função histórica de cimento ideológico exercida tanto pelo velho liberalismo excludente como pelo "novo liberalismo" democrático que animou a campanha abolicionista. Cada uma dessas vertentes - formuladas inicialmente na Europa - desempenhou papel central da vida política do Brasil Império, e cada uma ocupou, no seu tempo, o seu lugar. [...] Brás nasce em 1805, no Brasil ainda colonial, chega à maturidade em plena vigência do Regressismo e começa a fazer política na década de 1840: é o tempo saquarema, auge do tráfico negreiro aceito e defendido praticamente por todas as classes nesse começo do Segundo Reinado. A chamada norma burguesa, sobrestimada por Schwarz, afetava-os tanto quanto os Princípios de Paz Universal da ONU influem nas decisões dos governos belicistas neste século XXI, de resto plenamente respaldadas por centenas de milhões de cidadãos liberais pós-modernos (

Idem

, p. 134, nota 24).

Essa passagem é um trecho diminuto da nota, dedicada à demonstração em pormenor das formas distintas de liberalismo do século XIX. A descida rumo ao detalhe histórico é intensa - e interessa pelo modo como explicita a relação estabelecida com o trabalho de Schwarz. Ao mesmo tempo em que introduz variantes novas e instigantes à discussão, o faz de forma disfarçada, em nota de rodapé, como se relutasse em reconhecer ao oponente o espaço de destaque que, no fundo, acaba por conceder. No mesmo texto em que procura enfatizar o perigo de esquematismo por trás da ênfase historicista, desce ainda mais fundo no historicismo para apontar uma possível fragilidade no enfoque de Schwarz, cujo efeito é sem dúvida mais forte como reparo do que a cantilena antissociológica, mas que reforça a imagem do próprio Bosi como crítico historicista, condição com a qual não quer se confundir.

Condenado ao pós-moderno

O crítico e escritor mineiro Silviano Santiago exemplifica bem a vertente dos "politeístas", afinados com a fragmentação de perspectivas própria dos Estudos Culturais e do pós-modernismo. O próprio autor se autodefine a partir dessas perspectivas: "No meu caso, a referência mais óbvia seria a condição pós-moderna e, por outro lado, aquilo que a partir da Inglaterra se chamou de crítica cultural", afirmou o crítico em entrevista a um site (cf. Santiago, 2004). Em boa parte de seus textos, esse alinhamento encontra-se enunciado de forma explícita. "Frustrada no seu desejo, impotente diante da imprevisibilidade das bifurcações, a reflexão crítica sobre as artes pede socorro e auxílio às disciplinas afins das ciências humanas", escreve, por exemplo, em artigo publicado na Folha de S. Paulo no fim do ano 2000 (cf. Santiago, 2000)."Com as novas ferramentas, ela mapeia o circuito dos gêneros, das etnias e das minorias. Mapeia o silêncio (ou o vozerio) das maiorias, aguçando os olhos para as artes e indústrias do espetáculo." O interessante a notar na trajetória de Silviano é como, também nele, a referência aos trabalhos de Candido e Schwarz serve como baliza para medir a própria singularidade, que é tanto mais visível quanto mais se distancia do enfoque dito "sociológico".

A PUC do Rio de Janeiro, onde se estabeleceu como professor da pós-graduação em 1976, foi o principal polo irradiador do trabalho do crítico. Como lembra Raquel Esteves Lima, em texto incluído num livro em homenagem ao trabalho de Silviano (cf. Lima, 1997, pp. 170-186), o curso de pós-graduação em Letras daquela universidade caracterizou-se por um trabalho de assimilação das correntes teóricas em vigor na crítica literária internacional. As primeiras teses produzidas na PUC-RJ, por exemplo, sob a orientação de Affonso Romano de Sant'Anna, Luiz Costa Lima e Gilberto Mendonça Teles, adotavam uma perspectiva formalista de análise literária, com a adoção do método estruturalista, que absorvia as contribuições da antropologia, da psicanálise e da linguística, e teve como laboratório a França, onde Silviano Santiago cursou o doutorado.

Mas já no início da década de 1970, quando se tornou professor de Literatura Francesa nos Estados Unidos e Canadá, o crítico procurava orientar seus trabalhos para uma abordagem interpretativa da obra literária, em oposição à prática de análise textual, então vigente nos estudos estruturalistas. Esse processo intensificou-se quando tomou contato com o trabalho de Foucault, Deleuze e Derrida, que procuravam repensar a questão das relações culturais entre os países a partir do questionamento das ideias de verdade e de origem. A interpretação passaria a ser entendida como uma tarefa infinita, porque nunca se pode completar, "mas não se completa porque não há nada para se interpretar, isto é, nada de primeiro. Tudo já é interpretação" (Santiago apud Lima, 1997).

René Girard, Michel Foucault, Michel Serres, Julia Kristeva, alguns dos professores com os quais conviveu durante sua estada nos Estados Unidos e na Europa, exemplificam bem a perspectiva teórica que assumiria. A partir dessas influências, e tendo a literatura comparada como campo de reflexão, o crítico procurou analisar as relações entre culturas dominantes e dominadas. É dessa época o ensaio "O entrelugar do discurso latino-americano". Nele, Silviano vale-se das ideias de Derrida para se insurgir contra as noções de "atraso" e "originalidade" e defende como único valor crítico a diferença estabelecida entre a cópia e o original. Dessa maneira, procura questionar os estudos que chamam a atenção para a dependência da literatura e da crítica dos povos colonizados, "que consideram a apropriação de um discurso produzido nos grandes centros por parte da cultura periférica como um deslocamento em que as ideias estariam sempre 'fora do lugar'" (Lima, 1997, p. 175)1 1 . Note-se aí, na expressão "fora do lugar", a referência ao ensaio de Roberto Schwarz. Nesse mesmo livro em homenagem a Santiago (cf. Souza e Miranda, 1997), Eneida Leal Cunha publicou um ensaio em que procura explicar de que modo a questão da dependência cultural está posta nas obras de Santiago e Schwarz a partir de uma comparação entre os ensaios "Apesar de dependente, universal" (1982) e "Nacional por subtração" (1987). Mais do que entrar nos pormenores da discussão, cabe aqui destacar como, mais uma vez, é Roberto Schwarz o interlocutor eleito para dar legitimidade ao crítico que se opõe a ele. Trata-se de mais um exemplo da inserção da obra crítica de Schwarz, por certo uma das vozes mais audíveis no alarido de perspectivas críticas em busca de espaço no campo. .

O ensaio, definidor da obra de Silviano, é um marco justamente por divergir no ponto exato demarcado por Schwarz com suas ideias fora do lugar. Claro que Schwarz não inaugura o problema. A questão da dependência está posta desde anos anteriores pela tradição do pensamento social paulista, de Caio Prado Jr., Fernando Novais e Fernando Henrique Cardoso. No momento em que faz o ensaio, 1971, Silviano não está se opondo à figura de Schwarz, que na mesma época está a formular sua teoria sobre as ideias fora do lugar, mas à tradição uspiana e ao ambiente intelectual brasileiro envolvido com o problema da singularidade latino-americana em relação aos países dominantes num contexto de repressão e fechamento político. O texto de Silviano saiu em francês em 1971, em inglês no mesmo ano e em português só em 1978. O de Schwarz saiu em 1973 em português. Até hoje há discussão sobre quem teria atinado primeiro com a questão do "lugar" das ideias, mas isso não é um problema relevante. A questão é notar como a oposição a um certo conjunto de valores cristalizado nas leituras de Schwarz vai se mostrando, na trajetória de Silviano, a baliza em relação à qual passa a construir sua singularidade.

Num ensaio de 1987, "Para além da história social" (cf. Santiago, 2002a), o ponto fica mais claro. O texto, assim como o ensaio sobre historicismo de Bosi, é uma tomada de posição sobre seu modo de interpretar a história literária. Como indica o título, procura explicar os caminhos pelos quais é preciso ultrapassar o reducionismo envolvido nas leituras que se constroem em diálogo com a sociologia. Seu argumento frisa a necessidade de apreender a literatura para além de suas relações com o real para flagrar o que nela é capaz de transportar o leitor para outros tempos e preservar seu sentido de encanto e atemporalidade.

Talvez a melhor forma de abordar a obra de Roberto Schwarz seja rastreando-a nos trabalhos mais significativos dos seus mestres na Universidade de São Paulo. Como em outros colegas das ciências sociais, percebe-se nele a dívida para com a leitura da formação do Brasil contemporâneo, feita por Caio Prado Jr.; como em outros colegas das ciências literárias, percebe-se nele o interesse em inscrever o seu trabalho onde Antonio Candido deixou em aberto a sua

Formação da Literatura Brasileira

. Graças aos dois mestres, Roberto Schwarz arquitetou um campo de estudos próprio e original, multifacetado, em que vai explorar dicas dadas e brechas deixadas tanto por uma quanto pela outra "formação" (

Idem

, p. 253).

Silviano faz uma genealogia precisa do trabalho de Schwarz. Assim como Alfredo Bosi, faz dele o mais legítimo representante de linhagem de interpretação social da literatura, num movimento que, assim como Bosi, o insere como herdeiro de Candido, mas procura traçar as diferenças entre ambos, preservando Candido dos ranços esquemáticos que há de atribuir a seus epígonos.

A brilhante leitura do ensaio de Candido que faz Schwarz teve como fim primordial o resgate do texto crítico para o ideário marxista, ainda que nele se evidenciasse uma abordagem culturalista. O importante, concluía o discípulo, é que "pela primeira vez a dialética de forma literária e processo social deixava de ser uma palavra vã". É idêntica a lição que se depreende do estudo fundamental [

Ao vencedor, as batatas

] e de outros estudos de Schwarz. Aqui concluímos o que precisava ser demonstrado: que os mais instigantes leitores de prosa - Roberto Schwarz, entre outros, e mais recentemente, John Gledson - absorvem o sentido da representação literária como real, sendo aquela um objeto privilegiado para que se esclareçam as relações sociais no Brasil (

Idem

, p. 256).

Silviano refere-se ao texto de Schwarz sobre a dialética da malandragem, em que delineia o próprio projeto crítico no mesmo compasso em que avalia os feitos de Candido em sua análise do texto de Manuel Antonio de Almeida. Nesse passo, o que salta à vista é a tentativa de situar o ensaio de Candido no contexto de uma visada "culturalista". Da mesma maneira que Bosi enaltece a obra de Antonio Candido e procura diferenciá-la das pegadas redutoras do sociologismo de Schwarz, também Silviano procura enfatizar a diferença, nesse caso aproximando-o do próprio território em que pretende se situar, aquele dos críticos culturalistas. Nesse contexto, também ele encontra um modo de se colocar como herdeiro de Candido, num lance revelador da força sem igual atingida pelas leituras fundadoras do crítico da USP e da capilaridade de sua influência sobre as gerações seguintes.

Seja como for, Silviano entende o ensaio de Schwarz sobre a dialética da malandragem como a súmula do método empregado em sua leitura de Machado de Assis. E essas leituras sofrem, a seu ver, da limitação de absorver o sentido da representação literária como real. Nessa toada, falham em explicar como o texto literário, situados em uma época e lugares específicos, pode falar a leitores de todas as épocas e lugares. Falham, em outros termos, em especificar como na literatura pode se cristalizar o que nela há, para usar o termo tão controverso, mas empregado pelo próprio Silviano, de "universal".

Se a leitura realista circunscreve questões de relevo para a leitura do texto nas suas relações com a história e a sociedade, deixa no entanto de compreender o que nele o torna transistórico e, por isso mesmo, crítico e prazeroso. Isto é, o que do texto é capaz de substantivamente proporcionar saber e prazer aos leitores de outras partes do mundo e de outras épocas da história. Produto de uma história e de uma sociedade, o texto artístico paradoxalmente escapa aos limites da história e da sociedade que o originam, independente mesmo dos sucessivos leitores que o reorganizam racionalmente, para afirmar-se universal (

Idem

, p. 261).

A passagem cristaliza o ponto onde o autor pretende avançar em relação às leituras que critica. Assim como Bosi, vê no enfoque sociológico um entrave ao rendimento das potencialidades do texto literário, mas não escapa à necessidade de construir sua especificidade em relação a esse enfoque. É notável a semelhança entre as críticas aos aspectos redutores das leituras sociológicas, que frisam os mesmos pontos partindo de origens tão distintas como as de Bosi e Silviano. Para ambos, mesmo que para defender abordagens literárias muito diferentes, é ilustrativo que seja preciso fazê-lo a partir do diálogo com a mesma tradição, que os informa, por um lado, mas a qual é preciso rejeitar para reivindicar uma existência autônoma. É nesse sentido que se podem buscar indícios de que a tradição instaurada por Candido e consolidada nas leituras machadianas de Schwarz foi, nos últimos anos, conquistando posição hegemônica e contribuindo para uma nova organização do debate, em que a necessidade de tomar posição em relação a ela acelera a constituição de novas "escolas" ou "olhares" do fenômeno literário.

Ao longo do mesmo período em que publicou esse ensaio, o fim dos anos de 1980, Silviano afinaria a desconstrução de Derrida com o conflito entre os gêneros, fazendo dela um elemento de liberação sexual, em especial da homossexualidade. Nesse compasso, deu corpo à visada culturalista em seu trabalho, da qual dá testemunho a organização de uma obra como As literaturas da América Latina: uma história comparada de formações culturais, espécie de história literária que pretende incorporar gêneros antes considerados não literários e fazer o cânone "oficial" dividir espaço com a produção de grupos marginalizados como negros, índios e mulheres. Matreiramente ou não, Roberto Schwarz foi dos primeiros a reconhecer a novidade das leituras de Silviano: "Que eu saiba, [Silviano] foi o primeiro crítico a fazer da liberação da homossexualidade um elemento importante de periodização da história do Brasil, ao fazer que ela convergisse com o tema da abertura política e da redemocratização, de que seria uma pedra de toque", disse Schwarz em entrevista2 2 . Revista Pesquisa Fapesp, 15 de abril de 2004. . O comentário tem tom de elogio, mas não é difícil ver por trás dele uma voz irônica, como se enfim Silviano tivesse encontrado com isso uma voz e um lugar.

A partir dos anos de 1990, o aspecto "ético-político" de sua produção ensaística se agudiza, ao mesmo tempo em que se tornam mais frequentes suas incursões pela ficção, numa espécie de embaralhamento de discursos próprio da fragmentação pós-moderna que defende. Marcar distância da sociologia, desde que esta esteja devidamente tachada como simplificadora, mostra-se maneira valiosa de garantir lucros simbólicos ao crítico que se pretenda defensor da "densidade da linguagem artística". Ao mesmo tempo, bater-se contra a ideia de cânone e contra a "instituição literária ocidental" é maneira de guardar igual distância do enfoque formalista, de modo a reforçar a tentativa de situar-se num terceiro nicho. Afinada com as novas tendências da crítica universitária internacional, essa terceira vertente associa-se facilmente à ideia de renovação, o que é um atributo igualmente valioso a se reivindicar na luta interna ao campo. A própria defesa, feita pela maioria de seus arautos, da ideia de pós-modernidade é reveladora da tentativa de se situar num momento à parte, um passo adiante dos esquemas totalizantes aos quais os outros críticos ainda estariam presos. Parece caminhar nesse sentido o discurso de Silviano Santiago nos últimos tempos.

Compare-se, a esse propósito, a nota à primeira e a nota à segunda edição de sua coletânea de ensaios Nas malhas da letra (cf. Santiago, 2002b)3 3 . A primeira edição é de 1988 (publicada pela Companhia das Letras). Faz parte desse livro o ensaio "Para além da história social", em que sistematiza os principais pontos de sua dissensão com a crítica marxista. Segundo ele, o problema, assim como em Bourdieu, estaria em absorver o sentido da representação literária como "real". . Na primeira, o autor apresenta o livro como uma coletânea de ensaios que dramatizam preocupações de sua trajetória como crítico, entre as quais os modernistas de 22 e a literatura comparada. As únicas referências que aparecem são Umberto Eco e André Gide, e mesmo elas não vêm a propósito de filiações a escolas críticas. Seus objetivos, no que diz respeito aos modernistas, são os de sugerir conclusões que escapem à visão mais afinada com o ideário de 22 e, do ponto de vista teórico, questionar a metodologia que se encontra em sua produção recente. Já na nota à segunda edição, escrita quatorze anos depois, a terminologia e o propósito parecem outros. O livro é apresentado no que teria em comum com Uma literatura nos trópicos e Vale quanto pesa, suas duas obras ensaísticas anteriores. E as três são postas ao lado de sua obra ficcional. "Não é sem modéstia que afirmo que esses três livros de ensaios acabam sendo comentários aos livros de criação (prosa e poesia) que fui escrevendo no decorrer das décadas finais do século", escreve (Idem, p. 10). Sua visão do modernismo, agora, não é mais apresentada em oposição à interpretação hegemônica do movimento, mas "pelo viés da pós-modernidade". No mesmo compasso, considera o ensaio "O narrador pós-moderno", também incluído no volume, a melhor chave para sua leitura. E afirma que Uma literatura nos trópicos escapou de se transformar em livro datado porque o "novo milênio" trouxe questões que ali teriam sido expostas e discutidas.

Em todas essas alterações, o que se vê é a tentativa de estabelecer uma continuidade no interior de sua produção. Apesar de os três livros de ensaios serem compostos de textos escritos para outros fins, eles são encarados como parte de uma mesma proposta, a qual vai sendo delineada a posteriori, de acordo com a interpretação que o crítico faz da própria trajetória, em tudo condizente com a posição que passou a reivindicar. O esforço para reordenar toda sua obra para o prisma da questão pós-moderna aparece como exemplo contundente de uma tentativa de se impor como a principal referência teórica brasileira nesse âmbito. A força com que a temática cresceu internacionalmente nos últimos anos abriu um espaço para o problema no Brasil, para cuja ocupação Silviano aparece como candidato natural. Os estudos que já havia realizado na área, o fato de ter tido contato pessoal com alguns de seus principais formuladores e sido um dos primeiros brasileiros a estudar suas obras, a massa de ex-alunos empenhados em lhe dar legitimação teórica, a assunção da homossexualidade e a atuação constante como escritor de prosa e poesia ajudam a compor o habitus, o depósito de disposições marcado a fundo pela história de que são procedentes, para que seu movimento no campo intelectual se dê nessa direção. O parágrafo final da nota à segunda edição atesta isso com clareza:

Criação e crítica se lançam na minha obra com o mesmo ímpeto e coragem. Criação e crítica são intercambiáveis. A leitura do outro, como está claro nos romances

Em liberdade

e

Viagem ao México

, além de ser uma forma de enclausuramento do escritor na tradição literária nacional e cosmopolita de que extrai sentido, é também o modo mais vivaz que encontra para escapar das armadilhas do sujeito singular e imperioso, mera panqueca pós-moderna, que tem servido de engodo a paladares aflitivos e irresponsáveis (

Idem

, p. 10).

Formalismo em crise e duas polêmicas

A partir da leitura dolivro Sobre a crítica literária brasileira no último meio século, de Leda Tenório da Motta (cf. Motta, 2002), é possível supor que o formalismo, entendido como corrente crítica associada ao movimento concretista, passe por uma crise de legitimidade. Tendo como ponto de partida a ideia de que a principal marca do debate crítico nos últimos cinquenta anos no Brasil foi a disputa entre essa escola, cujo principal expoente seria Haroldo de Campos, e a escola que a autora denomina "literatura e sociedade", que teria em Antonio Candido seu principal formulador, o livro permite que se leve adiante essa hipótese ao se construir como uma defesa incondicional de Haroldo de Campos, assim como ao revelar traços indicativos da instabilidade da posição ocupada no campo literário brasileiro pelo movimento concretista e, por consequência, da escola crítica a que deu origem.

Os trabalhos iniciais da professora, cuja formação é francesa e estruturalista, aproximam-se de uma corrente forte na Universidade de São Paulo. Ela publicou artigos sobre Barthes e Gérard Genette, com quem estudou, que não se encaixam no estereótipo das leituras informadas pela teoria da poesia concreta. Mas este livro seu dá uma guinada e carrega nas tintas nessa direção. Seu trabalho procura trazer argumentos capazes de problematizar o enfoque sociológico na crítica de literatura. Isso fica claro desde as primeiras páginas: "A finalidade do presente trabalho estará cumprida se ele conseguir semear alguns espinhos nas trilhas materialistas históricas abertas no país, desde o laboratório intelectual paulistano, pela escola da 'literatura e sociedade'" (Idem, p. 18). Ainda na primeira parte da introdução, a autora esclarece sua intenção de se opor ao que considera um "culto reverencial" à Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, obra que, em seu entender, é objeto constante de "abordagens encomiásticas" (Idem, ibidem).

O raciocínio se constrói a partir da reconstituição das trajetórias dos dois grupos, da retomada dos principais pressupostos teóricos de cada lado, da análise dos confrontos diretos que já travaram e de uma leitura panorâmica da obra de Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e Haroldo de Campos, três autores por ela considerados estratégicos para o exame das diferenças entre as duas escolas críticas.

Na primeira parte do livro, em que pretende situar o problema, a autora procura apontar na escola "literatura e sociedade" traços de determinismo sociológico e de transposição mecânica dos elementos sociais para o universo da obra literária. Roger Bastide, Dolf Oehler, John Gledson e Roberto Schwarz são os críticos contra os quais se posiciona nesse trecho inicial. Para ela, todos seriam responsáveis por "intervenções pouco delicadas da vida material no comentário de literatura" e próprias de um "realismo socialista" (Idem, p. 9).

As respostas a Gledson e Schwarz são apresentadas nos capítulos dedicados a Drummond e Machado. Em ambos os casos, trata-se de limpar o que nesses escritores poderia haver de representativo da realidade brasileira para situá-los num plano "universal". Em Drummond, procura mostrar como nele se conjugam ao mesmo tempo os traços clássicos e de vanguarda, emprestando a sua obra um "olor Noigandres" que não teria sido nem de longe notado por Gledson, o qual insistiria em ler a obra do poeta sob o pano de fundo das particularidades de seu tempo. O crítico de que se vale para endossar sua tese é Francisco Achcar, por ela considerado um autor interessante porque "não tem fobia pela poesia concreta" (Idem, p. 155).

Ao abordar a obra de Machado, a autora opõe-se frontalmente a Schwarz e procura desfazer os traços nacionais valendo-se da psicanálise lacaniana, que para ela forneceria um descanso da "tese sociofrênica" encarnada por livros como Ao vencedor, as batatas e Um mestre na periferia do capitalismo (cf. Idem, p. 145). Procura, ainda, escorar-se em críticos que seriam igualmente refratários à "cartilha sociológica": Silviano Santiago, que destaca o caráter de "reflexão moral" (cf. Santiago, 1978, pp. 42-48) do romance machadiano; Alfredo Bosi, que enfatiza o peso da tradição filosófica europeia para a obra machadiana (cf. Bosi, 1999, pp. 171-224); Alexandre Eulálio, segundo a autora o primeiro a empregar o termo volubilidade (cf. Eulálio, 1992, p. 349) para se referir ao narrador de Memórias póstumas de Brás Cubas; e o português Abel Barros Baptista4 4 . Leda Tenório considera-o um crítico "praticante de visão distanciada", ao contrário de Gledson, que estaria por demais envolvido com a tradição machadiana brasileira. , cioso do empobrecimento que a insistência sociológica acarretaria sobre a obra de Machado de Assis.

Ao longo do livro, é possível notar que Roberto Schwarz é o autor mais visado. O fato é enunciado com clareza na introdução ("referimo-nos mais às ideias fora de lugar que às hipóteses da Formação" [cf. Motta, 2002, p. 23]), e chega a esbarrar em minúcias controversas. A autora procura deslegitimar Schwarz, por exemplo, argumentando que o termo "volúvel" para designar o narrador das Memórias póstumas não seria criação dele, mas de Alexandre Eulálio. O próprio Schwarz, contudo, afirma que o termo é de Augusto Meyer (cf. Schwarz, 1990), o que, além de instituir a confusão sobre o assunto, deixa claro que ele não reivindica para si o achado, esvaziando por completo a invectiva. As filiações entre os críticos são reiteradas com igual insistência. No modo como os apresenta isso fica bastante claro: Bastide, "que tanta influência teve sobre nossos professores da USP e a influente corrente crítica ali gerada nos meados do século passado" (Motta, 2002, p. 12), Gledson, "que muito frequenta os rodapés de Roberto Schwarz" (Idem, p. 13), Roberto Schwarz, "que não esconde que se socorre dos préstimos do mencionado Oehler, que também frequenta seus rodapés, e de quem Gledson confessa, por seu turno, descender" (Idem, p. 14).

Esse é apenas um pequeno exemplo de uma dissonância maior, reveladora de papéis diferentes desempenhados pelos críticos. Isso porque, ao elegê-lo como principal alvo, a autora deixa claro que almeja uma interlocução capaz de lhe granjear igual importância no campo, ainda que no polo oposto. A energia com que se dedica à tentativa de esvaziar o sentido dos trabalhos de Schwarz só se torna inteligível à luz da centralidade que o trabalho do crítico assumiu em anos recentes. Em outros termos: um trabalho como o de Leda é o sintoma mais claro da crescente ressonância alcançada pelos trabalhos sobre Machado contra os quais ela se manifesta. O tom é reativo e não é possível tomar a resposta como uma interlocução à altura. Apesar dos esforços empreendidos nesse livro de se impor como estudiosa de autores caros à tradição nacional, a crítica de Leda não se constrói a partir de uma leitura dos autores escolhidos, mas essencialmente contra uma determinada interpretação. E esse traço é o mais marcante do trabalho: trata-se sob todos os aspectos de uma reação, de um empreendimento característico de uma vertente ameaçada pela hegemonia conquistada por esses novos estudos machadianos e que fala mais da própria crise de legitimidade do que dos objetos de que trata.

A opção por abordar as obras de Drummond e Machado se mostra uma tentativa de interferir no ponto nevrálgico do debate crítico. A autora não ignora o prestígio que recai sobre o autor ou escola que detiver o discurso hegemônico sobre a obra desses escritores. Ou, posto nos termos da própria Leda: "[Drummond] corre o risco de estar para o nosso século XX literário assim como Machado está para o XIX, o que significa que é outro bom objeto para as diferenças de nossas escolas críticas" (Idem, p. 38). Daí a posição de destaque concedida aos dois autores: parece claro que controlar o discurso a respeito deles é controlar os nervos do debate. A centralidade de Schwarz nos dias que correm tem clara relação com isso: seus esforços teóricos mais abrangentes, ao longo de mais de três décadas, são dedicados à exploração minuciosa do autor que é talvez o mais importante da história da literatura brasileira. O espaço que a obra do crítico ocupa é proporcional ao interesse crescente em torno de Machado e aos lances ousados e minuciosos de sua leitura, que extrai abstrações sociológicas do exame cerrado da fatura da obra.

Visto por essa ótica, esse trabalho de Leda é um dos mais sintomáticos do fenômeno que procuramos flagrar, que é o da reorganização do debate a partir dos trabalhos machadianos de Schwarz. Ele se constrói inteiramente como resposta a eles e como segunda floração de uma contenda que remete à geração anterior, de Candido e Haroldo de Campos. Ela mira em Schwarz em nome de uma disputa antiga que o livro pretende atualizar, e fazer isso é insistir na velha dicotomia entre os críticos criadores e os críticos teóricos. Um traço repetido à exaustão pelos críticos concretistas como indício de sua legitimidade é o fato de serem também poetas, uma vez que a condição de artistas os situa em posição de vantagem sobre os demais em razão da autoridade que derivam do fato de conhecerem por dentro as agruras da criação. Na estrutura desse livro de Leda, os três fios centrais são Machado, Drummond e Haroldo de Campos. Ela situa Campos em pé de igualdade com os anteriores e empreende uma leitura abrangente das Galáxias, de Campos, para demonstrar o ponto. Mas dificilmente o esforço viria à tona não fosse a necessidade de responder a um novo cenário, em que a escola "literatura e sociedade" encarnada pelos livros de Schwarz parece assumir o proscênio do debate.

Ao longo dos anos de 1980, Schwarz esteve no centro de duas polêmicas de grande repercussão nos debates literários. Elas não dizem respeito especificamente à sua produção machadiana, nem o tomam como alvo direto, mas são particularmente iluminadoras do espaço que ele passa a ocupar nesse momento. Os ataques partem do mesmo lado - os críticos associados ao concretismo. Ambas polêmicas são ilustrativas de um momento de transição no campo da crítica, em que os concretistas parecem perder o espaço que ocuparam ao longo dos anos de 1960 e 1970, em que a voga das leituras estruturalistas levava água ao moinho de seus postulados. A elevação no tom e no volume das críticas disparadas a Schwarz e à "escola" de que passou a ser sinônimo é indicativa do espaço maior que ocupa desde então, e pode ser vista como reação ao prestígio alcançado por suas leituras machadianas.

As polêmicas são conhecidas. A primeira, de 1985, deu-se entre Schwarz e Augusto de Campos, tendo como eixo o poema Pós-tudo, de Campos. A segunda tem início em 1989, com a publicação do ensaio O sequestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Mattos, de Haroldo de Campos (cf. H. Campos, 1989).

O poema de Augusto, Pós-tudo, foi publicado em 27 de janeiro de 1985 no Folhetim, então suplemento cultural da Folha de S. Paulo. Em 31 de março daquele ano, Schwarz publicou, no mesmo caderno, um ensaio intitulado "Marco histórico", em que considera o poema o trabalho mais sugestivo do autor em mais de trinta anos, embora lhe faça reparos severos. O crítico concentra a análise no que considera uma contradição fundamental: a concepção do poema em letras garrafais, para a projeção em praça pública, numa forma "ostensivamente desprivatizada" (Schwarz, 1987), e o comentário subjetivo, confessional, implicado no desejo de "mudar tudo" descrito nos versos de Augusto de Campos.

Apesar de deixar clara a necessidade de se diferenciar a persona do poeta e a pessoa empírica do autor, Schwarz afirma que nesse caso a confusão está instalada, pois, além de vir acompanhado de assinatura, o poema descreve, em primeira pessoa, uma ação afirmativa que implica a reivindicação de um lugar na história, e, em consequência, contribui para "singularizar empiricamente o sujeito, configurando pretensão pessoal efetiva" (Idem, p. 60). Pairaria sobre o poema uma indeterminação geral, apoiada apenas na ideia de que há um espírito radical, transformador, seja ele de que ordem for, a animar a voz lírica. É o que o autor chama de "vanguardismo abstrato", espírito que estaria na raiz do concretismo e que responderia por sua dimensão regressiva.

O próprio grupo concretista oferece uma ampla literatura ensaística, erudita e militante, em que se explica o sentido revolucionário de seu trabalho, com precursores nacionais e estrangeiros. São construções das mais discutíveis, apesar do enxame de autoridades citadas. Vêm ao caso aqui pelo seu espírito, que é de definir a modernidade e, dentro dela, a própria posição de liderança, espírito adamantino de que "Pós-tudo" participa e que realiza na quintessência, dispensando os acessórios da demonstração (

Idem

, p. 63).

Com essa afirmação, Schwarz aproxima o espírito de liderança a todo custo que julga existir por trás de "Pós-tudo" do papel conhecido dos concretistas como legitimadores críticos da própria obra poética: não é o crítico que busca se valer da reputação como poeta para sustentar suas observações, mas um poeta que procura dar mais uma camada de sentido a seu poema à luz de sua obra crítica. Ou, nos termos de Schwarz:

O poema funde em proveito próprio as autoridades do poeta e do crítico, dos discursos poético e teórico. Acredita-se ou não nas palavras e na obra de gigante que elas proclamam; mas como duvidar da autoridade do crítico-historiador, a outra face do poeta, que nos assegura, dentro do poema e nas suas mesmas palavras, que o que vale é o que está dito? (

Idem

, p. 74).

A réplica de Augusto de Campos veio à queima-roupa. Saiu no mesmo Folhetim, no dia 7 de abril de 1985, exatamente uma semana depois de "Marco histórico". Embora mais curta, a resposta eleva em alguns decibéis o tom da dissensão. Irritado com as acusações, Augusto procura desautorizar os argumentos de Schwarz pelo fato de ele ser crítico, e não um artista que, como tal, seria capaz de entender por dentro as agruras e vicissitudes que envolvem o ato criador. "A melhor crítica de qualquer obra, a meu ver a única crítica de algum valor permanente ou mesmo moderadamente durável, vem do escritor ou artista criativo que faz o próximo trabalho; e não, jamais, do jovem cavalheiro que constrói generalidades a respeito do criador", lembra Augusto no texto, valendo-se de citação de Ezra Pound que é uma espécie de súmula de seu argumento.

A provocação de Augusto começa pelo título: seu texto chama-se "Dialética da maledicência", uma referência explícita ao ensaio de Antonio Candido sobre Memórias de um sargento de milícias que tira partido ainda da semelhança semântica entre "maledicência" e "malandragem". Candido é citado ironicamente, e de modo mais explícito, também no corpo da resposta: "Admirável, na expressão do Mestre Candido, só mesmo Casimiro de Abreu...", afirma o poeta, numa atitude de desdém pelo romantismo que prefigura a de seu irmão Haroldo no texto sobre o sequestro do barroco escrito poucos anos depois. As farpas dirigidas a Candido justificam-se pelo tom geral da invectiva: trata-se não apenas de uma tentativa de atingir pessoalmente o crítico que fez ressalvas a seu poema, mas de deslegitimar a autoridade crítica de toda a corrente teórica que ele representa.

Logo no início do texto, afirma que as restrições feitas por Schwarz não passam de irritação subjetiva ou de fantasias sociológicas "próprias de seu contexto intelectual". Isso seria, para Augusto, mais uma prova da incompetência "cósmica" do que ele chama de sociologismo ou "sociologicismo literário de ascendência chato-boy" para compreender a poesia. O ápice do rechaço à sociologia aparece na sequência do argumento em que ele, dirigindo-se a Schwarz, afirma: "você, mais sociólogo que crítico e mais crítico que poeta [...]" (A. Campos, 1989, p. 176).

Publicado trinta anos após o livro de Antonio Candido, o ensaio de Haroldo de Campos é uma tentativa de explicar por que o barroco não foi abordado na Formação da literatura brasileira. Os motivos, segundo Haroldo de Campos, seriam diversos. Em primeiro lugar, a identificação de Candido com a grade de valores do romantismo, e portanto a associação entre o valor da obra literária e seu caráter nacional. Em segundo lugar, a concepção de história adotada pelo crítico, que tenderia a privilegiar uma perspectiva linear e cronológica. Em terceiro, o predomínio das funções emotiva e referencial em sua "modelização triádica da literatura", ou melhor, na formulação empregada por Antonio Candido de sistema literário como articulação entre autor, obra e público. E, por fim, uma suposta aversão a Gôngora e à tortuosidade de expressão que caracteriza a obra desse poeta e dos demais escritores identificados com o período barroco.

Os quatro pontos, de acordo com a argumentação de Campos, seriam derivados da mesma origem: a perspectiva histórica adotada por Antonio Candido, que estaria contaminada por uma visão "substancialista" da evolução literária e por um "ideal metafísico de entificação do nacional". O aspecto "substancialista" estaria claro na concepção de sistema literário como um todo coeso, apaziguado, constante. Ao afirmar que pretende determinar quando e como se definiu uma continuidade ininterrupta de obras e autores cientes de integrarem um processo de formação literária, Candido deixaria claro que em seu enfoque a história da literatura seria uma floração gradativa, orgânica, encadeada numa sequência de eventos. Já o "ideal metafísico de entificação" estaria visível na proposta de acompanhar o processo de aclimatação do "espírito do Ocidente" no Brasil. Ao manifestar tal intenção, Candido revelaria sua aposta num "Logos transmigratório", que seria a prova de sua crença numa razão absoluta. Por fim, uma vez afirmado o propósito de se pôr no ângulo dos críticos do início do romantismo, o que faz no introito de seu livro, estaria selado o compromisso com a ideia de um classicismo nacional.

Se até aqui a base de sua exposição é a filosofia de Derrida e o método de desconstrução celebrizado pelo francês, é a partir da teoria do linguista Roman Jakobson que o raciocínio atinge seu ponto máximo. Campos submete o sistema literário tal como definido por Antonio Candido ao modelo estrutural desenhado por Jakobson para estudar as "funções da linguagem". Com isso, procura demonstrar que Candido, ao atribuir ao escritor o papel de "exprimir as veleidades mais profundas do indivíduo", funde sua concepção de literatura à concepção romântica de literatura. Isso explicaria o equívoco da "perspectiva histórica" de Candido, pois, segundo Campos, deixa claro como a ilusão de objetividade contida nessa premissa está impregnada de ideologia. Do mesmo modo, justifica o famigerado "sequestro", uma vez que o foco na "função emotiva", corolário da concepção romântica de literatura, deixaria de lado a "função poética" e a "metalinguística", justamente as duas que predominam no barroco.

A resposta mais direta às invectivas de Haroldo, ainda que não direcionada a todos os pontos do ataque, foi apresentada por Roberto Schwarz no ensaio "Os sete fôlegos de um livro", transcrição de sua participação em seminário na USP sobre Antonio Candido5 5 . "Antonio Candido, pensamento e militância", realizado na USP em agosto de 1998. e mais tarde reunido em livro (cf. Schwarz, 1999b). Os dois pontos que o crítico refuta são o suposto antigongorismo de Antonio Candido e a ideia de que a perspectiva histórica que orienta a Formação estaria contaminada pelo referido ideal metafísico de "entificação do nacional", noção tomada à filosofia de Jacques Derrida.

Para Schwarz, a ausência de Gregório de Mattos se explica pela natureza do tema tratado. Uma vez que o assunto em pauta é a formação da literatura nacional, o âmbito do problema não é o mesmo da história do território ou da língua. Ou, posto em outros termos: Gregório, assim como Padre Vieira, é figura pertencente ao sistema colonial português e atuante num momento em que o sistema literário estava longe de se consolidar. "Será que ficam desconhecidos ou diminuídos por não terem participado de um dinamismo que cinquenta anos depois de sua morte mal começava a se esboçar?", escreve Schwarz (Idem, p. 49). "Os ciclos históricos existem ou não existem" (Idem, p. 51). O autor completa o argumento a partir da afirmação de que Gôngora seria, de modo indireto, um dos pressupostos da Formação, pois os excessos e o rebuscamento que caracterizam sua obra, por contraste, ajudariam a definir o rigor e o comedimento próprios do período neoclássico analisado no livro.

Já o "ideal metafísico de entificação do nacional" pressuporia, de início, a ideia de que Candido seria nacionalista. Schwarz procura opor a isso o argumento de que Candido pertence à geração universitária que criticou o nacionalismo e seus mitos, "dando uma explicação materialista e sóbria da formação nacional, alheia à patriotada" (Idem, ibidem). Com relação à hipótese de que Candido pratique uma metafísica da nacionalidade, Schwarz mostra-se mais enfático: "Só aplaudindo de pé o disparate", escreve (Idem, p. 53). Segundo ele, Haroldo de Campos descontextualiza afirmações do livro de Candido para embasar a ideia de que a Formação traçaria o caminho do Logos e do Ser em sua tentativa de se constituir em terras brasileiras. Com isso, Campos transforma Candido numa mistura de Hegel e Heidegger, o que seria um "erro de pessoa dos mais extravagantes" (Idem, p. 52). E não faria mais do que repetir generalidades formuladas por Derrida, segundo ele estéreis do ponto de vista do conhecimento.

O último ponto de sua resposta diz respeito à acusação de que o esquema da Formação é linear. Schwarz argumenta que a exposição de Candido não segue uma linha evolutiva simples, mas articulada. Os trechos em que aponta os pontos fracos da busca romântica da diferenciação nacional, em muitos casos inócua e presa às expectativas europeias de pitoresco, seriam um entre diversos exemplos da não linearidade da visão de Antonio Candido.

Reconstituídas de modo sumário, as polêmicas acrescentam sentido à discussão pelo que revelam das transformações no campo da crítica no momento em que se desenrolam. Elas deixam ver um espírito belicoso em Schwarz, quando resolve ir aos jornais espicaçar o poema de Augusto de Campos. Nesse gesto, Schwarz está a atualizar desentendimentos ainda anteriores entre concretistas e a Universidade de São Paulo, num momento, 1985, em que as duas vertentes de interpretação disputavam a hegemonia, numa briga por influência nos meios de comunicação e poder cultural de que as faíscas dessa polêmica são o sintoma mais visível. Nos anos seguintes, com a consolidação dos trabalhos machadianos de Schwarz e o recuo da produção teórica dos concretistas, o cenário se altera.

O texto de Haroldo de Campos sobre o barroco, em 1989, parece a última tentativa do campo concretista de medir forças com a tradição uspiana. Mas Antonio Candido não responde à provocação. Quando Schwarz o faz, em momento posterior, a polêmica não segue nas mesmas bases. Talvez pela ênfase em encarar a produção crítica como desdobramento de suas atividades como poetas, e portanto tomar a sério apenas aquela crítica oriunda de quem fala como "criador", como se nota na resposta irônica de Augusto ao Schwarz "mais sociólogo do que crítico e mais crítico que poeta", não houve no campo concretista uma passagem de bastão como houve de Candido para Schwarz. O último representante legítimo da visada concretista é o próprio Augusto de Campos, um de seus formuladores. A polêmica não se atualizou, bem como a crítica nesse campo parece ter ficado estagnada. A tentativa de Leda Tenório da Motta de atualizar o problema no livro que se discutiu acima é um sintoma disso. Os ataques erráticos, a hipérbole dos elogios a Haroldo, a quantidade de alvos, tudo isso diz mais da reação ao cenário novo, de incômodo em relação à centralidade alcançada pelas leituras machadianas de Schwarz, do que propriamente de um andamento novo da discussão.

Feitas as contas

A capilaridade assumida pelo trabalho de Schwarz ao longo desses anos salta à vista. Em agosto de 2004, foi realizado em São Paulo um seminário em comemoração aos trinta anos do ensaio "As ideias fora do lugar". O encontro foi transformado em livro e teve contribuições de autores de um espectro ideológico vasto, numa composição que sinaliza um consenso raro em torno de uma mesma figura. Estiveram presentes autores identificados com o PT, com o PSDB ou com a extrema esquerda, sociólogos, historiadores, poetas, prosadores, filósofos e literatos, jornalistas, jovens discípulos, além do velho mestre Antonio Candido. É difícil pensar figura capaz de reunir em torno de si espectro tão variado e atravessado por inimizades e rivalidades antigas. O evento recebeu cobertura de página inteira no jornal Folha de S. Paulo, e um dos textos apresentava o ensaio de Schwarz da seguinte forma:

Síntese envenenada do trabalho de uma geração de intelectuais que renovou a interpretação da história do Brasil, o texto - dinamite concentrada em 13 páginas - é uma espécie de lâmpada mágica, a partir da qual o autor iluminou não apenas a obra de Machado de Assis, cuja grandeza e novidade iria especificar depois, mas as particularidades e o destino do próprio país - nação periférica na ordem internacional, formada na convivência contraditória entre capitalismo e escravidão (Silva, 2003).

Se o trecho não é de especialista na obra de Schwarz e vale pouco pelo valor de face, o fato de partir do jornal de maior circulação do país fala do modo como o crítico encontrou aceitação em determinados ambientes de grande repercussão e do poder cultural que daí deriva. No volume Nenhum Brasil existe (cf. Rocha, 2003), que reúne textos sobre história cultural brasileira de 88 autores distintos, as "ideias fora do lugar", de Schwarz, aparecem no índice onomástico como uma das formulações mais citadas nos textos, ao lado de conceitos como "cordialidade" e "formação". Na mesma direção, vale lembrar a utilização bem-humorada que a crítica Leyla Perrone-Moisés faz das "ideias fora do lugar" em seu ensaio "Pastiches críticos", incluído em Inútil poesia, que atesta a capilaridade assumida pelo enfoque, popular a ponto de virar piada.

Schwarz trilhou um caminho que o situa, para além da crítica literária, como intérprete da formação brasileira, com o que consolida um projeto cuja origem remonta, mais uma vez, a Antonio Candido: o de fazer da literatura modo privilegiado de discutir as peculiaridades da formação do Brasil.

Olhando em retrospecto, fica evidente também o modo como a disputa se liga ao controle do discurso sobre autores que representam momentos de virada na literatura brasileira. Tome-se o exemplo de Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Os dois escritores exemplificam como o domínio do discurso hegemônico sobre suas obras é indutor de prestígio. Autores de livros que representam momentos de transição, eles são objeto de vastíssima fortuna crítica, de cujo domínio depende o êxito do crítico que sobre eles pretenda dizer algo de novo. Daí que demandem investimento teórico de grande monta - e também maior risco, pois o sucesso ou fracasso da empreitada será sempre proporcional à importância do escritor e do pesquisador que sobre ele decida escrever. É isso que torna pertinente especular sobre o que está por trás do projeto de Leda Tenório ao mirar em Roberto Schwarz sua história da crítica no último meio século, ou pensar o que significa para um crítico da envergadura de Alfredo Bosi a maior repercussão obtida pelos estudos de Roberto Schwarz sobre Machado de Assis.

É preciso ainda lembrar que o acerto na recepção da obra de escritores importantes no momento mesmo em que elas se revelam constitui também um importante indutor de prestígio. É a esse motivo que Benedito Nunes atribui a predominância da escola sócio-histórica (a expressão é dele) no panorama da crítica de literatura no Brasil6 6 . "Nem a crítica sintética, esteticista ou formalista, nem mesmo a estruturalista e a fenomenológica, posta em prática por Anatol Rosenfeld no campo da realização teatral e por Maria Luiza Ramos no campo da poesia em seu Fenomenologia da obra literária (1969), tiveram o êxito da denominada crítica sócio-histórica, êxito medido quer pela sua reação positiva à pedra de toque das novas linguagens literárias em ascensão - as novelísticas de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector, e a poética de João Cabral de Melo Neto, sobre que versaram estudos de primeira recepção de autoria de Antonio Candido, Roberto Schwarz e Luiz Costa Lima -, quer pela sua extraordinária continuidade até quase o início da década de 1990 [...]" (Nunes, 2000). . As razões que ele aponta - o fato de Antonio Candido e seus seguidores terem escrito no calor da hora sobre os trabalhos de João Cabral, Guimarães Rosa e Clarice Lispector - são diversas das deste texto. Mas o diagnóstico é o mesmo e ajuda a pensar que a partir dessa vertente, e mais especificamente das leituras de Machado feitas por Schwarz, é possível percorrer um caminho e traçar um panorama.

A recepção dos trabalhos de Schwarz vai muito além do que ficou traçado nesse esquema. O ponto, é importante lembrar, não é fazer um levantamento exaustivo da fortuna crítica que se avoluma sobre suas leituras machadianas, mas indicar como elas definem um novo parâmetro a partir do qual é preciso medir para tomar posição no ambiente da crítica de literatura no Brasil. Alfredo Bosi, já crítico consagrado, dedica parte significativa de sua produção intelectual dos anos de 1980 em diante à tentativa de responder ao colega. Nesse empenho, tenta explicitar o debate o mínimo possível, mas deixa diversos traços, no mais das vezes velados, da importância que o diálogo assumiu para seu trabalho recente. Em toada semelhante, Silviano Santiago intensifica, a partir da década de 1980, seu pendor para os Estudos Culturais, num movimento que coincide com a ocasião em que passa a refletir sobre seu lugar no debate sobre a história literária, de que dá testemunho seu ensaio de 1987 analisado anteriormente. Leda Tenório, por sua vez, é o sintoma mais evidente da centralidade das leituras de Schwarz, seja pela estridência dos ataques desferidos, seja pelo eco reduzido que obtiveram, numa tentativa de reeditar uma polêmica que nem polêmica virou dessa vez, dada a inexistência e a não necessidade de revides.

Este artigo trabalha com a hipótese de que as correntes mais visíveis da crítica no Brasil, formadas e depuradas nas últimas quatro ou cinco décadas, são agrupáveis em torno de pressupostos em que predomina o acento sociológico, representado pelas leituras de Schwarz, o acento culturalista, encarnado por Silviano, e o acento formalista, expresso na leitura de Leda. Cada um encontra eco em instituições diferentes, que lhes dão guarida ou os rejeitam, conforme a tradição da casa. O predomínio da primeira corrente, que tentamos defender, é evidenciado a partir da forma como ela organiza a discussão: estivesse no centro alguma das outras duas, não seria possível identificar tomadas de posição tão claras e diversas. As críticas disparadas contra as leituras machadianas de Schwarz, desse modo, não são tomadas pelo valor de face. Não é o caso de discutir o conteúdo dos reparos, mas o que eles representam. O ímpeto em responder a elas diz mais da disposição dos autores e da composição do campo da crítica do que os instrumentos empregados para desferir os ataques, que aparecem aqui como secundários e cujo efeito é muitas vezes intensificar, por parte dos teóricos em disputa, a busca por vozes próprias que dão aos poucos a fisionomia do debate.

O passo seguinte do problema é tornar menos estanques essas categorias. É tentador buscar nessas leituras sociológicas o componente formalista exaustivamente praticado nas análises cerradas de texto de Schwarz. Do mesmo modo, é instigante notar o profundo componente sociológico do debate que Leda Tenório tenta restringir ao campo "formal", num ímpeto de traçar amizades, filiações e escolas que não fica longe de um sociograma. Se o foco fosse centrado nos anos de 1990 em diante, veríamos ainda uma geração de críticos da Unicamp, formados na tradição de Candido e Schwarz, construindo uma linha de combate à tradição historicista e procurando fundar um nicho que não se enquadra em nenhuma das vertentes que traçamos acima. Com foco mais recente, veríamos um ambiente literário transformado por festivais de grande repercussão e por um fetichismo novo da imprensa em torno da literatura. Mas isso é problema vasto que nos desvia do tema. Se houver ocasião, fica para o próximo artigo.

Texto recebido e aprovado em 6/9/2011.

Flávio Rosa de Moura é jornalista e doutor em Sociologia pela USP. Foi editor de Novos Estudos Cebrap (2004-2009), professor na Facamp (2003-2009) e curador da Festa Literária Internacional de Paraty (2008-2010). É coordenador no Instituto Moreira Salles. E-mail: <flavio.r.moura@uol.com.br>.

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  • 1
    . Note-se aí, na expressão "fora do lugar", a referência ao ensaio de Roberto Schwarz. Nesse mesmo livro em homenagem a Santiago (cf. Souza e Miranda, 1997), Eneida Leal Cunha publicou um ensaio em que procura explicar de que modo a questão da dependência cultural está posta nas obras de Santiago e Schwarz a partir de uma comparação entre os ensaios "Apesar de dependente, universal" (1982) e "Nacional por subtração" (1987). Mais do que entrar nos pormenores da discussão, cabe aqui destacar como, mais uma vez, é Roberto Schwarz o interlocutor eleito para dar legitimidade ao crítico que se opõe a ele. Trata-se de mais um exemplo da inserção da obra crítica de Schwarz, por certo uma das vozes mais audíveis no alarido de perspectivas críticas em busca de espaço no campo.
  • 2
    . Revista
    Pesquisa Fapesp, 15 de abril de 2004.
  • 3
    . A primeira edição é de 1988 (publicada pela Companhia das Letras). Faz parte desse livro o ensaio "Para além da história social", em que sistematiza os principais pontos de sua dissensão com a crítica marxista. Segundo ele, o problema, assim como em Bourdieu, estaria em absorver o sentido da representação literária como "real".
  • 4
    . Leda Tenório considera-o um crítico "praticante de visão distanciada", ao contrário de Gledson, que estaria por demais envolvido com a tradição machadiana brasileira.
  • 5
    . "Antonio Candido, pensamento e militância", realizado na USP em agosto de 1998.
  • 6
    . "Nem a crítica sintética, esteticista ou formalista, nem mesmo a estruturalista e a fenomenológica, posta em prática por Anatol Rosenfeld no campo da realização teatral e por Maria Luiza Ramos no campo da poesia em seu
    Fenomenologia da obra literária (1969), tiveram o êxito da denominada crítica sócio-histórica, êxito medido quer pela sua reação positiva à pedra de toque das novas linguagens literárias em ascensão - as novelísticas de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector, e a poética de João Cabral de Melo Neto, sobre que versaram estudos de primeira recepção de autoria de Antonio Candido, Roberto Schwarz e Luiz Costa Lima -, quer pela sua extraordinária continuidade até quase o início da década de 1990 [...]" (Nunes, 2000).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Recebido
      06 Set 2011
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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