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Edemilson Paraná, Digitalized finance: financial capitalism and informational revolution

Paraná, Edemilson. Digitalized finance: financial capitalism and informational revolution. Leiden: Brill, 2019. 168

Um dos mais relevantes e, ao mesmo tempo, hercúleos esforços das ciências sociais é tomar o capitalismo como objeto de pesquisa. Aliás, tal esforço fundamentou e configurou parte considerável de disciplinas dessa área, tais como a sociologia e a economia. A relevância provém do fato de esse sistema econômico ter ampliado significativamente sua influência estrutural às dinâmicas sociais em praticamente todo o globo ao decorrer dos últimos séculos, sendo quase impossível analisar as sociedades modernas e contemporâneas sem recorrer ao mesmo (Outhwaite, 2015OUTHWAITE, William. ( 2015 ), Social theory. London, Profile Books., p. 21). O caráter hercúleo não só se explica pela amplitude e diversidade de manifestação de tal objeto no globo, mas também pela sua característica de profunda instabilidade e mutabilidade. Ora, foram Karl Marx e Fredrich Engels ( apudBerman, 1986BERMAN, Marshall. ( 1986 ), Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, Companhia das Letras., p. 92) que talvez tenham nos oferecido uma das imagens mais sintéticas sobre o capitalismo na modernidade — tudo o que é sólido desmancha no ar:

O constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de ideias e opiniões veneráveis, são descartadas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem.

Em primeiro lugar, o capitalismo representa uma revolução tecnológica constante. O impulso desmedido por maiores produtividade e lucratividade, em constante concorrência intra e interclasses, impõe aos capitais reconfigurações constantes das bases tecnológicas da produção, circulação e realização do valor (Silver, 2003SILVER, Beverly J. (2003), Forces of labor: workers’ movements and globalization since 1870. Nova York, Cambridge University Press.). As sucessivas revoluções industriais, inclusive, são um dos elementos mais característicos e que colaboraram com a sua periodização histórica (Skilton e Hovsepian, 2018SKILTON, Mark & HOVSEPIAN, Felix. ( 2018 ), The 4th industrial revolution: responding to the impact of artificial intelligence on business. Londres, Palgrave Macmillan., p. 6). Em segundo lugar, as relações sociais sob tal sistema econômico também se fundam em forte instabilidade. Os contraditórios arranjos políticos-institucionais, as formas de subjetividade, as relações de trabalho e os padrões de consumo sofreram profundas alterações no decorrer do tempo. De forma sintética, é da autorrevolução constante que tal sistema se reproduz.

Digitalized finance: financial capitalism and informational revolution , de Edemilson Paraná, que integra a coleção Studies in Critical Social Sciences da editora Brill 1 1 A edição, que acaba de ser lançada, é uma versão revisada e atualizada de livro do mesmo autor publicado originalmente em português, pela Editora Insular, em 2016. , insere-se exatamente nessa desafiadora dimensão da pesquisa social. Ao buscar colaborar na compreensão do momento histórico no qual nos situamos, ou seja, de um capitalismo globalizado e altamente financeirizado, apoiado por um avançadíssimo aparato tecnológico, o autor lança mão de uma abordagem multidisciplinar e multidimensional para captar relações e articulações de elevado nível de complexidade. Para Alfredo Saad-Filho, que, junto de Luiz Gonzaga Belluzzo, Leda Paulani e Maria de Lourdes Mollo, comentam esta edição da obra, a pesquisa de Paraná se encontra na intersecção entre a economia, a política e a sociedade. Afinal, como o autor afirma na introdução, essa é uma exigência para abordar o aspecto de interesse, a saber: “a relação entre o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e a intensificação do processo de financeirização da economia mundial” (p. 3).

Para descrever o que chama de “ciclo operacional da finança digitalizada” (p. 11), esse complexo técnico-sócio-econômico fundamental ao capitalismo contemporâneo, identificar suas determinações principais, suas características e seus efeitos, Paraná se ancora em vários campos e correntes das ciências sociais. O livro possui um claro alicerce nos clássicos, sobretudo Karl Marx e Max Weber. Há também um intenso diálogo com teóricos da financeirização da economia, notadamente François Chesnais e David Harvey, além de um aporte na literatura crítica da tecnologia, e ainda a referência explícita ao filósofo Louis Althusser, de quem busca instrumentos para pensar determinações e causalidades não-simplistas.

A pesquisa não se paralisa no debate e nas constatações teóricas, o que por si só possui sua relevância. Paraná, com base em uma imersão impressionante para uma pesquisa fruto de um mestrado, brinda o leitor com uma quantidade considerável de dados econômicos, contábeis e financeiros, em parte elaborados pelo autor, assim como de quase 40 horas de entrevistas inéditas com mais de 20 especialistas e agentes diretamente vinculados ao universo do mercado financeiro brasileiro, espécie de “ponto de observação” no qual o autor dimensiona suas descobertas teóricas e mais gerais. É no atento intercâmbio entre pesquisa empírica e fundamentação teórica que se estrutura a argumentação do autor.

No primeiro momento (capítulos 1 e 2), o livro se debruça sobre o neoliberalismo e o que a Escola da Regulação francesa chama de regime de acumulação, no caso, de dominância da valorização financeira. Paraná considera as transformações das últimas décadas do capitalismo com base no aprofundamento e concomitante mutação das lógicas já presentes no início do capitalismo. O conceito de capital fictício, e como este se relaciona teórica e historicamente com a dinâmica capitalista como um todo, é o central aqui. Para a teoria marxista, sendo uma secundarização do capital portador de juros (Dinheiro-Dinheiro’), o capital fictício é uma forma do valor que não passa pelo processo produtivo para sua valorização, sendo esta, de certa forma, virtual para fins da acumulação capitalista geral. Tal tipo de capital pode surgir valendo-se da multiplicação, especulação e capitalização de letras de crédito e de câmbio, dívida pública e ações das empresas, dentre outros mais recentes instrumentos do mercado financeiro (tais como os derivativos). Com essa autonomia relativa da esfera da circulação em relação à produção, é dado a capitais individuais possibilidades de se valorizarem sem investimentos produtivos, ao menos até o momento em que crises financeiras desfazem essa pletora de capital valorizado de forma fictícia, sem correspondência na “economia real”.

De acordo com uma gama de autores, o capitalismo das últimas décadas, por razões de ordem econômica (queda real ou esperada de taxa de lucro), política-institucional (maior desregulamentação e abertura dos mercados), entre outras, funciona através de uma predominância da valorização financeira e, em parte considerável, de caráter fictício. Paraná concorda e se fundamenta nessas teorias da financeirização, cujos efeitos transcendem a esfera dos mercados financeiros e impactam diretamente os arranjos produtivos, políticos e socioculturais como, por exemplo, no “processo de reestruturação produtiva, marcado, sobretudo, pela racionalização e intensificação do controle do trabalho” (p. 30).

No entanto, não fica claro para o leitor a equalização entre finanças e economia real, entre capital fictício e mais-valia. A relação entre ambos é qualificada por inúmeras denominações: “separação”, “autonomização”, (pp. 2, 7), “deslocamento” (p. 13), “desencontro”; ou “submissão” (p. 1), dominação/subsunção (p. 21) de um pelo outro; ou mesmo “interdependência” (p. 40). Apesar de tal relação ser, por excelência, contraditória, de acordo com os escritos de Marx, o excesso de definições não deixa claro qual o estatuto dessa contradição. Essa inconsistência, vale ressaltar, não se reduz ao autor em questão, mas se trata de uma fronteira ainda em debate e uma tensão na literatura contemporânea sobre financeirização da economia. Por exemplo, uma das maiores polêmicas dentro desse campo é o quanto a queda da taxa de lucro é fator explicativo “último” e causal do fenômeno da financeirização e suas sucessivas crises (Carchedi e Roberts, 2018CARCHEDI, Guglielmo & ROBERTS, Michael (eds.). ( 2018 ), World in crisis: a global analysis of Marx’s law of profitability. Chicago, Haymarket Books.; Chesnais, 2016CHESNAIS, François. ( 2016 ), Finance capital today: corporations and banks in the lasting global slump. Leiden/Boston, Brill.). Talvez, uma maior consistência do autor adviria de uma localização mais precisa e objetiva diante das controvérsias dessa literatura.

Em seguida, no capítulo 3, Paraná discorre sobre técnica, capital e sociedade. A análise das confluências entre Marx e Weber, nesse aspecto, demonstra uma leitura produtiva dos clássicos. Mas o autor busca nas discussões teóricas críticas da ciência e da tecnologia um maior aporte para analisar a dimensão da técnica de uma forma não-determinista e apenas relativamente autônoma, destacando os conteúdos sociopolíticos inscritos na mesma, sobretudo no que tange à dominação e a reprodução do capital.

Nesse ponto, o autor já nota mútuas determinações entre, de um lado, os imperativos do sistema capitalista e sua necessidade de reformulação do espaço-tempo para fins de ampliação, aceleração e concentração-centralização da reprodução do capital (inclusive fictício), e de outro, as novas tecnologias informacionais que possibilitam crescente capacidade de armazenamento, processamento e transmissão de dados, em velocidade e distâncias enormes.

Ora é esse complexo sociotécnico que possibilita e caracteriza a finança digitalizada, na qual o “espírito animal” (Keynes) dos mercados financeiros “corre hoje nas linhas de transmissão de fibra ótica de altíssima velocidade” (p. 60). Aqui, Paraná nos apresenta um substancial estudo empírico, com dados internacionais e nacionais, além da análise das entrevistas já citadas, que configura e concretiza para o leitor o ciclo operacional no qual ocorre esse novo tipo de finança. Sem dúvida, é nesse momento em que se encontram os maiores achados de sua pesquisa.

No capítulo 4, debruça-se sobre a crescente informatização das finanças no mundo a partir dos anos 1980, já sob as circunstâncias de um novo regime de acumulação. O autor identifica no avanço do desenvolvimento tecnológico referente ao mercado financeiro uma tendência majoritária, ou seja,

[…] a integração entre produção e circulação de informações e diferentes níveis com a negociação automática de altíssima velocidade […] por meio do processamento de alta intensidade de dados em volumes, variedades e complexidades crescentes, estruturados em cadeias de significância, com auxílio de computação de alta performance (p. 61).

Ao longo do capítulo, vemos um esmiuçar dessa tendência geral. Paraná constata fortes e assimétricos investimentos e competição dos agentes e instituições financeiras em aperfeiçoar e potencializar suas infraestruturas tecnológicas, programas e redes a fim de uma gerência mais eficiente de informações que resulte em ganhos econômicos nesse mercado. Tal concorrência se dá no terreno da redução e reestruturação do espaço-tempo, que alça patamares de negociações cada vez mais automatizadas de alta frequência. Ou seja, com a substituição paulatina de agentes humanos por opacos algoritmos de negociação, por vezes com inteligência artificial, “base de sustentação cognitiva dos ‘robôs’ de execução automática de ordens [de precificação, antecipação, compra/venda etc.]” (p. 64), em um “espiral de complexidade” (p. 88).

Na finança digitalizada global, por conta de suas determinações sociotécnicas, os agentes que realizam as relações mercantis de ponta são computadores e seus programas, em vez de humanos em interação face a face ou via linha telefônica. O parâmetro tempo está nos milissegundos. Sua geografia, nas redes de sistemas de negociação e dados financeiros. Essa é uma realidade crescente, como mostram os dados de Paraná, apesar das inúmeras e extremas distorções que causam entre a “competição” dos agentes de mercado, assim como da elevação de riscos sistêmicos e instabilidades nesse mercado – que, por sua vez, reverberam e se transmitem para outras dimensões da sociedade e são alvos de preocupação de agentes de regulação estatais e multilaterais.

Aliás, esse efeito de defasagem entre finança e regulação estatal para agentes humanos “leigos”, é o que defende o autor, age de forma a retroalimentar a hegemonia da acumulação financeira e a centralização/concentração de capitais nessa esfera. A dimensão propriamente política desse aspecto é ressaltada no livro em uma rápida digressão sobre mecanismos e instrumentos regulatórios de tal finança, mas que permitem ao leitor compreender os imensos limites dos Estados-nação, dos atuais arranjos institucionais e do aparato tecnológico dos agentes de monitoramento de mercado, cujas independências frente ao mercado financeiro são altamente questionáveis por conta do poderoso lobby e influência política deste último.

Ao adentrar na problemática da (não) regulação, Paraná não se aprofunda em uma concepção de Estado, todavia. Ao longo do livro trata apenas das alterações estatais gerais decorrentes da mudança no regime de acumulação. Assim, não conseguindo sustentar e analisar com maior profundidade a tensão entre regulação-desregulação na qual o Estado parece se inserir. Do ponto de vista do Estado, tal tensão representaria disputas entre frações de classes dominantes? Ou setores/instituições dentro do mesmo? Um complicador, no tocante ao capital fictício, é o fato de o próprio Estado ser o produtor mais “evidente” desse tipo de capital, através da dívida pública (p. 26). Este seria uma espécie de “concorrente” sui generis nesse mercado?

Para deixar mais concreto, foquemos em dois exemplos dessa lacuna do autor. Em um mesmo parágrafo (p. 32), o Estado “orienta-se cada vez mais para garantir a sustentação da valorização financeira” e, ao mesmo tempo, “é colocado em uma situação ingrata” de tentar regular essa valorização. Impulsionador ou barreira? Em outro parágrafo (p. 93), o Estado faz “vista grossa”, é incapaz de “interferir corretamente” e/ou está “igualmente submetido ao jogo”. Conivente, ineficiente ou player ?

Paraná poderia recorrer à categoria de autonomia relativa, mencionada em algumas partes do livro. Mas como diz Brunhoff (1985BRUNHOFF, Suzanne de. ( 1985 ), Estado e capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro, Forense Universitária., p. 118): “a autonomia relativa do Estado não é um dado; é uma criação contínua. Esclarecer esse jogo é também mostrar como a intervenção econômica do Estado capitalista combina vários espaços de intervenção e várias dimensões temporais”. Ou seja, a autonomia relativa é mais uma melhor forma, mais exata, de colocar o problema, em vez de uma solução definitiva 2 2 Além da relatividade de tal autonomia, alguns autores questionam inclusive o fundo intencional e teleológico das políticas de desregulamentação financeira, incluindo o aspecto da aleatoriedade. Por exemplo, Krippner (2011, p. 27): “o regime político que deu suporte à financeirização nas últimas décadas foi um resultado não intencional da ação dos formuladores de políticas que apenas procuravam solução para uma série de dilemas que foram aparecendo no final dos anos 1960 e 1970”, notadamente, dilemas relacionados com as múltiplas crises nas sociedades capitalistas da época. É interessante destacar, por fim, que, de certa forma, Paraná sana suas lacunas em relação à concepção de Estado em sua tese. Eis um dos trechos que mais poderiam colaborar com a discussão em tela: “Em teoria, ao Estado neoliberal cabe fortalecer o regime de direito, especialmente os direitos individuais à propriedade privada, e as instituições que amparam o livre funcionamento dos mercados. Mas é patente que, na prática, ele não se restringe a isso. Podemos falar, assim, nos termos da discussão do capítulo anterior, em uma captura ou diminuição daquela “autonomia relativa” característica do Estado capitalista; “autonomia relativa” essa, melhor seria dizer, que passa a ser instrumentalizada para outros fins que não a mediação entre as classes em favor da manutenção de condições gerais para a acumulação, mas da utilização desta autonomia para atender aos interesses específicos de uma fração de classe (vinculada à renda financeira) em detrimento, se preciso for, do crescimento econômico e da estabilidade política e social” (Santana Junior, 2018, p. 150). .

No capítulo 5, há uma circunscrição no contexto brasileiro e suas especificidades. A constituição da finança digitalizada, em nosso país, ocorre através de conexões e descontinuidades em relação ao cenário internacional. Em primeiro lugar, o autor afirma que apesar de ter sido um personagem histórico no processo de financeirização global a partir dos anos 1990, o Brasil se insere de modo periférico nesse processo (p. 106). No mesmo sentido, o volume de valores e ativos, assim como seu estágio na dimensão de complexidade apontada acima, encontra-se muito aquém dos mercados centrais. No entanto, no tocante à regulação e controle de riscos, o país “é visto como referência internacional” (p. 109).

Mas é nesta maior regulamentação que Paraná identifica o ponto de tensão e mutação recente de nossa finança digitalizada. Isso porque, os imperativos e as tendências globais do complexo sociotécnico acima descritos também agem com força em nosso território. Negociações automatizadas de alta frequência, investimentos e inovações tecnológicas, concentração e reestruturação do mercado financeiro são fatores que têm crescido de forma consistente.

Como verbaliza um dos agentes do mercado a que o livro dá voz: “aquela bolsa (de valores), que até 1989 era fundamentalmente mantida por transações de pessoas físicas […] mudou radicalmente. Foi tudo pulverizado, aniquilado, tirado do mapa.” (p. 113). Seguindo as grandes bolsas do mundo, mas não sem tensões entre os diversos grupos econômicos e políticos (nacionais e internacionais) envolvidos, os quais têm sua genealogia tecida por Paraná 3 3 . Nessa parte, temos um aprofundamento de uma concepção do Estado, mas ainda em estágio descritivo . , o atual sistema operacional de nossa bolsa (BM&FBovespa, atual B 3 3 . Nessa parte, temos um aprofundamento de uma concepção do Estado, mas ainda em estágio descritivo . – Brasil, Bolsa, Balcão, fruto de mais uma centralização de capital no setor financeiro), o Puma Trading System, instalado em 2011, é capaz de “processar uma oferta no tempo de 1 a 1,5 milissegundos, em média” (p. 110) sendo indício de uma nova estrutura das finanças em nosso país.

Mas ao buscar fazer a síntese do referido capítulo, nota-se outra inconsistência considerável. Se no capítulo 3, Paraná recorre à noção althusseriana de sobredeterminação para pensar o desenvolvimento tecnológico e a inter-relação entre práticas e dimensões sociais, aqui, com base nos achados empíricos, recorre à noção weberiana de afinidades eletivas (p. 129). Apesar de ambas poderem ser usadas e conviverem entre si, em nível heurístico, achamos que esse uso não rigoroso dos conceitos não colabora com a estrutura argumentativa do livro. A sobredeterminação pressupõe uma causalidade determinante, “em última instância” (p. 134), uma dominância frente a autonomias relativas. Características que não estão presentes no conceito de afinidades eletivas, ao menos não à primeira vista – novamente, exigindo do autor, no mínimo, uma conceituação mais fina e posicionamento mais objetivo, cujo “momento” mais propício talvez fosse durante a análise de confluências entre Marx e Weber no terceiro capítulo.

Desconsiderando tal fragilidade, Paraná, ao fim, consegue demonstrar que a o ciclo operacional da finança digitalizada no Brasil está, considerando as especificidades genealógicas e quantitativas, em consonância com as finanças globais.

Seu modelo próprio de desenvolvimento e funcionamento, tido como mais regulado que os demais, não impediu o crescimento galopante da presença de negociações de alta frequência, o afastamento do pequeno investidor […], a dominação quase completa do mercado por grandes investidores institucionais e estrangeiros, e a concentração observada em diferentes níveis (p. 146).

No final, o autor chama atenção para as “potencialidades antissistêmicas” (p. 147) das novas tecnologias, assim como para as fissuras e profundas contradições presentes no novíssimo mundo moldado sob a égide da finança globalizada. Relembrando assim, que os circuitos da história, como dizia o mestre Florestan, fecham, mas também abrem.

A obra se destaca pela ousadia de tratar de um tema complexo, emergente e relevante, assim como de se situar nas fronteiras disciplinares das ciências sociais. Os achados são de interesse de vários campos, entre eles a sociologia econômica e a economia política, os estudos de ciência, tecnologia e sociedade, teoria crítica entre outros.

Referências Bibliográficas

  • BERMAN, Marshall. ( 1986 ), Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo, Companhia das Letras.
  • BRUNHOFF, Suzanne de. ( 1985 ), Estado e capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro, Forense Universitária.
  • CARCHEDI, Guglielmo & ROBERTS, Michael (eds.). ( 2018 ), World in crisis: a global analysis of Marx’s law of profitability. Chicago, Haymarket Books.
  • CHESNAIS, François. ( 2016 ), Finance capital today: corporations and banks in the lasting global slump. Leiden/Boston, Brill.
  • KRIPPNER, Greta R. ( 2011 ), Capitalizing on crisis: the political origins of the rise of finance. Cambridge/Massachusetts, Harvard University Press.
  • OUTHWAITE, William. ( 2015 ), Social theory. London, Profile Books.
  • SANTANA JUNIOR, Edemilson Cruz. ( 2018 ), Dinheiro e poder social: um estudo sobre o bitcoin. Brasília, tese de doutorado. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília.
  • SKILTON, Mark & HOVSEPIAN, Felix. ( 2018 ), The 4th industrial revolution: responding to the impact of artificial intelligence on business. Londres, Palgrave Macmillan.
  • SILVER, Beverly J. (2003), Forces of labor: workers’ movements and globalization since 1870. Nova York, Cambridge University Press.

Notas

  • 1
    A edição, que acaba de ser lançada, é uma versão revisada e atualizada de livro do mesmo autor publicado originalmente em português, pela Editora Insular, em 2016.
  • 2
    Além da relatividade de tal autonomia, alguns autores questionam inclusive o fundo intencional e teleológico das políticas de desregulamentação financeira, incluindo o aspecto da aleatoriedade. Por exemplo, Krippner (2011KRIPPNER, Greta R. ( 2011 ), Capitalizing on crisis: the political origins of the rise of finance. Cambridge/Massachusetts, Harvard University Press., p. 27): “o regime político que deu suporte à financeirização nas últimas décadas foi um resultado não intencional da ação dos formuladores de políticas que apenas procuravam solução para uma série de dilemas que foram aparecendo no final dos anos 1960 e 1970”, notadamente, dilemas relacionados com as múltiplas crises nas sociedades capitalistas da época. É interessante destacar, por fim, que, de certa forma, Paraná sana suas lacunas em relação à concepção de Estado em sua tese. Eis um dos trechos que mais poderiam colaborar com a discussão em tela: “Em teoria, ao Estado neoliberal cabe fortalecer o regime de direito, especialmente os direitos individuais à propriedade privada, e as instituições que amparam o livre funcionamento dos mercados. Mas é patente que, na prática, ele não se restringe a isso. Podemos falar, assim, nos termos da discussão do capítulo anterior, em uma captura ou diminuição daquela “autonomia relativa” característica do Estado capitalista; “autonomia relativa” essa, melhor seria dizer, que passa a ser instrumentalizada para outros fins que não a mediação entre as classes em favor da manutenção de condições gerais para a acumulação, mas da utilização desta autonomia para atender aos interesses específicos de uma fração de classe (vinculada à renda financeira) em detrimento, se preciso for, do crescimento econômico e da estabilidade política e social” (Santana Junior, 2018, p. 150).
  • 3
    . Nessa parte, temos um aprofundamento de uma concepção do Estado, mas ainda em estágio descritivo .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    2 Fev 2019
  • Publicado
    10 Jul 2019
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