Acessibilidade / Reportar erro

“Sou brasileiro, democrata e editor”: Ênio Silveira e a repressão à editora Civilização Brasileira (1963-1970)

“I am Brazilian, Democrat and Editor”: Ênio Silveira and the repression against Editora Civilização Brasileira (1963-1970)

Resumo

O artigo discute o problema da censura a livros durante a primeira fase do regime militar no Brasil e de que forma editores e empresários do ramo editorial criaram estratégias comerciais para a comercialização de obras classificadas como subversivas pelos órgãos de controle da ditadura. Para tanto, a Editora Civilização Brasileira assim como seu proprietário, Ênio Silveira, tornam-se aqui objetos centrais da análise para que possamos compreender as dinâmicas que se operaram no campo das esquerdas intelectualizadas, formado a partir da associação ambivalente entre engajamento e mercado.

Ditadura militar; Intelectuais; Mercado editorial; Comunismo

Abstract

The article discusses the problem of book censorship during the first phase of the military regime in Brazil and how publishers and businessmen in the publishing industry created commercial strategies to commercialize works classified as subversive by the dictatorship’s control agencies. For this reason, Editora Civilização Brasileira and its owner, Ênio Silveira, become central objects of analysis that allow us to understand the dynamics working in the field of the intellectual left, formed from the ambivalent association between engagement and the market.

Military dictatorship; Intellectuals; Book Publishing market; Communism

Os livros entre a repressão e a censura

No dia 26 de janeiro de 1970, a edição do Diário Oficial na União trazia a publicação de um decreto-lei que, entre outras coisas, definia critérios sobre o exercício de censura a livros no Brasil. Fase da ditadura militar em que o recrudescimento da repressão e a centralização dos poderes e da vigilância acentuavam-se sobretudo depois da edição do Ato Institucional n. 5 (AI-5), em dezembro de 1968. Se entre 1964 e 1968 havia relativa liberdade de expressão, circulação de ideias e ampliação da esfera pública de debates, ela deixaria de existir nos anos subsequentes até alcançar a fase de “abertura” política.

Foi nesse momento de transformações do aparato repressivo e reestruturação da ditadura militar que o decreto-lei n. 1.077 veio a lume ( Brasil, 1970BRASIL. (1970), Decreto-lei n. 1.077. Dispõe sobre a execução do artigo 153 § 8º, parte final, da República Federativa do Brasil. Brasília, 26 jan. 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm, consultado em 3/7/2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
). Substanciado na redação da Emenda Constitucional n. 1, de 1969, em seu artigo 153, parágrafo 8º, o decreto-lei aludia a instrumentos de controle e meios para aplicar a censura prévia a publicações contrárias à moral e aos costumes1 1 . No artigo 153, § 8º da emenda constitucional n. 1, de 1969, definia-se: “É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” ( Brasil, 1969 ). . O conjunto de normas ali prescritas visava a proteger a instituição da família, preservar-lhe os valores éticos e assegurar a “formação sadia e digna da mocidade”. O decreto-lei ainda dispunha que:

Considerando que algumas revistas fazem publicações obscenas e canais de televisão executam programas contrários à moral e aos bons costumes; considerando que se tem generalizado a divulgação de livros que ofendem frontalmente a moral comum; considerando que tais publicações e exteriorizações estimulam a licença, insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade brasileira; considerando que o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo que põe em risco a segurança nacional, decreta que […] caberá ao Ministério da Justiça, através do seu Departamento de Polícia Federal, verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente da proibição enunciada (Brasil, 1970).

A censura a publicações editoriais já foi analisada e debatida por diferentes autores(as) e enfoques. Um dos trabalhos de maior referência talvez seja o de Sandra Reimão. Em Repressão e resistência: censura a livros na ditadura militar ( Reimão, 2011REIMÃO, Sandra. (2011), Repressão e resistência: censura a livros na ditadura militar . São Paulo, Edusp. ), a autora desenvolve algumas linhas de análise que permitem compreender o processo que levou ao controle da produção e circulação de obras consideradas ameaça ao governo de 1964. Segundo ela, a censura a livros teve uma forte presença sobretudo nos anos que se sucederam à edição do AI-5 e quando essa atividade foi designada ao Serviço de Censura e Diversões Públicas (SCDP)2 2 . Sobre as mudanças do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) e as transformações que levaram à formação da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), consultar Garcia, 2014 . , que também exercia censura sobre outras atividades culturais e artísticas. Reimão sugere três hipóteses que estruturaram a censura exercida por aquele Serviço: (1) O SCDP teria uma perspectiva censória mais moral e menos política. (2) A importância e a necessidade da presença da censura às chamadas “diversões públicas” (teatro, cinema, televisão e, mais tarde, o livro) fizeram-se na medida em que a entidade funcionava como componente da regulação da vida social sob o signo da ditadura, inclusive com leniência de setores considerados progressistas. (3) Os próprios produtores culturais (intelectuais e artistas) faziam uso da prática de autocensura como forma de dar às produções um caráter menos “subversivo” e que não as colocasse na condição prévia de censuradas (Reimão, 2011, p. 56).

Há algum tempo essa discussão sobre os mecanismos censórios faz-se um terreno muito profícuo para os estudos sobre o controle da opinião, afinal entender as dinâmicas da censura no Brasil implicaria, de uma só vez, analisar a institucionalidade do controle social e pormenorizar a atividade dos órgãos de censura, respaldada nos aspectos morais e nos “bons costumes” que, por sua vez, lhes dariam a legitimidade necessária. Noutras palavras: por detrás de todo o aparato institucional que colocava em prática as políticas censórias, havia uma complexa trama de valores, interesses e demandas sociais, no esforço permanente de reafirmar práticas “sadias” necessárias a qualquer sociedade que prezasse pela ordem. A censura estaria constituída, segundo as premissas desse debate, por duas dimensões intercambiáveis e indefinidas, a saber: a política e a moral.

Nessa linha de argumentação, insere-se o trabalho de pesquisa de Douglas Attila Marcelino, que, com base nas pesquisas de Carlos Fico, esforça-se por reafirmar essa disposição ambivalente da censura: haveria uma censura posta em prática a partir de julgamentos de ordem moral, e outra censura política, esta mais evidenciada por ter sido sistematicamente denunciada, visto que afetou parte considerável da produção cultural enquanto vigeu a ditadura. Ainda que se possa constituir a distinção com o intuito de sugerir uma tipologia da censura levada a cabo pelos órgãos de Estado, o autor não torna evidentes os limites fronteiriços entre as duas. Noutras palavras, ainda que a censura fosse realizada tendo por base tal distinção, ineficaz se torna a tarefa de delimitar o campo de influência de cada uma delas. Ora, a moral atravessa o político e nele se insere como realização objetiva de juízos de valor. Valores compõem uma visão de mundo, um ethos próprio de um grupo social que, por meio das estruturas de poder, manifestam-se racional e objetivamente. No que concerne à censura de forma mais abrangente, Marcelino afirma:

É importante observar não apenas como ambas as censuras eram atividades distintas, mas como elas funcionavam a partir de suas lógicas próprias e envolviam setores diferenciados dentro dos governos militares. […] E muito embora a grande maioria dos trabalhos sobre censura do período tenha enfatizado somente a natureza política da repressão executada pela SCDP, este órgão tinha como uma de suas principais características a função de se voltar para as questões referentes à moral e aos bons costumes. […] A censura de diversões públicas, que abarcava as peças de teatrais, a produção musical, a cinematografia, a programação de rádio e televisão, e que, a partir de 1970 passou a ser direcionada também aos livros, estava ancorada em uma forte tradição de censura de costumes que, além de anteceder em muito os anos da ditadura militar, enraizava-se em convicções profundas sobre a necessidade de se resguardarem certos padrões morais considerados típicos da sociedade brasileira ( Marcelino, 2011MARCELINO, Douglas Attila. (2011), Subversivos e pornográficos: censura de livros e diversões públicas nos anos 1970 . Rio de Janeiro, Arquivo Nacional. , pp. 17-24).

Ou seja, no que tange à formulação do argumento das “duas censuras” a que se refere o autor, na verdade torna-se inverossímil, visto que, embora se suponha a existência de diferentes elementos (tipos) que embasaram os julgamentos censórios, esses elementos entremeiam-se num só processo de repressão posto em prática pelo Estado militarizado. Ou, como dito anteriormente: a repressão política fica a serviço das demandas morais e se confunde com ela, pois nesse entrelaçamento também podemos constatar os laços sociais formados com a aproximação de setores conservadores da sociedade brasileira e políticas centralizadoras e intervencionistas do Estado. Com efeito, a censura foi exercida de forma institucionalizada, seja com a SCDP ou com a DCDP, mas nos dois momentos não deixou de nutrir estreitos vínculos com certa opinião pública que, ao se colocar no papel de “guardiã dos bons costumes”, se tornava fiadora da ação política do Estado repressor. Num ensaio publicado na década de 1970, ao analisar tais relações das corporações militares com grupos de “agentes sociais e políticos”, Wanderley Guilherme dos Santos argumentava, por exemplo:

[…] o que tem legitimado o sistema, mais que seu empenho econômico, aliás, controverso em vários aspectos – é a sustentação de um pacto que se estabeleceu no âmago das corporações militares entre diversas correntes e tendências, e por exclusão de praticamente todos os demais atores do cenário político brasileiro de pré-64. Esse pacto não se consolidou sem crises, o que é natural, e creio ser possível tomar 1964, 1965 e 1968 como episódios que entremostram o difícil processo de sua constituição. Se assim é, qualquer desarranjo da política econômica, ou social, ou “política”, provocará, a meu ver, pelo menos de imediato, não a modificação, mas a acentuação das características do atual sistema, como uma espécie de reação espontânea a fim de tornar o pacto básico tão invulnerável quanto possível. A menos, é claro, que o próprio pacto já tenha sido rompido. […]. Institucionalmente o problema que se coloca consiste em deslocar o centro de gravidade da estabilidade do sistema do pacto estritamente militar, ou quase, em que reside agora, para um pacto do qual participem grupos e agentes sociais e políticos marginalizados desde 1964 ( Santos, 1978SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (1978), Poder e política: crônica do autoritarismo brasileiro . Rio de Janeiro, Forense Universitária. , pp. 43-44).

Assim, essa relação entre diferentes instâncias de poder e as dinâmicas de sua manutenção – bem como de reprodução e legitimação do ethos autoritário – levava a uma associação mais complexa entre aquilo que era interpretado como tema moral ou político aos olhos dos setores de informação militares. Nesse sentido, é interessante observar que, sobretudo antes de 1968, essa dinâmica relacional implicaria a mobilização de outros instrumentos – seja pelo fato de ainda não haver estruturação adequada dos processos controle (e censórios, no caso), seja porque a participação de grupos e agentes sociais foi um elemento de fortalecimento do “pacto autoritário”, conforme argumento de Wanderley Guilherme dos Santos.

É próximo dessa perspectiva de análise que o trabalho de pesquisa de Miliandre Garcia se assenta, ao analisar o problema da censura nos anos seguintes ao golpe de Estado. Garcia, por exemplo, ao analisar a dinâmica interna dos órgãos de censura, identifica que entre 1962 e 1967 o SCDP passou por um processo de reestruturação administrativa que resultou na configuração da DCDP ( Garcia, 2019GARCIA, Miliandre. (2019), “Teatro, censura e ‘supercensura’ na ditadura militar”. In: FONTANA, Fabiana & GUSMÃO, Henrique Buarque. O palco e o tempo: estudos de história e historiografia do teatro . Rio de Janeiro, Gramma. , p. 2). E corroborando o argumento de um dos diretores da DCDP, Coriolano de Loyola Cabral Fagundes, aponta para a existência daquilo que este último denominava de “supercensura”. Segundo Garcia, um tipo de “atividade realizada, na maioria das vezes, silenciosamente, sem repressão pública, mas que era atentamente ouvida nos bastidores da censura, por seus técnicos e dirigentes, tomada como ‘lei’ dependendo de onde vinha” (Garcia, 2019, p. 2). Ou seja, um tipo de censura que podia ser posta em prática pelos órgãos de controle desde que houvesse manifestação ou denúncias da parte de terceiros. Assim, padres, estudantes, donas de casa e políticos se tornaram figuras importantes na constituição da “supercensura”, ou seja, “um tipo de censura extraoficial que atuava nos bastidores do poder, […] sem nunca ser identificada ou ser responsabilizada pelo cumprimento de suas demandas” ( Garcia, 2019GARCIA, Miliandre. (2019), “Teatro, censura e ‘supercensura’ na ditadura militar”. In: FONTANA, Fabiana & GUSMÃO, Henrique Buarque. O palco e o tempo: estudos de história e historiografia do teatro . Rio de Janeiro, Gramma. , p. 3). Ou, na descrição do próprio Coriolano Fagundes:

Por trás dos censores operava a superestrutura: são as cartas da Presidência da República, os consensos dos cineminhas nos ministérios, os assessores e amigos do ministro da Justiça. A essa legião de censores extras somam-se juízes menores e outras autoridades, ou cidadãos, que comunicam suas objeções à circulação de determinadas obras. […] A supercensura não aparece, recaindo todo o ônus dessa atividade sobre a censura profissional. […] O ministro da Justiça faz consultas a amigos como o senador Dinarte Mariz, que certa vez o aconselhou a mandar prender o escritor Rubem Fonseca, de cujo livro proibido Feliz Ano Novo o sr. Armando Falcão guarda um exemplar em sua gaveta, no gabinete, com trechos grifados em vermelho ( Garcia, 2019GARCIA, Miliandre. (2019), “Teatro, censura e ‘supercensura’ na ditadura militar”. In: FONTANA, Fabiana & GUSMÃO, Henrique Buarque. O palco e o tempo: estudos de história e historiografia do teatro . Rio de Janeiro, Gramma. , p. 3).

A partir dessa proposição, a relação entre política e moral se torna mais complexa, e a censura passa a ser interpretada não apenas como resultado da dicotomia das duas esferas, mas da sua intrincada relação. Vê-se, por exemplo, que o SCDP – em sua fase anterior à estruturação que levou à constituição da DCDP – atuou, por meio da supercensura, na produção de informações ou até mesmo na perseguição de intelectuais, artistas e demais produtores culturais, desviando-se de seu propósito e competências. Ou, como frisa Miliandre Garcia:

[…] o processo de centralização da censura de diversões públicas também correspondeu a um projeto de expansão do controle nacional sobre as manifestações públicas genericamente designadas “diversões públicas”. De 1964 a meados de 1970 percebia-se claramente que a censura e seus agentes se converteram num organismo complexo para o qual convergiam múltiplas demandas provenientes de instâncias diversas, desde altos escalões do governo até manifestações da sociedade civil. Dessa forma, as instâncias censórias não só cumpriram determinações superiores da Presidência da República, do Ministério da Justiça e do DPF, muitas vezes houve divergências entre esses setores, como também responderam às demandas externas da comunidade de informações, do Juizado de Menores, de entidades religiosas, de autoridades políticas e de pessoas influentes (ou não) de setores da sociedade ( Garcia, 2019GARCIA, Miliandre. (2019), “Teatro, censura e ‘supercensura’ na ditadura militar”. In: FONTANA, Fabiana & GUSMÃO, Henrique Buarque. O palco e o tempo: estudos de história e historiografia do teatro . Rio de Janeiro, Gramma. , p. 17).

A abordagem sugerida por Garcia possibilita ampliar o escopo da discussão e compreender como os mecanismos de censura não apenas sofreram adaptações conforme as conjunturas e as demandas que lhes eram atribuídas, mas também pormenorizar as práticas repressivas do SCDP e, mais tarde, da DCDP. Permite, por exemplo, estender a análise para além das chamadas “diversões públicas” e compreender como sucedia a produção de dados para a comunidade de informações mesmo em áreas que ainda não eram legisladas, como é o caso do mercado editorial – que apenas em 1970 será regido pela censura.

O mercado editorial na construção da hegemonia cultural de esquerda

Mesmo que as bases legais para o exercício da censura ao mercado editorial tenham sido formuladas apenas com a publicação do decreto-lei n. 1.077, isso não significa que antes não houvesse repressão à produção e à circulação de obras bibliográficas. O mercado editorial teve uma ampliação expressiva na década de 1960 e conquistou um padrão comercial sem precedentes. Segundo Hallewell (1985HALLEWELL, Laurence. (1985), O livro no Brasil: sua história . São Paulo, T. A. Queiroz/Edusp. , p. 426), se no ano de 1950 um total de 19.583 milhões de exemplares de livros foram postos em circulação, no ano de 1964 esse número saltou para 66.559 milhões. Novas editoras e políticas do governo para implementação do livro didático e não didático favoreceram essa ampliação, associada ao crescente número de estudantes no ensino superior, também em expansão da década de 1960. Para o autor,

O crescimento real do mercado do livro não didático só foi retomado quando o governo começou a interessar-se por essa indústria, e isso apenas se verificou com a ascensão à Presidência da República, em 31 de janeiro de 1956, de Juscelino Kubitschek. A extensão de seu envolvimento pode ser avaliada na mensagem ao Congresso em princípio de 1958, na qual insistiu em que a produção de livros, um “indicador excelente” do progresso cultural do país e um tributo à empresa privada brasileira, exigia do governo “a mais entusiasta ajuda e estímulo”. Tudo deveria ser e seria feito para suprir a crescente necessidade brasileira de livros. Os custos de papel e de impressão precisavam ser reduzidos e a indústria editorial devia ter o mesmo direito de amplo acesso ao financiamento de que desfrutavam os demais setores da indústria ( Hallewell, 1985HALLEWELL, Laurence. (1985), O livro no Brasil: sua história . São Paulo, T. A. Queiroz/Edusp. , p. 442).

Somados os desdobramentos do golpe de 1964, essa ampliação foi um dos motivos de incômodo entre setores militares e que levou a ensejar mecanismos de controle daquilo que Flamarion Maués chama de “editoras de oposição” (Maués, 2005, p. 260). Essa classificação – embora não fizesse parte de um plano entre as editoras que, via de regra, possuíam um catálogo associado à literatura comunista ou marxista – colocaria em relevo um determinado mercado e um público consumidor de obras bibliográficas que teria uma projeção importante a partir de 1964. Segundo Maués, por editoras de oposição se poderiam entender aquelas editoras

[…] com perfil marcadamente político e ideológico de oposição ao governo militar e compunham um universo que englobava desde editoras já estabelecidas como Civilização Brasileira, Brasiliense, Vozes e Paz e Terra, até outras surgidas naquele período como Alfa-Ômega, Global, Brasil Debates, Ciências Humanas, Kairós, Codecri, Livramento, Vega, entre outras. Algumas dessas editoras mantinham vínculos estreitos com partidos e grupos políticos, alguns deles na clandestinidade, ou foram criadas por esses grupos. Outras não estabeleciam vinculações políticas orgânicas, mas, por sua linha editorial, acabavam representando iniciativas políticas de oposição ( Maués, 2005MAUÉS, Flamarion. (2005), “Ter simplesmente este livro nas mãos já é um desafio: livros de oposição no regime militar, um estudo de caso” . Revista em Questão , 11 (2). , p. 261).

Contudo, e como lembra o autor, é importante frisar que, apesar da formação de uma oposição à ditadura por parte das editoras, isto não as tornava necessariamente parte de um empreendimento ou programa das esquerdas políticas. A oposição se constituiu para além da conotação ideológica e agregou diferentes setores políticos e ideológicos, como liberais, nacionalistas, dissidentes do governo, comunistas, socialistas, marxistas etc.3 3 . Sobre a gênese das resistências culturais na ditadura a partir da relação entre diferentes setores e matizes ideológicos na ditadura, consultar Napolitano (2017) . , e fizeram com que essas editoras se definissem pelo variado matiz temático, ainda que atuando no campo da oposição à ditadura ( Maués, 2014MAUÉS, Flamarion. (2014), “Livros, editoras e oposição à ditadura”. Estudos Avançados , São Paulo, 28 (80): 91-104. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100009&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 95).

Caso emblemático, apontado por pesquisadores e pesquisadoras que estudam ou estudaram o período em questão, é a Editora Civilização Brasileira (ECB). Sua presença foi fundamental não apenas para o fortalecimento do mercado editorial, mas para a (re)articulação de muitos intelectuais em torno de seus projetos editoriais por toda a década de 1960, sobretudo após o golpe de 1964. Não apenas o trabalho de pesquisa de Maués (2014)MAUÉS, Flamarion. (2014), “Livros, editoras e oposição à ditadura”. Estudos Avançados , São Paulo, 28 (80): 91-104. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100009&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, mas também os de Vieira (1996a), Czajka (2005)CZAJKA, Rodrigo. (2005), Páginas de resistência: intelectuais e cultura na Revista Civilização Brasileira. Campinas, São Paulo, dissertação de mestrado em sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. , Neves (2006)NEVES, Ozias Paese. (2006), Revista Civilização Brasileira (1965-1968): uma cultura de esquerda no cenário político ditatorial . Curitiba, dissertação de mestrado em história, Universidade Federal do Paraná. , Galucio (2009)GALUCIO, Andréa Lemos Xavier. (2009), Civilização Brasileira e Brasiliense: trajetórias editoriais, empresários e militância política . Niterói, tese de doutorado em história social, Universidade Federal Fluminense. e Castro (2014)CASTRO, Ana Caroline Silva de. (2014), “Ênio Silveira: edição, repressão e redes de sociabilidade”. ExtraPrensa , 8 (14): 34-40. levam em consideração a importância da ECB e, em especial, de seu editor, Ênio Silveira, na condução de uma política editorial complexa e variada, enquanto esteve na direção da editora, que era também sua propriedade.

Um aspecto fundamental que permite compreender a relevância conquistada pela ECB no cenário pós-1964 junto ao mercado editorial foi a forma pela qual Ênio Silveira coordenou uma reestruturação da editora ainda no início da década de 1950. A ECB era uma empresa subsidiada pela Companhia Editora Nacional (CEN), de propriedade de Octalles Marcondes Ferreira e Monteiro Lobato; costumeiramente distribuía os livros didáticos editados pela CEN, mas também editou e publicou alguma ficção desde 1932, ano em que foi comprada por Octalles4 4 . Segundo Andrea Lemos Galucio, entre 1932 e 1950 a ECB publicou 407 títulos, incluindo lançamentos e reedições. Para a autora, “nesse período de quase vinte anos de direção de Octalles Marcondes Ferreira, a ECB caracterizou-se como uma editora de livros de ficção. Predominava a literatura estrangeira diante dos poucos romances nacionais, como Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, e de alguns autores nacionais, entre eles, obras de alguns de seus primeiros proprietários, Gustavo Barroso e Hildebrando de Lima, além de Plínio Salgado, Alceu Amoroso Lima, Nina Rodrigues, Gandhi, Alexandre Dumas, Dostoievsky, Tolstói, Manuel Bandeira, e Joaquim Nabuco” ( Galucio, 2009 , p. 121). .

A chegada de Ênio à ECB se deu no ano de 1943, via CEN, por intermédio de Monteiro Lobato, amigo de seu avô (Valdomiro Silveira) e também de seu pai (Meroveu Silveira). Na condição de estudante na Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo, Ênio se dividia profissionalmente com a produção de orelhas dos livros da CEN e o trabalho como revisor de provas no jornal Folha de S.Paulo . Entretanto, pouco tempo depois de seu ingresso na empresa de Octalles Marcondes Ferreira, seguiu para os Estados Unidos com o intuito de aprimorar-se nas técnicas publicitárias do mercado editorial, abandonando o trabalho no jornal. Conforme Luiz Renato Vieira:

Em Nova York fez cursos de extensão em sociologia e antropologia cultural na Universidade de Columbia, onde, entre muitas outras relações pessoais estabelecidas no meio cultural norte-americano, tornou-se amigo de Frank Tannenbaun. Na mesma instituição cursou uma especialização em book publishing , ministrada por editores norte-americanos. Um marco na sua formação teria sido o estágio que realizou na editora Alfred Knopf, cujo proprietário, particularmente interessado em problemáticas latino-americanas, Ênio Silveira já havia conhecido no Brasil. Enquanto aperfeiçoava seus conhecimentos na área editorial, prestava uma espécie de consultoria informal a Alfred Knopf, referente à publicação de autores brasileiros e latino-americanos (Vieira, 1996b, p. 146).

Seu retorno ao Brasil no ano de 1948 se deu noutra conjuntura, diferente daquela que o fez ir aos Estados Unidos dois anos antes. Sua intenção era continuar residindo em São Paulo com sua esposa, trabalhando na editora do sogro Octalles. Este, por sua vez, havia lhe solicitado mudar-se para o Rio de Janeiro e de lá gerir a ECB (Vieira, 1996b, p. 145). Com essa tarefa, somada às aprendizagens de Ênio nos Estados Unidos, fez da subsidiária da CEN no Rio de Janeiro um novo empreendimento, formulando com a ECB uma nova política editorial. Sobre essa mudança e o fato de assumir a direção da ECB no Rio, Ênio dizia:

Procurei então dar à empresa uma feição mais agressiva em termos editoriais, e logo percebi que um dos problemas mais graves era sua condição de apêndice da Companhia Editora Nacional. A Civilização Brasileira ficava, por assim dizer, com apenas o refugo do que a outra publicava. Valendo-me dos cursos que fizera nos EUA e da minha prática na Editora Knopf, comecei uma série de pequenas, mas altamente bem-sucedidas, revoluções […]. Até meu sogro se horrorizou (Vieira, 1996b, p. 146).

Na passagem da década de 1950 para a de 1960, a ECB já era uma das principais editoras do país. Nessa fase, Octalles – discordando da política editorial coordenada por Ênio no comando da editora – resolveu vender ao jovem editor a antiga subsidiária da CEN no Rio de Janeiro. Diga-se de passagem, um negócio em família, visto que a filha de Octalles era esposa de Ênio nessa ocasião. Segundo Hallewell, Ênio formou um acervo importante na ECB até o final da década de 1950. Ele transformou a editora e a modernizou, no sentido de publicar obras estrangeiras que ainda possuíam pouca inserção no Brasil, como literatura moderna da Europa, da América do Norte e até da Ásia. Também atuou na editora como um agente de diversas traduções de textos literários e científicos, sobretudo das áreas de sociologia e filosofia. Conforme dados apontados por Hallewell (1988, pp. 446-447), isso se exprimiu no controle que a ECB tinha do mercado de ficção no Brasil em 1970BRASIL. (1970), Decreto-lei n. 1.077. Dispõe sobre a execução do artigo 153 § 8º, parte final, da República Federativa do Brasil. Brasília, 26 jan. 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm, consultado em 3/7/2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
, respondendo por 20% do total das obras em circulação.

Mas foi na década de 1960 que sua projeção comercial e política de fato se firmou. Além de toda a reconfiguração da política editorial, implementando coleções específicas e diferentes coordenadorias para cada coleção, a editora passou por um processo profundo de reforma administrativa, a fim de torná-la uma empresa economicamente eficiente e que gerasse lucro5 5 . Nesse sentido, torna-se curiosa a afirmação de Ênio Silveira: “nós agíamos de maneira plural, não sectária, de maneira frequentemente não comercial, porque uma editora tem que oscilar, utilizando aquela imagem do livro de Orígenes Lessa, entre o feijão e o sonho. Se ela se ocupar apenas dos aspectos culturais ela desserve economicamente o país, mas se ela apenas se ocupar dos aspectos culturais, ela desserve a si própria e acaba falindo” (Vieira, 1996a, pp. 63-64). . Também o aspecto visual das obras (capas, contracapas e orelhas) passou a ter importância no processo de composição do livro, concebido pela nova política editorial como elemento central e não apenas secundário de divulgação e comercialização dos produtos nas livrarias6 6 . Ênio Silveira em entrevista afirmava: “eu modifiquei as capas dando um impacto visual. As capas brasileiras na época em que comecei a trabalhar tendiam a copiar o estilo francês, ou seja, eram capas puramente tipográficas, só com o título, sem ilustração. Então eu trouxe impacto visual às capas graças ao trabalho de um brilhante artista argentino que havia se mudado para o Brasil havia pouco tempo, chamado Eugênio Hirsch, que tinha como artista gráfico um lema muito interessante que aplicou às capas: ‘as capas não devem agradar, elas devem agredir’. […] Não era ofender o leitor, evidentemente. Mas atraí-lo, atrair seu olhar e sua atenção para aquele objeto gráfico que era a capa do livro” (Vieira, 1996a, p. 25). .

Uma das experiências de maior impacto da ECB no mercado editorial nessa fase de renovação, que se deu no final da década de 1950 e início da década de 1960, foi a publicação da coleção intitulada “Cadernos do Povo Brasileiro” (CPB)7 7 . Essa coleção, dizia Ênio Silveira, “publicou livros de Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Osny Duarte Pereira, Francisco Weffort e muitas outras pessoas. Eram livros que agitavam de maneira muito direta. Eram livros de bolso em linguagem clara e a preços extremamente acessíveis, não eram tratados imensos que as pessoas não pudessem ler. Esses livros eram vendidos em livrarias e em bancas de jornal. O impacto dessa coleção foi extraordinário” (Vieira, 1996a, p. 37). A coleção editada entre 1962 e 1964 publicou os seguintes títulos: Que são as Ligas Camponesas? (Francisco Julião), Quem é o povo no Brasil? (Nelson Werneck Sodré), Quem faz as leis no Brasil? (Osny Duarte Pereira), Por que os ricos não fazem greve? (Álvaro Vieira Pinto), Quem dará o golpe no Brasil? (Wanderley Guilherme), Quais são os inimigos do povo? (Theotônio Junior), Quem pode fazer a revolução no Brasil? (Bolivar Costa), Como seria o Brasil socialista? (Nestor de Holanda), O que é a revolução brasileira? (Franklin de Oliveira), O que é a reforma agrária? (Paulo R. Schilling), Vamos nacionalizar a indústria farmacêutica? (Maria Augusta Tibiriçá Miranda), Como atua o imperialismo ianque? (Sylvio Monteiro), Como são feitas as greves no Brasil? (Jorge Miglioli), Como planejar nosso desenvolvimento? (Helena Hoffman), A Igreja está com o povo? (Padre Aloísio Guerra), De que morre nosso povo? (Aguinaldo N. Marques), Que é imperialismo? (Edward Bailby), Por que existem analfabetos no Brasil? (Sérgio Guerra Duarte), Salário é causa de inflação? (João Pinheiro Neto), Como agem os grupos de pressão? (Plínio de Abreu Ramos), Qual a política externa conveniente ao Brasil? (Vamireh Chacon), Que foi o tenentismo? (Virgínio Santa Rosa), Que é a Constituição? (Osny Duarte Pereira); Desde quando somos nacionalistas? (Barbosa Lima Sobrinho), Revolução e contra-revolução no Brasil (Franklin de Oliveira). . Seu impacto comercial e político foi de grande importância, tanto que Ênio, logo após abril de 1964, foi submetido à investigação em Inquérito Policial-Militar (IPM), acusado de publicar nessa coleção “obras subversivas”.

Já no IPM n. 481, também conhecido como IPM do Iseb (Instituto Brasileiro de Estudos Superiores), o editor foi classificado como “sujeito disposto a mudar a ordem política e social para implantar a ditadura comunista” (Inquérito…, 1966, p. 78). Ou seja, era considerado já nos primeiros momentos do golpe de 1964 uma ameaça e um sujeito passível de investigação, visto que sua inserção entre os círculos intelectuais preocupava alguns setores militares do pós-golpe ( Czajka, 2009CZAJKA, Rodrigo. (2009), Praticando delitos, formando opinião: intelectuais, comunismo e repressão no Brasil (1958-1968). Campinas, São Paulo, tese de doutorado em sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. , pp. 239-259). Aliás, esse aspecto merece atenção, em especial pelos motivos que levaram Ênio Silveira e a ECB a sofrerem interferências e controle por parte de órgãos de repressão, mesmo antes de 1964. Houve investigações que se tornaram célebres até mesmo pelo modo como impactaram a opinião pública intelectualizada, sobretudo quando atingiram a empresa editorial de Ênio, e devido à forma violenta pela qual se operou a censura sobre obras editadas e comercializadas pela ECB. Outra parte dessas investigações, inquéritos ou processos penais teve base legal de execução a partir do decreto-lei n. 1.077, anteriormente mencionado. Contudo, vale lembrar que o referido decreto entrou em vigor apenas em 1970. Noutras palavras, não havia um dispositivo, órgão ou técnicos destinados à censura de livros na década de 1960. Posto isso, ficam algumas indagações: De que maneira e por quais meios a ECB sofreu repressão (visto não haver formalmente censura) por publicar “obras subversivas” antes de 1970? A quais mecanismos de defesa a empresa editorial recorreu para defender-se da acusação de “subverter a ordem política”? Quais expedientes Ênio Silveira mobilizou para proteger e justificar sua política editorial em prática desde o final da década de 1950?

Respostas a essas questões só são possíveis se entendermos as dinâmicas pelas quais o próprio Ênio Silveira exerceu seu papel como diretor e proprietário da ECB. Sua postura ambivalente foi imprescindível para que a empreitada política e editorial da ECB conquistasse, ao mesmo tempo, o mercado e parte expressiva da militância de esquerda no pós-1964. Ambivalência – caracterizada pelo próprio Ênio na evocação da metáfora do “feijão e do sonho” – que possibilitou ao editor transitar tanto entre pessoas ligadas à oposição ao golpe militar quanto entre alguns setores das Forças Armadas, a ponto de figuras importantes dessa instituição solicitarem especial atenção e cuidado ao empreendimento cultural de Ênio. Caso notório, por exemplo, é o contato que o editor manteve com o general Golbery do Couto e Silva. O editor relatava sobre reunião que havia sido convocada por Golbery, em meados de 1964:

Eu fui supondo que ia ser uma conversa formal que ia durar quinze minutos ou meia hora no máximo, e o que aconteceu foi que houve três encontros com Golbery. O primeiro durou quatro horas seguidas, o segundo também e no terceiro encontro ele apresentou seu substituto, que era um coronel que iria ficar em contato comigo. Para dar um resumo da história, ele me disse o seguinte: “Eu sei que o senhor é um adversário coerente e intransigente da Revolução mas eu lhe chamei aqui para lhe dizer que a Revolução vê no senhor um patriota, que, embora com nenhuma sintonia com nossos métodos, tem sintonia com nossos ideais. […] Queremos que você e seu grupo venham fazer parte do nosso movimento pois é preciso que compreendam que nós queremos salvar o Brasil, tirar o país do atraso, etc.” (Vieira, 1996a, pp. 55-56).

Um diálogo como esse demonstra como as forças políticas, apesar de dispostas em dicotomia entre as esquerdas e os militares, em alguns momentos possibilitaram a coexistência de intenções partilhadas, ainda que em campos ideológicos distintos. Tanto o general quanto o editor nutriam interesse pelos temas nacionais e tangiam-se mesmo que em diferentes perspectivas. Mas em 1964 as forças de oposição ainda se respaldavam pelas diretrizes que as orientaram ainda no pré-golpe, seja pela proposta das reformas de base levadas a cabo pelo governo deposto de João Goulart (1961-1964), seja pela concepção isebiana de atribuir primazia aos intelectuais no projeto desenvolvimentista que se fazia presente no setor das produções culturais. Até por estar afinado com as lutas no campo da cultura e por estar muito próximo dos projetos desenvolvidos no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), Ênio declinou assertivamente de qualquer “acordo” com setores militares, ainda que intelectualizados.

E foi a partir desse ano que o editor da ECB começou a ter vários problemas com a Justiça Militar. Entre outras investigações, em meados de 1965, Ênio Silveira foi indiciado no Departamento Estadual de Ordem e Política Social (Deops), em São Paulo, devido à publicação do Reunião , periódico semanal que o editor produziu juntamente com o jornalista Paulo Francis. O Reunião tinha um propósito simples: firmar-se como um periódico de circulação popular. Tratava-se de um pequeno tabloide convencional, impresso em papel jornal, de caráter informativo, muito semelhante aos jornais de circulação diária. Diferentemente dos diários convencionais, Reunião era um semanário que procurava ampliar o espaço das publicações da Editora Civilização Brasileira entre o público leitor de jornais e informes. Em seu expediente ficava expressa a vinculação com a editora: “um semanário da Editora Civilização Brasileira” ( Silveira, 1965SILVEIRA, Ênio. (1965), “Editorial”. Reunião , Rio de Janeiro, n. 1, p. 2,20. , p. 2).

Seu primeiro número circulou em 20 de outubro de 1965, e o editorial de apresentação foi assinado pelo próprio Ênio Silveira. Interessante notar que ao mesmo tempo que Ênio colocava em circulação esse periódico, outras publicações também dirigidas por ele circulavam na tentativa de alcançar os mais diferentes públicos para a questão de que em geral se tratava em seus periódicos (revistas ou jornais). No caso de Reunião , seu editorial descrevia:

Suas páginas, livres e independentes, pretendem abrir para todos os leitores um ângulo de análise, um campo de debates. A notícia interpretada, o fato e as suas motivações claramente explicadas com isenção, acima de engajamentos radicais ou de posições ortodoxas. REUNIÃO será um semanário de esquerda que chamaríamos ecumênico, abrangendo todos aqueles que, dentro ou fora dos partidos, procuram modificar a presente estrutura socioeconômica do País e muni-lo de instrumentos mais adequados para a sua efetiva emancipação e o seu verdadeiro (e planejado) desenvolvimento. Nossa política será a da frente democrática ampla e obviamente não sectária. Nossa linguagem será a de completa independência: não respeitaremos tabus nem adoraremos vacas sagradas. […] Seremos contra o conformismo, contra a verdade absoluta, contra as posições esquemáticas que, sob inspiração de duvidosas táticas, não conseguem jamais pôr de pé uma estratégia de interesse nacional. Os melhores nomes do jornalismo brasileiro estão em REUNIÃO colaborando conosco para criar um clima de liberdade e de especulação criadora que, infelizmente, já não existe em plenitude na chamada grande imprensa. Foi por isso que surgimos. É para isso que trabalharemos ( Silveira, 1965SILVEIRA, Ênio. (1965), “Editorial”. Reunião , Rio de Janeiro, n. 1, p. 2,20. , p. 2).

Entre os que participavam da elaboração do jornal estavam, além de Ênio Silveira (diretor geral), Paulo Francis (diretor responsável), Thiago de Mello (secretaria e arte), Joaquim Ignacio Cardoso (gerência) e Ana Arruda, Carlos Heitor Cony, Fernando Pessoa Ferreira (redatores). O Reunião , entretanto, teve uma vida curta, pois com o terceiro número o jornal extinguiu-se8 8 . Três números foram postos em circulação: n. 1, de 20 de outubro de 1965; n. 2, de 27 de outubro de 1965; n. 3, de 3 de novembro de 1965. . A indicação mais evidente dessa súbita interrupção é a edição do Ato Institucional n. 2 (AI-2), em 27 de outubro de 1965, com muitos dos seus redatores indiciados pelo governo ou que sofreram restrições políticas.

Vale notar que as apreensões do jornal Reunião e as investigações abertas pelo Deops no Rio de Janeiro e em São Paulo fizeram com que a atenção de alguns setores militares menos propensos ao diálogo com as esquerdas se voltasse para Ênio Silveira e sua editora. Desse modo, apesar de ainda inexistirem instrumentos reguladores ou órgãos censórios que se responsabilizassem pela produção, divulgação e circulação de obras impressas (jornais, cartilhas, panfletos e livros), o aparato semelhante ao descrito por Garcia (2019)GARCIA, Miliandre. (2019), “Teatro, censura e ‘supercensura’ na ditadura militar”. In: FONTANA, Fabiana & GUSMÃO, Henrique Buarque. O palco e o tempo: estudos de história e historiografia do teatro . Rio de Janeiro, Gramma. como “supercensura” – que antecedeu e serviu de base para se elaborarem as legislações posteriores que regularam a censura – se fez presente na formulação das acusações contra Ênio Silveira. Estrutura de repressão que se estendeu para além da investigação sobre o conteúdo do jornal Reunião e afetou outras publicações da ECB como, por exemplo, a Revista Civilização Brasileira e livros como História da burguesia brasileira (Nelson Werneck Sodré), O golpe começou em Washington (Edmar Morel), Palavras de Arraes (vários autores), Assim marcha a família (vários autores), Fundamentos da Filosofia (Victor Afanasiev) e outras muitas obras editadas por Ênio.

Tanto eram diferentes e divergentes os mecanismos de repressão à produção editorial, sem um conjunto de normas explícitas que regulamentassem essa incipiente censura estatal no campo das edições, que, ao ser preso pela primeira vez no ano 1965, Ênio mobilizou a opinião pública intelectualizada ( Czajka, 2013CZAJKA, Rodrigo. (2013), “Ênio Silveira, o epistolário a Castelo Branco e o delito de opinião”. V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina, 2013. Universidade Estadual de Londrina. Anais... Londrina, 2013. Disponível em: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v10_rodrigo1_GVIII.pdf, consultado em 11/9/2019.
http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v...
), mas também setores progressistas no interior do próprio governo militar. Exemplo disso foi uma nota manuscrita do presidente Castello Branco ao então chefe da Casa Militar Ernesto Geisel, que descrevia seu espanto com a notícia da prisão do proprietário da ECB:

Por que a prisão de Ênio? Só para depor? A repercussão é contrária a nós, em grande escala. O resultado está sendo absolutamente negativo! […] Há como que uma preocupação de mostrar “que se pode prender”. Isso nos rebaixa. Penso que devemos tomar medidas decisivas. Comprometo-me a amparar os IPMs. Mas não devo estar apoiando uma espécie de chicana policial e judicial. […] Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil! Só de alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra nós. É mesmo um terror cultural ( ApudGaspari, 2002GASPARI, Elio. (2002), A ditadura envergonhada: as ilusões armadas . São Paulo, Companhia das Letras. , pp. 96-97).

Uma questão é interessante para aqui ser observada: a posição de Ênio Silveira nesse contexto de repressão atestaria não apenas a complexidade do processo produtivo e a posterior circulação de ideias pós-golpe militar. Há também que se notar a ampla rede de relações pela qual se fizeram possíveis a projeção e o reconhecimento da importância de uma editora, como foi a Civilização Brasileira, na fase de recrudescimento da ditadura. Ou seja, a paradoxalidade a que se referia Roberto Schwarz (2008)SCHWARZ, Roberto. (2008), “Cultura e política: 1964-1969”. In: O pai de família e outros estudos . São Paulo, Companhia das Letras. , em ensaio sobre as relações entre cultura e política na década de 1960, coloca em relevo a ambivalência de produtores culturais que, no limite, operavam sob o signo da resistência à ditadura, mas o faziam na medida em que se inseriam e modificavam as estruturas de mercado (da indústria cultural?) que se ampliaram e, em certa medida, se aproximaram da perspectiva modernizante – ainda que conservadora – dos governos militares no Brasil. Ora, ao mesmo tempo que o setor de produção cultural se expandia, ampliava também seu público e formava novas demandas de consumo cultural – que, por sua vez, dependia das políticas econômicas que fortaleciam o setor e possibilitaram a profissionalização de muitos produtores culturais das áreas cinematográfica, teatral, musical, televisiva, editorial, entre outras. Logo, mais que simples oposições diametrais, havia um espaço onde diferentes propostas se aproximavam e tangiam objetivos formalmente semelhantes. Daí, por exemplo, consegue-se compreender a plausibilidade de um diálogo entre o general Golbery do Couto e Silva e o editor Ênio Silveira sobre os “destinos da nação”, conforme exposto anteriormente, e clarificar o problema da polarização e das dicotomias analíticas. Nesse sentido, pode-se supor, tal como argumenta Raymond Williams ao analisar aquilo que ele denomina de “políticas do modernismo”, que há

[…] uma polarização agora familiar de um tipo ideológico entre, por um lado, a linguagem “antiga e acomodada”, com suas formas clássicas e, por outro lado, a linguagem “nova e dinâmica”, com suas formas necessariamente novas. […] As formas culturais da linguagem “antiga e acomodada” (embora antigas, nunca, na prática, acomodadas) foram, de fato, em um plano específico as formas impostas de uma classe dominante e seu discurso. Mas esse nunca foi o único plano. Os usos de uma linguagem de conexão e de formas de comunicação previsíveis mantiveram-se como uma ênfase e uma intenção de outros grupos sociais, […] cuja existência específica havia sido obscurecida ou refreada pelas formas “nacionais” impostas. Do mesmo modo, as formas culturais da linguagem “nova e dinâmica” nunca foram apenas experimentais ou libertárias. Dentro da dinâmica histórica real elas poderiam ser, e foram, notável e deliberadamente manipuladoras e exploradoras. […] Assim, os casos polares podem ser relativamente fáceis de serem distinguidos, mas a gama complexa entre eles exige uma análise bastante rigorosa (Williams, 2011b, p. 70).

Podemos assim supor que havia uma certa coexistência entre forças “acomodadas” e forças “dinâmicas” na qual Ênio pôde se inserir, dada a importância de sua rede de relações que apontavam para um cenário de renovação das produções culturais em curso na década de 1960.

Daí que a rede de relações estabelecidas por Ênio Silveira tanto no meio intelectual quanto no militar foi fundamental para que o trânsito, ainda que repleto de solavancos, pudesse se dar sem grandes impedimentos ou prejuízos ( Castro, 2014CASTRO, Ana Caroline Silva de. (2014), “Ênio Silveira: edição, repressão e redes de sociabilidade”. ExtraPrensa , 8 (14): 34-40. , p. 38). E uma das situações que mais representaria o papel ambivalente do editor no interior dessa rede de relações talvez seja o caso de apreensão da obra Fundamentos de filosofia , de autoria de Victor Afanasiev, produzida e editada em 1967 e publicada pela ECB no ano seguinte.

A obra em questão já havia sido publicada pelo Editorial Vitória, dirigida por José Gutman, Ramiro Luchesi e Severino Teodoro de Mello. Em 1963, na sua primeira edição, o livro trazia estampado o título Filosofia marxista , e logo em seguida os responsáveis por essa edição foram enquadrados na lei n. 1.802, lei que definiu os crimes contra o Estado e a ordem política e social (Brasil, 1953a). De todo modo, o processo foi arquivado e os réus absolvidos.

Como Ênio Silveira desde o início da década se firmava cada vez mais no mercado por meio da política que renovou o catálogo de sua empresa, muitas coleções da ECB eram formadas por clássicos do pensamento da esquerda política e cultural. Aliás, este foi um dos elementos marcantes dentre as campanhas editoriais da Civilização Brasileira, portadora de um discurso nacionalista e progressista que se via estampado em muitos dos lançamentos, traduções e publicações periódicas produzidas pela editora.

O editor e o delito de opinião

Foi nesse cenário que, a partir de 1967, a ECB viu-se num processo sistemático de apreensão de obras, inquéritos e investigações sobre publicações consideradas ameaças à segurança nacional. Enquanto as legislações censórias sob a iniciativa da SCDP ainda passavam por um processo de consolidação e “maturação”, o controle das publicações bibliográficas e periódicas era regido pela chamada Lei de Imprensa, especificamente a lei n. 2.083, que desde 1953 estava a serviço do controle da opinião pública por parte do Estado (Brasil, 1953b). Associada à lei n. 1.082 acima mencionada, a Lei de Imprensa serviu de diretriz jurídica até meados da década de 1960 a muitas investigações sobre a produção e circulação de obras consideradas subversivas ou comunistas.

Aliás, antes mesmo do golpe de 1964 a ECB já havia sido investigada por suposta subversão comunista ao editar a supramencionada coleção “Cadernos do Povo Brasileiro” (CPB). No primeiro semestre de 1963, lojas distribuidoras da ECB na capital paulista tiveram várias edições apreendidas, sobretudo os exemplares da CPB.

Ênio Silveira chegou a encaminhar ofício ao então Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Aldevio Barbosa de Lemos, exigindo esclarecimentos sobre tal investida do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) sobre os livros da ECB. Escrevia:

Causa-nos profunda espécie que V. Sa., em pleno 1963, esteja determinado – ou mesmo tolerando – esses atentados à liberdade de expressão, que nos é garantida pela Constituição Federal, assim repetindo os nefandos crimes da Ditadura. Entre as publicações apreendidas sem o mínimo de formalidade legal, sem qualquer decisão judicial subsequente a processo, encontram-se volumes da série CADERNOS DO POVO BRASILEIRO, editados por esta casa. São trabalhos sérios e objetivos de análise da realidade brasileira sob todos os aspectos. Se as conclusões a que chegam não são exatamente as mesmas que V. Sa. desejaria encontrar, tal não constitui crime algum. Antes, indicam que V. Sa. não está munido da capacidade de abandonar antigos e inadequados métodos de interpretação ou, o que é ainda mais lastimável, de admitir a existência de novos. Serão eles subversivos apenas por concluírem que é indispensável a renovação estrutural do país? Ou porque contrariam concepções como as de V. Sa. e de seus pares, tendentes a deixar tudo como está? Seja qual for a motivação de V. Sa. e de seus colaboradores do Dops, o fato é que não aceitaremos de braços cruzados a continuação de violências e atentados que, ilegalmente e em defesa de uma indefinível ordem pública, essa Secretaria vem admitindo ou determinando ( Silveira, 1963SILVEIRA, Ênio. (1963), Carta do editor ao secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Aldevio Barbosa de Lemos. Rio de Janeiro, 29 jul. 1963. Acervo pessoal de Ênio Silveira. ).

É necessário atentar à veemência com a qual o proprietário da ECB se dirigiu ao secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Assertividade que, como veremos adiante, deu lugar a outras formas de diálogo e uma posição menos radicalizada, e que fez Ênio recorrer a instrumentos unicamente jurídicos para se dirigir aos oficiais de Estado. Num primeiro momento, é perceptível como no pré-golpe a situação desencadeada pela apreensão dos livros da ECB leva a um enfrentamento entre as partes. Ambos, editor e secretário de Segurança Pública, colocavam-se na defesa de princípios que julgavam inerentes ao exercício profissional de cada ofício. Daí também a enorme dificuldade que volta a ser reposta na análise desse cenário de repressão, no qual se ensaiavam formas institucionalizadas de censura; de que se tornaria praticamente impossível reconhecer os limites do que seria uma censura moral e outra política – conforme discutido acima. Tanto é difícil essa distinção categórica que o próprio Barbosa de Lemos, ao devolver o ofício ao seu remetente, o faz com o seguinte comentário nada político-burocrático, manuscrito ao pé da página: “desentranhem-se os autos da presente carta e devolva-se ao safardana signatário. Que o crápula engula as injúrias em pensamento, pois repugna-me ação outra, contra cão de tal maneira raivoso” ( Silveira, 1963SILVEIRA, Ênio. (1963), Carta do editor ao secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Aldevio Barbosa de Lemos. Rio de Janeiro, 29 jul. 1963. Acervo pessoal de Ênio Silveira. ).

A indefinição quanto à legislação de amparo à censura (que por ora denominamos genericamente de “repressão”) sustentou esse quadro de lutas e disputas entre apelantes e apelados nos primeiros anos da ditadura. Impasses que se amenizavam quando da abertura dos devidos processos legais, mas que antes disso alimentaram um debate intenso entre as partes interessadas e envolvidas. No caso específico de Ênio Silveira, entre 1963 e 1966, há outras ocasiões em que o editor e sua editora foram motivos de campanhas pela liberdade de expressão e opinião, quando intelectuais, artistas e demais produtores culturais chegaram a instituir um Fórum pela liberdade da cultura ( Czajka, 2013CZAJKA, Rodrigo. (2013), “Ênio Silveira, o epistolário a Castelo Branco e o delito de opinião”. V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina, 2013. Universidade Estadual de Londrina. Anais... Londrina, 2013. Disponível em: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v10_rodrigo1_GVIII.pdf, consultado em 11/9/2019.
http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v...
), que repercutiu sobremaneira em diferentes esferas políticas civis e militares.

Entretanto, com a segunda metade da década de 1960 a situação passou a ter outros contornos e o regime militar dava mostras de como operaria nos anos seguintes. Foi com a promulgação da “nova” Lei de Imprensa, especificamente a lei n. 5.250, que o quadro da repressão à produção e circulação de obras (periódicas ou não) passa a ser acompanhado com maior rigor pelo Estado. Sua ementa resumia-se a uma simples linha, mas não menos contundente: “regula a liberdade de manifestação do pensamento e da informação” ( Brasil, 1967BRASIL. (1967), Lei n. 5.250. Regula a liberdade de manifestação de pensamento e de informação. Brasília, 9 fev. 1967. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5250-9-fevereiro-1967-359026-publicacaooriginal-1-pl.html, consultado em 12/9/2019.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
). Ora, se antes a legislação era inadequada, não atendia às especificidades do setor editorial ou simplesmente estava ao sabor das denúncias formuladas com aquilo que acima foi denominado de “supercensura”, a partir da publicação da lei n. 5.250 a repressão, a ação policial e as relações jurídicas passaram por um processo de conformação e adequação. Adequação não apenas do sistema repressivo e/ou censório, mas também de uma nova compreensão por parte dos querelados.

De certa forma, foi essa reestruturação jurídica que levou a empresa de Ênio Silveira, a partir de 1967, a sofrer uma série de intervenções com apreensões de obras ainda em fase de produção e chegar à situação-limite do impedimento de concessão de empréstimos bancários para financiar suas edições. Uma dessas situações foi a investigação que resultou no processo sobre a republicação do livro Filosofia marxista , de Victor Afanasiev. O livro, conforme se apontou acima, não trazia nada de novo comparado à edição de 1963, realizada pelo Editorial Vitória. A nova publicação sob o selo da ECB em 1968, inclusive, faria alteração do título para Fundamentos da filosofia como recurso de atenuação do vocábulo “marxista”, já em seu título.

Mas como a obra já possuía um histórico processual e as investigações foram conduzidas no sentido de atribuir a ela um caráter subversivo e de incitar a propaganda comunista entre leitores brasileiros, serviu como elemento que desencadeou outras investigações contra Ênio e a ECB. Como nas outras situações de impedimento legal, foi Heleno Fragoso9 9 . Durante o regime militar Heleno Cláudio Fragoso atuou permanentemente em favor de perseguidos políticos na Justiça Militar Federal e nas Comissões Gerais de Investigação. Foi o advogado que impetrou o habeas corpus coletivo que libertou os estudantes reunidos em Ibiúna para o Congresso da União Nacional dos Estudantes, em 1968. Defendeu ainda, entre outros casos célebres, a dona do jornal Correio da Manhã , Niomar Moniz Sodré Bittencourt, que atacara a ditadura em editorial; o escritor Caio Prado Júnior; religiosos católicos e o jovem Stuart Angel Jones, quando este já tinha sido assassinado na Base Aérea do Galeão. Atuou ainda em prol da família do jornalista Vladimir Herzog, assassinado no II Exército, em São Paulo. Heleno Fragoso foi também vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Conselheiro Federal da OAB e vice-presidente da Seção da OAB do antigo Estado da Guanabara, além de membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros e integrante de seu Conselho Superior. que assumiu a defesa do editor, pois desde 1965 acompanhava o editor noutras situações em que esteve sob interrogatório ou mesmo detido pelos militares. Entre 1968 e 1970 houve uma série de investigações e processos em que Fragoso fez a defesa do editor, tentando sempre evidenciar o profissionalismo da ECB, ao mesmo tempo que repelia as interpretações que os tribunais militares faziam da “nova” Lei de Imprensa. Exemplo desse recurso utilizado pela defesa é um mandado de segurança contra o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), em que Fragoso argumentava:

Entre as diversas obras apreendidas encontram-se clássicos do marxismo e outras focalizam aspectos gerais das relações de produção ou das relações internacionais, entre os quais, o Manifesto comunista de Marx e Engels, Do socialismo utópico ao Socialismo científico de Engels, Salário, preço e lucro e Trabalho assalariado e capital , de Marx, trabalhos estes utilizados nas Faculdades de Ciências Políticas e Econômicas. Relativamente a outros livros, por exemplo, O canhão e a foice , de Pichas Lapide, romance escrito por antigo Secretário da Embaixada de Israel no Brasil, que tem por tema o conflito entre árabes e judeus na Palestina, e o Marxismo e alienação , de Leandro Konder, consistente estudo sobre os problemas da estética e moral, escritos sob o prisma da análise marxista, e ainda o Julião, Nordeste e Revolução , de Leda Barreto, entende a impetrante deste mandado que a apreensão ocorreu por equívoco ou pelo fato de nelas haver referência à “foice”, “marxismo” e “Julião”. Asseverando que a diligência levada a efeito viola a Constituição Federal que garante a livre manifestação do pensamento. […] Que quando se trata de propaganda subversiva, através de processo violento, as obras devem ser apreendidas, estabelecendo-se inquérito e posterior processo penal, por se tratar de crime previsto na Lei 1.802; que se a propaganda de caráter subversivo se faz através de processo não violento, ou se entende que só após elaboração de lei reguladora da matéria se poderá fazer apreensão, ou se aplicar, por analogia os artigos 53 e ss. da Lei 2.083/53; o que não é admissível é fazer-se apreensão pura e simplesmente sem o seguimento do processo regular em que se possa apurar que as obras têm ou não caráter subversivo ( Fragoso, 1970FRAGOSO, Heleno. (1970), Agravo em Mandado de Segurança n. 54/286 do advogado de Ênio Silveira enviado ao ministro do Tribunal Federal de Recursos, Jarbas Nobre. Brasília, 19 jun. 1970. Acervo pessoal de Ênio Silveira. ).

Heleno Fragoso, ao impetrar esse mandado de segurança, entendia aquela apreensão de livros do mesmo modo como certamente considerava as incursões do Dops na ECB logo depois do golpe de Estado: como formas arbitrárias de interpretação e de aplicações de novas normas reguladoras concernentes à manifestação de pensamento. Ele, por exemplo, reconhecia que o Ato Institucional n. 2 (AI-2) preceituava a não tolerância com a propaganda de subversão da ordem, mas ao mesmo tempo o Ato não editava norma autoaplicável. Segundo Fragoso, o novo texto teria que ser interpretado à luz de regras aplicáveis à espécie, ainda que decorrentes dos princípios gerais do direito emergentes da própria organização constitucional, consubstanciados nos artigos 53 e 54 da lei n. 2.083 (Brasil, 1953b), que dispunha que, realizada a apreensão policial, devia se seguir a remessa de exemplares das obras apreendidas ao representante do Ministério Público para as providências judiciais. Ainda conforme Fragoso:

O espírito das leis em questão, como definiu claramente seu texto, é não deixar ao arbítrio das autoridades policiais a aplicação de medida tão violenta. A polícia é órgão executor da ordem. Não, ao mesmo tempo, sem critérios pré-fixados, o censor, o aquilatador, o executor e o juiz de sua própria deliberação ( Fragoso, 1970FRAGOSO, Heleno. (1970), Agravo em Mandado de Segurança n. 54/286 do advogado de Ênio Silveira enviado ao ministro do Tribunal Federal de Recursos, Jarbas Nobre. Brasília, 19 jun. 1970. Acervo pessoal de Ênio Silveira. ).

Em suma, a apelação de Heleno Fragoso ia no sentido de questionar a apreensão de livros da ECB levada a efeito pelo diretor-geral do Departamento Federal de Segurança Pública. O conteúdo do argumento do advogado era demonstrar que, com a promulgação da lei n. 5.250 ( Brasil, 1967BRASIL. (1967), Lei n. 5.250. Regula a liberdade de manifestação de pensamento e de informação. Brasília, 9 fev. 1967. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5250-9-fevereiro-1967-359026-publicacaooriginal-1-pl.html, consultado em 12/9/2019.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
), qualquer apreensão de material bibliográfico deveria ser feita por determinação direta do Ministério da Justiça – aspecto que não havia sido respeitado pelo DFSP.

Ao mesmo tempo que seu advogado formulava mandados de segurança e apelava ao Tribunal Federal de Recursos, Ênio Silveira não deixava de trabalhar no sentido de buscar manifestações de apoio tanto entre seus colaboradores e colegas de seu campo profissional, bem como entre figuras que considerou relevantes no processo de uma defesa pública de sua competência como editor e empresário do ramo editorial. Tal como Castro já apontou para a importância das “redes de sociabilidade” intelectual de Ênio, a partir das quais obteve apoio de nomes como o editor José Olympio e os escritores Vianna Moog, Jorge Amado e Rubem Braga (Castro, 2014, p. 39), há de se considerar seu empenho em buscar apoio e solidariedade de nomes de importância pública também entre os setores militares10 10 . Conforme informação obtida nos arquivos pessoais de Ênio Silveira, além desses nomes, outros fizeram parte de uma lista manuscrita que o próprio editor compôs, a fim de solicitar apoio a membros da Academia Brasileira de Letras (ABL). Nessa lista ainda apareciam os nomes de Adonias Filho, Ivan Lins, Barbosa Lima Sobrinho, Magalhães Junior, José Honório Rodrigues, Peregrino Júnior, Cassiano Ricardo, Menotti del Pichia, Candido Motta Filho, Aurélio Buarque de Holanda, Mario Palmério, Afonso Arinos de Mello Franco, Cyro dos Anjos, Fernando de Azevedo, Austregésilo de Athaíde, Antonio da Silva Melo e Marques Rebelo. Outros dois nomes ainda apareceram nessa mesma lista, embora não tenham feito parte da ABL: o senador Danton Jobim e o então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Elmano Cruz. . Chegou a compor uma lista com nomes que integravam altas patentes das Forças Armadas, indicando aceites e declinações em seu apoio. Segundo essa lista, parte integrante de sua documentação pessoal11 11 . Agradecimento a Maria Rita Jobim Silveira pela cessão e reprodução dos documentos aqui mencionados e que faziam parte do acervo de documentos pessoais de seu pai, Ênio Silveira. , Ênio teria entrado em contato com importantes militares, entre eles os generais Eurico Gaspar Dutra, Poppe de Figueiredo, Olympio Mourão Filho, Pery Constant Bevilacqua, Juarez Távora, Nelson de Mello, Octavio Alvez Velho, Newton O’Reilly de Souza e Humberto Peregrino e os marechais Floriano de Lima Brayner e Estevão Leitão de Carvalho.

Ou seja, a “rede de sociabilidade” do editor se estendia para além dos círculos intelectuais da esquerda e também contemplava antigos militares da ala nacionalista. A busca de apoio e de solidariedade vinha da necessidade de Ênio em demonstrar, nos inquéritos contra a ECB, que sua empresa gozava de prestígio, inclusive em círculos políticos mais ortodoxos. Que a acusação de subversão não cabia, dada a sua inserção em espaços como a Academia Brasileira de Letras (ABL) e sua amizade com militares de alta patente do Exército.

É nesse contexto, por exemplo, que devemos compreender o apelo que Ênio Silveira fez ao general Juracy Magalhães12 12 . Juracy Montenegro Magalhães (1905-2001) possui uma extensa biografia e recortada por vários eventos importantes na constituição do Estado brasileiro durante o século XX. Ainda na década de 1920, Juracy foi entusiasta do movimento tenentista, surgido na década de 1920. Chegou a integrar a rede de tenentes, servindo como ponto de apoio para oficiais foragidos que percorriam o Nordeste levando mensagens de Juarez Távora e Luís Carlos Prestes. Durante as décadas de 1930 esteve próximo de Vargas e também de Carlos Lacerda. Em 1954 torna-se o primeiro presidente da Petrobrás. Já na fase dos governos militares, entre 1964 e 1965 foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos; foi empossado Ministro da Justiça entre 1965 e 1966; além de assumir o posto de Ministro das Relações Exteriores, entre 1966 e 1967. , numa correspondência a este endereçada em 14 de julho de 1970. Escrevia Ênio:

Recebo com gratidão e comovido respeito a notícia de que V. Exa. aceitou ser testemunha de defesa num processo que a Justiça Militar move contra minha pessoa, a ser julgado pela Segunda Auditoria do Exército, […] relativo à edição – em 1965 – do livro BRASIL: GUERRA QUENTE NA AMÉRICA LATINA, do jornalista Maia Netto. Embora tenhamos estado e ainda possamos entrar em campos opostos, no que se refere a episódio recentes de nossa história política, uma atitude como a de V. Exa mostra, ou melhor, confirma a presença, em sua personalidade de homem público, da mesma chama altaneira e democrática que inspirou o tenente revolucionário. Além disso, é também exemplo de serena e digna maturidade de espírito, pois somente um homem superior seria capaz de tal gesto, que beneficiará eventualmente a pessoa de um opositor, mas certamente servirá antes à causa da própria Justiça, hoje tão desvalida e insegura. Lastimo que os eventos da agitada vida política brasileira nos tenham colocado em caminhos divergentes, pois me lembro das três ou quatro vezes em que V. Exa. recebeu a mim e a minha mulher no Palácio do Governo, em Salvador, ocasião em que a cordialidade e o respeito à cultura, na pessoa de Jorge Amado ou de Odorico Tavares, ou de outros autores não homenageados por V. Exa. pelo lançamento de novos livros, nos congregava a todos em festivo ambiente, ainda não toldado pelas nuvens sombrias que as paixões políticas lançariam sobre ou entre nós (Silveira, 1970a).

Comparada à passagem anteriormente citada em que Ênio Silveira recordava e descrevia o encontro com o general Golbery do Couto e Silva, nos idos de 1964, é interessante observar a semelhança das situações, embora os posicionamentos tenham se alterado no contexto de repressão, explicitando aspectos “residuais” e “emergentes” de uma mesma relação (Williams, 2011a, pp. 56-57). Se em 1964 o editor tomava seu empreendimento editorial como uma “trincheira das resistências” e não sucumbiu aos apelos de Golbery para a possibilidade de um diálogo no campo progressista (entre civis e militares), em 1970 a configuração foi absolutamente inversa. Foi, pois, Ênio Silveira quem recorreu ao expediente de reconhecer em certas frações militares o adjetivo do “tenente revolucionário”, remetendo a figura de Juracy, num óbvio elogio nacionalista, à memória tenentista. Contudo, mais que a contradição expressa em dois momentos distintos da posição social do editor, podemos compreender que

[…] uma cultura residual está geralmente a certa distância da cultura dominante efetiva, mas é preciso reconhecer que em atividades culturais reais, a cultura residual pode ser incorporada à dominante. Isto porque alguma parte dela, alguma versão dela – sobretudo se o resíduo é proveniente de alguma área importante do passado – terá de ser incorporada à cultura dominante […]. Também porque, em certos aspectos, uma cultura dominante não pode permitir que muitas dessas práticas e experiências fiquem fora de seu domínio sem correr certo risco (Williams, 2011a, pp. 56-57).

Nesse sentido, os “aspectos residuais”, leia-se, redobrar a importância da campanha tenentista para um militar de alta patente, como era o caso de Juracy Magalhães, foi importante para o ex-ministro, mas foi sobremaneira para Ênio Silveira. No reconhecimento de sua condição civil e ao construir sua abordagem com Magalhães, assumiu para si os “resíduos” de uma geração que projetava no passado tenente um projeto político que não se podia mais realizar. Assim, a investida do editor cumpriu em relembrar e repor uma ideia de uma revolução que não mais cabia nos moldes impressos pela campanha militar de 1964.

Situação muito semelhante ocorreu também quando Ênio tomou a iniciativa de solicitar reunião com o general Aurélio de Lira Tavares, que havia sido ministro do Exército durante o governo de Costa e Silva, além de comandante da Escola Superior de Guerra (ESG). Aproximação que se ensaiou também em 1970 – conforme registros em documentos do arquivo pessoal do editor – e que parece demonstrar o mesmo ímpeto e motivações quando do contato com Juracy Magalhães. Em missiva datada de 8 de maio de 1970, escrevia Ênio:

Atrevo-me a vir à presença de V. Exa, por meio desta, a fim de solicitar-lhe o obséquio de me conceder entrevista pessoal, em local e hora que V. Exa. determinasse. […] Nosso amigo comum, o Prof. A. da Silva Mello, seu colega na ABL, meu editando e afilhado de casamento, agindo com costumeiro bom senso, sugeriu-me que escrevesse-lhe diretamente. […] V. Exa., além de Chefe Militar e personalidade política de relevo na história contemporânea de nosso país, é também intelectual em plena militância. Em face dessas três qualidades, mas particularmente a última, gostaria de manter com V. Exa. um diálogo leal e franco, que talvez pudesse dissipar noções incompletas, ou mesmo inexatas que, de maneira recíproca, se colocam entre mim e as Forças Armadas (Silveira, 1970b).

Tanto no caso de Juracy quanto no caso de Lira Tavares, a posição de Ênio como editor – combativo e disposto a defender seu empreendimento editorial em nome dos interesses nacionais – daria lugar a uma outra compreensão da conjuntura política e cultural. Se na investigação que se fez sobre os CPB, em 1963, o editor gozava de uma posição privilegiada em que podia construir uma inserção cada vez maior no mercado editorial e formar um público leitor interessado nos temas nacionais, ao final da década o cenário havia mudado. Novos fatores “emergentes” (Williams, 2011a, p. 57) no campo da política e da cultura se fizeram presentes tanto na radicalização dos costumes, como no recrudescimento da política. A política editorial da ECB também passava por profundas transformações, visto que muitas das abordagens que lançaram a editora como vanguarda no campo das esquerdas no início da década de 1960 haviam passado por transformações e exigiam da editora uma reconfiguração dos temas e na construção de um novo espólio editorial. Elementos modernizantes da cultura estavam em compasso com o fortalecimento da ditadura, sobretudo após a edição do AI-5, em dezembro de 1968.

Ênio Silveira percebia, em certa medida, que a adaptação (modernização?) da editora frente aos novos tempos implicava uma recomposição dos esforços intelectuais num campo mais amplo de alianças que, a rigor, se constatou na relação estabelecida com integrantes de setores políticos que antes ele próprio combatia. Em outros documentos de seu arquivo pessoal reproduzem-se iniciativas semelhantes a essas duas. No inquérito em que Heleno Fragoso defendeu a ECB, muitos foram os documentos anexados aos autos tentando comprovar “ilibada conduta” do editor, visto que seus contatos eram inúmeros no interior das Forças Armadas. Cartas de agradecimento de oficiais do Exército à editora, convites a festas organizadas pelas corporações, solicitação de doação de obras para bibliotecas do Exército e para o Projeto Rondon foram alguns dos documentos anexados ao processo que, por fim, concluiu-se com a absolvição dos acusados (editados e editor) em fevereiro de 1972.

O caso da ECB e as articulações construídas por Ênio Silveira nos permitem entender o processo pelo qual, no decorrer da década de 1960, a repressão a determinadas obras caracterizadas como subversivas passou à censura propriamente dita. Como mencionado, foi com a publicação do decreto-lei n. 1.077 que a censura à produção e à circulação de obras bibliográficas passou a ser regulada na forma autoaplicável ( Brasil, 1970BRASIL. (1970), Decreto-lei n. 1.077. Dispõe sobre a execução do artigo 153 § 8º, parte final, da República Federativa do Brasil. Brasília, 26 jan. 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm, consultado em 3/7/2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
). Antes disso, porém, as diferentes legislações, às vezes contraditórias entre si, dificultavam ao acusado ter o conhecimento da acusação concreta. Imprecisão e indefinição que se desdobravam em inúmeras tentativas de defesas políticas no terreno jurídico. Assim, é possível entender também o modo pelo qual o próprio Ênio Silveira construiu suas relações políticas, a fim de conquistar a empatia no campo jurídico, que rapidamente se transformava com o recrudescimento da ditadura e o fechamento dos espaços de diálogo. Talvez Ênio, mesmo sem saber, tenha tentado manter esses espaços abertos, ainda que o destino de sua empresa fosse incerto e que a dispersão/exílio dos intelectuais que se articulavam em torno da ECB fosse comprometer a produção editorial nas décadas seguintes.

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. (1970), Decreto-lei n. 1.077. Dispõe sobre a execução do artigo 153 § 8º, parte final, da República Federativa do Brasil. Brasília, 26 jan. 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm, consultado em 3/7/2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1077.htm
  • BRASIL. (1969), Emenda Constitucional n. 1. Edita novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Brasília, 17 out. 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm, consultado em 10/9/2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm
  • BRASIL. (1953), Lei n. 1.802. Define os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social, e dá outras providências. Rio de Janeiro, 5 jan. 1953a. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-1802-5-janeiro-1953-367324-publicacaooriginal-1-pl.html, consultado em 12/9/2019.
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-1802-5-janeiro-1953-367324-publicacaooriginal-1-pl.html
  • BRASIL. (1953b), Lei n. 2.083. Regula a liberdade de imprensa. Rio de Janeiro, 12 nov. 1953b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-2083-12-novembro-1953-366187-normaatualizada-pl.html, consultado em 12/9/2019.
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-2083-12-novembro-1953-366187-normaatualizada-pl.html
  • BRASIL. (1967), Lei n. 5.250. Regula a liberdade de manifestação de pensamento e de informação. Brasília, 9 fev. 1967. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5250-9-fevereiro-1967-359026-publicacaooriginal-1-pl.html, consultado em 12/9/2019.
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5250-9-fevereiro-1967-359026-publicacaooriginal-1-pl.html
  • CASTRO, Ana Caroline Silva de. (2014), “Ênio Silveira: edição, repressão e redes de sociabilidade”. ExtraPrensa , 8 (14): 34-40.
  • CZAJKA, Rodrigo. (2013), “Ênio Silveira, o epistolário a Castelo Branco e o delito de opinião”. V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina, 2013. Universidade Estadual de Londrina. Anais... Londrina, 2013. Disponível em: http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v10_rodrigo1_GVIII.pdf, consultado em 11/9/2019.
    » http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v10_rodrigo1_GVIII.pdf
  • CZAJKA, Rodrigo. (2005), Páginas de resistência: intelectuais e cultura na Revista Civilização Brasileira. Campinas, São Paulo, dissertação de mestrado em sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
  • CZAJKA, Rodrigo. (2009), Praticando delitos, formando opinião: intelectuais, comunismo e repressão no Brasil (1958-1968). Campinas, São Paulo, tese de doutorado em sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
  • FRAGOSO, Heleno. (1970), Agravo em Mandado de Segurança n. 54/286 do advogado de Ênio Silveira enviado ao ministro do Tribunal Federal de Recursos, Jarbas Nobre. Brasília, 19 jun. 1970. Acervo pessoal de Ênio Silveira.
  • GALUCIO, Andréa Lemos Xavier. (2009), Civilização Brasileira e Brasiliense: trajetórias editoriais, empresários e militância política . Niterói, tese de doutorado em história social, Universidade Federal Fluminense.
  • GARCIA, Miliandre. (2014), “Quando a moral e a política se encontram: a centralização da censura de diversões públicas e a prática da censura política na transição dos anos 1960 para os 1970”. Dimensões , 32: 79-110.
  • GARCIA, Miliandre. (2019), “Teatro, censura e ‘supercensura’ na ditadura militar”. In: FONTANA, Fabiana & GUSMÃO, Henrique Buarque. O palco e o tempo: estudos de história e historiografia do teatro . Rio de Janeiro, Gramma.
  • GASPARI, Elio. (2002), A ditadura envergonhada: as ilusões armadas . São Paulo, Companhia das Letras.
  • HALLEWELL, Laurence. (1985), O livro no Brasil: sua história . São Paulo, T. A. Queiroz/Edusp.
  • INQUÉRITO Policial-Militar n. 481. (1966), Histórico pessoal dos indiciados . IPM do Iseb. Brasília, STM/SeArq, vol. 1.
  • MARCELINO, Douglas Attila. (2011), Subversivos e pornográficos: censura de livros e diversões públicas nos anos 1970 . Rio de Janeiro, Arquivo Nacional.
  • MAUÉS, Flamarion. (2014), “Livros, editoras e oposição à ditadura”. Estudos Avançados , São Paulo, 28 (80): 91-104. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100009&lng=en&nrm=iso
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100009&lng=en&nrm=iso
  • MAUÉS, Flamarion. (2005), “Ter simplesmente este livro nas mãos já é um desafio: livros de oposição no regime militar, um estudo de caso” . Revista em Questão , 11 (2).
  • NAPOLITANO, Marcos. (2017), Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) – ensaio histórico . São Paulo, Intermeios/USP – Programa de Pós-graduação em História Social.
  • NEVES, Ozias Paese. (2006), Revista Civilização Brasileira (1965-1968): uma cultura de esquerda no cenário político ditatorial . Curitiba, dissertação de mestrado em história, Universidade Federal do Paraná.
  • REIMÃO, Sandra. (2011), Repressão e resistência: censura a livros na ditadura militar . São Paulo, Edusp.
  • SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (1978), Poder e política: crônica do autoritarismo brasileiro . Rio de Janeiro, Forense Universitária.
  • SCHWARZ, Roberto. (2008), “Cultura e política: 1964-1969”. In: O pai de família e outros estudos . São Paulo, Companhia das Letras.
  • SILVEIRA, Ênio. (1970a), Carta do editor ao ex-ministro da Justiça do governo Castello Branco, Juracy Magalhães. Rio de Janeiro, 14 jul. 1970a. Acervo pessoal de Ênio Silveira.
  • SILVEIRA, Ênio. (1970b), Carta do editor ao ministro do Exército do governo Costa e Silva, Aurélio de Lira Tavares. Rio de Janeiro, 8 mai. 1970b. Acervo pessoal de Ênio Silveira.
  • SILVEIRA, Ênio. (1963), Carta do editor ao secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Aldevio Barbosa de Lemos. Rio de Janeiro, 29 jul. 1963. Acervo pessoal de Ênio Silveira.
  • SILVEIRA, Ênio. (1965), “Editorial”. Reunião , Rio de Janeiro, n. 1, p. 2,20.
  • VIEIRA, Luiz Renato. (1996a), Consagrados e malditos: intelectuais e a editora Civilização Brasileira. Brasília, tese de doutorado em Sociologia, Universidade de Brasília.
  • VIEIRA, Luiz Renato. (1996b), “Ênio Silveira e a Civilização Brasileira: notas para uma sociologia do mercado editorial”. Revista de Biblioteconomia , 20 (2): 139-192.
  • WILLIAMS, Raymond. (2011a), “Base e superestrutura na teoria da cultura marxista”. In: Cultura e materialismo. São Paulo, Edunesp, pp. 43-68.
  • WILLIAMS, Raymond. (2011b), “Linguagem e vanguarda”. In: Política do modernismo: contra os novos conformistas . São Paulo, Edunesp, pp. 49-72.
  • 1
    . No artigo 153, § 8º da emenda constitucional n. 1, de 1969, definia-se: “É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” ( Brasil, 1969BRASIL. (1969), Emenda Constitucional n. 1. Edita novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Brasília, 17 out. 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm, consultado em 10/9/2019.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ).
  • 2
    . Sobre as mudanças do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) e as transformações que levaram à formação da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), consultar Garcia, 2014GARCIA, Miliandre. (2014), “Quando a moral e a política se encontram: a centralização da censura de diversões públicas e a prática da censura política na transição dos anos 1960 para os 1970”. Dimensões , 32: 79-110. .
  • 3
    . Sobre a gênese das resistências culturais na ditadura a partir da relação entre diferentes setores e matizes ideológicos na ditadura, consultar Napolitano (2017)NAPOLITANO, Marcos. (2017), Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) – ensaio histórico . São Paulo, Intermeios/USP – Programa de Pós-graduação em História Social. .
  • 4
    . Segundo Andrea Lemos Galucio, entre 1932 e 1950 a ECB publicou 407 títulos, incluindo lançamentos e reedições. Para a autora, “nesse período de quase vinte anos de direção de Octalles Marcondes Ferreira, a ECB caracterizou-se como uma editora de livros de ficção. Predominava a literatura estrangeira diante dos poucos romances nacionais, como Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, e de alguns autores nacionais, entre eles, obras de alguns de seus primeiros proprietários, Gustavo Barroso e Hildebrando de Lima, além de Plínio Salgado, Alceu Amoroso Lima, Nina Rodrigues, Gandhi, Alexandre Dumas, Dostoievsky, Tolstói, Manuel Bandeira, e Joaquim Nabuco” ( Galucio, 2009GALUCIO, Andréa Lemos Xavier. (2009), Civilização Brasileira e Brasiliense: trajetórias editoriais, empresários e militância política . Niterói, tese de doutorado em história social, Universidade Federal Fluminense. , p. 121).
  • 5
    . Nesse sentido, torna-se curiosa a afirmação de Ênio Silveira: “nós agíamos de maneira plural, não sectária, de maneira frequentemente não comercial, porque uma editora tem que oscilar, utilizando aquela imagem do livro de Orígenes Lessa, entre o feijão e o sonho. Se ela se ocupar apenas dos aspectos culturais ela desserve economicamente o país, mas se ela apenas se ocupar dos aspectos culturais, ela desserve a si própria e acaba falindo” (Vieira, 1996a, pp. 63-64).
  • 6
    . Ênio Silveira em entrevista afirmava: “eu modifiquei as capas dando um impacto visual. As capas brasileiras na época em que comecei a trabalhar tendiam a copiar o estilo francês, ou seja, eram capas puramente tipográficas, só com o título, sem ilustração. Então eu trouxe impacto visual às capas graças ao trabalho de um brilhante artista argentino que havia se mudado para o Brasil havia pouco tempo, chamado Eugênio Hirsch, que tinha como artista gráfico um lema muito interessante que aplicou às capas: ‘as capas não devem agradar, elas devem agredir’. […] Não era ofender o leitor, evidentemente. Mas atraí-lo, atrair seu olhar e sua atenção para aquele objeto gráfico que era a capa do livro” (Vieira, 1996a, p. 25).
  • 7
    . Essa coleção, dizia Ênio Silveira, “publicou livros de Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Osny Duarte Pereira, Francisco Weffort e muitas outras pessoas. Eram livros que agitavam de maneira muito direta. Eram livros de bolso em linguagem clara e a preços extremamente acessíveis, não eram tratados imensos que as pessoas não pudessem ler. Esses livros eram vendidos em livrarias e em bancas de jornal. O impacto dessa coleção foi extraordinário” (Vieira, 1996a, p. 37). A coleção editada entre 1962 e 1964 publicou os seguintes títulos: Que são as Ligas Camponesas? (Francisco Julião), Quem é o povo no Brasil? (Nelson Werneck Sodré), Quem faz as leis no Brasil? (Osny Duarte Pereira), Por que os ricos não fazem greve? (Álvaro Vieira Pinto), Quem dará o golpe no Brasil? (Wanderley Guilherme), Quais são os inimigos do povo? (Theotônio Junior), Quem pode fazer a revolução no Brasil? (Bolivar Costa), Como seria o Brasil socialista? (Nestor de Holanda), O que é a revolução brasileira? (Franklin de Oliveira), O que é a reforma agrária? (Paulo R. Schilling), Vamos nacionalizar a indústria farmacêutica? (Maria Augusta Tibiriçá Miranda), Como atua o imperialismo ianque? (Sylvio Monteiro), Como são feitas as greves no Brasil? (Jorge Miglioli), Como planejar nosso desenvolvimento? (Helena Hoffman), A Igreja está com o povo? (Padre Aloísio Guerra), De que morre nosso povo? (Aguinaldo N. Marques), Que é imperialismo? (Edward Bailby), Por que existem analfabetos no Brasil? (Sérgio Guerra Duarte), Salário é causa de inflação? (João Pinheiro Neto), Como agem os grupos de pressão? (Plínio de Abreu Ramos), Qual a política externa conveniente ao Brasil? (Vamireh Chacon), Que foi o tenentismo? (Virgínio Santa Rosa), Que é a Constituição? (Osny Duarte Pereira); Desde quando somos nacionalistas? (Barbosa Lima Sobrinho), Revolução e contra-revolução no Brasil (Franklin de Oliveira).
  • 8
    . Três números foram postos em circulação: n. 1, de 20 de outubro de 1965; n. 2, de 27 de outubro de 1965; n. 3, de 3 de novembro de 1965.
  • 9
    . Durante o regime militar Heleno Cláudio Fragoso atuou permanentemente em favor de perseguidos políticos na Justiça Militar Federal e nas Comissões Gerais de Investigação. Foi o advogado que impetrou o habeas corpus coletivo que libertou os estudantes reunidos em Ibiúna para o Congresso da União Nacional dos Estudantes, em 1968. Defendeu ainda, entre outros casos célebres, a dona do jornal Correio da Manhã , Niomar Moniz Sodré Bittencourt, que atacara a ditadura em editorial; o escritor Caio Prado Júnior; religiosos católicos e o jovem Stuart Angel Jones, quando este já tinha sido assassinado na Base Aérea do Galeão. Atuou ainda em prol da família do jornalista Vladimir Herzog, assassinado no II Exército, em São Paulo. Heleno Fragoso foi também vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Conselheiro Federal da OAB e vice-presidente da Seção da OAB do antigo Estado da Guanabara, além de membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros e integrante de seu Conselho Superior.
  • 10
    . Conforme informação obtida nos arquivos pessoais de Ênio Silveira, além desses nomes, outros fizeram parte de uma lista manuscrita que o próprio editor compôs, a fim de solicitar apoio a membros da Academia Brasileira de Letras (ABL). Nessa lista ainda apareciam os nomes de Adonias Filho, Ivan Lins, Barbosa Lima Sobrinho, Magalhães Junior, José Honório Rodrigues, Peregrino Júnior, Cassiano Ricardo, Menotti del Pichia, Candido Motta Filho, Aurélio Buarque de Holanda, Mario Palmério, Afonso Arinos de Mello Franco, Cyro dos Anjos, Fernando de Azevedo, Austregésilo de Athaíde, Antonio da Silva Melo e Marques Rebelo. Outros dois nomes ainda apareceram nessa mesma lista, embora não tenham feito parte da ABL: o senador Danton Jobim e o então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Elmano Cruz.
  • 11
    . Agradecimento a Maria Rita Jobim Silveira pela cessão e reprodução dos documentos aqui mencionados e que faziam parte do acervo de documentos pessoais de seu pai, Ênio Silveira.
  • 12
    . Juracy Montenegro Magalhães (1905-2001) possui uma extensa biografia e recortada por vários eventos importantes na constituição do Estado brasileiro durante o século XX. Ainda na década de 1920, Juracy foi entusiasta do movimento tenentista, surgido na década de 1920. Chegou a integrar a rede de tenentes, servindo como ponto de apoio para oficiais foragidos que percorriam o Nordeste levando mensagens de Juarez Távora e Luís Carlos Prestes. Durante as décadas de 1930 esteve próximo de Vargas e também de Carlos Lacerda. Em 1954 torna-se o primeiro presidente da Petrobrás. Já na fase dos governos militares, entre 1964 e 1965 foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos; foi empossado Ministro da Justiça entre 1965 e 1966; além de assumir o posto de Ministro das Relações Exteriores, entre 1966 e 1967.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    7 Abr 2020
  • Aceito
    16 Abr 2020
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br