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Elites acadêmicas: as ciências sociais na Academia Brasileira de Ciências

Academic elites: social sciences in the Brazilian Science Academy

Resumo

O objetivo do artigo consiste em evidenciar certo padrão de carreira científica dos trinta membros da seção de ciências sociais da centenária Academia Brasileira de Ciências. Criada em 2000, a área é composta por antropologia, demografia, ciência política, economia, geografia, história, relações internacionais e sociologia, disciplinas que materializam hierarquias e diferenciações. Os Acadêmicos são caracterizados por uma série de elementos: origem geográfica, gênero, idade e formação científica. Evidencia-se que os percursos de formação do capital científico e de notoriedade mesclam-se ao da construção das instituições e dos suportes que viabilizaram a institucionalização dessas ciências entre os anos de 1960 e 1980. As elites acadêmicas ora construídas evidenciam um modo de consagração que tem como princípio a condução do reconhecimento seletivo dos pares. Essa ação simbólica revela os traços das condições sociais de possibilidade da vida acadêmica no país.

Elites acadêmicas; Academia Brasileira de Ciências; Ciências sociais no Brasil; Campo científico

Abstract

The objective of this article is to highlight a particular pattern in the scientific careers of the 30 Social Science section members of the centennial Brazilian Academy of Science. Created in 2000, the section is composed of anthropology, demography, political science, economics, geography, history, international relations and sociology, disciplines around which hierarchies and differentiations materialize. Academics are characterized by a series of elements: geographical origin, gender, age and scientific education. It is evident that the path leading to scientific capital and notoriety is merged with that of institution-building through the support that enabled the institutionalization of these sciences in the country between 1960 and 1980. Academic elites, as they are constructed today, demonstrate a form of consecration whose main principle is to conduct the selective recognition of peers. This symbolic action reveals traces of possible social conditions of the academic life in the country.

Academic elites; Brazilian Science Academy; Brazilian social sciences; Scientific field

Introdução

Vou reescrever a história do Cristo.

É só me darem lápis suficientes para isso.

CAMPOS DE CARVALHO, A lua vem da Ásia, 1956.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) comemorou cem anos de existência em 2016 1 1 . O artigo integra pesquisa mais ampla sobre a Academia Brasileira de Ciências (doravante, ABC), tratada como locus privilegiado para análise do campo científico no país ( Hey, 2012 ; 2014a, 2014b, 2017), recebendo apoio da Fapesp. . Autodenominando-se uma entidade representativa dos cientistas brasileiros, por reunir as figuras mais expressivas e relevantes de diversos domínios do saber produzido no país e agrupados em dez áreas, adquire interesse como recurso heurístico para a análise do campo científico e dos jogos simbólicos que lhe são inerentes. Apesar de pouco reconhecida nas ciências sociais, sua seção mais recente, a ABC tornou-se bastante presente nas demais áreas que a compõem, para as quais consiste em selo de pertencimento e moeda de troca nas instituições responsáveis pelas políticas científicas.

Ajustando o foco analítico, a ABC adequa-se como recurso para demonstrar certo padrão de carreira científica e para caracterizar elementos que atuam em um modo de consagração que prevalece nas elites acadêmicas das ciências sociais brasileiras. Esta perspectiva pressupõe identificar princípios geradores da condução do reconhecimento seletivo dos pares, cristalizados nas operações práticas que viabilizam o ingresso de novos membros ao grupo seleto dos Acadêmicos 2 2 . Opta-se, aqui, pela grafia “Acadêmico”, para denominar os membros da ABC. É assim que eles se referem uns aos outros. Trata-se, pois, de usar o termo enquanto categoria nativa, distanciando-o do uso corrente e ambíguo como sinônimo de “universitário”. . Para dar suporte à exposição que aparece a seguir, é preciso descrever brevemente a maneira como um cientista se torna um Acadêmico.

O processo de seleção, que ocorre anualmente, inicia-se com os membros titulares indicando um novo integrante com base na avaliação de seu curriculum vitæ e com o preenchimento do formulário de apresentação de candidato fornecido pela Comissão de Seleção. Nesta etapa avaliam-se, sobretudo, “a qualidade das publicações, a posição no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a qualificação dos formados (orientandos) do acadêmico” ( Campos, 2011CAMPOS, D. de A. (2011), “Depoimento sobre a Academia Brasileira de Ciências”. Rio de Janeiro (não publicado). ). A Comissão de Seleção conta com pelo menos um representante de cada área, sendo constituída pelo presidente da ABC e por doze membros titulares, eleitos por maioria simples na Assembleia Geral, para um período de três anos. Essa comissão é responsável por aprovar o número de vagas para novos membros anualmente, bem como examinar o CV de todo candidato indicado e o parecer que cada área fornece ao final do processo de recomendação. Na etapa seguinte, ela estabelece uma ordem de escolha, sugerindo o dobro de cientistas por vaga. Em seguida, a lista é submetida à Assembleia Geral da Academia. Deve-se notar que esse processo de seleção, escolha e admissão implica operações nas quais os critérios de apreciação e depreciação do cientista e de sua atuação são acionados praticamente. Por esse motivo, o perfil dos Acadêmicos consiste num recurso profícuo à compreensão da composição do prestígio e da notoriedade. Nessa direção, o constructo de elites acadêmicas torna-se estratégico para a análise de relações dadas em um tipo específico de condições sociais de possibilidade da vida acadêmica, revelado na imbricação entre as instituições e o nome construído 3 3 . Os estudos de academias de ciências não são numerosos no âmbito sociológico, apesar do clássico de Merton (1938) a respeito da Royal Society of London. A perspectiva aqui é colocar a ABC como instância de consagração, portanto com especificidades, mas que fornece um mapeamento dos integrantes do campo científico, corporificando assim relações disciplinares e também da ciência com outros espaços sociais. Apoiam esta perspectiva, dentre outros: Hay (1982) , acerca da National Academy of Sciences/USA; Zuckerman (1977) , ao tratar da superelite de ganhadores do prêmio Nobel; Charle (1989), sobre os dirigentes do Centre National de la Recherche Scientifique/Fr; Elias (1982) , no exame dos “ scientific establishments ”; Ali et al. (2007) , acerca da “fuga de cérebros ingleses”; Bühlmanm et al. (2015) , no estudo das elites acadêmicas suíças. .

Depois de tratar da introdução da área de ciências sociais na ABC, a exposição se desenvolverá em três momentos: descreverá a origem geográfica, gênero e idade dos cientistas sociais em questão; abordará a formação científica, colocando em relevo as instituições em que obtiveram os títulos correspondentes às suas sucessivas etapas; procurará caracterizar os Acadêmicos como artífices da hodierna morfologia institucional das ciências sociais brasileiras, situando suas práticas disciplinares em um ciclo de profissionalização que busca romper em definitivo com traços de ensaio ou diletantismo.

As ciências sociais na ABC

As ciências sociais compõem a ABC como “área de especialização” somente a partir de 2000. Entrementes, a inexistência da insígnia não significava a absoluta ausência das mesmas. Em tempos mais remotos, seus representantes eram homens formados para o exercício prático de profissões tradicionais – particularmente medicina e engenharia – e diletantes, curiosos por novos saberes, ainda não institucionalizados. São representativos dessa fase os médicos Roquette-Pinto (1884-1954), interessado em Antropologia e Etnologia, e Manoel Bomfim (1868-1932), dedicado à psicologia, história e sociologia; o engenheiro Everardo Adolpho Backheuser (1879-1951), que dirigiu estudos para a geografia e a geopolítica, ou ainda o imigrante russo, Dmitri Petróvitch Vanítsyn (1870-1950), conhecido pelo pseudônimo Alberto Childe, conservador de antropologia do Museu Nacional desde 1912 e estudioso de egiptologia.

O estado contemporâneo das fronteiras disciplinares e das assimetrias entre elas pontilha a configuração das disciplinas no interior da ABC. O ingresso de Elisa Maria da Conceição Pereira Reis, Gilberto Cardoso Alves Velho, Roberto Cardoso de Oliveira e Roberto Augusto DaMatta, na qualidade de membros titulares, efetivou a incorporação das ciências sociais enquanto seção especializada. Considerando os campos disciplinares de atuação e a produção intelectual mais importante dos trinta membros vitalícios – titulares eleitos até 2015 e empossados em 2016 4 4 . A análise inclui os membros já falecidos – Celso Furtado (2004), Roberto Cardoso de Oliveira (2006), Gilberto Velho (2012), Juarez Brandão Lopes (2012) e Bertha Becker (2013). Todavia, não engloba as categorias de membros correspondentes estrangeiros (constituída por estrangeiros e brasileiros radicados no exterior há mais de dez anos, eleitos como vitalícios) e de afiliados (composta por jovens cientistas nomeados para o período de cinco anos). –, são contemplados: a antropologia com oito membros (Gilberto Velho, Júlio Cezar Melatti, Manuela Carneiro da Cunha, Otávio Velho, Peter Fry, Roberto DaMatta, Roberto Cardoso de Oliveira e Ruben George Oliven – eleitos respectivamente em 2000, 2008, 2002, 2013, 2014, 2013, 2000 e 2007); a ciência política com sete (Bolívar Lamounier, Hélgio Trindade, Juarez Brandão Lopes, Lourdes Sola, Paulo Sérgio Pinheiro, Simon Schwartzman e Wanderley Guilherme dos Santos – eleitos em 2011, 2006, 2001, 2001, 2003, 2002 e 2002); a economia com cinco (Celso Furtado, Edmar Lisboa Bacha, Marilda Antonia de Oliveira Soutomayor, Naércio Aquino Menezes Filho, Ricardo Paes de Barros, eleitos em 2003, 2011, 2016, 2015 e 2010); a sociologia com quatro (Elisa Reis, Leôncio Martins Rodrigues Netto 5 5 . Mantido aqui na rubrica da própria ABC. Na análise ele representa os deslocamentos ocorridos nas ciências sociais em direção às áreas especializadas, indo da sociologia do trabalho para a sociologia política e, depois, para a ciência política, ao assumir a vaga de titular deixada por Fernando Henrique Cardoso na USP, em 1981 (ver Ramalho e Rodrigues, 2010 ). , Nadya Araújo Guimarães, Sergio Miceli, eleitos em 2000, 2005, 2016 e 2011); a história com três (Boris Fausto, José Murilo de Carvalho, Laura de Mello e Souza, eleitos em 2001, 2003 e 2013). Contando com apenas um membro, tem-se demografia (Elza Berquó, eleita em 2001), geografia (Bertha Becker, eleita em 2006) e relações internacionais/direito (Celso Lafer, eleito em 2004).

A composição disciplinar impõe algumas observações. Em primeiro lugar, o predomínio de antropólogos e cientistas políticos (respectivamente, oito e sete membros) – conformando metade dos Acadêmicos de ciências sociais. Se economia, sociologia e história contam com números equilibrados (respectivamente, cinco, quatro e três membros), é notável que três áreas contenham apenas um representante (geografia, demografia, relações internacionais). Essa evidência sugere, num primeiro momento de existência, uma hierarquia entre as disciplinas funcionando na produção da consagração de seus membros. O estado dessa ordem revela a luta de forças e o peso simbólico expresso por cada um desses Acadêmicos no universo dos pares. Todavia, permite inferir que “o nome” teve mais peso e relevo na admissão do que o campo disciplinar de atuação. A regra segundo a qual o pertencimento disciplinar corresponde à proximidade prévia no espaço social, mais do que à socialização promovida pelas instituições, parece ser particularmente verdadeira no caso brasileiro (Heilbron, Bokobza, 2016; Renisio, 2016RENISIO, Y. (dec. 2016) “L’origine sociale des disciplines”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales , 210: 10-27. ; Abbott, 2001ABBOT, A. (2001), Chaos of disciplines . Chicago, Chicago University Press. ; Bailey, 1992BAILEY, F. G. (1992), “Anthropology”. In: CLARK, R. B. & NEAVE, G. (orgs.). The Encyclopedia of higher education . Oxford, Pergamon, vol. 3: Analytical Perspectives, pp. 1777-1787. ; Gingras, 2016). Como observado ao longo do artigo, os anos compreendidos pelos percursos de formação universitária correspondem aos da construção de instituições e suportes que viabilizam a produção e a comunicação científicas entre os praticantes das ciências sociais. Essa socialização prévia os aproxima, conduzindo-os ao estreitamento de vínculos e constituindo a origem de suas associações. Sublinhe-se que o período abarcado pelas carreiras em tela corresponde à fase de construção do espaço acadêmico em âmbito nacional, de modo que as instituições centrais ainda eram destituídas de estabilidade e densidade próprias que diminuíssem o peso dos seus artífices. Daí a força dos liames interpessoais tecidos no espaço profissional ( Miceli, 1995MICELI, S. (1995), “O cenário institucional das ciências sociais no Brasil”. In. MICELI, S (org.). História das ciências sociais no Brasil . São Paulo, Sumaré, vol. 2, pp. 7-24. ; Keinert, 2011KEINERT, F. C. (2011), Cientistas sociais entre ciência e política (Brasil, 1968-1985) . São Paulo, tese de doutorado em sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. ). Não casualmente, os Acadêmicos vocalizam 6 6 . Informações colhidas por Hey em entrevistas informais desde 2011, conforme a disponibilidade dos Acadêmicos. conflitos nas indicações, cujo revestimento disciplinar mascara a proximidade no espaço social. Por exemplo, o “excesso” de antropólogos e cientistas políticos é motivo de certo mal-estar entre historiadores e sociólogos; não há consenso de que a economia deva emparelhar-se às ciências sociais. No entanto, a pedra de toque do ingresso da área na academia corresponde precisamente à ação do “núcleo carioca” inicial, cujo epicentro se encontra na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ainda que as informações públicas a respeito da proximidade dos membros do conjunto com a ABC sejam exíguas, o que é divulgado confirma a ideia segundo a qual ela deveu-se a espaços comuns partilhados. É conhecido o protagonismo de Gilberto Velho, que frequentava eventos juntamente com membros importantes da associação, em particular Moacir Krieger e Jacob Palis, respectivamente seu ex-presidente e presidente atual. Em 1998, em reação às tentativas de realizar uma reforma do ensino superior, ocorreram no país vários encontros e debates capitaneados pelas instituições mais representativas da organização e do ensino científicos. No Rio de Janeiro foram desenvolvidos, em especial, na Coordenação de Programas de Estudos Avançados (Copea) da UFRJ, sendo que aí Gilberto participou de uma série de mesas-redondas acerca dos rumos da universidade pública brasileira. Tais discussões reuniram representantes de distintas universidades e institutos de pesquisa, entre eles os que produziram o Manifesto de Angra 7 7 . Resulta de uma reunião promovida pela Copea em maio de 1998 cujos participantes resolvem associar-se, gerando o denominado Grupo de Defesa da Universidade Pública. São signatários do documento: Alaor Silvério Chaves (UFMG), Alberto Carvalho da Silva (USP), Alzira Abreu (FGV/RJ), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho (UFRJ), Carlos Henrique de Brito Cruz (Unicamp), Carlos Lessa (UFRJ), Carlos Vogt (Unicamp), Eduardo Moacyr Krieger (USP), Esper Abrão Cavalheiro (Unifesp), Gilberto Velho (UFRJ), Glaci Zancan (UFPR), Herch Moysés Nussenzveig (UFRJ), Isaias Raw (USP), Jacob Palis Junior (Impa), José Arthur Gianotti (USP), José Fernando Perez (USP), Leopoldo de Meis (UFRJ), Luciano Coutinho (BNDES), Luiz Bevilacqua (UFRJ), Luiz Fernando Dias Duarte (MN/UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa (UFRJ), Margarida de Souza Neves (PUC/RJ), Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha (Chicago University), Roque Laraia (UnB), Sérgio Henrique Ferreira (USP) e Simon Schwartzman (Iets). . O resultado dos debates nesse período, o manifesto, bem como o documento “A presença da universidade pública”, produzido em 2000 por uma comissão de dezoito docentes da USP, organizada no Instituto de Estudos Avançados a pedido do reitor, originaram o livro Repensando a Universidade , editado pela Copea/UFRJ (2004), que serve como marca do pensamento do grupo então reunido. Ainda nesse ano, Gilberto Velho tomou parte no simpósio sobre o ensino superior da ABC e foi um dos responsáveis pelo documento “Subsídios para a Reforma da Educação Superior” ali produzido 8 8 . Assinado ainda por Alaor Silvério Chaves (UFMG), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho (UFRJ), Francisco César de Sá Barreto (UFMG), João Alziro Herz da Jornada (UFRGS e Inmetro), Luiz Bevilacqua (LNCC), Luiz Davidovich (UFRJ, coordenador), Moysés Nussenzveig (UFRJ) e Ricardo Gattass (UFRJ e Finep), cf. www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-29.pdf. .

“[…] sinto-me orgulhoso e honrado de pertencer à Academia Brasileira de Ciências […]. No decorrer de sua história, a Academia esteve sempre fazendo frente às tarefas demandadas por um país em constante transformação. Assim, após a Segunda Guerra Mundial, surgia uma necessidade imperiosa da criação de agências de financiamento para formação de pessoal de nível superior e para obtenção de recursos para a compra de equipamentos e laboratórios. Nesse passo, em 1951, o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, presidente da Academia, a figura que sobressai na luta obstinada pela criação do Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq, cujo projeto aprovado pelo Governo foi concebido na Academia; e é ele mesmo, Álvaro Alberto, que vai ser o primeiro presidente do novo Conselho”. JUAREZ RUBENS BRANDÃO LOPES, Discurso proferido em nome dos recém-empossados, ABC, 2001.

“[…] a ABC não é o Iate Clube dos bacanas da Ciência, (vocês) foram admitidos a uma instituição que em dois anos será centenária; uma instituição que sobreviveu graças à dedicação teimosa de alguns poucos, que por muito tempo teve escasso apoio oficial […] graças ao esforço coletivo de seus membros, a ABC conseguiu transformar-se de fato na Casa Brasileira da Ciência, congregando cientistas, promovendo pesquisas, envolvendo-se em projetos de interesse social nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, tecnologia, criando parcerias internacionais e incentivando vocações para a ciência pela admissão de jovens pesquisadores como membros associados […] pertencer à ABC, ao lado da honra, envolve o dever moral de participar de suas atividades e contribuir para seu engrandecimento”. JOSÉ MURILO DE CARVALHO, Saudação aos novos Acadêmicos, ABC, 2014.

Na estrutura administrativa da ABC 9 9 . A Diretoria é composta pelo presidente, vice-presidente, seis vice-presidentes regionais e cinco diretores, eleitos pelos membros titulares a cada triênio. Além dela, há o Conselho Fiscal, Comitê Executivo, Conselho Consultivo e a Comissão de Seleção. , somente em anos recentes registram-se Acadêmicos de Ciências Sociais. Destacam-se a eleição de José Murilo de Carvalho (2016-2019) para a diretoria e a de Elisa Reis para a vice-presidência regional/RJ (2013-2016). Do mesmo modo, estão presentes no Conselho Consultivo da seção esta última citada e Roberto Cardoso de Oliveira, bem como aqueles eleitos para a Comissão de Seleção (Ruben George Oliven, Gilberto Velho e Roberto DaMatta). Elisa Reis configura-se como um dos membros mais ativos da área no interior da ABC, representando-a em reuniões nacionais e internacionais, como na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, do MCT&I, no Fórum Mundial de Ciência (Unesco) 10 10 . A ABC, juntamente com a Academia de Ciências da Hungria, organizou o 6º Fórum, que ocorreu no Rio de Janeiro (2013), com o tema Ciência para o Desenvolvimento Sustentável Global. , nas conferências da IAP (Inter Academy Partner ship) e nas reuniões da Twas (The World Academy Of Sciences). Em depoimento, ela vocaliza seu pertencimento numa perspectiva que conta com suporte coletivo na sociabilidade da Academia, pois a entende como um locus de mobilização da comunidade científica e de oportunidade para as ciências sociais dialogarem com as outras ciências, enfatizando ainda a inovação representada pela inclusão da área na ABC, fato incomum nas academias congêneres espalhadas pelo mundo.

Tempo e espaço das ciências sociais brasileiras

A configuração formada pelos trinta Acadêmicos 11 11 . As informações foram retiradas dos currículos Lattes , dos sítios institucionais, dos anuários da ABC, das entrevistas realizadas pelo CPDOC e de entrevistas para revistas acadêmicas. é majoritariamente brasileira e originária da região Sudeste do país. Excetuando-se dois estrangeiros – Peter Fry (nascido em Leeds, na Inglaterra) e Manuela Carneiro da Cunha (nascida em Cascais, Portugal) –, nove entre eles nasceram no Rio de Janeiro, oito em São Paulo, sete em Minas Gerais, dois no Rio Grande do Sul, um na Bahia e um na Paraíba.

Como indicam estas origens geográficas, o Sudeste afirma-se como condição de possibilidade de ingresso e de consagração na ABC. Juntos, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo contribuem com 24 dos trinta casos, reproduzindo no seu interior a distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos entre as regiões do país. Historicamente, os dois primeiros são aliados e concorrentes do terceiro em termos de produção intelectual em pensamento social. No entanto, o efeito dessa oposição estruturante consiste em delimitar o contorno dos possíveis . Estar fora dessa oposição equivale a estar destituído das condições de possibilidade de concorrer, colaborar – no limite, existir – no espaço.

Entre os membros em exame, contam-se 22 homens e oito mulheres. Essa proporção corrobora a tendência de predominância masculina no ápice das carreiras também nesta área, mas indica que, por tratar-se de um grupo de elite, o perfil de seus membros cristaliza princípios de hierarquização do espaço profissional de modo exemplar e, portanto, menos fluído do que se observa em operação na segmentação e nas assimetrias que organizam os praticantes situados em posições rebaixadas. Daí que se constate haver numerosas postulantes à carreira emparelhando seus concorrentes homens e, no entanto, haja uma quantidade diminuta de mulheres no grupo seleto dos ungidos pela ABC. A título de ilustração, tome-se a distribuição de bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), benesse material também conferida pelos pares, ainda que regrada institucionalmente. Dos pesquisadores em sociologia há 93 mulheres em um total de 207 membros; em antropologia, 87 mulheres de 159; em ciência política, 43 mulheres de 120; em história, 110 mulheres de 255; em economia, trinta mulheres de 205 membros.

No que concerne à idade, os nascimentos são balizados pelo Acadêmico mais idoso, Celso Furtado, de 1920, e pelo mais jovem e recém-admitido, Naércio Aquino Menezes Filho, de 1965. Desconsiderando-se os falecidos, a faixa é delimitada por este último (52 anos) e pelo mais idoso (Boris Fausto, 86 anos). A idade de ingresso na ABC concentra-se entre 62 e 67 anos, sendo o membro mais jovem Naércio Aquino Menezes Filho, com 50 anos, enquanto o mais velho foi Celso Furtado (83 anos).

“Da minha turma, gostaria de mencionar o Moacir Palmeira como alguém com quem convivo desde o começo da década de 1960. Fomos colegas de turma na PUC-RJ e depois nos reencontramos no Museu Nacional. Não por acaso, estamos trabalhando juntos desde aquela época. […] posso citar outras pessoas com quem depois eu tive laços importantes e que também foram meus contemporâneos como, por exemplo, a Lygia Sigaud, que estava a duas turmas atrás de nós. Então, a Escola de Sociologia e Política da PUC foi significativa e, quando se iniciou a pós-graduação do Museu Nacional, várias pessoas que fizeram graduação na PUC foram para lá. Um pouco mais modernos do que nós – eu, Moacir e Lygia – posso citar outras pessoas que foram da Escola de Sociologia e Política da PUC-RJ para o museu, como o José Sergio Leite Lopes, o Afrânio Garcia Junior e o Alfredo Wagner Berno de Almeida”. OTÁVIO VELHO, CPDOC.

“Devo isso [minha ida a Paris] ao doutor Alceu. Ele era amigo do arcebispo de Botucatu, D. Henrique Bolland Trindade. Um sobrinho do D. Henrique estava estudando em Paris, na Sciences-Po [instituto de estudos políticos]. Alceu mandou que eu escrevesse para ele. Era o Hélgio Trindade, que defenderia uma tese sobre integralismo que se tornaria clássica. Me candidatei a uma bolsa do Consulado da França. Minha proposta era fazer uma análise quantitativa dos discursos de Getúlio Vargas. Embarquei em setembro de 1967 e fiquei quatro anos lá”. PAULO SÉRGIO PINHEIRO, Revista de História , 2009.

Seria tautológico afirmar, tratando-se de uma instância de consagração, que ao ingressarem na Academia eles tanto acumulam o capital científico que garante a posição de notoriedade no campo disciplinar específico quanto gozam de capital simbólico de reconhecimento do nome construído na ciência. À exceção do Acadêmico mais jovem, as idades sugerem que a precocidade que pode ser valorizada na elaboração do percurso profissional não tem peso relevante no processo de consagração. Alheio aos “possíveis dos novatos”, este requer outros elementos além do estritamente ligado à formação do capital científico, tais como o envolvimento em contenciosos relativos ao valor do discurso científico produzido e sua legitimação no campo disciplinar, demonstrado por indicadores de pertencimento a associações científicas nacionais e internacionais e pelo incenso de premiações acadêmicas. A consagração desses Acadêmicos envolve, em particular, a relação com outros espaços sociais que se expressa na obtenção de prêmios extra-acadêmicos (incluindo títulos de cidadão honorário, eleição para conselhos de entidades empresariais e culturais) e na seleção para instituições não científicas, com destaque para a Academia Brasileira de Letras, da qual são membros Celso Lafer, José Murilo de Carvalho, Edmar Bacha, assim como foi Celso Furtado. A análise desses aspectos avançará conforme se apresente o padrão de carreira típico e bem-sucedido alcançado àquela altura do ciclo de vida correspondente ao ingresso na ABC. A seção seguinte irá delinear o perfil de formação intelectual, com ênfase nas etapas das titulações.

Retrato do Acadêmico quando jovem

Os primeiros estudos superiores dos Acadêmicos em foco foram concluídos entre 1944 e 1986, com maior incidência entre os anos de 1958 e 1968. A realização dessa etapa os manteve próximos às suas origens geográficas. É o que se verifica, excetuando-se o caso de dois brasileiros que realizaram duas graduações em países distintos – a saber, Paulo Sérgio Pinheiro, que cursou direito na PUC/RJ e sociologia na Universidade Paris I/França, e Elza Berquó, que se graduou em matemática na Puccamp/SP e em bioestatística na Universidade de Columbia/EUA, e os dois estrangeiros que a completaram em Paris e em Cambridge (Manuela Carneiro da Cunha e Peter Fry). No conjunto, os demais membros se graduaram em instituições do eixo São Paulo e Rio de Janeiro. Esses estados concentram dez casos cada um, assim distribuídos: sete graduaram-se na Universidade de São Paulo (USP); um na Escola Livre de Sociologia e Política (Elsp/SP); um na Puccamp/SP; um no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (localizado em São José dos Campos/SP); cinco na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, incluindo a antiga Universidade do Brasil); três na PUC-RJ; um na Universidade Federal Fluminense; e, finalmente, um nas Faculdades Católicas Petrópolis (atual Universidade Católica de Petrópolis). Há cinco acadêmicos graduados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); dois em instituições situadas no Rio Grande do Sul (UFRGS, PUC/RS) e um em Brasília (UnB).

Como apontado em trabalho anterior acerca do campo da educação superior no período 1970-2000 ( Hey, 2008HEY, A. P. (2008), Esboço de uma sociologia do campo acadêmico. São Carlos/São Paulo: EdUFSCar, Fapesp. ), a distribuição das instituições científicas no país tende a se concentrar no eixo São Paulo/Rio de Janeiro/Minas Gerais, aparecendo em menor escala no Rio Grande do Sul, Brasília, Bahia e Pernambuco, correlacionando-se com a repartição do poder econômico, político e de produção cultural nacional.

É notável a presença do grupo confessional no ensino superior (seis casos), particularmente a PUC, local de alianças que envolvem membros espalhados pelo país. Observa-se, todavia, a exceção de Minas Gerais, podendo ser um indicador importante na dinâmica de compreensão do valor simbólico das instituições por região e da atração de elites por estabelecimentos segundo o peso que eles têm na distribuição do poder nacional.

Nesta etapa da formação, nota-se uma singela migração interna: dos sete mineiros, dois deslocaram-se para São Paulo (Elza Berquó e Juarez Brandão Lopes). A única baiana do grupo, Nadya Araújo Guimarães, migra para Brasília, e Celso Furtado, nascido em Pombal/PB, graduou-se no Rio de Janeiro. A faixa etária de conclusão dos estudos superiores situa-se entre 20 e 25 anos (27 casos). Três pessoas destoam ligeiramente do padrão. O acadêmico que concluiu mais tardiamente sua primeira e única graduação foi Leôncio Martins Rodrigues Netto (28 anos); Boris Fausto concluiu história aos 33 (porém bacharelou-se em direito com 23 anos); Paulo Sergio Pinheiro concluiu sociologia aos 27 (mas já era bacharel em direito aos 22 anos).

A formação pós-graduada em nível de mestrado realiza-se entre os anos de 1949 (Elza Berquó) e 1992 (Naércio Menezes Filho), com maior incidência entre os anos de 1966 e 1971. Com alguma nuance, o padrão dos estudos graduados se repete nesse nível: a maioria completa no Brasil e concentra-se no Sudeste. Excetuando-se os dez Acadêmicos que não realizaram essa etapa e dirigiram-se diretamente para o nível de doutorado e os sete Acadêmicos que o fizeram no exterior (Estados Unidos, seis casos, e um no Chile), os demais (treze) o concluíram no Brasil, sendo que em São Paulo seis se tornaram mestres pela USP e, no Rio de Janeiro, cinco, havendo dispersão pelas instituições: Iuperj, UFRJ, Museu Nacional e dois casos no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); no Rio Grande do Sul aparece a UFRGS e, em Brasília, a UnB. A faixa etária de conclusão dessa etapa corresponde de 23 a 28 anos – salvo a exceção de Roberto DaMatta, que o conclui aos 33. Entre os vinte Acadêmicos que fizeram mestrado, seis foram dispensados de redigir dissertação. Há, portanto, mestres e não mestres; há os que redigiram dissertação e os que não tiveram de fazê-la; há os que gradativamente mudam da área escolhida para graduação – entre eles, alguns realizaram ligeiras especializações –, porém, há outros que se mantêm nela; há os bolsistas e os não bolsistas. A despeito da diversidade, há um padrão em curso de estabelecimento do mestrado como etapa da formação científica e que vai se consolidando com a reforma universitária de 1968, oposto ao modelo anterior das teses como resultado de acordos com os catedráticos.

Os Acadêmicos que obtiveram o título de mestre no período em que há maior concentração de casos cristalizam as incertezas quanto ao futuro profissional simultaneamente ao aproveitamento das oportunidades abertas. Destacam-se, para tal intervalo, os mestrados obtidos no Brasil por Lourdes Sola (USP/1966), Sergio Miceli (USP, 1971), Gilberto Velho (MN, 1970) e Otavio Velho (MN, 1970) – os dois últimos, respectivamente, bolsistas do CNPq e da Fundação Ford. A realização de tais cursos torna-se momento crucial da formação científica, culminando em produção que vai compor já de forma bem elaborada a carteira de interesses acadêmicos desses membros. Por um lado, isso pode ser explicado pela interferência do regime militar no campo intelectual, rearranjando os ocupantes e os pretendentes nos postos disponíveis, o que exigia a formação de disposições acadêmicas in loco , ou seja, a preparação acadêmica ocorria paralelamente ao exercício profissional; por outro, houve as transformações estruturais das instituições de ensino e pesquisa que esta ingerência autoritária impunha, base de um novo leque de oportunidades de organização da tarefa científica ( Miceli, 1995MICELI, S. (1995), “O cenário institucional das ciências sociais no Brasil”. In. MICELI, S (org.). História das ciências sociais no Brasil . São Paulo, Sumaré, vol. 2, pp. 7-24. ; Cunha, 2007CUNHA, L. A. (2007), A universidade reformanda: o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. 2 ed. São Paulo, Editora da Unesp. ; Keinert, 2011KEINERT, F. C. (2011), Cientistas sociais entre ciência e política (Brasil, 1968-1985) . São Paulo, tese de doutorado em sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. ; Rodrigues, 2011RODRIGUES, L. S. (2011), “A produção social do marxismo universitário”. São Paulo, tese de doutorado em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. ). Já os mestrados realizados no exterior, a maioria financiados por bolsas estrangeiras, não tiveram como obrigação a redação de uma dissertação – visto que no molde estadunidense ele é propedêutico da etapa seguinte e consiste num conjunto de cursos, incorporação de bibliografia e treinamento em técnicas de pesquisa. Adquiriram títulos nesse formato Bolívar Lamounier (1967, bolsista da Universidade da Califórnia), Edmar Bacha (1965, Universidade de Yale, bolsista do United States Agency for International Development/Usaid), José Murilo de Carvalho (1968, Universidade de Stanford, bolsista da Fundação Ford), Roberto DaMatta (1969, Universidade de Harvard) e Celso Lafer (1967, Universidade de Cornell).

Se a análise deslocasse o foco para o ângulo das trajetórias, o período entre a graduação e o doutorado se configuraria como uma reconversão de múltiplas dimensões. Em alguns casos, ela se caracteriza pela escolha entre a política militante estudantil e a carreira acadêmica madura: os mineiros Bolívar Lamounier, José Murilo de Carvalho, Simon Schwartzman, Edmar Bacha, Elisa Reis são exemplares a esse respeito. Similarmente, apresentam-se os casos do paulista Roberto Cardoso de Oliveira e do carioca Wanderley Guilherme dos Santos – ligeiramente mais velhos que os mineiros mencionados. Em particular, eles articulam duas reconversões. De um lado, o desinvestimento da militância em favor da vida intelectual; de outro, a mudança de área – se ambos se formaram em filosofia, o leque de oportunidades os deslocaria para a antropologia e para a ciência política. Daí empenharem-se, nessa ordem, na constituição do PPGAS/MN e do PPGPOL/Iuperj. Outro caso de reconversão disciplinar que se desenvolve nessa fase da trajetória é o de Roberto DaMatta, que se desloca da história para a antropologia social, realizando uma especialização no MN como bolsista do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais/CLAPCS e aperfeiçoamento em antropologia como bolsista de Harvard. De modo similar a este deslocamento – da área de geografia e história, áreas outrora irmanadas no mesmo bacharelado, para a antropologia cultural – traçado no intervalo entre mestrado e doutorado, tem-se o caso de Júlio Cezar Melatti. Algo correlato encontra-se no caso de Hélgio Trindade que, entre o fim de sua graduação e o doutorado (1964-1971), realiza especializações na França, como bolsista do governo francês e na Cepal/Brasil, e um aperfeiçoamento nos Estados Unidos, como bolsista da Associação Universitária Interamericana, voltando-se para a ciência política. Se, sob alguns aspectos, as trajetórias de Manuela Carneiro da Cunha e de Ricardo Paes de Barros poderiam ser vistas como desviantes – mais estritamente disciplinadas e disciplinares –, nota-se que também elas tiveram rotações em suas áreas de origem. Enquanto ela passa da matemática pura para a antropologia, ele desloca-se da engenharia eletrônica para a estatística.

“[Sou] de uma geração em que a distinção entre estas disciplinas (Sociologia e Ciência Política) era ainda muito tênue. Eu acho que, ao longo desses vinte anos de Anpocs, houve uma diferenciação notável, um descolamento progressivo das duas disciplinas. Se pensarmos na origem da Anpocs, era muito mais difícil diferenciar as duas comunidades do que é hoje. Hoje em dia já existe uma diferenciação institucional mesma. Essa pode ser evidenciada na definição dos programas de pós-graduação, nas linhas de pesquisa, na bibliografia das publicações de uma ou outra dessas disciplinas, coisa que não acontecia antes. Creio que a separação entre as disciplinas sociais – as três que a Anpocs contempla – é fruto da institucionalização profissional. Quanto mais se institucionaliza a profissão, mais fácil torna-se identificar as diferenças entre as disciplinas”. ELISA REIS, Inteligência Brasileira , 1º maio 2009.

Considerando-se a especificidade do cenário político e acadêmico em tela, as escolhas são realizadas em meio às avaliações quanto aos rumos do país e aos cálculos com relação à carreira, pontilhados por imersões em instituições acadêmicas e programas de formação científica, cuja segmentação recente estava em processo de estruturação.

Vale atentar para os três percursos que poderiam assinalar um contraponto aos já destacados, por apresentarem investimentos lineares no interior de um único domínio. Efetivamente, os economistas Edmar Bacha e Naércio Aquino Menezes Filho mantiveram-se no interior da sua disciplina desde os momentos iniciais de sua formação, sem dispersão ou reconversão. Da mesma forma, mas atuando em área fortemente feminizada, os trunfos sociais e intelectuais da historiadora Laura de Mello e Souza foram postos a serviço de sua disciplina desde o início de seu itinerário (Mello e Souza, 2000). Vale sugerir que os dois primeiros o realizaram em favor da sedimentação de uma nova disciplina, em seu período de forte institucionalização e de visibilidade pública de seus feitos – em decorrência do sucesso do Plano Real, do qual Bacha é um dos mentores ( Loureiro, 2006LOUREIRO, M. R. (2006), “A participação dos economistas no governo”. Análise , 17: 345-359. ). Já a historiadora pôde realizar este trajeto por estar imersa numa das disciplinas mais antigas e, portanto, dotada de densidade, cuja prática remonta às instituições de saber imperiais, atreladas à constituição do Estado Nacional ( Wehling, 1999WEHLING, A. (1999), Estado, história, memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. ).

O exame do conjunto dos doutorados apresenta um quadro diferente do que se observa nas fases anteriores. Os Acadêmicos o cursaram entre 1948 (Celso Furtado) e 1997 (Naércio Aquino Menezes Filho), concentrando-se entre 1969 e 1975 (dezesseis membros). A tendência é realizá-los no exterior, a maioria nos Estados Unidos (dez casos, em nove instituições diferentes), seguido de Inglaterra (cinco), França (quatro) e México (um). O inglês como língua das elites acadêmicas se impõe de forma majoritária (quinze casos).

“A mecânica da formação de pós-graduados nos Estados Unidos, aquilo é uma máquina. Você sai diferente, não tem jeito. […] O que a gente queria era modernizar mesmo. Contrário ao modelo da USP , que é muito europeu, que é do orientador. Você faz doutorado com o fulano – na verdade termina sendo nem o fulano, você só lê aquilo – e eu era contrário a isso, contrário, totalmente, ao dogmatismo, ao fechamento. Houve uma… Não só por termos estudado, a maioria de nós, nos Estados Unidos – essa primeira geração –, [nós vimos que podíamos ajudar e] nós comungávamos muito nisso”. WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS, CPDOC.

“[…] nos Estados Unidos (viagem realizada em 1963) era chocante a diferença que nós percebíamos entre os clichês de esquerda e o que nós estávamos vivenciando. Chegava numa universidade espetacular, você tinha discussões magníficas sobre aqueles seminários. Eu e o Amaury, nos poucos momentos de folga que esse programa permitia, nós fomos procurar os grandes nomes da esquerda nos Estados Unidos: nós encontramos o Paul Baran, que era um best-seller no Brasil, e nos pareceu tão desinteressante a conversa e, por sua vez, tão repleta de clichê marxista; em Nova York, nós procuramos a revista Monthly Review , que era editada pelo Leo Huberman, autor de um livro aí de história econômica… […] ficamos muito desencantados. Aquilo não acrescentava nada. O restante só acrescentava: um país palpitante de liberdade, de pluralismo, de discussão, coisas interessantes acontecendo…”. BOLÍVAR LAMOUNIER, CPDOC.

Uma fração menor de Acadêmicos doutora-se no Brasil (1964 a 1986), distribuindo-se em nove cursos realizados em São Paulo – sendo oito na USP e um na Unicamp – e dois no Rio de Janeiro (UFRJ e outro na parceria PUC e IMPA). Há somente uma ocorrência de dupla titulação: Sergio Miceli recebe o título na EHESS e na USP, ambos em 1978. A condição de migração dos mineiros se evidencia – no início do percurso de graduação encontram-se sete casos, no final, nenhum ( Arruda, 1995ARRUDA, M. A. N. (1995), “A Sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a ‘escola paulista’”. In: MICELI, Sérgio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Sumaré, vol. 2, pp. 107-231. ). Um contraponto a eles poderia ser estabelecido com os gaúchos – Ruben George Oliven e Hélgio Trindade –, que perfizeram sua trajetória inicial no estado de origem (UFRGS e PUC); em seguida cursaram o doutorado no exterior (Universidade de Londres e Paris I) e, no retorno, puderam dispensar o deslocamento interno em direção ao Rio de Janeiro e a São Paulo, indo atuar na UFRGS. Esta exceção pode ser enquadrada como oposição prática e discursiva ao padrão dominante de carreira e de produção constituído no Sudeste. A faixa etária média de conclusão do doutorado compreende de trinta a 34 anos – exceções dos mais precoces, Elza Berquó, Edmar Bacha e Paulo Sérgio Pinheiro, que o concluem aos 27; e de Lourdes Sola, que o finaliza tardiamente, aos 44, após longa trajetória de docência na USP, interrompida devido ao exílio, e na Unicamp.

O intervalo de tempo entre a realização do curso de graduação e o término do doutorado varia para os que o fizeram direto e aqueles que cursaram o mestrado ou especializações. O caso exemplar é de Boris Falso, que se valeu de três anos para a conclusão do doutorado em história após a graduação na mesma disciplina, e de Bertha Becker, que levou dezoito anos entre o término de geografia e história (na antiga Universidade do Brasil) e a obtenção do doutorado no Instituto de Geociências, então UFRJ, com trajetória profissional já construída no interior da instituição.

Para aqueles que cursaram o mestrado como etapa regular, o intervalo situa-se entre seis anos (Celso Lafer e Edmar Bacha), período de formação acadêmica sem interrupção e sem o exercício profissional, e catorze (Juarez Rubens Brandão Lopes e Marilda Antonia de Oliveira Sotomayor), com atuação docente entre estes ciclos formativos. Situação de destaque é a de Lourdes Sola, cujo doutorado é finalizado somente 21 anos após o término da graduação, intermediado pelo exílio (1969-77) que interrompeu seu exercício profissional na USP, iniciado durante o mestrado.

A USP figura como a instituição que mais concentra casos de formação de doutores neste conjunto. A posição central desempenhada por ela na gênese da profissionalização se mantém e a opõe à dispersão encontrada na formação no exterior apontada anteriormente – nove instituições diferentes agregam os dez doutorados realizados nos Estados Unidos, além de Inglaterra, França e México. Além disso, emerge a oposição do ponto de vista disciplinar, com a predominância da ciência política e da economia em relação à antropologia, sociologia, história e geografia nesta fase, tipificando, assim, um princípio de oposição construído na dinâmica desse espaço acadêmico.

“[…] a gente achava que […] nós estávamos criando um espaço de trabalho com mais autonomia e mais independência, do ponto de vista intelectual e, também, do ponto de vista financeiro. Certo? Do que na universidade. Porque, na universidade, a coisa era muito trancada e que aquilo, como se tinha feito o Cebrap e o Cedec, era o jeito novo de garantir recursos através do dinheiro das fundações, etc. (porém…) era, na verdade, uma tendência objetiva. […] eu acho que tem uma coisa, um gancho, que nos colheu nesse espaço institucional e que nós não controlávamos completamente. […] a USP sempre teve essa ideologia contra o trabalho coletivo, contra a divisão do trabalho de pesquisa […] a mística do trabalho artesanal e da tese autoral. A USP é isso”. SERGIO MICELI referindo-se ao Idesp, CPDOC.

O polo paulista orbita em torno da cadeira de Sociologia I de Florestan Fernandes, como já foi demonstrado em estudos sobre a gênese das ciências sociais no país ( Arruda, 2001ARRUDA, M. A. N. (2001), “A modernidade possível: cientistas e ciências sociais em Minas Gerais”. In. MICELI, Sérgio (org.). História das ciências sociais no Brasil . São Paulo, Sumaré, vol. 1, pp. 234-315. , 1995ARRUDA, M. A. N. (1995), “A Sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a ‘escola paulista’”. In: MICELI, Sérgio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Sumaré, vol. 2, pp. 107-231. ; Garcia, 2002GARCIA, S. G. (2002), Destino ímpar: sobre a formação de Florestan Fernandes . São Paulo, Editora 34. ; Jackson, 2003JACKSON, L. C. (2003), Representações do mundo rural brasileiro: dos precursores à sociologia da USP. São Paulo, tese de doutorado em sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. ; Maio, 1999MAIO, M. C. (out. 1999), “O Projeto Unesco e a agenda das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50”, Revista Brasileira de Ciências Sociais , 41 (14). ; Morse 1990MORSE, R. (1990), A volta de McLuhanaíma: cinco estudos solenes e uma brincadeira séria . São Paulo, Companhia das Letras. ; Ortiz, 1990ORTIZ, R. (jul. 1990), “Notas sobre as ciências sociais no Brasil”. Novos Estudos , São Paulo, 27: 163-175. ; Pontes, 1998PONTES, H. (1998), Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo: Companhia das Letras. ; Rodrigues, 2011RODRIGUES, L. S. (2011), “A produção social do marxismo universitário”. São Paulo, tese de doutorado em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. ; Romão, 2006ROMÃO, W. R. (2006), A experiência do Cesit: sociologia e política acadêmica nos anos 1960 . São Paulo, Humanitas. ). Contam-se três Acadêmicos por ele diretamente orientados no doutorado – Juarez Rubens Brandão Lopes (1964), Roberto Cardoso de Oliveira (1966) e Leôncio Martins Rodrigues Netto (1967) –, bem como Lourdes Sola (1966) no mestrado. Destes, respectivamente, Roberto e Leôncio orientam o mestrado de Otávio Velho no Museu Nacional (1970) e o mestrado e o doutorado no Brasil de Sergio Miceli (1971 e 1978). Além disso, a grande maioria dos Acadêmicos passa por São Paulo, seja na USP ou na Unicamp, ou institutos de pesquisa como Cebrap e Idesp, sendo onze deles formados pela USP. A centralidade da Faculdade de Filosofia (FFLCH) também se destaca, uma vez que nove deles desenvolveram aí seus anos de pós-graduação. A circulação como professores, professores visitantes ou colaboradores centraliza 23 destes Acadêmicos em São Paulo, sendo que somente Celso Furtado, Bertha Becker, Wanderley Guilherme dos Santos, José Murilo de Carvalho, Elisa Reis, Ruben Oliven e Hélgio Trindade não tiveram seu percurso marcado por algum cruzamento com instituições paulistas.

Fronteiras de uma elite self made

Na carreira dos Acadêmicos da área de ciências sociais, a articulação entre as atividades de docência na pós-graduação e a condução de pesquisas tem centralidade. Entre os trinta casos, 22 iniciaram-se na docência no intervalo entre o final de sua graduação e a conclusão de seu doutorado; alguns subdividindo seu orçamento-tempo com outras atividades de pesquisa, como Elisa Reis (entrevista CPDOC). Trata-se de mais um elemento a confirmar essa etapa como definidora dos percursos. Os Acadêmicos iniciaram sua docência prioritariamente em universidades públicas (dezenove casos) e, em menor proporção, no setor privado (dez casos, com destaque para a PUC/RJ). A maior parte deles apresenta dedicação a mais de uma instituição universitária – porém, identifica-se àquela que confere identidade clara à sua produção intelectual. É o caso de Elza Berquó, cuja atuação se desenrolou na Faculdade de Saúde Pública da USP, mas tem sua identidade profissional confundida com a gênese e a dinâmica do Cebrap – do qual foi não só a fundadora, como a grande responsável por capturar os recursos financeiros que viabilizaram seu estabelecimento em 1970. Isso porque seus temas de pesquisa ligados à demografia interessavam à Fundação Ford, então mecenas do centro ( Montero e Moura, 2009MONTERO, P. & MOURA, F. (orgs.). (2009), Retrato de grupo: 40 anos do Cebrap. São Paulo, Cosac Naify. ).

Há cinco exceções ao padrão quanto à centralidade da docência e à sua articulação com atividades de pesquisa, seguindo o gradiente do mais ao menos desviante. O Acadêmico Celso Lafer, titular na Faculdade de Direito da USP, além de exercer a docência, insere em sua agenda uma série de tarefas. Suas atividades se diversificam em pelo menos três direções: Estado brasileiro, em âmbito nacional e internacional (foi ministro das relações exteriores – em 1992 e em 2001-2002; foi ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio, em 1999; atua na Unesco, na OMC, na ONU, na Corte Permanente de Arbitragem/Haia e da Missão Permanente do Brasil na ONU, na OEA e no Bird); setor empresarial estatal (foi consultor de empresas como Comgás, CPFL, Cesp, Eletropaulo) e setor privado (atuou como conselheiro de empresas – Klabin, Metal Leve, Ponsa Papelão do Nordeste, FGV; de entidades de classe – Sindicato Nacional de Indústria de Componentes para Veículos Automotores, Fiesp/Ciesp, Fecomercio); e no ramo científico e cultural (é vinculado a diversas fundações culturais, privadas e públicas, Osesp, TV Educativa), no qual tem destaque o exercício da presidência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Além disso, foi sócio fundador do Cebrap, Idesp, Instituto de Estudos Políticos e Sociais/Iepes e DNA Brasil. Foi presidente da Fapesp e participa de várias academias científicas e culturais, como a Academia Brasileira de Letras, de Filosofia e de Direito Internacional, sendo o Acadêmico que mais possui prêmios e títulos internacionais.

Essa diversificação de atuação institucional se traduz também na variedade de temas e domínios em que transita sua produção intelectual. Um observador que analisasse seu currículo destituído de informações prévias o confundiria com os polígrafos de antanho. É o típico pertencente ao campo do poder com base na sua multiposicionalidade em campos tais como o estado, o empresarial, o cultural e o científico. Seu perfil é desviante em relação ao dos cientistas e pesquisadores profissionais aqui descritos, pois menos definido até em termos disciplinares. No entanto, para além do mérito de sua carreira e produção, o entrelaçamento dos percursos delineados a seguir deixará evidente a coerência de seu pertencimento ao conjunto.

Em segundo lugar, Ricardo Paes de Barros, que iniciou sua carreira como pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Ipea durante a realização do mestrado, vindo a atuar como professor na pós-graduação da PUC/RJ, posteriormente à conclusão do pós-doutorado (1988). Sua trajetória é atípica em relação aos demais membros pela continuidade ininterrupta dos estudos (entre 1973 e 1989 realizou os cinco anos de engenharia, quatro anos de mestrado, quatro anos de doutorado e dois anos para dois pós-doutorados no exterior em instituições diferentes), pela possibilidade objetiva de desenvolver uma carreira plena no exterior, pelo vínculo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que foge ao padrão do ensino universitário no país, além do ingresso exclusivo na pós-graduação em universidade particular, PUC/RJ e, mais recentemente, o Insper. Ao se aposentar assume o posto de economista-chefe do Instituto Ayrton Senna (ONG cujo lema é a educação para o desenvolvimento), tendo passado antes disso pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2011-2015). Enquanto Celso Lafer deve sua visibilidade pública – entendida como reconhecimento externo à comunidade científica, entre leigos – à heterogeneidade de posições, desde cargos ministeriais à circulação em setores privados dominantes, passando pelo campo cultural, Ricardo Paes de Barros deve-a às pesquisas aplicadas versando sobre desigualdade e pobreza, inclusive à forte atuação no programa do Bolsa Família (Barros, 2014).

Destoante no que toca à docência, ao abandoná-la nos anos de 1990, depois de exercê-la na PUC/SP, Bolívar Lamounier teve a realização das etapas de carreira acadêmica comprometida pela perseguição do regime militar, passando por dificuldades burocráticas para validar seu doutorado no Brasil. A oportunidade de se tornar quadro do Departamento de Ciência Política da USP implicava as exigências docentes, disciplinares e curriculares – com vistas a contornar o problema do título – que eram incompatíveis com a agenda de compromissos do já maduro cientista político, que havia constituído dois programas de pós-graduação, da UFMG e do Iuperj (entrevista CPDOC). O Acadêmico Sergio Miceli, seu amigo, ironiza: “Ninguém acreditava no Bolívar pedindo demissão da USP” (entrevista CPDOC).

Boris Fausto, por sua vez, realizou sua carreira de modo inteiramente independente da atividade de docência. Trabalhou durante toda a sua vida na consultoria jurídica da reitoria da USP e, uma vez aposentado, deu aulas esporádicas no Departamento de Ciência Política da mesma universidade. Enquanto Fausto angariou visibilidade pública por conta de seu trabalho de vulgarização do conhecimento histórico a respeito do Brasil, Lamounier tem se destacado como consultor e forte colaborador de institutos think tanks (Instituto Millenium, Inter American Dialogue), de ONGs internacionais (responsável no Brasil pela Care, organismo estadunidense focado em erradicação da pobreza), de instituições patronais (integra o Conselho de Orientação Política e Social da Fiesp), de comissões do governo (membro da Comissão de Estudos Constitucionais, em 1985, e da Reforma do Estado, em 1999), além de atuar em órgãos da grande imprensa ( blog na revista Exame ) vocalizando opiniões favoráveis às posições políticas do partido a que pertence atualmente, o PSDB. No circuito dos espaços dos think tanks e das consultorias também se encontram outros Acadêmicos, como Edmar Bacha, Leôncio Martins Rodrigues, Lourdes Sola, Roberto da Matta e Simon Schwartzman.

“Com o negócio de ter sido aposentado pelo AI-5, eu não podia me vincular à universidade pública. […] Então, eu não tinha uma carreira universitária; eu tinha uma carreira na PUC. Na PUC, a remuneração daqueles tempos era tão modesta que eu cheguei a ficar seis meses sem ir ao banco buscar o dinheiro […]. Nos anos 90, então, desde depois da Comissão Afonso Arinos, depois daquele período ali da transição propriamente dita, eu comecei a prestar consultoria privada na área econômica e política, e foi assim que eu me defendi durante os anos 90. Ao mesmo tempo que eu dirigia o Idesp, eu trabalhava com consultoria. Cheguei… Eu fui, por exemplo, consultor da direção do Banco Bamerindus, naquela época. […] Com esse tipo de trabalho, eu arranjei a remuneração que eu não tinha, durante aquele período. Mas, do ponto de vista acadêmico, aí é que praticamente termina a minha atividade”. BOLÍVAR LAMOUNIER, CPDOC.

Outra trajetória importante nesse conjunto é a de Celso Furtado. Assinalem-se suas linhas de força, pois elas o situam ao lado de Fernando Henrique Cardoso, importante vetor da sociabilidade prévia ao ingresso dos cientistas sociais na ABC. Nascido em 1920 na Paraíba, Furtado formou-se em direito no Rio de Janeiro, período em que se inicia no jornalismo. Ingressou por concurso no Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), espaço privilegiado da elite técnica conhecida como “os agentes de Vargas”, uma vez que responsáveis pela reforma administrativa visando à modernização do setor estatal ( Rabelo, 2011RABELO, F. L. (2011), “O Dasp e o combate à ineficiência nos serviços públicos: a atuação de uma elite técnica na formação do funcionalismo público no Estado Novo (1937-1945)”. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais , 3 (6): 132-142. ). Carreira interrompida tanto pela participação na Força Expedicionária Brasileira quanto por sua ida para a França para cursar o doutorado em Economia. Seu regresso permitiu retomar o emprego no Dasp, a continuidade de suas contribuições ao jornalismo e o ingresso na FGV/RJ. A Cepal veio em seguida, quando se mudou para o Chile e circulou pela América Latina e por centros universitários dos Estados Unidos. A relação com instituições que refletiam acerca da vida econômica em interface com o Estado marcou seu ingresso no BNDE e na Sudene, mas também ao assumir cargos como o de primeiro titular do Ministério do Planejamento (1962-63), durante o governo João Goulart. Anos de exílio distinguiram sua carreira como professor na França e, com a abertura democrática, seu retorno aos cargos públicos como embaixador brasileiro na União Europeia no término do regime militar (1985-86) e como primeiro ministro da Cultura, 1986-1990, no governo Sarney. A quase ausência da docência no país o afastou dos liames institucionais acadêmicos que marcam a trajetória dos demais membros.

“As ciências evoluem graças a agentes que são capazes de atingir e ultrapassar certos limites. Não basta armar-se de instrumentos eficazes. O valor de um cientista resulta da combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem. Em muitos casos, cabe-lhe também atuar de forma consistente no plano político, portanto assumir a responsabilidade de interferir no processo histórico. […] No campo das ciências sociais, cujo objeto de estudo […] nem sempre é algo perfeitamente definido, e sim algo em formação, criado pela vida dos homens em sociedade, o princípio de responsabilidade moral faz-se ainda mais presente. (na economia) […] verifica-se um empenho em buscar o formalismo, em adotar métodos que fizeram a glória das ciências chamadas exatas. Esse louvável esforço tem, todavia, um custo, pois com frequência nos leva a esquecer que o objeto das ciências sociais nem sempre é compatível com a elegância formal […] como tudo que é humano, esses problemas (que esperam que os economistas resolvam) não podem ser apreciados fora de um contexto amplo que envolve variáveis políticas, portanto, poder e valores […]. Temos de reconhecer, assim, que nos escapa a lógica do processo de globalização em curso, o que dificulta captar o sentido do processo histórico que estamos vivendo”. CELSO FURTADO, Discurso dos recém-empossados na ABC, 4 jul. 2003.

“[…] (contra uma maneira mais intuitiva), talvez eu tenha um pensamento mais do tipo francês: é preciso formular muito bem a sua pergunta. Aí você terá um método abstrato para resolvê-la e acabará encontrando o problema concreto mais para a frente, em algum ponto do tempo […]. Meu trabalho é muito concreto. Ele visa a problemas muito concretos. Mas tem sempre uma estrutura analítica abstrata muito solida para chegar até lá. […] Eu percebi que não tinha nada a ver com aquilo. Porque o engenheiro não descobre, ele inventa. A engenharia não é dedutiva. O cara que descobre a eletricidade, ele não deduz aquilo, ele intui. […] O meu raciocínio não tem nada a ver com isso. O meu jeito de pensar era completamente dedutivo”. RICARDO PAES DE BARROS, em R. Cariello, “Ricardo Paes de Barros: o liberal contra a miséria”. Mercado Popular. Economia livre e justiça social . Disponível em http://mercadopopular.org/2014/09/ricardo-paes-de-barros-o-liberal-contra-a-miseria/. 23 set. 2014.

Sua trajetória pode ser considerada como um tipo-ideal de hibridismo, com elementos do modelo de intelectual tradicional ( Miceli, 2001MICELI, S (org.). (2001), História das ciências sociais no Brasil , vol. 1. São Paulo, Sumaré. ) que se metamorfoseiam para o feitio profissional. Entretanto, como os padrões de profissionalização também se modificaram ao longo do século que ele protagonizou, se numa fase de sua trajetória ele está na ponta de lança do avanço na formação econômica, em outra, a entrada em cena da nova geração não o desbanca, mas o envelhece. As posições que toma no auge da consagração, por ocasião de seu ingresso na ABC, exprimem a cristalização desse percurso. Os atributos que enobrecem a conduta de um cientista (“imaginação e coragem”), assim como o reconhecimento do que escapa ao poder da ciência, correspondem àqueles que os dilemas de sua trajetória o condicionam a valorizar. Não por acaso, o também economista Ricardo Paes de Barros, com trajetória similar no que toca à internacionalização e à profissionalização a serviço de governos com plataformas que incluem programas sociais, porém mais jovem, expressa posições diametralmente opostas à de Furtado. Isso o situa em fase posterior no processo de institucionalização da disciplina científica, mas sobretudo no interior do corpo social no qual ela se escoa e se inter-relaciona, conformando a função social da economia aos ajustes mais amplos – regimes de governo, ordem econômica dominante etc.

Os cinco últimos casos destacados (Celso Lafer, Ricardo Paes de Barros, Bolívar Lamounier, Boris Fausto e Celso Furtado) destoam do padrão de carreira orientada para a vida científica. A profissionalização que o fazer acadêmico passa a imprimir como padrão de realização exclui paulatinamente o diletantismo, e permite a emergência da ideia de uma relativa autonomia desse espaço. Se antes médicos e engenheiros compunham as ciências sociais, hoje as fronteiras estão demarcadas pelo simples exercício do padrão gerado entre os pares. Se antes juristas tornavam-se historiadores, a profissionalização disciplinar tende a afastá-los a setores dominados, por exemplo, com temáticas menos legítimas ou produções menos acadêmicas. Mas, além disso, vale remarcar que as carreiras destoantes o são também no que se refere à disciplina, o que pode caracterizar a existência de um ethos mais típico daqueles que cursaram certas disciplinas das ciências sociais em correlação com instituições dotadas de menor autonomia científica. Os Acadêmicos com perfis dissonantes tendem a participar menos da reprodução do capital especificamente científico, uma vez que não tomam parte no processo de formação dos novos agentes ingressantes no universo. Mas não são externos ou indiferentes a ele, visto que participam de instituições que atuam no controle do poder científico, o que redunda numa difusão de sua produção nos circuitos das leituras universitárias, bem como os dota de poder político ligado às instituições que corporificam o fazer científico.

Considerações finais: Scientia Vinces ?

O grupo de cientistas sociais da Academia Brasileira de Ciências demonstra uma coesão geracional. O Acadêmico típico graduou-se nos conturbados anos compreendidos entre 1963 e 1970, doutorou-se no Brasil (1964-1970) e no exterior (1969-1978), definiu sua área de investigação no intervalo entre o mestrado e o doutorado, doutorou-se com bolsa de agência internacional ou do CNPq, apresenta percurso errante de migração interna e bem-sucedida de circulação internacional. As trajetórias de grande parte desses acadêmicos confundem-se com a gênese dos principais programas de pós-graduação, assim como de centros privados de pesquisa. Gradualmente, da condição de artífices desses programas e núcleos, passaram à fatura institucional de instâncias que os articulariam nacionalmente, tanto no plano do campo científico (daí o envolvimento com a criação de espaços por eles controlados, tais como as associações e revistas acadêmicas) quanto no plano estatal (daí as atividades de assessoria e suporte nas agências de fomento científico, como CNPq, Capes, Finep, Fapesp etc.). Dito de outro modo, trata-se de uma fração de geração cujos investimentos mais permanentes na esfera científica dirigiram-se para o polo do poder temporal ( Bourdieu, 1984BOURDIEU, P. (1984), Homo academicus . Paris, Minuit. , p. 83). No que diz respeito ao campo político, envolveu-se com os grupos de esquerda em sua juventude estudantil e foi capaz de desinvestir dessa atividade quando a janela de oportunidades do universo científico se mostrou mais promissora.

Essas linhas de força alteram-se a partir de fins dos anos de 1980 em função de alguns fatores que podem ser assim esboçados: de um lado, a abertura política propicia o arejamento do espaço universitário, antes censurado, mas minguam os recursos de agências financiadoras estrangeiras, colocando os centros sob novos constrangimentos para angariá-los. De outro, o campo político, diante da reabertura, oferece oportunidades para quadros qualificados entre os cientistas sociais – e eles não se furtam a aproveitá-los. Segmentos no interior dessa fração de geração sofrem o magnetismo exercido pela ascensão política de Fernando Henrique Cardoso no interior do PMDB ou de Lula com a criação do Partido dos Trabalhadores. Como num retorno matizado às ambições políticas de juventude – outrora estudantis e radicais –, numerosos dentre eles não se furtam ao envolvimento com a política partidária. A essa altura, em etapa da carreira em que já têm “um nome” e em prol de uma articulação entre profissionalismo da ciência, expertise ofertada aos aparelhos de Estado e senso de dever para com a construção das instituições após o regime militar.

Tais rearranjos não serão tratados neste momento, mas permitem confirmar como estas elites científicas, apesar de representarem distintas disciplinas e guardarem traços dos processos relacionais dessa diferenciação, oferecem recursos para explicar determinantes objetivas de um campo acadêmico em constituição. Investidos do papel de construtores desse espaço, eles detiveram também o controle da ABC como esfera de consagração – que assume a forma de autoconsagração na medida em que incensa a si própria e aos seus próximos. A dimensão simbólica da instituição refrata e eufemiza o princípio pelo qual o máximo reconhecimento simbólico se exprime pelo máximo desconhecimento das relações sociais objetivas nele cristalizadas – resultantes de fortes liames interpessoais prévios e relativamente frouxos se reconstituídos do ângulo estritamente disciplinar.

Se elites podem ser definidas por “aqueles que se encontram no topo da hierarquia social, exercendo funções importantes que são valorizadas e reconhecidas publicamente através de rendas admiráveis, de diferentes formas de privilégio, de prestígio e outras vantagens oficiais ou oficiosas” ( Busino, 1992BUSINO, G. (1992), Élites et élitisme . Paris, PUF. , p. 117), o esquadrinhamento destes Acadêmicos demonstra que eles ocupam posições distintivas em âmbitos diferenciados dos poderes (político, estatal, econômico, cultural), mas sobretudo identifica, no interior do campo acadêmico nacional, padrões de comportamento, sistemas de valores e interesses, modalidades de excelência de trabalho intelectual e de engajamento na construção das instituições, coletivamente compartilhados. Com efeito, cristalizam-se na trajetória dos trinta Acadêmicos da ABC estudados as imbricações entre as hierarquias e a concorrência entre as várias formas de poder e nossas instituições, disciplinas e produção intelectual em ciências sociais ao longo do século XX.

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  • ZUCKERMAN, H. (1977), Scientific Elite: Nobel Laureates in the United States . Nova York, The Free Press.
  • 1
    . O artigo integra pesquisa mais ampla sobre a Academia Brasileira de Ciências (doravante, ABC), tratada como locus privilegiado para análise do campo científico no país ( Hey, 2012HEY, A. P. (2012), “Elites científicas: o caso da Academia Brasileira de Ciências”. Anais do 36° Encontro Anual da Anpocs . Águas de São Pedro/SP. ; 2014a, 2014b, 2017), recebendo apoio da Fapesp.
  • 2
    . Opta-se, aqui, pela grafia “Acadêmico”, para denominar os membros da ABC. É assim que eles se referem uns aos outros. Trata-se, pois, de usar o termo enquanto categoria nativa, distanciando-o do uso corrente e ambíguo como sinônimo de “universitário”.
  • 3
    . Os estudos de academias de ciências não são numerosos no âmbito sociológico, apesar do clássico de Merton (1938)MERTON, Robert K. ([1938] 2001), Science, technology and society in seventeenth-century England. Nova York, Howard Fertig, a respeito da Royal Society of London. A perspectiva aqui é colocar a ABC como instância de consagração, portanto com especificidades, mas que fornece um mapeamento dos integrantes do campo científico, corporificando assim relações disciplinares e também da ciência com outros espaços sociais. Apoiam esta perspectiva, dentre outros: Hay (1982)HAY, C. (1982), “Advice from a scientific stablishment”. In: ELIAS, N.; MARTINS, E. & WHITLEY, R. (orgs.). Scientific establishments and hierarquies . Dordrecht, D. Rieder, pp. 111-119. , acerca da National Academy of Sciences/USA; Zuckerman (1977)ZUCKERMAN, H. (1977), Scientific Elite: Nobel Laureates in the United States . Nova York, The Free Press. , ao tratar da superelite de ganhadores do prêmio Nobel; Charle (1989), sobre os dirigentes do Centre National de la Recherche Scientifique/Fr; Elias (1982)ELIAS, N. (1982), “Scientific establishments”. In: ELIAS, N.; MARTINS, E. & WHITLEY, R. (orgs.). Scientific establishments and hierarquies . Dordrecht, D. Rieder, pp. 107-160. , no exame dos “ scientific establishments ”; Ali et al. (2007)ALI, S. et al. (2007), “Elite scientists and the global brain drain”. Work Paper by University of Warwick, UK. , acerca da “fuga de cérebros ingleses”; Bühlmanm et al. (2015)BUHLMAN, F. et al. (2015), “Internationalisation des élites académiques suisses au XX e siècle: convergences et contrastes”. Cahiers de la Recherche sur l’Education et les Savoirs , 14: 119-139. , no estudo das elites acadêmicas suíças.
  • 4
    . A análise inclui os membros já falecidos – Celso Furtado (2004), Roberto Cardoso de Oliveira (2006), Gilberto Velho (2012), Juarez Brandão Lopes (2012) e Bertha Becker (2013). Todavia, não engloba as categorias de membros correspondentes estrangeiros (constituída por estrangeiros e brasileiros radicados no exterior há mais de dez anos, eleitos como vitalícios) e de afiliados (composta por jovens cientistas nomeados para o período de cinco anos).
  • 5
    . Mantido aqui na rubrica da própria ABC. Na análise ele representa os deslocamentos ocorridos nas ciências sociais em direção às áreas especializadas, indo da sociologia do trabalho para a sociologia política e, depois, para a ciência política, ao assumir a vaga de titular deixada por Fernando Henrique Cardoso na USP, em 1981 (ver Ramalho e Rodrigues, 2010RAMALHO, J. R. & RODRIGUES, I. J. (2010). “Sociologia do trabalho no Brasil: entrevista com Leôncio Martins Rodrigues”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 25 (72): 133-179. Disponível em https://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092010000100010. ).
  • 6
    . Informações colhidas por Hey em entrevistas informais desde 2011, conforme a disponibilidade dos Acadêmicos.
  • 7
    . Resulta de uma reunião promovida pela Copea em maio de 1998 cujos participantes resolvem associar-se, gerando o denominado Grupo de Defesa da Universidade Pública. São signatários do documento: Alaor Silvério Chaves (UFMG), Alberto Carvalho da Silva (USP), Alzira Abreu (FGV/RJ), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho (UFRJ), Carlos Henrique de Brito Cruz (Unicamp), Carlos Lessa (UFRJ), Carlos Vogt (Unicamp), Eduardo Moacyr Krieger (USP), Esper Abrão Cavalheiro (Unifesp), Gilberto Velho (UFRJ), Glaci Zancan (UFPR), Herch Moysés Nussenzveig (UFRJ), Isaias Raw (USP), Jacob Palis Junior (Impa), José Arthur Gianotti (USP), José Fernando Perez (USP), Leopoldo de Meis (UFRJ), Luciano Coutinho (BNDES), Luiz Bevilacqua (UFRJ), Luiz Fernando Dias Duarte (MN/UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa (UFRJ), Margarida de Souza Neves (PUC/RJ), Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha (Chicago University), Roque Laraia (UnB), Sérgio Henrique Ferreira (USP) e Simon Schwartzman (Iets).
  • 8
    . Assinado ainda por Alaor Silvério Chaves (UFMG), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho (UFRJ), Francisco César de Sá Barreto (UFMG), João Alziro Herz da Jornada (UFRGS e Inmetro), Luiz Bevilacqua (LNCC), Luiz Davidovich (UFRJ, coordenador), Moysés Nussenzveig (UFRJ) e Ricardo Gattass (UFRJ e Finep), cf. www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-29.pdf.
  • 9
    . A Diretoria é composta pelo presidente, vice-presidente, seis vice-presidentes regionais e cinco diretores, eleitos pelos membros titulares a cada triênio. Além dela, há o Conselho Fiscal, Comitê Executivo, Conselho Consultivo e a Comissão de Seleção.
  • 10
    . A ABC, juntamente com a Academia de Ciências da Hungria, organizou o 6º Fórum, que ocorreu no Rio de Janeiro (2013), com o tema Ciência para o Desenvolvimento Sustentável Global.
  • 11
    . As informações foram retiradas dos currículos Lattes , dos sítios institucionais, dos anuários da ABC, das entrevistas realizadas pelo CPDOC e de entrevistas para revistas acadêmicas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    1 Fev 2017
  • Aceito
    25 Jun 2017
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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