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Notes on social measurement: historical and critical

RESENHAS

Dawisson Belém Lopes* * Agradeço a leitura e os comentários feitos ao texto pelo professor Luiz Antonio Machado da Silva.

Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política da UFMG

Otis Dudley Duncan. Notes on social measurement: historical and critical. Nova York, Russell Sage Foundation, 1984, 256 pp.

Os estudos voltados para a apreensão da história de pesos e medidas são chamados de "metrologia histórica". Na obra clássica de Otis Dudley Duncan, essa metrologia é temperada por sociologia, área de formação do autor. A primeira dificuldade apontada concerne à questão da comensurabilidade. Isso porque quando duas coisas - objetos, pessoas, fenômenos - são comparadas, presume-se que se possa medi-las em igualdade de condição (suposição, muitas das vezes, errônea). O autor explora as dificuldades operacionais da metrologia histórica (estabelecimento de proporções, escalas, unidades de medida), reconhecendo que as convenções relativas a pesos e medidas constituem usualmente uma tarefa política legada, no decorrer do tempo, aos órgãos do poder constituído.

É interessante que o autor parta da hipótese de haver atualmente um crescente descolamento entre a unidade de medida e o seu referente físico. Tal hipótese está alicerçada na constatação de termos migrado, na modernidade, do sistema ordinal (que depende do "outro") para o cardinal. Duncan também admite, ao fim do segundo capítulo, que toda medição é, em essência, medição social (p. 35). Não há como mensurar qualquer fenômeno estando fora da história ou da sociedade. Adotar essa premissa acarreta adaptações em nosso modo de pensar a realidade social: não se poderá, doravante, considerar a quantificação/medição como fator externo à sociedade; antes, a quantificação está embutida em qualquer apreciação sociológica que se fizer - mesmo na mais "qualitativa" delas.

Algumas das mais relevantes invenções humanas em termos de medição social estão expostas no curso do terceiro capítulo. Nota-se o fascínio exercido pelos números desde sempre: na descrição que faz o autor do surgimento da preocupação com a métrica entre os poetas da Grécia antiga; nas estratégias militares baseadas em numerosos exércitos do rei persa, Xerxes; e até mesmo na Bíblia, com suas recorrentes menções a populações, gerações e contingentes militares, apresentados em números. Outra advertência do autor que permanece importante nos dias de hoje: a ausência de números não implica a inexistência de técnicas de mensuração. Ver, por exemplo, as formas como o comércio se desenvolveu ao longo dos séculos.

Se a estratificação social existe desde há muito, a forma como se estrutura cambiou. Não cabe mais classificar, como Platão o fez na República, os tipos de "alma" dos cidadãos da pólis. Tampouco se admitiria com naturalidade, hoje, a afirmação de que há os que nascem para serem escravos - como sugeriu Aristóteles, na Política. Mas persistem as honrarias e os sistemas de titulação. Nos esportes, a missão de determinar vencedores e perdedores esbarra em considerações de justiça, de adequação. Nos exames universitários, subsiste a dificuldade de converter conceitos e avaliações inerentemente subjetivas em números. Na sociologia criminal, questiona-se a fórmula capaz de dosar a pena para um caso qualquer. Em suma, são grandes e plurais os constrangimentos que se impõem à mensuração social.

No que parece adentrar a sua zona de maior conforto na narrativa, Duncan ressalta a importância da invenção do cálculo de probabilidade (que, originalmente, queria indicar uma "opinião plausível", e não a "verdade demonstrada"). Trata-se da transição da arte para a ciência da medição social. No cerne desse processo de crescente formalização das técnicas de aferição dos fatos sociais encontra-se O suicídio, obra monumental de Émile Durkheim, que mobilizou instrumental pouco comum para aferir o estado das artes de sua época. A conclusão a que chega o sociólogo francês repercurte na abordagem de Duncan: suicídios - bem como as medições - são produzidos por forças sociais.

Por fim, o autor contempla os métodos mais recentes de amostragem representativa. Consideradas as populações urbanas da atualidade - em muito superiores àquelas idealizadas por Rousseau no século XVIII -, torna-se necessário desenvolver métodos de aferição que não requeiram abordagem individualizada, de tal modo que a estatística venha configurar-se como uma técnica de grande utilidade para governantes.

A partir do quarto capítulo, Duncan dedica-se mais frontalmente aos problemas específicos da medição social. Ao referir-se às escalas ordinais, percebe que, embora ordenados, nomes "não deixam de ser nomes" - e que, portanto, haveria uma zona de indefinição entre o nominal e o ordinal. Ele também nota que a classificação dos elementos em uma tabela periódica não é um ato de medição - já que a medição tem por característica adjetivar os elementos, e não os "ontologizar". Ao fim do capítulo, Duncan parece convencido de que o exercício de medir guarda uma relação necessária com "a atribuição de números segundo um regramento específico" (p. 154).

Passa-se então a discutir a diferença entre medição física e medição social. A expressão "dimensão", muito comum nos escritos contemporâneos das ciências sociais, parece encerrar toda essa confusão. Rigorosamente, dimensão é um termo proveniente das ciências exatas, relativo ao tamanho (altura, profundidade, comprimento) de um espaço ou objeto. Porém, ao ser transportado para as ciências sociais, perde seu conteúdo semântico original, passando a significar "fator", "característica", "setor". Isso exemplifica a alegação de que, por não existirem equivalentes funcionais de "massa", "peso", "comprimento" ou "tempo" nas ciências sociais, ocorre uma apropriação deturpadora das unidades de medida das ciências naturais. Os equívocos daí decorrentes poderiam ser evitados ou amainados se houvesse a compreensão de que, no final das contas, sociologia não é física. Na posição firme de Duncan, não há que se emular o "padrão científico" da física ou de outras ciências naturais; deve-se buscar desenvolver os instrumentos de aferição da ciência social.

As "Anotações" de Duncan jogam luz sobre um problema ainda hoje bastante crítico para as ciências sociais: a conturbada relação entre metodologia e epistemologia. A esse respeito, postulamos que, se os pesquisadores são os agentes dos quais se esperam as soluções para os problemas sociais que nos acometem cotidianamente, então a opção da "omissão meditabunda" não deverá constar em nossos repertórios. Há riscos de cunho metodológico em todo empreendimento de pesquisa empírica que esteja quantitativamente amparado. Talvez seja mais sábio, contudo, correr esses riscos e proceder com as investigações a evitá-los a todo custo, paralisando-se na chamada "crítica epistêmica". Afinal, como Otis Dudley Duncan e sua metrologia histórica bem demonstram, tanto os problemas como as soluções (inventadas) são, e sempre serão, contingentes.

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    Agradeço a leitura e os comentários feitos ao texto pelo professor Luiz Antonio Machado da Silva.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2011
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