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De Francisca a Chiquinha: o pioneirismo insuspeito de Chiquinha Gonzaga

From Francisca to Chiquinha: The unsuspected pioneering of Chiquinha Gonzaga

Resumo

Este artigo toma a trajetória da compositora brasileira Chiquinha Gonzaga (1847-1935) com o objetivo de analisar o processo de construção social de seu renome com base nas inflexões de gênero presentes no campo da produção cultural carioca nas primeiras décadas do século XX. A tentativa de circunscrever a rede de relações sociais na qual ela se inseria – dando especial atenção à constituição de seu arquivo pessoal e à confecção de sua primeira biografia pela folclorista Mariza Lira (1899-1971) – é amparada por uma perspectiva socioantropológica que vê na história de vida da compositora o resultado de um projeto coletivo no qual interesses diversos são negociados e materializados em uma narrativa específica. Nesse sentido, tanto o nome Chiquinha Gonzaga quanto seu adjetivo “pioneira” podem ser repensados à luz dessa complexa dinâmica.

Chiquinha Gonzaga; Biografia; Sociologia da cultura; Gênero

Abstract

This article takes the trajectory of Brazilian composer Chiquinha Gonzaga (1847-1935) with the purpose of analyzing the social construction of her repute having in mind the gender inflexions present in 20th century Brazilian field of cultural production. The attempt of circumscribing her social network – focusing on the constitution of her archive and on her first biography by the folklorist Mariza Lira (1899-1971) – is supported by a socio-anthropological perspective that sees in the compositor’s life history the result of a collective project in which multiple interests are negotiated and materialized in a specific narrative. In this sense, either the name Chiquinha Gonzaga or the adjective “pioneer” can be thought through this complex dynamics.

Chiquinha Gonzaga; Biography, Cultural production; Gender

O retrato

Na tarde de 17 de outubro de 1925, o Teatro João Caetano abrigava uma pequena multidão. Ladeando uma das arestas da Praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, o prédio centenário era destino obrigatório das grandes montagens que pontilhavam o cotidiano cultural carioca. Acotovelando-se no salão repleto, homens e mulheres aguardavam não como plateia de um espetáculo, mas como convidados de uma celebração e, sobretudo, partícipes de um ritual. O motivo da solenidade era duplo. Fundada em 1917, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) completava exatos oito anos de existência e, como prova de admiração, inaugurava o retrato de uma de suas fundadoras: a compositora e maestrina Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Ela, que curiosamente também aniversariava naquele dia (contando longos 78 anos), vinha amparada pelo irmão mais novo, o sócio honorário Nicolau Tolentino Gonzaga, e a companhia inseparável de João Baptista Gonzaga, 1883-1961 (Boletim Mensal da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, 1925, p. 92)1 1 . Arquivo pessoal de Edinha Diniz. .

Guarnecido por uma comissão composta exclusivamente por mulheres, o retrato da “Maestrina D. Francisca Gonzaga” foi descortinado e exposto ao público que, “de pé, com estrondosa salva de palmas saudou a homenageada” (Idem). O gesto, embora inegavelmente lisonjeiro, não era inédito. Em março do mesmo ano, havia sido inaugurado na sede da SBAT o retrato do “indulgente, condescendente e transigente”2 2 . O Malho, n. 1173, 7. mar. 1925. Arthur Azevedo (1855-1908), dramaturgo de primeira grandeza e entusiasta na consolidação de um teatro propriamente nacional – pauta por muitos anos defendida pela diretoria da instituição3 3 . Na seção intitulada “O Theatro no Centenário”, do Relatório de 1920, a diretoria da SBAT comenta sobre seu papel no processo de transformação do Teatro S. Pedro em Teatro Nacional junto ao prefeito Carlos Sampaio e a Coelho Neto, à época diretor da Escola Dramática. O projeto, frustrado inúmeras vezes por “contingências da política” (p. 14), só poderia ter êxito, no entendimento da SBAT, se o poder público “federal ou municipal” se encarregasse da subvenção do teatro e deixasse a organização do mesmo a cargo da Sociedade. . O ato de fixar a imagem do notável colega não consistia simplesmente em lhe render homenagens póstumas; afirmava um lugar específico no qual convergiriam interesses públicos e privados, estabelecendo uma linhagem de sentido legitimado na qual a “Sociedade” ocuparia a posição derradeira. Com a maestrina não seria diferente.

Concebida como uma instituição de “utilidade pública”, termo que a situava ambiguamente entre o poder público e o corporativismo burguês, a SBAT correspondeu à primeira ação organizada em prol dos interesses da classe artística nacional. Inspirada na exitosa experiência da Société des Auteurs et Compositeurs Dramatiques, cuja fundação em 1829 remodelou para sempre as relações entre atores, diretores e dramaturgos parisienses (Charle, 2012CHARLE, Christophe. (2012), A gênese da sociedade do espetáculo: teatro em Paris, Berlim, Londres e Viena. São Paulo, Companhia das Letras.), a SBAT encarregava-se do arrecadamento e distribuição dos lucros provenientes das obras de autores e compositores a ela associados. A rápida adesão de novos membros4 4 . Somente em 1920, o número de sócios passou de 186 para “quasi 900” (Relatório da Sociedade Brasileira de Autores Theatraes, referente ao anno de 1920 [CG_51_06_045. Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles]). impulsionou não apenas o mercado cultural, cada vez mais estruturado em função de um liberalismo empresarial, mas também foi responsável pelo traçado de “fronteiras e hierarquias internas de uma classe do entretenimento e seu novo relacionamento com o Estado” (Hertzman, 2013HERTZMAN, Marc. (2013), Making samba: a new history of race and music in Brazil. Durham/Londres, Duke University Press., p.173). Portanto, para se firmar definitivamente como “utilidade pública”, ela precisava não apenas de um corpo administrativo eficiente e burocratizado; era igualmente necessária a construção de símbolos que expressassem a natureza ambivalente da instituição e, ao mesmo tempo, transformassem tal ambivalência em força motriz.

Neste artigo, pretendo mostrar que Francisca Gonzaga – cuja consagração e cujo renome a fizeram Chiquinha – será central a tal processo mais do que qualquer outra pessoa, desempenhando inequivocamente o papel de símbolo legitimador dos interesses e disputas que a SBAT encampava. Com mais de quarenta anos de carreira e uma obra que atinge a cifra de 2 mil composições, ela figurava como a única mulher e decana da instituição, fato que, devido à sua atipicidade, bastará para ser considerado excepcional perante os demais. Conforme tentarei demonstrar, tal “excepcionalidade”, transmutada por seus biógrafos e biógrafas em disposição individual oriunda da dissimulação de relações assimétricas entre os gêneros masculino e feminino, consistirá na matéria-prima dos primeiros esforços biográficos sobre a compositora, projeto que se estenderá por muitos anos após sua morte e que tem na cerimônia de 1925 o seu prelúdio. Do mesmo modo, a qualidade de “pioneira”, atribuída reiteradamente à sua pessoa por diversos membros da SBAT, ganhará centralidade na organização de sua trajetória social, bem como na constituição de seu renome perante as gerações futuras.

Viver e narrar

É lícito dizer, sem medo de exageros, que Francisca Gonzaga morreu trabalhando. Mulher de música e de teatro, ela participou com entusiasmo da produção cultural carioca em sua versão inconfundivelmente urbana, ao lado de artistas de diversas origens e estilos. Fosse acompanhando ao piano os músicos do Choro Carioca, grupo boêmio formado por Joaquim Antonio Callado (1848-1880), ou compondo para os principais gêneros do teatro musicado da época – como as operetas de Viriato Correia (1884-1967) e as revistas de ano de Arthur Azevedo –, Chiquinha conseguiu constituir uma sólida carreira como instrumentista, compositora e regente de espetáculos teatrais. Embora sua vida tenha sido alvo de poucas biografias se compararmos com as mais de quarenta sobre Heitor Villa-Lobos5 5 . Para um tratamento das biografias escritas sobre a compositora, ver Cesar (2012, 2013). São elas: Chiquinha Gonzaga: grande compositora popular brasileira, de Mariza Lira (1939); A pioneira Chiquinha Gonzaga, de Geysa Bôscoli (1973); Chiquinha Gonzaga: uma história de vida, de Edinha Diniz (1984; 2009); A memória social de Chiquinha Gonzaga, de Cleusa de Souza Millan (2000), Chiquinha Gonzaga: sofri e chorei. Tive Muito Amor, de Dalva Lazaroni (1999), e A jovem Chiquinha Gonzaga, de Ayrton Mugnaini (2005). , todas, sem exceção, destinaram-se a narrar uma vida que brindou a liberdade, venceu preconceitos e ostentou o signo da excepcionalidade. Mais do que isso: dedicaram-se a transformar sua vida em uma história, uma narrativa dotada de começo, meio e fim, e cujas partes não poderiam aparecer “soltas” ao longo de um livro. Para se tornar uma “história de vida”, qualquer existência deve adquirir a forma característica de um produto cultural e histórico, e seu conteúdo ser determinado por tudo aquilo que, de acordo com uma pessoa ou um grupo, é digno de registro.

Mas a vida não é uma história. Quando Pierre Bourdieu ponderou sobre a “ilusão biográfica”, ele chamou a atenção para um tipo de escrita que toma a vida como matéria-prima e opera sobre ela uma seleção segundo critérios previamente estabelecidos. O efeito disso é duplo. De um lado, a vida se torna um vetor, “um caminho, um percurso, uma estrada com suas encruzilhadas” (Bourdieu, 2010, p. 74), cujas ambiguidades, equívocos e contradições podem ou não constar nas páginas da biografia. Ao ser lida, ela ganha o aspecto de um boulevard onde cada vitrine retomaria a anterior. De outro lado, a biografia aparece como reflexo da existência; investidos de autenticidade pela consagração do gênero biográfico, os cortes seletivos fazem dessa escrita uma descrição objetiva de uma vida. Enquanto “história” ela tem sua forma acabada e passa a não admitir mais outra possibilidade de apresentação6 6 . Reconhecida ao longo do século XIX como gênero literário “impuro” e até mesmo uma “desfavorecida da história” (Dosse, 2009) por transgredir impudicamente as fronteiras da descrição realista e da ficção, a biografia atualmente goza de relevância heurística entre historiadores(as) e cientistas sociais interessados(as) no imbricamento do “social” com o “individual” ou, em um sentido mais preciso, da “estrutura” com a “agência”. Desde sua feição mais laudatória e psicologizante até a mais crítica e sociológica, o interesse pela biografia pode ser justificado pela especificidade de sua unidade descritiva. O ato, hoje solitário, de ler sobre outrem produz, em boa parte das pessoas, senão uma identificação com o(a) biografado(a), ao menos uma empatia para com ele(a) porque ler sobre uma vida outra nos deixa às voltas com nossa própria existência no mundo e nos faz imaginar as possibilidades de uma outra vida. .

Para dois efeitos há duas consequências. A primeira é teleológica: lê-se uma história de vida de trás para frente (ou do presente para o passado) invertendo-se, assim, a (crono)lógica que informa o sentido de nossa historicidade. Embora não escapemos desse procedimento na investigação das fontes – pois sempre as lemos a partir de um ponto de vista inscrito no tempo –, ao se tratar de uma história de vida, ele se apresenta como destino inescapável e necessário, exatamente o que buscamos problematizar. A segunda consequência é ilusória: alude a um tipo retórico de representação da pessoa humana. A personalidade, atributo definitivo da pessoa biografada, não possui incoerências ou fissuras, e as encruzilhadas de sua estrada não comportam atalhos ou desvios. Essa imagem coesa e absolutamente dona de si corresponde à necessidade de retratar o eu como uma categoria estável e, sobretudo, recursiva. Aplicando o mesmo procedimento de decupagem e seleção em sua matéria-prima, a biografia promove um achatamento da experiência ao dar-lhe um sentido único – alguém que superou desafios porque é um(a) vencedor(a) – e um caráter narrativo. A estrutura que se aplica à biografia de uma pessoa em particular pode ser transferida, no limite, a qualquer outra.

Existe, portanto, uma diferença significativa entre a experiência vivida e a narrada. Se esta última se apresenta a nós de maneira organizada, sendo possível acessá-la sem surpresas, a primeira conserva uma opacidade que resiste à tentativa de atribuir-lhe um significado decisivo e ulterior. Múltipla, espraiada e descontínua, a experiência vivida escapa à inteligibilidade do gênero biográfico, no qual evocações do passado são reelaboradas à luz do presente por meio da memória e grafadas no papel por meio da linguagem escrita. Indecomponível em partes de “começo, meio e fim” – posteriormente amalgamadas por um eu estável e inteiriço –, a vida instaura a permanência de um todo heterogêneo que beira o inapreensível.

Tendo em mente essa separação entre vida e narrativa, procurei distanciar-me da noção de “história de vida” como dado para tratá-la como artefato. Isso implica adotar uma perspectiva atenta aos diversos meios pelos quais uma vida é construída como história, sempre levando em consideração os diversos atores sociais que influenciam nesse processo. Como qualquer ser social, Chiquinha Gonzaga integrava redes de relações interdependentes nas quais noções como “sociedade” e “indivíduo” não podem ser tomadas por termos estanques e antitéticos – a primeira sendo o polo negativo da coerção e a segunda o positivo da “liberdade” (Elias, 1994a). Se assim o fosse, sua carreira como compositora e maestrina seria ratificada como mero ato de vontade, independentemente das possibilidades e obstáculos colocados por uma experiência social mais ampla7 7 . Baseio-me aqui na forma notável como Norbert Elias (1994b) lida com a trajetória do compositor Wolfgang Amadeus Mozart e a relação ambivalente deste com a sociedade de corte austríaca. .

Investigar as maneiras pelas quais são criados os criadores (Bourdieu, 2008BOURDIEU, Pierre. (2008), A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre, Zouk.) exige do/a analista não apenas o domínio das fontes documentais, mas a compreensão de suas condições de produção. Detendo-se sobre os caminhos sinuosos pelos quais Heitor Villa-Lobos galgou unanimidade como compositor nacional, Paulo Guérios reconstruiu a trajetória do autor das Bachianas partindo, de um lado, das condições de possibilidade para um músico erudito estabelecer-se profissionalmente no Brasil, e, de outro, das “representações sobre a nação e sobre a música nacional […] feitas e refeitas ao longo do tempo” (Guérios, 2009GUÉRIOS, Paulo Renato. (2009), Heitor Villa-Lobos: o caminho sinuoso da predestinação. 2 ed. Curitiba, Parabolé., p. 89). Sobrevivendo no Rio de Janeiro às custas de bons amigos e de uma carreira incerta e pouco rentável, é somente em 1923, quando viaja a Paris pela primeira vez, que Villa-Lobos atina para o caráter démodé de seu trabalho e adquire a real dimensão do que era considerado “nacional” na Europa8 8 . Durante o final da década de 1910 até 1923, Heitor Villa-Lobos fora fortemente influenciado pelo francês Claude Debussy (1862-1918), cujo trabalho causava estranhamento aos compositores brasileiros que, como Alberto Nepomuceno e Oscar Guanabarino, ainda creditavam à lírica de Wagner e à didática de D’Indy o suprassumo da arte musical. Contudo, em matéria de vanguarda, Debussy não figurava mais entre os compositores mais expressivos. Jovens como Igor Stravinsky e o Grupo dos Seis começavam a despontar com trabalhos arrojados e originais, que muito inspirariam Villa-Lobos em sua viagem a Paris. . Aconselhado pelo também compositor Darius Milhaud a incorporar elementos indígenas e populares em suas obras, Heitor Villa-Lobos passou a representar, “conforme a imagem que o espelho europeu lhe mostrava” (Guérios, 2009GUÉRIOS, Paulo Renato. (2009), Heitor Villa-Lobos: o caminho sinuoso da predestinação. 2 ed. Curitiba, Parabolé., p. 168), um Brasil de exuberância natural e distante da “civilização”. Assim, o receio de ter suas influências descobertas e sua imagem desmistificada suscitou em Heitor Villa-Lobos a preocupação contínua de rever os passos de sua trajetória, fosse alterando as datas de suas composições, fosse ditando sua versão dos fatos aos biógrafos que conheceu em vida.

Sendo impossível dissociar a escrita de um documento daquilo que ele diz, é somente arguindo as fontes e identificando nelas as marcas e intenções de seus produtores9 9 . Facultar ao tratamento de arquivos e fontes escritas o mesmo rigor epistemológico despendido àquilo que se convencionou chamar “trabalho de campo” constitui uma tarefa recente e desafiadora para a antropologia. A ideia de que os arquivos representam um “mero repositório de informações” das quais o antropólogo faz uso para reconstituir uma “verdade” sobre algo é afastada em prol de um método atento à produção das fontes documentais como expressões de poder e prestígio social. Nesse sentido, o trabalho de Heloisa Pontes (1998, 2010) foi essencial à minha pesquisa na desconstrução (e historicização) da “neutralidade das fontes”. que podemos aquilatar a espessura social que ele possui, tanto em sua dimensão histórica quanto política. Recusar-se a esse movimento crítico, apoiando-se em uma suposta “autoevidência” da categoria experiência – como se esta fosse atributo dos indivíduos e não aquilo que os constitui enquanto sujeitos –, é assumir de antemão sua legitimidade sem procurar problematizá-la (Scott, 1998SCOTT, Joan. (1998), “A invisibilidade da experiência”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, 16: 297-325., p. 304). Central às narrativas biográficas, a noção de experiência é lançada no campo do discurso, tornando-se objeto de uma disputa incessante por visibilidade. Eminentemente política, ela indica sempre diferenças construídas ad hoc e não previamente dadas e vivenciadas pelos sujeitos.

É preciso, então, não perder de vista o caráter relacional desse processo. Enquanto resultados de um projeto coletivo, renome e prestígio nunca dependem apenas do talento ou determinação pessoais. Conforme argumenta Heloisa Pontes, as razões do investimento infundido em tal projeto residem antes “nas dinâmicas particulares dos campos de produção simbólica, mais ou menos refratários às inflexões de gênero e à atuação das mulheres” (Pontes, 2010, p. 34)10 10 . Conferir também Destinos mistos (1998), da mesma autora, acerca das inflexões de gênero no campo intelectual paulista nas décadas de 1940 e 1950. . Se ao final desse processo o que vemos é apenas o brilho individual ofuscando as relações que o constituem, devemos debitá-lo não à capacidade do indivíduo de “brilhar”, mas ao efeito do próprio “ofuscamento”.

O arquivista e a biógrafa

A última entrevista que Chiquinha Gonzaga concedeu à imprensa ocorreu em janeiro de 1935, cerca de um mês antes de seu falecimento. Quando o jornal Informação perguntou à maestrina quantas peças ela havia escrito, a resposta precisa veio de João Baptista Gonzaga. “Já tem 71 peças representadas”, contando com “mais cinco inéditas, sendo três operetas, uma peça sacra e uma de costumes”11 11 . “Cincoenta anos de gloria”, Informação, 13 jan. 1935. Na fala de João Baptista Gonzaga contam-se 76 peças, uma a menos do que afirmou Edinha Diniz (2009). . A última delas a ser encenada fora Maria, escrita por Viriato Correia e dirigida pela Companhia Brasileira de Teatro Musicado em 193312 12 . Informações retiradas do programa do espetáculo (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles). . A compositora, então com 87 anos, era muito ciosa de sua importância como produtora cultural no Brasil e fora dele. “Já fiz muito pelo nosso teatro e pela nossa música popular”, disse ela aos repórteres. “Escrevi não somente para os teatros brasileiros como para os de Portugal onde estive, regendo a orquestra no Teatro Avenida quando representaram ali minha fantasia: A bota do diabo, se bem me lembro.” Embora cansada de viagens, como ela mesma afirmara, a lembrança de suas conquistas mantinha-se dinâmica e respaldada pelo esforço cuidadoso de João Baptista de arquivar tudo em “um grande álbum de recortes de jornais” no qual havia “milhares de notícias da imprensa brasileira e portuguesa sobre a obra monumental da grande artista patrícia”13 13 . “Cincoenta anos de gloria”. Informação, 13 jan. 1935. .

O relacionamento entre João Baptista – ou “Joãozinho”, como era chamado na intimidade – e Chiquinha Gonzaga extravasa as fronteiras entre arquivista e arquivada. Central à construção do renome da maestrina, ele só veio a público décadas depois, com a biografia de Edinha Diniz (1984). Português de nascimento, João Baptista Fernandes Lage veio ao Brasil ainda criança acompanhado de um irmão e conheceu Chiquinha em 1899 nos saraus organizados pelo Clube Euterpe (atual Estudantina). Ela, apesar de solteira, mãe de quatro filhos e 36 anos a mais que Joãozinho, iniciou com ele um relacionamento amoroso que precisou lidar com os constrangimentos de uma moral sexual refratária a uniões intergeracionais nas quais a mulher ultrapassa o homem em idade. Apresentado à sociedade como filho caçula, foi somente após a morte de Chiquinha que João Baptista assumiu legalmente o sobrenome Gonzaga, e uma certidão de nascimento regularizou sua situação de imigrante ilegal, tornando-o herdeiro legítimo de Chiquinha Gonzaga14 14 . Ver Cesar (2015b) sobre a relação de Chiquinha Gonzaga e João Baptista e uma tentativa de repensar as categorias “mãe” e “filho” tais como mobilizadas e, sobretudo, performatizadas por ambos. Longe de pensar que haveria um tipo “verdadeiro” de vínculo (o afetivo-sexual) oposto a um “falso” (o maternal), o artigo mostra de que forma a ambiguidade foi constitutiva dessa relação. .

Assim, mais do que simplesmente acumular papéis que asseverassem o prestígio de sua companheira-mãe, a empreitada arquivística de Joãozinho mostrou-se, ao longo do tempo, algo além da mera reconstituição de um passado individual. Ao ocupar-se da seleção, organização e catalogação da correspondência e de manuscritos de Francisca Gonzaga, bem como de textos a seu respeito, o trabalho dele foi, direta e indiretamente, fundamental na constituição do legado da maestrina e, principalmente, das formas pelas quais apreendemos sua trajetória ainda hoje. Diretamente porque o material compilado por João Baptista durante décadas compõe o núcleo do Acervo Chiquinha Gonzaga, sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde 2005; indiretamente porque, antes de ganhar o estatuto de arquivo no sentido usual – o lugar contentor de verdades históricas não mediadas (Dirks, 2015DIRKS, Nicholas. (2015), Autobiography of an archive: a scholar’s passage to India. Nova York, Columbia University Press.) –, ele serviu de matéria-prima à primeira biografia publicada sobre a compositora, em 1939: Chiquinha Gonzaga: grande compositora popular brasileira, da folclorista Maria Luísa Lira de Araújo Lima (1899-1971), ou simplesmente Mariza Lira.

O caráter inaugural dessa obra chamou a atenção de diversos nomes relacionados à cultura brasileira nos anos 1930. Inevitavelmente, passou pelas mãos de Mário de Andrade, rendendo-lhe uma pequena menção por escrito no jornal O Estado de S. Paulo, em fevereiro de 1940. “O livro de Mariza Lira nos conta pela primeira vez vários passos interessantes da vida de Francisca Gonzaga”, comentava o sumo sacerdote do Modernismo paulista (Andrade, [1940] 1963, p. 332, grifos meus). Também a poetisa carioca Leonor Posada15 15 . Nascida em Cantagalo (RJ) em 1899, Leonor Posada dedicou-se, além da poesia, ao ensino da língua portuguesa durante quase toda sua vida, publicando diversos livros didáticos e manuais de redação (Felga, 2009). não se furtou a elogiar o trabalho da colega. “Valeu bem o trabalho de Mariza Lira: uma vida admirável numa não menos admirável biografia.”16 16 . “Clangores”, Revista Pranóve, jan. 1940, p. 17. Leonor Posada e Mariza Lira trabalhavam juntas na Sociedade Chiquinha Gonzaga, instituição criada com a finalidade de cultuar a memória da maestrina.

Privilegiando artistas urbanos, volta e meia vinculados ao ramo do entretenimento, a folclorista enveredou por domínios até então considerados “menores” pela historiografia cultural brasileira. Surgindo concomitantemente às reflexões de outros membros da chamada “primeira geração de historiadores da moderna música popular” (Moraes, 2012MORAES, José Geraldo Vinci de. (2012), “Entre a memória e a história da música popular”. In: MORAES, José Geraldo Vinci de & SALIBA, Elias Thomé (orgs.). História e música no Brasil. São Paulo, Alameda., p. 30), o trabalho de Mariza Lira buscava dissociar a noção de “música popular” da visão purista que recusava reconhecer nas manifestações urbanas qualquer autenticidade cultural. Com exceção de uma ou outra figura mais expressiva, tudo o que não remontasse à simplicidade idílica da vida rural, com suas formas musicais supostamente “originárias”, era tomado por um “verdadeiro rebaixamento de nível” (Andrade, [1940] 1963, p. 331) artístico. Não por acaso, falar sobre Chiquinha Gonzaga enaltecendo a um só tempo a ideia de um “ritmo nacional” (Lira, 1978LIRA, Mariza. ([1939] 1978), Chiquinha Gonzaga: grande compositora popular brasileira. Rio de Janeiro, Funarte., p. 52) sob a perspectiva da cidade parecia extremamente oportuno.

Se a maioria das atrizes e cantoras brasileiras precisou fazer do nome artístico uma espécie de “cartão de visitas” que lhes permitisse agenciar a “ausência ou presença de capital social, cultural ou artístico das famílias de onde se originavam” (Pontes, 2010PONTES, Heloisa. (2010), Intérpretes da metrópole: história social e relações de gênero no teatro e no campo intelectual (1940-1968). São Paulo, Edusp., p. 214, grifos da autora), com Francisca Gonzaga esse movimento partiu primeiramente da iniciativa alheia. Na verdade, a maestrina jamais assinou “Chiquinha”. Em todas as partituras que escreveu ou mesmo em sua correspondência pessoal, o prenome Francisca, inconfundivelmente registrado com sua caligrafia, denotava certa resistência em adotar o apelido com o qual público e crítica a batizaram. “Francisca Gonzaga é o seu nome. Chiquinha Gonzaga, como é ela conhecida”, esclarecia um jornal17 17 . “Chiquinha Gonzaga”, Diário de Notícias, 22 jan. 1935. ; outro procurava associar “o carinhoso apelido talvez devido ao seu tipo mignon e pela simplicidade do seu trato”18 18 . “Musicas de cincoenta annos passados revivendo cheias de frescura e vivacidade”, Correio da Manhã, 17 jan. 1935. ; um terceiro chegava a sugerir que

Quando o nosso público […] conhece os seus artistas através dos seus apelidos de intimidade, é que esses artistas, pela sua atuação brilhante, pelo valor incontestável da sua obra, merecem a sua admiração. D. Francisca Gonzaga é para esse público – Chiquinha Gonzaga. Somente19 19 . “Chiquinha Gonzaga tem cinco operetas inéditas”, Diário da Noite, 18 out. 1925. .

É difícil precisar o momento em que “Chiquinha” surgiu pela primeira vez. Na inauguração de seu retrato, em outubro de 1925, o mestre de cerimônias Avelino de Andrade remonta-o a um passado longínquo quando diz que “Por esse nome a todos atendia, num sorriso amigo. Chiquinha para toda a vida20 20 . Boletim Mensal, p. 95, grifos meus. , sugerindo uma presença marcante do apelido já na infância. Na visão de Avelino de Andrade, por não ser propriamente um nome artístico inventado com propósitos específicos de carreira, ele pertenceria à compositora desde sempre, dando a impressão de que a mulher e a artista emergiram simultânea e naturalmente de sua personalidade como um “sorriso amigo”. De maneira semelhante, em outros documentos da época, a permutabilidade entre os dois nomes alude retoricamente a um domínio da intimidade da maestrina o qual se era convidado a conhecer sem muitas cerimônias.

No entanto, supor que Francisca Gonzaga passou ao largo dos mecanismos simbólicos que vinculam a identidade social do artista à lógica da nomeação é alijá-la de uma consciência de si que ela provou ter em outros âmbitos de sua vida, ao passo que é também observar os processos de consagração artística com olhos demasiadamente ingênuos. A começar pela escolha do sobrenome paterno “Gonzaga”, preferido em relação aos demais. Segundo consta em sua certidão de óbito21 21 . CG_69_35_001 (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles). , Francisca Edwiges Neves Gonzagado Amaral conservou até a morte o nome de casada, embora jamais tenha assinado qualquer obra sua dessa forma. Se, por um lado, é possível inferir desse gesto certa renúncia da parte de Chiquinha em assumir, perante seus pares artísticos, o lugar da esposa que, ao ser “renomeada” no ritual do matrimônio, permanece à sombra do marido22 22 . Este fenômeno foi exemplarmente analisado por Mariza Corrêa (2003) a propósito das relações e assimetrias de gênero dentro do campo intelectual brasileiro. , é igualmente cabível ponderar sobre os benefícios inerentes a ser uma Gonzaga em plena Belle Époque.

Heloisa Pontes, detendo-se nas “conexões entre corpo, marca, nome e renome” (2004, p. 231) inscritas no campo da produção cultural paulista da segunda metade do século XX, sublinhou a importância das estratégias de nomeação empreendidas pelas atrizes do teatro moderno em seus processos de consagração. Se o uso de certos nomes sinalizava a presença de um capital cultural/artístico herdado – caso da atriz Bibi Ferreira, filha do também ator Procópio Ferreira –, recusá-los denotava a mesma preocupação individual, e ao mesmo tempo coletiva, em “fazer um nome” no universo cultural23 23 . Um bom exemplo é o das irmãs Cacilda e Cleyde Becker Yáconis, ambas atrizes renomadas que adotaram cada uma um sobrenome em suas carreiras. .

No caso de Chiquinha, tanto para ela quanto para seus irmãos, o sobrenome Gonzaga era sinônimo de distinção. O avô paterno, Feliciano José Neves Gonzaga (1791-1869), havia chegado ao topo da hierarquia militar, galgando o posto de Brigadeiro do Exército Brasileiro e reorientando o destino social da família aos moldes de uma elite arrivista e relativamente instruída24 24 . É bem possível que Feliciano José Neves Gonzaga não viesse de uma família aristocrática. Segundo Sérgio Buarque de Holanda (1997), o aumento considerável de oficiais nas forças armadas durante as primeiras décadas do século XIX indicava mudanças em seu perfil de recrutamento, que agora passava a acolher jovens de origens sociais diferentes. Além da laureada carreira militar, Feliciano José casou-se com Joana Perpétua de Costa Barros, prima da avó de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias (Diniz, 2009, pp. 48-49). . Seguindo os mesmos passos de Feliciano, seu filho José Basileu se formou engenheiro pela Real Academia Militar, onde posteriormente foi condecorado com a patente de Marechal de Campo25 25 . Até 1874, a Real Academia Militar era a única escola de engenharia do Brasil (Holanda, 1997, p. 238). . Assim, a geração de Chiquinha pôde usufruir das benesses oriundas da boa reconversão do capital simbólico que circulava entre os Neves Gonzaga. Além dela, seu irmão José Basileu Neves Gonzaga Filho (1850-1931), o “Juca”, também era uma figura pública: conhecido como “Dr. Gonzaga Filho”, graduou-se na Imperial Escola de Medicina do Rio de Janeiro, chegando à posição de cônsul em países como Canadá, Inglaterra e Japão26 26 . “A morte do Dr. Gonzaga Filho”, Diário Carioca, 10 set. 1931. .

Portanto, se “as oportunidades disponíveis para um indivíduo dependiam de sua posição na família e da posição desta na hierarquia política e econômica local” (Needell, 1993NEEDELL, Jeffrey. (1993), Belle époque tropical. São Paulo, Companhia das Letras., pp. 143-144), o uso do sobrenome “Gonzaga” sinalizava um passo à frente em uma sociedade de privilégios e profundamente estratificada, correspondendo a uma lógica de autorreconhecimento e distinção social da elite carioca da qual Chiquinha dificilmente conseguiria desviar. Levada a uma condição de marginalidade relativa, em que uma situação econômica adversa contrastava com o cabedal da “boa família”, portar, ainda apenas na assinatura, as insígnias dessa classe privilegiada era-lhe inescapável na busca cotidiana por trabalho.

Tal posição intermediária entre uma Chiquinha amistosa e uma Gonzaga ilustre foi astutamente observada por Mariza Lira e transformada em um catalisador simbólico capaz de, literalmente, “dar nome” a uma trajetória e seus desvios. Ao referir-se a ela simplesmente como “Chiquinha” ao longo de sua obra, a biógrafa evoca uma persona27 27 . Para Marcel Mauss (2003), a noção de pessoa, ubíqua em nossa vida social, moral e jurídica, remontaria à figura da persona dramatis, espécie de máscara ritual própria das civilizações latinas e posteriormente vinculada ao direito romano enquanto seu fato fundamental. A noção de pessoa, ainda segunda Mauss, chegaria à atualidade também na qualidade de um ser moralmente consciente e com dimensão psicológica. Com base nisso, o antropólogo Luís Felipe Sobral (2015), ao analisar a trajetória do ator norte-americano Humphrey Bogart, relaciona o argumento de Mauss à construção social da persona cinematográfica da estrela de Hollywood. Neste caso, a persona estaria mediada tanto pela representação cênica do ator quanto pelos olhos do público que, familiarizado com os princípios cognitivos daquele tipo específico de cinema, projetariam suas expectativas em Bogart, fazendo-o sempre duplo de si mesmo. Acredito que quando falamos sobre Chiquinha Gonzaga, há também uma persona em ação. Produto da relação entre sua biógrafa, Mariza Lira, e das regras específicas do campo da produção cultural, a persona de Chiquinha Gonzaga mover-se-ia entre a encarnação feminina de um ideal nacionalista, que vê na “música popular brasileira” um de seus bastiões, e a mulher “à frente de seu tempo”, combativa dos preconceitos de gênero e de classe e dona de uma personalidade audaciosa. inscrita na dupla relação entre categorias sociais e temporais – ou, se quisermos, entre “povo” e “elite” e “passado” e presente”. E foi com essa estratégia narrativa que tanto Mariza Lira quanto João Baptista conseguiram controlar os aspectos “biografáveis” da grande compositora popular brasileira.

É bem provável que Mariza Lira e João Baptista tenham se conhecido em 1935, logo após a morte de Chiquinha. Vivendo ilegalmente no Brasil talvez desde a infância e desprovido de documentos que lhe comprovassem a identidade, Joãozinho encontrava-se em situação de extrema vulnerabilidade. Até que sua filiação com Chiquinha e Jacinto Ribeiro do Amaral fosse regularizada – como consta na certidão de nascimento de 1936 –, qualquer tentativa de exercer seus direitos de filho e herdeiro expunha-o ao perigo do desmascaramento. Graças à vasta experiência no mercado fonográfico, adquirida no período em que fora da Diretoria Administrativa da SBAT e sócio da fábrica de discos Lacombe & Cia28 28 . A sociedade entre João Baptista e Paulo Lacombe vigorou de 1º de março de 1920 a 22 de agosto de 1922. CG_52_100_001 (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles). , Joãozinho conseguiu emprego na famosa Casa Edison, empresa de seu antigo conhecido Fred Figner29 29 . A relação entre João Baptista e Frederico Figner remonta ao início do século XX, quando Chiquinha Gonzaga, em viagem à Europa, “parou numa loja de músicas, entrou, folheou exemplares e encontrou nada menos do que isto: algumas composições musicais de sua autoria” (Bittencourt apudDiniz, 2009, p. 240). Concluindo que fora Fred Figner que autorizara as publicações sem sua permissão, Chiquinha incumbiu Joãozinho, à época funcionário da Casa Buschmann & Guimarães, de tratar da questão diretamente com o seu causador. . Homem simples e reservado, o trabalho lhe deu condições de manter-se até que pudesse gozar de todos os privilégios, materiais e simbólicos, de ser um legítimo Gonzaga.

De origem abastada, Mariza Lira formou-se na Escola Normal do Rio de Janeiro, onde conheceu Leonor Posada e outras mulheres ligadas ao movimento feminista. Contando 35 anos e uma separação conjugal, ela ganhava a vida como professora e morava nos arredores da Cinelândia com a filha, Luísa Aparecida, e a afilhada, Luísa Maria. As circunstâncias do relacionamento com João Baptista são relembradas por esta última em uma entrevista relativamente recente, conduzida por Edinha Diniz e Wandrei Braga30 30 . Em uma conversa, o pianista e pesquisador Wandrei Braga contou-me sobre o interesse em procurar dona Luísa, a afilhada de Mariza Lira: “Estava eu à procura do broche de Chiquinha, Edinha já tinha procurado por ele na época da pesquisa, mas não o encontrou. Em uma visita a Edinha no Rio, perguntei como poderíamos encontrar uma pista sobre o broche, ela disse que a única pessoa que poderia dar essa notícia seria a filha de Mariza Lira, se eu não me engano, Edinha tinha a informação de que Joãozinho dera o broche a Mariza Lira em gratidão pela biografia que ela teria escrito em homenagem a Chiquinha. Foi uma surpresa, Edinha me disse o nome da filha de Mariza e foi em busca de um catálogo de telefone e eu fui para a internet. Achei em um site de catálogo telefônico on-line o nome que poderia corresponder à filha de Mariza. Ligamos e confirmamos, foi uma grande surpresa. Uma amiga de Dona Luiza, Mara, ajudou a organizar o encontro, que foi no Palácio do Catete no dia seguinte do telefonema. Daí pra frente as revelações estão no áudio. Também fiz uma matéria para o site ChiquinhaGonzaga.com sobre a descoberta do broche”. . Segundo “Dona Luísa”, como gostava de ser chamada, Joãozinho entregou diretamente à sua madrinha fotos, cartas, recortes de jornal e, inclusive, um broche pertencente à própria Chiquinha Gonzaga, que acabou permanecendo com Mariza Lira.

“Ele não saía lá de casa”, confessa a entrevistada, “e conversava com a Dindinha [Mariza Lira] só sobre Chiquinha Gonzaga.” As visitas constantes pareciam ter um objetivo muito claro para todos os envolvidos: enquanto Mariza “tomava nota” de tudo aquilo que João Baptista relatava sobre si e a mãe, sua filha operava a máquina de escrever, passando a limpo as preciosas informações. À Dona Luísa, que era apenas uma menina de oito anos, cabia observar passivamente a cena com a pouca liberdade escusada às crianças daquele tempo, tirando dela suas impressões sobre o senhor “baixinho e muito simples” que frequentava cotidianamente sua casa. Para ela, não havia dúvida acerca da relação entre Joãozinho e Chiquinha Gonzaga. “Ah! Aquela mãe pra ele era tudo!”, opinava Dona Luísa em tom seguro. A controvérsia, que só chegaria a seus ouvidos muito tempo depois, era algo absolutamente interditado a seu universo de escuta silenciosa. “A criança naquele tempo não é como a de hoje”31 31 . Todas as citações foram transcritas diretamente do áudio da entrevista. Agradeço especialmente a Wandrei Braga e a Edinha Diniz por permitirem sua utilização nesta pesquisa. , arrematava ela, justificando seu desconhecimento.

De fato, construir uma narrativa que fixasse definitivamente a ilustre maestrina como protagonista e seu filho caçula como um devotado coadjuvante era o principal interesse de João Baptista. O acesso a documentos e informações de toda sorte, meticulosamente catalogados por Mariza Lira em fichas datilografadas32 32 . Em um total de dez fichas, Mariza inventariou as 77 partituras de Chiquinha Gonzaga para o teatro, as matérias em revistas e jornais mencionando a maestrina, as conferências feitas em sua memória, instituições às quais ela era vinculada, iconografia, retratos, estátuas e medalhas (incluindo o broche de ouro com observação feita à caneta “propriedade de D. Mariza Lira”. CG_51_01_018-129 (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles). , consistia na matéria-prima por excelência desse empreendimento biográfico que intentava fazer da primeira a “Grande Compositora Popular Brasileira” daquele tempo, e do segundo “Exemplo admirável de dedicação filial”33 33 . A biografia é dedicada “Ao Sr. João Batista (sic) Gonzaga. Exemplo admirável de dedicação filial” (1978, p. 5). . Mas a minúcia da pesquisadora não superava a do informante, que havia ele próprio ordenado todo o material em pastas categorizadas antes de entregá-las à folclorista. Ao proceder assim, ele deteve o controle sobre o que seria consultado e averiguado por Mariza Lira, tomando o cuidado de não incluir em seu acervo qualquer pista que a desviasse de sua narrativa.

No limite, embora seja impossível saber se Mariza compartilhava com a afilhada a opinião sobre Joãozinho e Chiquinha, o modo como a biógrafa descreve a relação dos dois, nas poucas vezes em que é mencionada, indica a presença irrefutável do ponto de vista de João Baptista. Tal cumplicidade se revelaria mutuamente benéfica para ambos: para o filho redimido, as páginas de um livro representariam um acerto de contas com o passado, reorientando sua trajetória no futuro; para a pesquisadora da música popular urbana, a publicação da biografia – gênero literário até então reservado aos grandes nomes do mundo erudito, mas que “se tornaria regra a partir dos anos 60-70” (Moraes, 2012MORAES, José Geraldo Vinci de. (2012), “Entre a memória e a história da música popular”. In: MORAES, José Geraldo Vinci de & SALIBA, Elias Thomé (orgs.). História e música no Brasil. São Paulo, Alameda., p. 233) – a consagraria na área dos estudos folclóricos e na historiografia cultural brasileira.

A construção social do pioneirismo e sua eficácia

Quando participou da fundação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, Chiquinha Gonzaga partilhava com os demais membros o desejo de ver o ofício artístico profissionalizar-se. A possibilidade de viver exclusivamente de música – condição anteriormente restrita a uma ínfima minoria de pessoas próximas ao Imperador – adequava-se ao direcionamento liberal conduzido pela ordem política republicana e, consequentemente, implicava a regulamentação efetiva da profissão. Como mulher e compositora profissional, Chiquinha precisava lidar com os embaraços de uma ordem cultural hegemônica que identificava criatividade e autonomia à masculinidade; como filha da elite vivendo em condições materiais relativamente precárias, fruto da ruptura precoce com o meio familiar, ela sentia na pele os efeitos do trabalho ininterrupto e da instabilidade financeira.

Particularidades desse tipo ganharão destaque nas mãos de Avelino de Andrade, Mariza Lira e demais biógrafos, outorgando a Chiquinha Gonzaga uma voz questionadora das convenções de gênero e de classe típicas de seu tempo, mas fiel às convenções musicais: sua fluência em gêneros instrumentais como a polca e o maxixe, apreciados por diferentes grupos sociais na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX (Carvalho, 2013CARVALHO, Bruno. (2013), Porous city: a cultural history of Rio de Janeiro. Liverpool, Liverpool University Press.), representava uma fonte segura tanto de sustento quanto de prestígio. Talvez por isso as composições de Chiquinha fora do registro popular, como “Marcha fúnebre”, de 1879, sejam menos conhecidas. De todo modo, o investimento de seus biógrafos/as em torná-la dona de uma vontade emancipadora deve ser compreendido à luz dos interesses da classe artística que, como estratégia de autolegitimação, afirmavam a um só tempo a liberdade da maestrina e sua convicção a certo tipo de arte: a música popular

É justamente essa “ruptura simples” – termo empregado por Beatriz Sarlo ao lidar com trajetórias de escritoras na Argentina dos anos 1920 – que motivará a Sociedade a transformar a vida de Chiquinha Gonzaga em história. Encarnando o ethos do autor popular moderno, as narrativas biográficas sobre a maestrina recairão não sobre a excepcionalidade de sua obra, mas sim de sua vida, reorientando-a sob a ideologia do esforço pessoal. Em um momento em que a categoria “gênio” era vetada às mulheres artistas por aludir a uma capacidade criativa socialmente sancionada aos homens, Chiquinha era, acima de tudo, uma trabalhadora incansável, qualidade que expressará na íntegra os interesses de uma instituição preocupada não com as “inovações da vanguarda” de uma elite artística e intelectual, mas com a conscientização de uma classe do entretenimento nacional cuja produção fosse “comunicável, exemplar e bem-sucedida” (Sarlo, 2010SARLO, Beatriz. (2010), Modernidade periférica: Buenos Aires 1920 e 1930. São Paulo, Cosac Naify., p.148). A consagração da maestrina terá como princípio, portanto, a transformação desse interesse corporativista no desinteresse de quem “poderia deslizar sobre rosas, mas preferiu caminhar sobre espinhos” em prol da “Arte” (Lira, 1978LIRA, Mariza. ([1939] 1978), Chiquinha Gonzaga: grande compositora popular brasileira. Rio de Janeiro, Funarte., p. 15).

Portanto, o consenso acerca de seu papel pioneiro frente aos artistas da época não será construído com base em argumentos estéticos, mas sim morais: longe de engajar-se em empreitadas vanguardistas, explorando os limites formais da arte, a música de Chiquinha Gonzaga era, segundo Mário de Andrade, “simples sem atingir o banal” e “fácil sem atingir a boçalidade” (Andrade, [1940] 1963, p. 331). Trabalhando incessantemente no teatro e fora dele, sua obra representava um modo de fazer música no qual a ideia de autoria delineada nas relações internas ao campo da produção cultural constituía a noção do compositor popular moderno.

Igualmente popular será seu pioneirismo. Para qualquer artista, a necessidade estrutural de ser reconhecido como autor passará a ser vital dentro de um mercado musical em vias de ampliação, diversificação e competição. Denúncias como as relativas a Donga tornar-se-ão cada vez mais recorrentes na boca de compositores indignados com as injustiças cometidas pelo “Império do Plágio” (Guimarães, 1933GUIMARÃES, Francisco (Vagalume). (1933), Na roda do samba. Rio de Janeiro, Tipografia São Bento.) deflagrado pela incipiente indústria musical carioca. Consciente dessa realidade desfavorável, Francisca Gonzaga soube direcionar sua carreira artística de modo a estabelecer-se enquanto autora profissional, mas, para isso, a garantia dos direitos autorais, sem os quais ela não se manteria, precisava alçar o patamar de uma luta.

Junto à bandeira do direito autoral, a SBAT hasteará Francisca Gonzaga como signo de luta e emblema dessa dinâmica. Nesse sentido, o consentimento da “padroeira” da instituição foi central na transformação de sua vida em história. Partindo da seleção precisa de aspectos de sua trajetória – como a herança patriótica e a abnegação ascética –, a maestrina receberá em vida “o prêmio da divindade” (Boletim Mensal, 1925, p. 92) às custas de uma transfiguração simbólica. Para ganhar legitimidade frente ao poder público e aos membros da sociedade civil, a SBAT precisou criar sua criadora, transferindo-lhe a “denegação da economia” (Bourdieu, 2008BOURDIEU, Pierre. (2008), A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre, Zouk.) inerente ao campo da produção cultural e imputando-lhe um desinteresse próprio de quem era “tão boa que era má para si mesma” (Boletim Mensal, 1925, p. 95). Agindo assim, a instituição encontraria meios de atingir seus objetivos em prol “dos interesses dos autores”, enquanto a autora chegava ao ápice de sua consagração.

O pioneirismo, espécie de denominador comum das investidas biográficas sobre a maestrina, padece dos mesmos equívocos acerca de uma “excepcionalidade feminina” que privilegiam algumas mulheres enquanto sentenciam outras à vala comum da trivialidade34 34 . É possível aproximar Francisca Gonzaga da poetisa Alfonsina Storni (1892-1938), escritora suíça que fez carreira na Argentina dos anos 20. Com vinte anos, grávida e solteira, a jovem adentrou à efervescência cultural com uma formação irregular e distante do pensamento vanguardista da capital. No entanto, se sua escrita era considerada ultrapassada pelos correligionários de Jorge Luis Borges, sua atitude diante das injunções da vida (e das marcas de classe e gênero) cativou a opinião de um público leitor que, tal como ela, questionava “uma moral convencional sobre a possibilidade social de diferentes identidades femininas” (Sarlo, 2010, p, p. 148). Chiquinha Gonzaga e Alfonsina Storni ocupam posições análogas na estrutura social. A primeira, notabilizando-se por uma vida pessoal recheada de reviravoltas picantes e pelo estilo musical “simples sem ser banal”; a segunda, afirmando-se “como sujeito ousado, em rivalidade com os homens da profissão, pronta a peitar infrações à moral vigente e a protagonizar as relações amorosas” (Miceli, 2010, p, p. 12), mas sem uma escrita inovadora. De fato, a ruptura moral que ambas provocaram aos olhos dos outros funcionará em suas trajetórias como contraponto às expectativas sociais referentes a relações de gênero. . A “exclusão, peremptória, da memória e, por conseguinte, da própria história” (Simioni, 2008SIMIONI, Ana Paula. (2008), Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras. São Paulo, Edusp., p. 25), ao revelar-se um dispositivo que perpetua no tempo relações de poder objetivas, ecoa nitidamente na noção de pioneirismo.

Ao fornecer a Mariza Lira o material de pesquisa necessário para a escrita de Chiquinha Gonzaga: grande compositora popular brasileira, João Baptista conseguiu coordenar uma narrativa que corroborasse seus interesses, ao passo que deu à jovem folclorista a chance de escrever uma biografia original a respeito de um nome da música popular. A negociação acerca dos aspectos “biografáveis” da vida de Chiquinha Gonzaga se expressa na obra de Mariza Lira através de estratégias discursivas que, enfatizando sua capacidade de vencer “preconceitos da sociedade do seu tempo”, conferem-lhe um “pioneirismo” insuspeito, capaz de “servi[r] de exemplo às outras mulheres temerosas” (Lira, 1978, p. 16).

Essa “tensão constante entre ser e parecer”, reconhecida por François Dosse (2009DOSSE, François. (2009), O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo, Edusp., p. 138) no gênero hagiográfico, dirige-se não à personagem cuja vida se deseja reconstituir em pormenores, mas sim ao leitor/a. Identificando em Chiquinha um “destino” que determinaria sua trajetória rumo ao sucesso, Avelino de Andrade e Mariza Lira não tiveram a intenção de “acompanha[r] uma evolução no tempo das potencialidades do indivíduo” (Dosse, 2009DOSSE, François. (2009), O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo, Edusp., p. 138), mas sim de postular uma origem edificante comprovada no decorrer da narrativa. O conhecimento objetivo dá lugar à interpretação subjetiva; a contextualização histórica dá lugar à sensação de transcendência.

A ideia de que Chiquinha Gonzaga foi uma mulher “à frente do seu tempo”35 35 . De todas as expressões elogiosas sobre Chiquinha Gonzaga com as quais tive contato durante a pesquisa, essa se destacou devido a sua ubiquidade. O(a) leitor(a) pode encontrá-la, por exemplo, nos sites: https://www.facebook.com/MIS.RJ/posts/900470699991111, http://www.orquestracriancacidada.org.br/verMateria.php?id=263, http://www.alagoas24horas.com.br/876052/classicos-de-chiquinha-gonzaga-em-apresentacao-gratuita-para-o-publico-maceioense/, http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/672. incide diretamente sobre nossa imaginação histórica, desatando sua trajetória das relações sociais que a constituíram e reduzindo a “sociedade” ao papel de entidade coercitiva e repressora que, no limite, agiria em prol de uma ordem social machista e contra o sucesso de uma mulher. Entretanto, se nossa compositora pôde abandonar companheiros e filhos e, paralelamente, dedicar-se à carreira artística, ela não o fez a despeito do social, mas devido a ele: a capacidade de atuar profissionalmente em meio a constrangimentos de ordem material e simbólica deve ser lida não como transgressão de natureza individual, mas como movimento, parte consciente e parte inconsciente, de um sujeito pelos espaços relacionais nos quais era possível transitar. Atributo constante das biografias de Chiquinha Gonzaga, o apagamento desse jogo relacional deve ser levado em conta como estratégia que promove e legitima, além da personagem principal, os/as coadjuvantes indispensáveis ao processo de construção dessa vida em história.

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  • 1
    . Arquivo pessoal de Edinha Diniz.
  • 2
    . O Malho, n. 1173, 7. mar. 1925.
  • 3
    . Na seção intitulada “O Theatro no Centenário”, do Relatório de 1920, a diretoria da SBAT comenta sobre seu papel no processo de transformação do Teatro S. Pedro em Teatro Nacional junto ao prefeito Carlos Sampaio e a Coelho Neto, à época diretor da Escola Dramática. O projeto, frustrado inúmeras vezes por “contingências da política” (p. 14), só poderia ter êxito, no entendimento da SBAT, se o poder público “federal ou municipal” se encarregasse da subvenção do teatro e deixasse a organização do mesmo a cargo da Sociedade.
  • 4
    . Somente em 1920, o número de sócios passou de 186 para “quasi 900” (Relatório da Sociedade Brasileira de Autores Theatraes, referente ao anno de 1920 [CG_51_06_045. Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles]).
  • 5
    . Para um tratamento das biografias escritas sobre a compositora, ver Cesar (2012CESAR, Rafael do Nascimento. (2012), “Compondo Chiquinha: para uma análise antibiográfica”. Primeiros Estudos (3): 44-63., 2013CESAR, Rafael do Nascimento. (2013), “Alas a luas brancas: gênero, performance e música em Chiquinha Gonzaga”. Primeiros Estudos (4): 24-33.). São elas: Chiquinha Gonzaga: grande compositora popular brasileira, de Mariza Lira (1939); A pioneira Chiquinha Gonzaga, de Geysa Bôscoli (1973); Chiquinha Gonzaga: uma história de vida, de Edinha Diniz (1984; 2009); A memória social de Chiquinha Gonzaga, de Cleusa de Souza Millan (2000)MILLAN, Cleusa de Souza. (2000), A memória social de Chiquinha Gonzaga. Rio de Janeiro, Autora., Chiquinha Gonzaga: sofri e chorei. Tive Muito Amor, de Dalva Lazaroni (1999)LAZARONI, Dalva. (1999), Chiquinha Gonzaga: sofri e chorei. Tive muito amor. Rio de Janeiro, Nova Fronteira., e A jovem Chiquinha Gonzaga, de Ayrton Mugnaini (2005)MUGNAINI, Ayrton. (2005), A jovem Chiquinha Gonzaga. São Paulo, Nova Alexandria..
  • 6
    . Reconhecida ao longo do século XIX como gênero literário “impuro” e até mesmo uma “desfavorecida da história” (Dosse, 2009DOSSE, François. (2009), O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo, Edusp.) por transgredir impudicamente as fronteiras da descrição realista e da ficção, a biografia atualmente goza de relevância heurística entre historiadores(as) e cientistas sociais interessados(as) no imbricamento do “social” com o “individual” ou, em um sentido mais preciso, da “estrutura” com a “agência”. Desde sua feição mais laudatória e psicologizante até a mais crítica e sociológica, o interesse pela biografia pode ser justificado pela especificidade de sua unidade descritiva. O ato, hoje solitário, de ler sobre outrem produz, em boa parte das pessoas, senão uma identificação com o(a) biografado(a), ao menos uma empatia para com ele(a) porque ler sobre uma vida outra nos deixa às voltas com nossa própria existência no mundo e nos faz imaginar as possibilidades de uma outra vida.
  • 7
    . Baseio-me aqui na forma notável como Norbert Elias (1994b) lida com a trajetória do compositor Wolfgang Amadeus Mozart e a relação ambivalente deste com a sociedade de corte austríaca.
  • 8
    . Durante o final da década de 1910 até 1923, Heitor Villa-Lobos fora fortemente influenciado pelo francês Claude Debussy (1862-1918), cujo trabalho causava estranhamento aos compositores brasileiros que, como Alberto Nepomuceno e Oscar Guanabarino, ainda creditavam à lírica de Wagner e à didática de D’Indy o suprassumo da arte musical. Contudo, em matéria de vanguarda, Debussy não figurava mais entre os compositores mais expressivos. Jovens como Igor Stravinsky e o Grupo dos Seis começavam a despontar com trabalhos arrojados e originais, que muito inspirariam Villa-Lobos em sua viagem a Paris.
  • 9
    . Facultar ao tratamento de arquivos e fontes escritas o mesmo rigor epistemológico despendido àquilo que se convencionou chamar “trabalho de campo” constitui uma tarefa recente e desafiadora para a antropologia. A ideia de que os arquivos representam um “mero repositório de informações” das quais o antropólogo faz uso para reconstituir uma “verdade” sobre algo é afastada em prol de um método atento à produção das fontes documentais como expressões de poder e prestígio social. Nesse sentido, o trabalho de Heloisa Pontes (1998PONTES, Heloisa. (1998), Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo, Companhia das Letras., 2010PONTES, Heloisa. (2010), Intérpretes da metrópole: história social e relações de gênero no teatro e no campo intelectual (1940-1968). São Paulo, Edusp.) foi essencial à minha pesquisa na desconstrução (e historicização) da “neutralidade das fontes”.
  • 10
    . Conferir também Destinos mistos (1998), da mesma autora, acerca das inflexões de gênero no campo intelectual paulista nas décadas de 1940 e 1950.
  • 11
    . “Cincoenta anos de gloria”, Informação, 13 jan. 1935. Na fala de João Baptista Gonzaga contam-se 76 peças, uma a menos do que afirmou Edinha Diniz (2009)DINIZ, Edinha. ([1984] 2009), Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Zahar/IMS..
  • 12
    . Informações retiradas do programa do espetáculo (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles).
  • 13
    . “Cincoenta anos de gloria”. Informação, 13 jan. 1935.
  • 14
    . Ver Cesar (2015b) sobre a relação de Chiquinha Gonzaga e João Baptista e uma tentativa de repensar as categorias “mãe” e “filho” tais como mobilizadas e, sobretudo, performatizadas por ambos. Longe de pensar que haveria um tipo “verdadeiro” de vínculo (o afetivo-sexual) oposto a um “falso” (o maternal), o artigo mostra de que forma a ambiguidade foi constitutiva dessa relação.
  • 15
    . Nascida em Cantagalo (RJ) em 1899, Leonor Posada dedicou-se, além da poesia, ao ensino da língua portuguesa durante quase toda sua vida, publicando diversos livros didáticos e manuais de redação (Felga, 2009FELGA, Tatiana Emanuele Brito. (2009), Manuais de redação de Leonor Posada: as concepções de língua e as propostas de ensino para a produção textual. São Paulo, dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.).
  • 16
    . “Clangores”, Revista Pranóve, jan. 1940, p. 17. Leonor Posada e Mariza Lira trabalhavam juntas na Sociedade Chiquinha Gonzaga, instituição criada com a finalidade de cultuar a memória da maestrina.
  • 17
    . “Chiquinha Gonzaga”, Diário de Notícias, 22 jan. 1935.
  • 18
    . “Musicas de cincoenta annos passados revivendo cheias de frescura e vivacidade”, Correio da Manhã, 17 jan. 1935.
  • 19
    . “Chiquinha Gonzaga tem cinco operetas inéditas”, Diário da Noite, 18 out. 1925.
  • 20
    . Boletim Mensal, p. 95, grifos meus.
  • 21
    . CG_69_35_001 (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles).
  • 22
    . Este fenômeno foi exemplarmente analisado por Mariza Corrêa (2003) a propósito das relações e assimetrias de gênero dentro do campo intelectual brasileiro.
  • 23
    . Um bom exemplo é o das irmãs Cacilda e Cleyde Becker Yáconis, ambas atrizes renomadas que adotaram cada uma um sobrenome em suas carreiras.
  • 24
    . É bem possível que Feliciano José Neves Gonzaga não viesse de uma família aristocrática. Segundo Sérgio Buarque de Holanda (1997)HOLANDA, Sérgio Buarque de. (1997), História geral da civilização brasileira. Vol. II: O Brasil Monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil., o aumento considerável de oficiais nas forças armadas durante as primeiras décadas do século XIX indicava mudanças em seu perfil de recrutamento, que agora passava a acolher jovens de origens sociais diferentes. Além da laureada carreira militar, Feliciano José casou-se com Joana Perpétua de Costa Barros, prima da avó de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias (Diniz, 2009DINIZ, Edinha. ([1984] 2009), Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Zahar/IMS., pp. 48-49).
  • 25
    . Até 1874, a Real Academia Militar era a única escola de engenharia do Brasil (Holanda, 1997HOLANDA, Sérgio Buarque de. (1997), História geral da civilização brasileira. Vol. II: O Brasil Monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil., p. 238).
  • 26
    . “A morte do Dr. Gonzaga Filho”, Diário Carioca, 10 set. 1931.
  • 27
    . Para Marcel Mauss (2003)MAUSS, Marcel. (2003), “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de ‘eu’”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac Naify., a noção de pessoa, ubíqua em nossa vida social, moral e jurídica, remontaria à figura da persona dramatis, espécie de máscara ritual própria das civilizações latinas e posteriormente vinculada ao direito romano enquanto seu fato fundamental. A noção de pessoa, ainda segunda Mauss, chegaria à atualidade também na qualidade de um ser moralmente consciente e com dimensão psicológica. Com base nisso, o antropólogo Luís Felipe Sobral (2015)SOBRAL, Luís Felipe. (2015), Bogart duplo de Bogart: pistas da persona cinematográfica de Humphrey Bogart. São Paulo, Terceiro Nome., ao analisar a trajetória do ator norte-americano Humphrey Bogart, relaciona o argumento de Mauss à construção social da persona cinematográfica da estrela de Hollywood. Neste caso, a persona estaria mediada tanto pela representação cênica do ator quanto pelos olhos do público que, familiarizado com os princípios cognitivos daquele tipo específico de cinema, projetariam suas expectativas em Bogart, fazendo-o sempre duplo de si mesmo. Acredito que quando falamos sobre Chiquinha Gonzaga, há também uma persona em ação. Produto da relação entre sua biógrafa, Mariza Lira, e das regras específicas do campo da produção cultural, a persona de Chiquinha Gonzaga mover-se-ia entre a encarnação feminina de um ideal nacionalista, que vê na “música popular brasileira” um de seus bastiões, e a mulher “à frente de seu tempo”, combativa dos preconceitos de gênero e de classe e dona de uma personalidade audaciosa.
  • 28
    . A sociedade entre João Baptista e Paulo Lacombe vigorou de 1º de março de 1920 a 22 de agosto de 1922. CG_52_100_001 (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles).
  • 29
    . A relação entre João Baptista e Frederico Figner remonta ao início do século XX, quando Chiquinha Gonzaga, em viagem à Europa, “parou numa loja de músicas, entrou, folheou exemplares e encontrou nada menos do que isto: algumas composições musicais de sua autoria” (Bittencourt apudDiniz, 2009DINIZ, Edinha. ([1984] 2009), Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Zahar/IMS., p. 240). Concluindo que fora Fred Figner que autorizara as publicações sem sua permissão, Chiquinha incumbiu Joãozinho, à época funcionário da Casa Buschmann & Guimarães, de tratar da questão diretamente com o seu causador.
  • 30
    . Em uma conversa, o pianista e pesquisador Wandrei Braga contou-me sobre o interesse em procurar dona Luísa, a afilhada de Mariza Lira: “Estava eu à procura do broche de Chiquinha, Edinha já tinha procurado por ele na época da pesquisa, mas não o encontrou. Em uma visita a Edinha no Rio, perguntei como poderíamos encontrar uma pista sobre o broche, ela disse que a única pessoa que poderia dar essa notícia seria a filha de Mariza Lira, se eu não me engano, Edinha tinha a informação de que Joãozinho dera o broche a Mariza Lira em gratidão pela biografia que ela teria escrito em homenagem a Chiquinha. Foi uma surpresa, Edinha me disse o nome da filha de Mariza e foi em busca de um catálogo de telefone e eu fui para a internet. Achei em um site de catálogo telefônico on-line o nome que poderia corresponder à filha de Mariza. Ligamos e confirmamos, foi uma grande surpresa. Uma amiga de Dona Luiza, Mara, ajudou a organizar o encontro, que foi no Palácio do Catete no dia seguinte do telefonema. Daí pra frente as revelações estão no áudio. Também fiz uma matéria para o site ChiquinhaGonzaga.com sobre a descoberta do broche”.
  • 31
    . Todas as citações foram transcritas diretamente do áudio da entrevista. Agradeço especialmente a Wandrei Braga e a Edinha Diniz por permitirem sua utilização nesta pesquisa.
  • 32
    . Em um total de dez fichas, Mariza inventariou as 77 partituras de Chiquinha Gonzaga para o teatro, as matérias em revistas e jornais mencionando a maestrina, as conferências feitas em sua memória, instituições às quais ela era vinculada, iconografia, retratos, estátuas e medalhas (incluindo o broche de ouro com observação feita à caneta “propriedade de D. Mariza Lira”. CG_51_01_018-129 (Acervo Chiquinha Gonzaga/Instituto Moreira Salles).
  • 33
    . A biografia é dedicada “Ao Sr. João Batista (sic) Gonzaga. Exemplo admirável de dedicação filial” (1978, p. 5).
  • 34
    . É possível aproximar Francisca Gonzaga da poetisa Alfonsina Storni (1892-1938), escritora suíça que fez carreira na Argentina dos anos 20. Com vinte anos, grávida e solteira, a jovem adentrou à efervescência cultural com uma formação irregular e distante do pensamento vanguardista da capital. No entanto, se sua escrita era considerada ultrapassada pelos correligionários de Jorge Luis Borges, sua atitude diante das injunções da vida (e das marcas de classe e gênero) cativou a opinião de um público leitor que, tal como ela, questionava “uma moral convencional sobre a possibilidade social de diferentes identidades femininas” (Sarlo, 2010, pSARLO, Beatriz. (2010), Modernidade periférica: Buenos Aires 1920 e 1930. São Paulo, Cosac Naify., p. 148). Chiquinha Gonzaga e Alfonsina Storni ocupam posições análogas na estrutura social. A primeira, notabilizando-se por uma vida pessoal recheada de reviravoltas picantes e pelo estilo musical “simples sem ser banal”; a segunda, afirmando-se “como sujeito ousado, em rivalidade com os homens da profissão, pronta a peitar infrações à moral vigente e a protagonizar as relações amorosas” (Miceli, 2010, pMICELI, Sergio. (2010), “O enigma portenho”. In: SARLO, Beatriz. Modernidade periférica: Buenos Aires 1920 e 1930. São Paulo, Cosac Naify., p. 12), mas sem uma escrita inovadora. De fato, a ruptura moral que ambas provocaram aos olhos dos outros funcionará em suas trajetórias como contraponto às expectativas sociais referentes a relações de gênero.
  • 35
    . De todas as expressões elogiosas sobre Chiquinha Gonzaga com as quais tive contato durante a pesquisa, essa se destacou devido a sua ubiquidade. O(a) leitor(a) pode encontrá-la, por exemplo, nos sites: https://www.facebook.com/MIS.RJ/posts/900470699991111, http://www.orquestracriancacidada.org.br/verMateria.php?id=263, http://www.alagoas24horas.com.br/876052/classicos-de-chiquinha-gonzaga-em-apresentacao-gratuita-para-o-publico-maceioense/, http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/672.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2016
  • Aceito
    21 Abr 2017
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