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Racionalismo e reificação em História e consciência de classe

Rationalism and reification in History and Class Consciousness

Resumo

História e consciência de classe é considerado, consensualmente, como um dos marcos de fundação do marxismo ocidental. Sua contribuição para a gênese da teoria crítica tampouco pode ser desprezada. O presente artigo procura mostrar como alguns conceitos decisivos do arcabouço teórico da Escola de Frankfurt foram desenvolvidos em 1923 por Georg Lukács. Destaca, sobretudo, os conceitos de reificação e racionalismo. História e consciência de classe considera a reificação, seguindo uma trilha aberta por Karl Marx, o fenômeno central da sociedade capitalista. O racionalismo é exposto em duas dimensões articuladas, na esfera do pensamento – em especial na ciência e na filosofia –, e no âmbito da vida material, como racionalidade econômica.

Georg Lukács; História e consciência de classe; Teoria crítica; Racionalismo; Reificação

Abstract

History and class consciousness is considered, consensually, as one of the main foundations of Western Marxism. Similarly, its contribution to the genesis of critical theory cannot be despised. The present article aims at pointing out how some of the decisive concepts of the theoretical structure of the Frankfurt School were developed in 1923 by Georg Lukács. It emphasizes specially the concepts of reification and rationalism. Following a trail opened up by Karl Marx, History and class consciousness considers reification the central phenomenon of capitalist society. Rationalism, for its turn, is exposed through two articulated dimensions: the sphere of thought – specially in science and philosophy –, and in the domain of material life, such as economic rationality.

Georg Lukács; History and Class Consciousness; Critical theory; Rationalism; Reification

História e consciência de classe agrupa oito ensaios, a maioria artigos de circunstância elaborados no âmbito da vida partidária. No prefácio de 1922, Georg Lukács procura legitimar sua compilação destacando como fator de unidade a intenção comum e primordial de esclarecer “questões teóricas do movimento revolucionário”. Nesse sentido, justifica a presença no livro de uma análise detalhada da filosofia de Kant por meio de uma recomendação: faz-se necessário “estudar as contradições do pensamento burguês nos casos em que esse pensamento encontrou sua mais alta expressão filosófica” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 59).

Cabe observar que, apesar dos encômios, Lukács identifica na filosofia kantiana, de antemão, duas características a princípio paradoxais: considera-a em si contraditória e, ao mesmo tempo, como a versão melhor acabada da racionalidade moderna. Não será casual, portanto, que o título do texto no qual se examina a obra de Kant seja “as antinomias do pensamento burguês”.

Tais considerações decorrem em linha reta da afiliação de Kant ao “racionalismo moderno”, entendido na acepção peculiar que esse termo adquire em História e consciência de classe. Por um lado, esse conceito designa – de forma similar à compreensão, firmada ao longo do idealismo alemão, da especificidade da filosofia moderna – um movimento que rejeita e supera as concepções que admitem o mundo como algo independente do sujeito cognoscente, mas não chega ao ponto de concebê-lo como um produto do sujeito. Nomeia também, por outro lado, os sistemas formais nos quais os fenômenos, na medida em que podem ser objetos de apreensão e produção, são passíveis de cálculo, previsão e domínio pelo entendimento.

Na segunda parte do ensaio “A reificação e a consciência do proletariado” – um dos artigos redigidos especialmente para o livro –, intitulada “As antinomias do pensamento burguês”, Lukács delineia o esboço de uma história da filosofia. Trata, em breves pinceladas, dos gregos, dos medievais e da filosofia contemporânea. Retarda-se, concentrando seus esforços, na reconstituição e na crítica imanente da filosofia moderna e do idealismo alemão.

Ponto terminal da filosofia do século XVIII, Kant, segundo Lukács, foi o pensador que desenvolveu de forma mais radical os princípios da filosofia moderna. Complementando seus predecessores, sua obra pode ser vista como um fecho tanto da linha evolutiva que se estende de Descartes e Hobbes a Spinoza e Leibniz, como do materialismo francês ou ainda do empirismo inglês. Desse modo, História e consciência de classe apresenta a filosofia kantiana como o elo principal da transição entre dois movimentos distintos, reconhecendo nela tanto o ápice do racionalismo moderno como o detonador do idealismo alemão.

A ruptura promovida pelo racionalismo moderno em relação ao pensamento medieval deriva, sobretudo, da “exigência de aplicação das categorias racionais e matemáticas na explicação de todos os fenômenos” (Idem, p. 244). Não se trata apenas da unificação do mundo fenomênico, suplantando a antiga separação entre as esferas sublunar e supralunar, ou mesmo do requisito de uma ligação causal, de uma conexão imanente entre os fenômenos; o decisivo, o traço comum da filosofia moderna consiste, na compreensão de Lukács, na introdução e na preponderância do princípio matemático.

História e consciência de classe ressalta que a estrutura constitutiva da filosofia desse período procede fundamentalmente da lógica própria dos sistemas científicos: “Os métodos da matemática, da geometria, da construção, da criação do objeto a partir de condições formais de uma objetividade em geral e, depois, os métodos da física matemática tornam-se, assim, os guias e as medidas da filosofia” (Idem, p. 242).

A filosofia moderna erige, explicitamente e sem rodeios, a matemática em “ideal de conhecimento”. Propõe, por conseguinte, uma formalização do saber, por meio da criação de “um sistema racional de relações que englobe todas as possibilidades formais, todas as proporções e relações de existência racionalizada, com auxílio do qual todo fenômeno pode tornar-se objeto de um cálculo exato, independentemente de sua diferenciação material e real” (Idem, p. 273).

O princípio matemático ocupa um lugar de destaque também na gênese das “antinomias kantianas”. A tendência contemplativa – prerrogativa imputada por Lukács à filosofia crítica –, matriz de uma série de dilemas, decorre da adoção deste princípio: “O conceito formal do objeto do conhecimento, derivado de maneira inteiramente pura, a coesão matemática e a necessidade de leis da natureza como ideal de conhecimento transformam o conhecimento cada vez mais numa contemplação metódica e consciente dos puros conjuntos formais, das ‘leis’ que funcionam na realidade objetiva, sem intervenção do sujeito” (Idem, p. 270).

Essa interpretação da filosofia transcendental, a ênfase no caráter “formal” do racionalismo kantiano, em especial na exegese da Crítica da razão pura, pode ser atribuída à presença e à convergência em História e consciência de classe de duas linhagens distintas: a da crítica de Hegel ao formalismo da teoria do conhecimento de Kant1 1 . A crítica de Hegel a Kant está espalhada, em diferentes versões, ao longo de sua obra. Um tratamento mais sistemático da filosofia transcendental encontra-se nos parágrafos 40 a 52 da Enciclopédia das ciências filosóficas em epítome e na última seção de Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie [Lições sobre a história da filosofia]. , e a da tese de Max Weber que afirma o predomínio, na modernidade, da racionalização formal sobre a substantiva (Weber, 2002WEBER, Max. (2002), “A psicologia social das religiões mundiais”. In: WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, LTC, pp. 189-211., pp. 209-210).

Nessa redução do âmbito e do perfil da revolução copernicana, nesse esforço para estabelecer mais afinidades da Crítica da razão pura com o racionalismo moderno do que com o idealismo alemão, não há como deixar de observar um eco da contraposição hegeliana entre o método matemático e o método dialético. História e consciência de classe, de certo modo, reatualiza esse tópico, desenvolvido por Hegel no prefácio à Fenomenologia do espírito, concedendo a essa distinção um papel proeminente em sua crítica da filosofia kantiana2 2 . Para uma análise dessa contraposição e para um relato das incoerências suscitadas pelo propósito da geração de Lukács de conferir ao método matemático uma posição determinante na metodologia da Crítica da razão pura, ver Musse (1993). .

Lukács exime-se da tarefa de deslindar as diferentes concepções de formalismo desenvolvidas por Weber. Tende a tornar inseparável até mesmo sua distinção mais acentuada, entre um “tipo de racionalização que o pensador sistemático realiza sobre a imagem do mundo: um domínio cada vez mais teórico da realidade por meio de conceitos cada vez mais precisos e abstratos” e a “realização metódica de um fim, precisamente dado e prático, por meio de um cálculo cada vez mais preciso dos meios adequados” (Idem, p. 206). Os dois significados de racionalismo – cuidadosamente construídos por Weber como processos específicos, respectivamente, do campo da teoria do conhecimento e da esfera da ação – são, deliberadamente, embaralhados por Lukács.

A especificidade do racionalismo moderno demarcada em História e consciência de classe assenta-se em sua pretensão de se constituir como “totalidade”. Em vez de assumir-se, à maneira dos antigos sistemas racionais, como parcial, a filosofia da era moderna proclama a descoberta do princípio de conexão de todos os dados, almejando, com a elevação dos conceitos racionais à condição de categorias universais, a racionalização do conjunto fenomênico. Nas palavras de Lukács: “a equivalência ingênua e dogmática (mesmo nos filósofos mais ‘críticos’) entre o conhecimento racional, formal e matemático e o conhecimento em geral, de um lado, e o ‘nosso’ conhecimento, de outro, aparece como o sinal característico de toda essa época” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 243).

A articulação intelectual de uma imagem de mundo nos sistemas racionais antigos, em especial no território da religião, nunca é uma operação perfeita. Nesse caso, o cálculo racional não é afetado pela permanência de lacunas, frestas e restos. Max Weber caracteriza a religião, enquanto expressão de uma forma de vida racional e metódica, como uma “transferência para o ideal”. Nesse movimento, ela aceita (fixando como dados) e incorpora a seu modo de vida, sem dificuldade, pressuposições irracionais.

A delimitação da racionalidade como um sistema parcial não acarreta, por conseguinte, complicações metodológicas adicionais. No entanto, adverte Lukács: “A situação é totalmente diferente se o racionalismo reivindica a representação do método universal para o conhecimento da totalidade do ser. Nesse caso, a questão da correlação necessária com o princípio irracional assume uma importância decisiva que dissolve e desintegra todo o sistema. É o caso do racionalismo (burguês) moderno” (Idem, p. 246).

História e consciência de classe avalia, portanto, que o racionalismo moderno, apesar de sua aspiração a sistema total, não consegue atingir a universalidade. Esse veredicto tem sua contraprova no teor incognoscível dos conteúdos sensíveis, na persistência de elementos irracionais, em suma, na impossibilidade – demonstrada pelas diversas vertentes da filosofia moderna – de derivar os dados fenomênicos a partir de conceitos do entendimento3 3 . Lucio Colletti detecta a presença, nesse ponto, de uma influência da filosofia hegeliana, na medida em que “o termo irracionalidade indica a natureza extralógica dos fenômenos sensíveis e, portanto, sua irredutibilidade ao pensamento, com a consequente negação da identidade sujeito-objeto, pensamento-ser” (Colleti, 1976, p. 345). . Mesmo colocando entre parênteses o caráter abstrato e formal desse racionalismo não há como, observa Lukács, considerá-lo tal como ele se concebe, isto é, como um postulado supra-histórico.

As limitações da capacidade de conhecer do racionalismo moderno, seu confinamento na dimensão conceitual, encontram sua plena expressão na noção kantiana de “coisa em si”. História e consciência de classe compreende esse conceito como uma espécie de súmula de dois complexos distintos, reportando tanto ao problema da aglomeração dos sistemas parciais numa totalidade como à questão do estatuto do material, do conteúdo das formas do entendimento.

Mesmo assim Lukács atribui ao conceito de “coisa em si” uma raiz unitária, vinculando-o à (im)possibilidade de constituição de um sistema geral. Nessa chave, tende a equiparar suas duas valências, a “inapreensibilidade da totalidade a partir dos sistemas parciais” e a “irracionalidade dos conteúdos singulares”. Essa junção se justifica a partir da exigência, imanente ao princípio da sistematização, de que cada momento específico possa ser “produzido, previsto e calculado exatamente a partir de seu princípio fundamental”. Nessa linha argumentativa, ele conclui: “O racionalismo como método universal faz nascer, necessariamente, a exigência do sistema, mas, ao mesmo tempo, a reflexão sobre as condições de possibilidade de um sistema universal. Dito de outro modo, a questão do sistema, se formulada conscientemente, mostra a impossibilidade de satisfazer a exigência assim colocada” (Idem, p. 251).

O núcleo da filosofia kantiana, sintetizado na questão da “coisa em si”, confrontado com a demanda de sistematicidade e a exigência de totalidade, descortina uma série de antinomias: forma-conteúdo, racionalidade-irracionalidade, indivíduo-sociedade, liberdade-necessidade, teoria-prática, sujeito-objeto, pensamento-ser. Nessa lista encontra-se a maior parte das contradições que, segundo Lukács, Kant herdou do racionalismo moderno e não pôde resolver, tendo-as, ao contrário, conduzido ao apogeu.

O paroxismo antinômico não se restringe ao campo da teoria do conhecimento. A “barreira intransponível do dado”, o caráter incognoscível da “coisa em si” determina também a ética kantiana. Nesse território, embora em nova roupagem, ressaltam ainda mais, nos termos de Lukács, “as contradições inerentes ao pensamento burguês”.

A ética desentranhada por Kant não consegue superar tais antinomias porque, embora postule um sujeito ativo – indicando a intenção de suplantar a atitude contemplativa própria da teoria do conhecimento –, sua instalação consiste num procedimento estritamente protocolar. O “ato ético”, ao preservar a indiferença da forma em relação ao conteúdo, mostra-se insuficiente para deslindar as aporias inerentes ao conceito de “coisa em si”. O máximo que alcança é desdobrar outra figura antinômica, condensada no dilema insolúvel entre o “voluntarismo”, patente na liberdade puramente interior da prática individual, e o “fatalismo”, intrínseco à adequação do devir a leis eternas4 4 . História e consciência de classe apresenta como solução para esse dilema entre liberdade e necessidade – presente em tons trágicos na obra anterior de Lukács – a ação revolucionária: “o proletariado, como sujeito do pensamento da sociedade, rompe de um só golpe o dilema da impotência, isto é, o dilema do fatalismo das leis puras e da ética das intenções puras” (Lukács, 2003, p. 125). .

O esforço de Kant, na Crítica da razão prática, para resolver na esfera da ação individual os paradoxos atinentes aos conteúdos do mundo sensível teria intensificado ainda mais, conforme Lukács, o dualismo entre sujeito e objeto: “a dualidade intransponível entre a forma autoproduzida, mas totalmente voltada para o interior (forma da máxima ética em Kant), e a realidade estranha ao entendimento e ao sentido, o dado, a experiência impõem-se de maneira ainda mais abrupta à consciência ética do indivíduo que age do que ao sujeito contemplativo do conhecimento” (Idem, p. 264).

O alvo dessa crítica, obviamente, não é a tentativa de ultrapassar a postura contemplativa, mas antes o modelo de sujeito pressuposto pela ética kantiana. Isso se torna evidente quando se observa o teor das considerações que levam Lukács a afirmar que tampouco a filosofia de Fichte solucionou o problema da relação entre forma e conteúdo.

Com Fichte, admite Lukács, em oposição à aceitação dogmática de uma realidade simplesmente dada e estranha ao sujeito, “nasce a exigência de compreender, a partir do sujeito-objeto idêntico, todo dado como produto desse sujeito-objeto idêntico, toda dualidade como caso particular derivado dessa unidade primitiva” (Idem, p. 262). No entanto, embora Fichte tenha posto a atividade como princípio e destacado a necessidade de um sujeito-objeto idêntico, seu pensamento apenas “repete, num nível filosoficamente mais elevado, a impossibilidade de resolver a questão colocada pela filosofia clássica alemã” (Idem, p. 263) – sua obra tampouco alcançou determinar a essência concreta desse sujeito-objeto idêntico.

O conceito de racionalismo moderno configurado em História e consciência de classe não decorre, porém, apenas de uma interpretação da história da filosofia; advém antes de uma determinada compreensão do processo histórico. Nesse diapasão, adquire um significado mais amplo que o de um mero sistema formal com validade restrita ao campo da teoria do conhecimento. O princípio da racionalização, a ação orientada pelo cálculo, é concebido como um dos vetores que organizam a sociedade capitalista.

É sob a fórmula da racionalização que Lukács apresenta, por exemplo, a moderna divisão do trabalho, numa descrição que enfatiza o retalhamento da produção em operações parciais. O trabalho em parcelas, a especialização das funções promovida no interior da indústria manufatureira, a mecanização da linha de montagem derivam, assim, de um esforço reiterado de aprimoramento, de uma previsão que seleciona as técnicas adequadas em função dos resultados almejados.

A dinâmica desencadeada pela implantação da indústria capitalista impulsiona a tal ponto a mecanização e o parcelamento característicos da divisão manufatureira do trabalho que essas técnicas rapidamente suplantam os procedimentos comunitários típicos do modelo “orgânico” de produção. Junto com o progressivo rompimento da unidade do produto, da fragmentação das atividades, definham os laços sociais próprios do mundo pré-capitalista, a “vida em comunidade”. Cedem lugar a uma racionalização social que promove

[…] uma eliminação cada vez maior das propriedades qualitativas, humanas e individuais do trabalhador. […] Com a moderna análise “psicológica” do processo de trabalho (sistema de Taylor), essa mecanização racional penetra até na “alma” do trabalhador: inclusive suas qualidades psicológicas são separadas do conjunto de sua personalidade e são objetivadas em relação a essa última, para poderem ser integradas em sistemas especiais e racionais e reconduzidas ao conceito calculador (Idem, pp. 201-202).

A similitude entre a lógica que orienta a constituição dos sistemas filosóficos e as regras que ordenam a sequência das modalidades do processo social de trabalho tende a reforçar ainda mais a tese de Lukács acerca do papel determinante do racionalismo no mundo moderno. Nesse registro, seu caráter antinômico, expresso no descompasso entre a pretensão universal de conhecimento e a impenetrabilidade do dado factual, deixa de ser uma questão atinente unicamente ao território do pensamento. Com ênfase, Lukács proclama que “no caso da realidade social essas contradições não são indícios de uma imperfeita compreensão científica da realidade, mas pertencem, de maneira indissolúvel, à essência da própria realidade, à essência da sociedade capitalista” (Idem, p. 79).

Por conseguinte, as lacunas que impedem o agrupamento dos conceitos em uma totalidade, as barreiras criadas pela incognoscibilidade dos conteúdos singulares, as dificuldades para articular o saber de forma sistemática não podem de modo algum ser atribuídas a uma incapacidade pessoal dos filósofos. As “antinomias do pensamento burguês” decorrem de uma condição objetiva:

[…] a contradição que nesse caso vem à luz entre a subjetividade e a objetividade nos sistemas formais modernos e racionalistas, os emaranhados e equívocos que se escondem em seus conceitos de sujeito e de objeto, a incompatibilidade entre sua essência de sistemas “produzidos” por “nós” e sua necessidade fatalista, estranha ao homem e distanciada dele, são apenas a formulação lógica e metodológica da situação da sociedade moderna (Idem, p. 271).

Mas, afinal, qual pressuposto permite a Lukács afirmar – a partir da equivalência entre a racionalização do conhecimento filosófico e a da produção econômica – uma homologia entre as antinomias do pensamento burguês e a estrutura da sociedade capitalista? Que fundamento lhe possibilita vincular a consciência às relações sociais, nessa tentativa de demonstrar, numa espécie de metacrítica das condições de possibilidade do conhecimento, os limites da filosofia moderna? Ou ainda, como confirmar a suposição da existência de uma relação determinada entre o comportamento subjetivo e as formas da objetividade?

Embora História e consciência de classe examine, a partir do âmbito econômico, em sequência, a jurisprudência, a administração, a filosofia e a historiografia burguesas, nada indica que esse itinerário tenha sido escolhido com a intenção de comprovar a veracidade dessas pressuposições. No decorrer do livro, Lukács mostra-se bastante avesso às metodologias que se propõem a confirmar a teoria pela via indutiva reportando-se, para tanto, à abrangência do conjunto.

A admissão de uma semelhança estrutural entre a lógica econômica e a totalidade da vida social, a suposição de que as diversas esferas da sociedade capitalista são impactadas pelo mesmo processo de racionalização, assenta-se em uma consideração preliminar, em uma conjectura que direciona e conduz tanto a investigação como a sua exposição. Lukács parte da convicção – manifesta desde as primeiras frases do artigo “A reificação e a consciência do proletariado” – de que “pode-se descobrir na estrutura da relação mercantil o protótipo de todas as formas de objetividade e de todas as suas formas correspondentes de subjetividade na sociedade burguesa” (Idem, p. 193).

História e consciência de classe apresenta uma interpretação de O capital bastante distinta das prevalecentes, na época da redação do livro, nas linhagens principais do marxismo – leia-se Segunda e Terceira Internacionais. O fulcro dessa exegese consiste na compreensão da mercadoria como “categoria universal de todo o ser social”.

Lukács recorre a passagens de O capital para destacar a diferença qualitativa entre as sociedades nas quais a mercadoria consiste em uma das múltiplas modalidades de intercâmbio de bens (logo, um fenômeno particular) e a situação que ocupa no mundo moderno. No capitalismo, a relação mercantil generaliza-se. Mais que isso, torna-se fator determinante do conjunto da vida social, adquirindo o estatuto de forma universal de objetividade.

A analogia, desdobrada por Lukács, entre as antinomias da tradição filosófica burguesa e a dinâmica contraditória da economia capitalista justifica-se, assim, por meio da identificação prévia da forma constitutiva da totalidade social, pela assunção de uma forma-única capaz de explicar tanto os fenômenos objetivos como os subjetivos: “A metamorfose da relação mercantil num objeto dotado de uma ‘objetivação fantasmática’ não pode, portanto, limitar-se à transformação em mercadoria de todos os objetos destinados à satisfação das necessidades. Ela imprime sua estrutura em toda a consciência do homem” (Idem, p. 222).

Seguindo as indicações do quarto item do primeiro capítulo de O capital, Lukács destaca o caráter fetichista da mercadoria. A relação mercantil não pode ser, portanto, desvinculada – na terminologia que História e consciência de classe adota e se tornou clássica – do fenômeno da reificação.

Entre as inúmeras recapitulações que buscam apresentar, no decorrer do livro, o fetichismo da mercadoria ao leitor, destaco uma, a título de exemplo – desconsiderando a recomendação, observada estritamente por Lukács, de que o ensaio não deve procurar estabelecer definições: “A essência da estrutura da mercadoria […] baseia-se no fato de uma relação entre pessoas tomar o caráter de uma coisa, e, dessa maneira, o de uma ‘objetividade fantasmagórica’ que, em sua legalidade própria, rigorosa, aparentemente racional e inteiramente fechada, oculta todo traço de sua essência fundamental: a relação entre homens” (Idem, p. 194).

História e consciência de classe ressalta os efeitos da reificação, de modo mais intenso, em três desdobramentos distintos: (a) atribui à generalização da relação mercantil a “extensão sempre crescente de uma divisão do trabalho que atomiza abstrata e racionalmente o processo de produção, sem se preocupar com as possibilidades e capacidades humanas dos produtores imediatos” (Idem, p. 72); (b) salienta que o fetichismo da mercadoria transborda o âmbito das atividades puramente econômicas, impactando as práticas e comportamentos em áreas como o Estado (e sua burocracia), o direito, a política etc.; (c) ressalta as repercussões da reificação na apreensão dos fenômenos, afetando tanto a consciência comum como as modalidades de vida intelectual – a ciência, a arte e a filosofia – características da sociedade burguesa.

A “concepção materialista da história”, versão predominante na época em diferentes vertentes do marxismo, estabelecia uma relação causal e mecânica entre a base econômica e a superestrutura cultural, ignorando completamente o nexo proporcionado pela reificação. Conceder primazia à teoria do fetichismo da mercadoria, quase cinquenta anos após a publicação do primeiro volume de O capital, foi uma das novidades introduzidas por História e consciência de classe5 5 . Nessa retomada da teoria do fetichismo outro livro pioneiro foi, sem dúvida, A teoria marxista do valor, de Isaak Ilich Rubin, publicado na União Soviética em 1924. ; alvo, diga-se de passagem, de contestações virulentas de dirigentes e partidários tanto da Segunda como da Terceira Internacional6 6 . Os principais textos da recepção de História e consciência de classe por ocasião de sua publicação foram coligidos em Boella (1977). .

A reconstituição e a crítica da filosofia kantiana, desenvolvidas em História e consciência de classe, são moldadas, por conseguinte, em linha geral, pela consideração que consagra a relação mercantil, no mundo moderno, como “o protótipo de todas as formas de objetividade e de subjetividade”. De acordo com essa teoria, a filosofia transcendental, “nascida da estrutura reificada da consciência”, não deixa de repercutir, mesmo em seus meandros e detalhes técnicos, o processo de reificação.

Lukács explica o alargamento extensivo e intensivo da forma econômica de objetivação à totalidade da vida social, historicamente, como uma peculiaridade do sistema capitalista. Esse modo de produção difere das assim chamadas “sociedades pré-capitalistas”, entre outros fatores, pelo fato de que, nele, as “leis naturais” abarcam o conjunto das manifestações vitais da sociedade, “de que – pela primeira vez na história – toda a sociedade está submetida, ou, pelo menos, tende a um processo econômico uniforme, e de que o destino de todos os membros da sociedade é movido por leis também uniformes” (Idem, p. 208).

O sentido imanente do capitalismo é descrito, portanto, como um movimento que promove progressivamente a substituição da anterior transparência das atividades humanas por relações sociais reificadas. A própria esfera intelectual – malgrado se conceba como autônoma, independente, e, em certa medida, autossuficiente – não escapa à sina das demais formas da subjetividade. Como elas, encontra-se também submetida a “leis uniformes”:

Foi o capitalismo que produziu pela primeira vez, com uma estrutura econômica unificada para toda a sociedade, uma estrutura de consciência – formalmente – unitária para o conjunto da sociedade. E essa estrutura unitária exprime-se justamente pelo fato de que os problemas da consciência relacionados ao trabalhador assalariado se repetem na classe dominante de forma refinada, espiritualizada, mas, por outro lado, intensificados (Idem, pp. 221-222).

História e consciência de classe desdobra a dinâmica capitalista em dois processos estreitamente imbricados: a ampliação da racionalização, proveniente da mecanização do trabalho de massa no interior da empresa industrial; e o incremento da reificação, resultante da dissimulação das relações pessoais em “relações sociais entre coisas, entre produtos do trabalho”. A conexão entre eles não indica, porém – como muitos comentadores entenderam –, que constituam fatores com pesos idênticos.

Na explicação da gênese de ambos, já se pode observar a prevalência que Lukács concede à reificação. Seguindo a trilha aberta por Marx, ele atribui a origem tanto da racionalização moderna como do fenômeno da reificação à generalização da forma-mercadoria, mais precisamente, a uma determinação específica desse movimento, à metamorfose do trabalho em mercadoria – situação que surge com a emergência do “‘trabalhador livre’, em condições de vender ‘livremente’ no mercado sua força de trabalho como uma mercadoria ‘que lhe pertence’, como uma coisa que possui” (Idem, p. 207).

Além disso, convém não desconsiderar que o empenho de História e consciência de classe em ressaltar que a racionalização se restringe aos sistemas parciais consiste apenas no preâmbulo de um diagnóstico que imputa ao conjunto uma incoerência fundamental. Contra a avaliação de Max Weber que concebe o capitalismo como uma sociedade modelada racionalmente por procedimentos formais em seu estágio mais elevado, Lukács salienta, recorrendo a Marx, a preponderância da anarquia da produção, “flagrante nas épocas de crise” e latente no cotidiano burguês. Nas suas palavras: “toda a estrutura da produção capitalista repousa sobre essa interação entre uma necessidade submetida a leis estritas em todos os fenômenos isolados e uma irracionalidade relativa ao processo como um todo” (Idem, p. 225).

Uma das travas que dificulta a percepção da “irracionalidade” do modo de produção capitalista – contraprova do incremento da reificação – decorre do próprio funcionamento da ciência burguesa. No modelo impulsionado pela divisão intelectual do trabalho, o conhecimento dos “especialistas” tende cada vez mais a negligenciar a perspectiva da totalidade. Daí porque, adverte Lukács, quase nunca se destaca a clivagem entre o cálculo racional das possibilidades dos sistemas parciais e a “contingência” de seu todo, ou mesmo a diferença qualitativa entre as leis que regem as partes e as que presidem o conjunto da vida social.

A coordenação pelo mercado do ritmo da produção e da própria divisão do trabalho, responsável em última instância pela “contingência sistêmica”, e o predomínio da relação mercantil intensificam o processo de atomização dos indivíduos. A independência dos produtores privados, característica das sociedades mercantis, soma-se à situação dos trabalhadores assalariados, separados pela concorrência, isolados e ao mesmo tempo inseridos num sistema que lhes é estranho.

No capitalismo, os trabalhadores – submetidos, assim como os demais agentes econômicos, à adequação rigorosa a leis (fundamento do cálculo racional); expostos à fragmentação que perpassa o aparato produtivo – tornam-se espectadores impotentes em relação às determinações de sua existência. Na terminologia de Lukács: “a atividade do trabalhador perde cada vez mais seu caráter ativo para tornar-se uma atitude contemplativa” (Idem, p. 204)7 7 . Os conceitos polares contemplativo/ativo remetem aos termos da crítica de Marx nas Teses “Ad Feuerbach”, eco de uma contraposição corrente no Idealismo alemão. Evocam também – ainda que em menor medida – a tipologia weberiana do racionalismo religioso, isto é, a distinção entre a atitude “ativamente ascética em oposição à contemplativamente mística” (Weber, 2013, p. 508). .

A postura “contemplativa” não é privativa do trabalhador assalariado. Com a unificação da estrutura econômica, seu “destino”, moldado pela condição de objeto no processo produtivo, torna-se “típico para toda a sociedade”, numa generalização de comportamentos que não exclui tampouco os indivíduos da classe dominante:

O homem da sociedade capitalista encontra-se diante da realidade “feita” – por si mesmo (enquanto classe) –, como se estivesse em frente a uma “natureza”, cuja essência lhe é estranha; está entregue sem resistência às suas “leis”, e sua atividade consiste apenas na utilização para seu proveito (egoísta) do cumprimento forçado das leis individuais. Mas mesmo nessa “atividade”, permanece – pela própria natureza da situação – objeto e não sujeito dos acontecimentos (Idem, p. 284).

História e consciência de classe reitera assim que até mesmo o empresário capitalista se encontra enredado nas malhas da reificação. Apesar de sua autoilusão, ele não é sujeito, porém, objeto, mero suporte do processo de acumulação do capital. Segundo Lukács, “é evidente, portanto, no espírito do marxismo, que a ‘indústria’, isto é, o capitalista como portador do progresso econômico, técnico etc., não age, mas sofre a ação, e que sua ‘atividade’ se esgota na observação e no cálculo exato do efeito objetivo das leis sociais naturais” (Idem, p. 280).

Os passos rastreados até aqui, em especial a vinculação, postulada por Lukács, entre certa filosofia e um determinado modo de produção, entre o pensamento e o ser social de uma classe (exemplificada no caráter contemplativo da burguesia), reposicionam, de certo modo, a questão da “coisa em si”. Nessa nova perspectiva, a incognoscibilidade do substrato concreto da realidade torna-se, para a burguesia, não apenas metodológica, mas também ontológica8 8 . Lukács reconhece, no Posfácio de 1967, que determinadas passagens de História e consciência de classe antecipam o desenvolvimento posterior de sua obra, sobretudo no que tange à ontologia do ser social (Lukács, 2003, pp. 30-31). .

A identificação de um sujeito que, em oposição à postura contemplativa, seja “verdadeiramente ativo” assume, portanto, uma importância vital em História e consciência de classe. Na determinação desse sujeito – procurando satisfazer a dupla exigência de que ele possa ser, ao mesmo tempo, fundamento da apreensão “correta” da totalidade e motor de uma prática transformadora –, Lukács, aprofundando a vertente que considera o marxismo como herdeiro do idealismo alemão, não hesita em atribuir ao proletariado os traços característicos da concepção hegeliana de sujeito9 9 . Convém não ignorar que a principal fonte teórica da compreensão de proletariado desenvolvida em História e consciência de classe consiste numa revalorização dos escritos do jovem Marx Ver Lukács(2003, pp. 64-66 e 308-309) e Lichtheim(1973, pp. 59-60). . Complementa assim seu conceito de reificação com uma teoria da consciência de classe que descreve os movimentos do sujeito-objeto idêntico, o desenvolvimento lógico-filosófico narrado por Hegel na Fenomenologia do espírito, como um processo histórico e social.

A consciência de classe da burguesia nunca ultrapassa os limites inerentes à sociedade capitalista10 10 . Na teoria de Lukács, a consciência de classe expressa “a reação racional adequada, que deve ser adjudicada a uma situação típica determinada no processo de produção” (Lukács, 2003, p. 142). . A “possibilidade objetiva” delimitada pela função histórica prática dessa classe impede-a de compreender a origem das configurações sociais, de reportar a coisidade destas às relações entre pessoas. Os detentores dos meios de produção (e seus representantes) não conseguem apreender a historicidade da vida social, não percebem que a objetividade, a conformidade às leis – enquanto objetivação de uma etapa do desenvolvimento humano –, tem sua vigência restrita a um determinado momento histórico.

A situação econômica e social da classe proprietária engendra essa “falsa consciência”, ou melhor, como prefere Lukács, sua “inconsciência”. A consequência política de sua modalidade de inserção na totalidade histórica seria, segundo História e consciência de classe, a atitude defensiva, advinda do aniquilamento da capacidade de comandar a sociedade. A burguesia “luta apenas por sua subsistência (por mais agressivos que possam ser seus meios de luta); perdeu irremediavelmente a força de condução” (Idem, p. 170).

O proletariado, produto da mesma ordem social capitalista, em tese, deveria compartilhar com a burguesia os impactos da reificação. Lukács, no entanto, considera que esses efeitos só atingem os membros da classe proletária, ou seja, os indivíduos em seus estados de consciência psicológica efetivos. Para o proletariado organizado como classe a possibilidade objetiva é outra11 11 . Para uma síntese dos argumentos de Lukács acerca dos resultados diferentes da reificação no que tange aos indivíduos ou à classe, ver Lukács (2003, pp. 383-384). : “a consciência de classe não é a consciência psicológica de cada proletário ou a consciência psicológica de massa do seu conjunto, mas o sentido, que se tornou consciente, da situação histórica da classe” (Idem, p. 179).

Assim, Lukács considera as diferentes modalidades de manifestação da consciência de classe do proletariado como parte de um movimento de negação, prático e teórico, das formas de vida reificadas:

O trabalhador vê sua posição no processo de produção ora como algo definitivo, ora como uma forma imediata do caráter em si da mercadoria (a insegurança da oscilação diária do mercado etc.). […] Desse modo, a negatividade puramente abstrata na existência do trabalhador constitui objetivamente não apenas a forma mais típica de manifestação da reificação, o modelo estrutural da socialização capitalista; é também, subjetivamente e por essa razão, o ponto em que essa estrutura pode ser elevada à consciência e, dessa maneira, rompida na prática (Idem, p. 347).

Embora a reificação esteja presente em todas as formas sociais no capitalismo, segundo Lukács, seu impacto se torna consciente mais facilmente para o proletariado, devido à sua posição e situação no mercado capitalista. A necessidade que impulsiona cada trabalhador assalariado a vender sua força de trabalho deixa evidente o teor abstrato da mercadoria.

Ponto culminante da reificação, o proletário, ao perceber sua posição como mero objeto no processo social de trabalho, tende a adquirir consciência de seu caráter de mercadoria. Consegue, assim, enquanto classe organizada, ao contrário da burguesia, não só ultrapassar a prioridade metodológica dos “fatos”, isto é, a significação imediata dos fenômenos próprios do capitalismo, mas também direcionar sua ação para a transformação da totalidade social.

As diferentes reações ante a reificação derivam, em última instância, das posições distintas ocupadas pelas duas classes no processo econômico. Lukács, no entanto, não perde a oportunidade de atribuir um matiz ontológico a essa situação: “Não é nem um mero acaso, nem um problema puramente teórico-científico o fato de a burguesia deter-se teoricamente no imediatismo, enquanto o proletariado vai além dele. Na diferença dessas duas atitudes teóricas se expressa, antes, a distinção do ser social de ambas as classes” (Idem, p. 332).

Elevada ao ponto de vista da totalidade, a consciência de classe do proletariado se transforma na consciência de si da sociedade, numa “autoconsciência” que desvela as formas fetichistas da estrutura mercantil12 12 . O pressuposto de Lukács é que, subjetivamente, “embora o processo que reifica o trabalhador e o transforma em mercadoria o desumanize, atrofiando e mutilando a sua “alma” – enquanto ele não se rebelar conscientemente contra isso –, sua essência humana e anímica não são transformadas em mercadoria” (Lukács, 2003, p. 346). :

[…] o trabalhador reconhece a si mesmo e suas próprias relações com o capital na mercadoria. Enquanto ele for capaz na prática de se elevar acima desse papel de objeto, sua consciência constituirá a autoconsciência da mercadoria ou, expresso de modo diferente, o autoconhecimento, o autodesvendamento da sociedade capitalista, fundada sobre a produção de mercadorias, sobre relações de mercado (Idem, pp. 340-341).

Avesso ao individualismo metodológico, História e consciência de classe considera que o ponto de vista da totalidade na sociedade capitalista é prerrogativa de um coletivo: “A totalidade só pode ser determinada se o sujeito que a determina é ele mesmo uma totalidade; e se o sujeito deseja compreender a si mesmo, ele tem que pensar o objeto como totalidade. Somente as classes representam esse ponto de vista da totalidade como sujeito na sociedade moderna” (Idem, p. 107). Trata-se de um privilégio exclusivo do proletariado graças à coincidência que lhe permite ser, igualmente – preenchendo as condições prévias da teoria de Lukács – objeto proposto e sujeito proponente.

Determinando tanto o objeto – a totalidade histórica –, como o sujeito do conhecimento, a perspectiva da totalidade possibilita que Lukács redefina o marxismo como o “ponto de vista científico do proletariado”. O segundo ensaio de História e consciência de classe, intitulado “Rosa Luxemburg como marxista”, começa com uma afirmação peremptória: “Não é o predomínio de motivos econômicos na explicação da história que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade” (Idem, p. 105).

Chave do conhecimento das relações sociais, da unidade de pensamento e história, a consciência de classe do proletariado é alçada a uma posição privilegiada. É ela que torna possível, pela via da determinação da sociedade como totalidade histórica, a superação das “antinomias do pensamento burguês”13 13 . Lukács aborda explicitamente a superação do dualismo kantiano pelo ponto de vista do proletariado na mesma seção em que combate a teoria materialista do reflexo (Lukács, 2003, pp. 394-404). .

A consciência de classe, tal como concebida por Lukács, é, em sua essência, eminentemente prática: “O autoconhecimento do trabalhador como mercadoria já existe como conhecimento prático. Ou seja, este conhecimento realiza uma modificação objetiva e estrutural no objeto do seu conhecimento” (Idem, p. 342). A possibilidade de uma consciência adequada, “correta”, conduzir a uma modificação em si mesma e nos seus objetos foi interpretada por Lukács como uma comprovação da hipótese de unidade entre teoria e prática – a “passagem sem transição do conhecimento à ação”.

Do ponto de vista político, o privilégio do proletariado, “a arma decisiva, a única superioridade eficaz do proletariado é sua capacidade de ver a totalidade da sociedade como totalidade concreta e histórica; de compreender as formas reificadas como processos entre homens; de elevar positivamente à consciência o sentido imanente do desenvolvimento, que se apresenta apenas negativamente nas contradições da forma abstrata da existência, e de transpô-lo para a prática” (Idem, p. 390).

História e consciência de classe, em seus desdobramentos do conceito de totalidade, vincula estreitamente “consciência de classe” e filosofia da história. Ao proletariado se impõe, portanto, a tarefa de uma transformação consciente da sociedade. A revolução – para o proletariado, uma superação de si – aponta para a supressão tendencial da sociedade de classes: “Justamente porque é impossível para o proletariado libertar-se como classe sem suprimir a sociedade de classes em geral, sua consciência, que é a última consciência de classe na história da humanidade, deve coincidir, de um lado, com o desvendamento da essência da sociedade e, de outro, tornar-se uma unidade cada vez mais íntima de teoria e práxis” (Idem, p. 174)14 14 . Lukács retoma aqui a determinação de Marx, na “Introdução” da Crítica da filosofia do direito de Hegel, do proletariado como uma esfera que não pode libertar-se sem com isso emancipar todos os demais estratos da sociedade (Lukács, 2003, p. 125). .

A filosofia da história implícita em História e consciência de classe não deriva apenas de uma interpretação da parcela então conhecida da obra de Marx nos anos 1840, sobretudo do Manifesto comunista, assenta-se também numa determinada compreensão da dialética. Reforçando o subtítulo do livro – “Estudos sobre a dialética marxista” –, Lukács, no primeiro parágrafo do artigo inicial, adverte que o pertencimento à linhagem do materialismo histórico não advém de “[...] uma ‘fé’ numa ou noutra tese, nem da exegese de um livro ‘sagrado’. Em matéria de marxismo, a ortodoxia se refere antes e exclusivamente ao método” (Idem, p. 64).

Alçada ao primeiro plano, a consideração metodológica da dialética remete às relações entre Marx e Hegel15 15 . Segundo Lukács, “é impossível tratar o problema da dialética concreta e histórica sem se estudar mais de perto o fundador deste método, Hegel, e as suas relações com Marx” (Lukács, 2003, p. 9). . A intenção de Lukács, aqui, é determinar de um modo mais preciso – indo além das afirmações indefinidas de Engels e Plekhanov que concebiam abstratamente o marxismo e o movimento operário como “herdeiros da filosofia clássica alemã” – os pontos em que as categorias do método hegeliano se tornaram decisivas para o materialismo histórico.

O projeto explícito – assumido “modestamente” por Lukács como uma tentativa de tornar consciente o método de Marx – é refazer o percurso da apropriação das categorias da dialética hegeliana pelo fundador do materialismo histórico. A reconstrução desse itinerário – assentada na suposição de que é possível uma apropriação fragmentária das categorias da Ciência da lógica – parte de um pressuposto que desde Engels norteia a incorporação da filosofia de Hegel pelo materialismo histórico: a crença na possibilidade e factibilidade de uma separação que, por um lado, conserve o método, a dialética e, por outro, se desembarace das amarras do sistema.

Em Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels interpreta o pensamento de Hegel a partir da contradição – motivadora da querela entre velhos e jovens hegelianos – que desmembra sistema (lado conservador) e método (lado revolucionário) (Engels, 1977ENGELS, Friedrich. (1977), Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. São Paulo, Edições Sociais, 1977., pp. 84-85). Assume assim o pressuposto, compartilhado depois por toda uma geração de hegelianos no início do século XX, descrito sinteticamente na palavra de ordem de Croce: é preciso distinguir, na filosofia de Hegel, entre “aquilo que está vivo e aquilo que está morto”.

A primeira providência de Lukács, por conseguinte, é desmantelar a arquitetura “morta” do sistema, separando a dialética de seu arcabouço histórico. Em suas palavras: “a tarefa consiste em proceder a uma discriminação entre as tendências múltiplas que se entrecruzam e que, em parte, se contradizem violentamente e em salvar, enquanto potência intelectual viva para o presente, o que há de metodologicamente fecundo em seu pensamento” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 57).

As categorias da filosofia de Hegel incorporadas em História e consciência de classe, a dialética cuidadosamente descolada do sistema, se prestam a um propósito nunca explicitado, diria mesmo a um projeto inconsciente. Transplantadas para a teoria marxista, visam a aplainar as ambiguidades e promover uma interpretação unificada dos “fundamentos filosóficos” da teoria de Marx.

O que move Lukács a revitalizar o peso e a importância da dialética hegeliana na teoria de Marx não é apenas a constatação da existência de uma série de categorias continuamente usadas por Marx que provêm diretamente da Lógica de Hegel. Trata-se antes, como ele próprio afirma, da convicção de ter reencontrado o fio que permite, na interpretação da obra de Marx, “[...] compreender o sistema e o método – tal como eles nos são dados – em sua unidade coerente e de preservar essa unidade” (Idem, p. 57).

Reconstruída em sua unidade, como um sistema aberto, a teoria marxista revela um “profundo parentesco” com a reinterpretação da filosofia hegeliana desenvolvida em História e consciência de classe. Essa proximidade não é casual: Marx, segundo Lukács, não apenas corrigiu, mas também “prolongou decisivamente” o pensamento de Hegel: “Assim, o método dialético de Marx nasceu como a continuação consequente do que Hegel havia almejado, mas não obteve concretamente” (Idem, pp. 91-92).

Apesar de conceber a dialética marxista como uma retomada da lógica hegeliana, Lukács não deixa de estabelecer alguns tópicos de descontinuidade entre Hegel e Marx. Condena, por exemplo, a “mitologia conceitual” – a tendência da filosofia hegeliana a conceber a história unicamente na representação dos filósofos, na imaginação especulativa, o que a impede de superar a dualidade contemplativa de pensamento e ser. Entretanto, a marca decisiva da ruptura entre Marx e Hegel consiste no seguinte ponto: “o jovem Hegel põe como primeira exigência de sua filosofia o princípio segundo o qual ‘o verdadeiro deve ser compreendido e exprimido não somente como substância, mas igualmente como sujeito’. […] Somente a Marx estava reservado descobrir concretamente essa ‘verdade enquanto sujeito’ e estabelecer, assim, a unidade da teoria e da práxis” (Idem, pp. 124-125).

Homem de sua época, Hegel não tinha como encontrar o “verdadeiro sujeito”16 16 . Segundo Lukács, “Hegel se esforçou ao máximo na busca por esse sujeito. O ‘nós’ que chega a encontrar é, como se sabe, o espírito do mundo, ou antes, suas figuras concretas, o espírito de cada povo. […] Como principal resultado, o espírito do povo apenas aparentemente é o sujeito da história, o autor de seus atos” (Lukács, 2003, pp. 303-304). . Assim, sua filosofia permaneceu contemplativa, unificando os momentos separados da razão numa reconciliação aparente, meramente teórica: “a filosofia clássica só pode, portanto, deixar como herança para o desenvolvimento (burguês) futuro essas antinomias não resolvidas” (Idem, p. 308).

Essas antinomias, os dilemas da filosofia idealista, só vieram a encontrar sua resolução na teoria de Marx: “A continuação desse novo rumo tomado pela filosofia clássica e que começava, pelo menos no que diz respeito ao método, a apontar para além desses limites, em outras palavras, o método dialético como método da história, foi reservado à classe que estava habilitada a descobrir em si mesma, a partir do seu fundamento vital, o sujeito-objeto idêntico, o sujeito da ação, o ‘nós’ da gênese: ao proletariado” (Idem, p. 308).

O proletariado exerce, portanto, um papel crucial em História e consciência de classe. Intenção de totalidade ou totalidade em intenção, condição da verdade, mediador entre a consciência e a realidade, sujeito e objeto do processo histórico, somente ele permite superar as “antinomias do pensamento burguês”. No mote de Lukács: “a unidade da teoria e da práxis é apenas a outra face da situação social e histórica do proletariado” (Idem, p. 97).

De certo modo, é a concepção de práxis, a possibilidade – latente no proletariado – de uma ação revolucionária, que confere veracidade ao aparato teórico assentado em conceitos de extração idealista. As categorias hegelianas de totalidade e de unidade de sujeito e objeto adquirem assim nova vida útil, transfiguradas pela existência de uma classe que afirma e fundamenta, em sua essência, “a necessidade da revolução social, da transformação total da totalidade da sociedade” (Idem, p. 125).

A consciência do proletariado decorre do desenvolvimento histórico do capitalismo, mas, por outro lado, enquanto “autoconhecimento do objeto”, significa também a autoconsciência da história (ver Idem, pp. 100-101; Merleau-Ponty, 1955MERLEAU-PONTY, Maurice. (1955), Les aventures de la dialectique. Paris, Gallimard., pp. 49 e 63-64). Ao proceder à articulação conceitual de um sujeito global, que é, ao mesmo tempo, sujeito da ação e verdade do todo histórico, a “filosofia da história do materialismo dialético”, tal como compreendida em História e consciência de classe, em seu ponto culminante, define o proletariado, em sua vocação para transformar a realidade, “como sujeito-objeto idêntico do processo histórico-social” (Idem, p. 308).

O próprio Lukács reconhece – no posfácio de 1967 de História e consciência de classe – que conceber o proletariado como sujeito-objeto idêntico da história da humanidade não é uma realização materialista que supera as elaborações do pensamento idealista. Trata-se antes de um hegelianismo exacerbado, uma construção que tem a intenção de ultrapassar objetivamente o próprio mestre, elevando-se acima de toda realidade de maneira audaciosa (Idem, p. 25).

Referências Bibliográficas

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  • WEBER, Max. (2002), “A psicologia social das religiões mundiais”. In: WEBER, Max. Ensaios de sociologia Rio de Janeiro, LTC, pp. 189-211.
  • 1
    . A crítica de Hegel a Kant está espalhada, em diferentes versões, ao longo de sua obra. Um tratamento mais sistemático da filosofia transcendental encontra-se nos parágrafos 40 a 52 da Enciclopédia das ciências filosóficas em epítome e na última seção de Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie [Lições sobre a história da filosofia].
  • 2
    . Para uma análise dessa contraposição e para um relato das incoerências suscitadas pelo propósito da geração de Lukács de conferir ao método matemático uma posição determinante na metodologia da Crítica da razão pura, ver Musse (1993)MUSSE, Ricardo. (1993), “Lukács e o racionalismo moderno”. Discurso. Revista do Departamento de Filosofia da USP. São Paulo, 21: 137-149..
  • 3
    . Lucio Colletti detecta a presença, nesse ponto, de uma influência da filosofia hegeliana, na medida em que “o termo irracionalidade indica a natureza extralógica dos fenômenos sensíveis e, portanto, sua irredutibilidade ao pensamento, com a consequente negação da identidade sujeito-objeto, pensamento-ser” (Colleti, 1976COLLETTI, Lucio. (1976), Il marxismo e Hegel: materialismo dialettico e irrazionalismo. Roma-Bari, Laterza., p. 345).
  • 4
    . História e consciência de classe apresenta como solução para esse dilema entre liberdade e necessidade – presente em tons trágicos na obra anterior de Lukács – a ação revolucionária: “o proletariado, como sujeito do pensamento da sociedade, rompe de um só golpe o dilema da impotência, isto é, o dilema do fatalismo das leis puras e da ética das intenções puras” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 125).
  • 5
    . Nessa retomada da teoria do fetichismo outro livro pioneiro foi, sem dúvida, A teoria marxista do valor, de Isaak Ilich Rubin, publicado na União Soviética em 1924.
  • 6
    . Os principais textos da recepção de História e consciência de classe por ocasião de sua publicação foram coligidos em Boella (1977)BOELLA, Laura. (1977), Intellettuali e coscienza di classe. Il dibattito su Lukács 1923-24. Milano, Feltrinelli..
  • 7
    . Os conceitos polares contemplativo/ativo remetem aos termos da crítica de Marx nas Teses “Ad Feuerbach”, eco de uma contraposição corrente no Idealismo alemão. Evocam também – ainda que em menor medida – a tipologia weberiana do racionalismo religioso, isto é, a distinção entre a atitude “ativamente ascética em oposição à contemplativamente mística” (Weber, 2013WEBER, Max. (2013), “Reflexão intermediária: Teoria dos níveis e direções da rejeição religiosa do mundo”. In: BOTELHO, André (org.). Essencial sociologia. São Paulo, Penguin, pp. 506-552., p. 508).
  • 8
    . Lukács reconhece, no Posfácio de 1967, que determinadas passagens de História e consciência de classe antecipam o desenvolvimento posterior de sua obra, sobretudo no que tange à ontologia do ser social (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., pp. 30-31).
  • 9
    . Convém não ignorar que a principal fonte teórica da compreensão de proletariado desenvolvida em História e consciência de classe consiste numa revalorização dos escritos do jovem Marx Ver Lukács(2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., pp. 64-66 e 308-309) e Lichtheim(1973LICHTHEIM, George. (1973), Lukács. São Paulo, Cultrix., pp. 59-60).
  • 10
    . Na teoria de Lukács, a consciência de classe expressa “a reação racional adequada, que deve ser adjudicada a uma situação típica determinada no processo de produção” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 142).
  • 11
    . Para uma síntese dos argumentos de Lukács acerca dos resultados diferentes da reificação no que tange aos indivíduos ou à classe, ver Lukács (2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., pp. 383-384).
  • 12
    . O pressuposto de Lukács é que, subjetivamente, “embora o processo que reifica o trabalhador e o transforma em mercadoria o desumanize, atrofiando e mutilando a sua “alma” – enquanto ele não se rebelar conscientemente contra isso –, sua essência humana e anímica não são transformadas em mercadoria” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 346).
  • 13
    . Lukács aborda explicitamente a superação do dualismo kantiano pelo ponto de vista do proletariado na mesma seção em que combate a teoria materialista do reflexo (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., pp. 394-404).
  • 14
    . Lukács retoma aqui a determinação de Marx, na “Introdução” da Crítica da filosofia do direito de Hegel, do proletariado como uma esfera que não pode libertar-se sem com isso emancipar todos os demais estratos da sociedade (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 125).
  • 15
    . Segundo Lukács, “é impossível tratar o problema da dialética concreta e histórica sem se estudar mais de perto o fundador deste método, Hegel, e as suas relações com Marx” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., p. 9).
  • 16
    . Segundo Lukács, “Hegel se esforçou ao máximo na busca por esse sujeito. O ‘nós’ que chega a encontrar é, como se sabe, o espírito do mundo, ou antes, suas figuras concretas, o espírito de cada povo. […] Como principal resultado, o espírito do povo apenas aparentemente é o sujeito da história, o autor de seus atos” (Lukács, 2003LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes., pp. 303-304).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2018
  • Aceito
    5 Jun 2018
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