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Caminho sem volta? Faces da expansão do PCC a Minas Gerais

One-way road? Components of PCC expansion to Minas Gerais

Resumo

Com base nos recursos analíticos empregados pela literatura a respeito das faces bélica, empresarial e fraternal sobre a organização criminal do Primeiro Comando da Capital (PCC), este artigo analisa distintos relatos sobre o grupo em sua expansão por Minas Gerais. São analisadas perspectivas de funcionários estaduais e de pessoas custodiadas na Penitenciária Nelson Hungria da Região Metropolitana de Belo Horizonte, as quais teriam algum tipo de vinculação ao PCC. Os atores públicos mobilizaram, em especial, as faces bélica e empresarial não só para caracterizar o grupo criminal, como também para justificar as ações de controle empregadas para contê-lo. Por sua vez, embora os presos tenham reforçado a face fraternal da organização, não ignoraram a importância dos seus traços bélicos e empresariais no processo de expansão pelo território mineiro.

Palavras-chave:
Primeiro Comando da Capital; Expansão; Faces; Prisão; Minas Gerais

Abstract

Based on analytical resources that address the belligerent, corporate and fraternal components proposed by the literature about the Primeiro Comando da Capital (PCC) criminal organization, this article examines different accounts about the group’s expansion in the state of Minas Gerais. The text analyses perspectives of state civil employees and prisoners at the Nelson Hungria Penitentiary (located in the greater metropolitan region of Belo Horizonte) that would have had some kind of connection to PCC. It shows that the civil actors highlighted, in particular, the belligerent and corporate aspects of the organization not only to characterize the criminal group, but also to justify the actions used to contain it. In turn, whilst the prisoners emphasized the fraternal aspects of the organization, they also did not disregard the importance of its warlike and corporate qualities in the process of expansion through the territory of Minas Gerais.

Keywords:
Organized Group; Expansion; Aspects; Prison; Minas Gerais

A proposta de discussão

Nas últimas décadas, diversos pesquisadores, como, entre outros, Dias (2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.), Marques (2009Marques, Adalton. (2009), Crime, proceder, convívio-seguro. Um experimento Antropológico partir de relações entre ladrões. São Paulo, dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade de São Paulo. 2009.) e Biondi (2014Biondi, Karina. (2014), Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. São Carlos, tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos. 2014.), discutiram o perfil e o modus operandi da organização criminal paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). Mobilizando, então, um recurso analítico, Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) indicou que há várias representações em relação ao grupo. Em geral, alguns atores parecem apostar em sua face empresarial, apontando que o lucro seria o objetivo final do grupo. Em outros casos, porém, foca-se em sua face guerreira. O PCC é, então, analisado como um comando militar, instituído em torno de um chefe, cujas estratégias de guerra são usadas para ampliação, domínio, bem como proteção de populações e de territórios. Entretanto, de acordo com o mesmo autor, esses dois ângulos, articulados, sobretudo, pela imprensa e por agentes públicos, são incapazes de compreender o grupo em sua complexidade. Em ambos, estão previstas figuras de mando centralizadas, tanto destinadas ao poder político quanto ao poder econômico, não condizentes com o ethos organizacional.

Tal qual Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) argumentou, o PCC compõe em alguma medida essas duas faces. Por outro lado, funciona mormente como uma espécie de fraternidade, sendo estabelecido apoio mútuo entre seus membros, distante de uma hierarquia totalizante. Logo, o valor predominante seria de cunho existencial, sendo ignorados líderes personalistas. “Ninguém atravessa os negócios nem a honra do outro irmão, todos se ajudam e assim cada um prospera, garantindo o progresso da irmandade” (Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras., p. 35). Logo, o objetivo do grupo é o desenvolvimento de seus integrantes, de suas famílias e de suas comunidades. E o crime seria apenas uma via para se alcançar essa meta. Em outros termos, a expansão da base dos negócios, a qual, segundo Feltran (2018)Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras., sem dúvida se encontra no cerne da disseminação da ideologia do grupo, é apenas um meio. Os fins das atividades do PCC são outros: a paz entre os irmãos1 1 “Irmão” é o nome mobilizado pelos membros do PCC para se referir a um de seus integrantes. Conforme Biondi (2007), uma pessoa passa a constituir o grupo a partir do ritual de batismo, momento em que o futuro membro faz a leitura do estatuto do PCC e jura fidelidade ao grupo. A entrada de um indivíduo no PCC só pode ser feita mediante convite e indicação de dois irmãos. Se a proposta for aceita, eles serão seus padrinhos e passam a se responsabilizar por seu ingresso no PCC. Tendo em vista essa responsabilidade, os irmãos só costumam convidar alguém a se batizar se, após um longo processo de avaliação, o considerarem apto a assumir o papel de membro, que requer bom conhecimento da vida prisional e do PCC, capacidade oratória e de negociação. , a justiça social, a liberdade para os presos, a igualdade entre os irmãos e a união do mundo do crime (Idem, p. 84). Esses objetivos não são apenas retóricos. Do ponto de vista interno, são desígnios reais (Idem).

Trazendo essas distintas representações de cunho analítico sobre o PCC como argumentação central, nossa proposta neste artigo é analisar um fenômeno com grandes repercussões nos dias de hoje na imprensa (Duarte e Araújo, 2020Duarte, Thais Lemos; Araújo, Isabela Cristina Alves de. (2020), “PCC em pauta: narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil”. Revista Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 13 (2): 505-532. Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/23020.
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), no sistema de justiça criminal (Duarte, 2020Duarte, Thais Lemos. (2020), “Vácuo no poder? Reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 122: 77 96. Disponível em https://journals.openedition.org/rccs/10663.
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) e na sociedade: a expansão do grupo desde São Paulo a Minas Gerais. Como atores públicos e pessoas privadas de liberdade relacionadas com a organização analisam esse processo de difusão? Quais seriam os meios para essa propagação? Quais objetivos estão em jogo? Buscamos responder a esses questionamentos através da análise das narrativas proferidas por pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Nelson Hungria, situada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, bem como dos relatos de funcionários atinentes à pauta penal estadual.

Nossa hipótese é que esses diferentes atores de Minas Gerais desvelam as diversas faces do PCC para explicar a expansão do grupo ao estado, haja vista seus interesses. De um lado, os agentes públicos focam, em especial, as faces guerreira e empresarial, a fim de compreender as ações organizacionais e, assim, justificarem as medidas de controle que costumam implementar. De outro, as pessoas privadas de liberdade relacionadas com o PCC fruem principalmente da face fraterna do grupo, de irmandade, para motivar suas atividades. Nessa lógica, o objetivo final da difusão seria o progresso dos irmãos. Entretanto, não tratamos aqui de realizar um mero esforço de oposição entre o PCC e o Estado, como se ambos empregassem os diferentes prismas como algo estanque. À primeira vista, uma interpretação superficial poderia nos levar a esse caminho. No entanto, nossa suposição é que, a despeito de acionarem de modo diferenciado as faces relativas ao grupo, os distintos atores em análise expõem as interlocuções entre o Estado e o PCC, evidenciando práticas conexas.

Antes de discutirmos a bibliografia sobre o tema e debatermos como os distintos atores analisam a expansão do PCC a Minas Gerais, indicaremos os passos metodológicos traçados para a consecução da pesquisa.

Notas metodológicas2 2 Parte dos dados aqui apresentados se refere a uma pesquisa realizada no âmbito do pós-doutorado de Thais Lemos Duarte, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da umfg. Supervisionado pela professora Ludmila Ribeiro, o estudo contou com o aporte de uma bolsa de Pós-Doutorado Júnior entre agosto de 2019 e setembro de 2020 (processo 155547/2018-6).

A pesquisa foi realizada na Penitenciária de Segurança Máxima Nelson Hungria, destinada a presos do sexo masculino, situada na Região Metropolitana de Belo Horizonte3 3 Após o trabalho de campo ter se encerrado ao final de 2019, haja vista o seu contexto infraestrutural e de segurança, a unidade foi reclassificada pelo Poder Executivo mineiro como de “segurança média”, de modo que alguns presos do local foram transferidos a outros estabelecimentos prisionais locais, considerados de regime mais rigoroso. Informação disponível em: “Nelson Hungria: Escritório do crime” (2020), https://globoplay.globo.com/v/8869065/. . Além de o estabelecimento agregar pessoas de todo o território mineiro, os órgãos de controle concentram no local as pessoas que identificam ter vínculo direto ou indireto com o PCC, privando-as de liberdade em pavilhões específicos desse cárcere (Ribeiro et al., 2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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).

No primeiro dia de campo, nós nos apresentamos à direção da Nelson Hungria e explicamos de que modo gostaríamos de proceder a nossas atividades de pesquisa. Pedimos para ir aos pavilhões4 4 Importa dizer que a unidade mantém os presos considerados como pertencentes ao PCC em pavilhões específicos. Ou seja, esses pavilhões apenas abrigam presos tidos como vinculados ao grupo. onde estavam custodiadas as pessoas que o Estado aponta terem relação com o PCC. Nesses espaços, explicaríamos a investigação e anotaríamos o nome dos presos que tivessem interesse em fornecer uma entrevista. À medida que o estudo se desenrolasse, nós os chamaríamos para uma conversa em uma sala reservada do estabelecimento. Assim, teríamos privacidade para falar abertamente de assuntos relacionados com o cárcere e sobre as dinâmicas da organização criminal paulista em território mineiro. Após essa fase do estudo, terminadas as entrevistas com as pessoas vinculadas ao PCC, se iniciaria a etapa de entrevistas com os funcionários da administração penitenciária, como os pertencentes à equipe técnica e os agentes de segurança.

Todas essas demandas foram atendidas pela administração do estabelecimento prisional, de modo que o trabalho de campo foi desenvolvido conforme tínhamos previsto, sem sofrer qualquer entrave. Inclusive, nós nos surpreendemos com a facilidade de entrada em campo, pois, sabidamente, muitos pesquisadores - inclusive nós em outros estudos - têm enfrentado resistências significativas para estudar prisões e políticas penais no Brasil (Salla, 2015Salla, Fernando. (2015), “Decifrando as dinâmicas do crime”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 30 (87): 174-179. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092015000100174&lng=pt&nrm=iso.
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). Em nossa avaliação, a relativa abertura à pesquisa talvez tenha decorrido do fato de a administração prisional mineira dispor de certo interesse em divulgar as ações que realiza para conter o PCC no estado, ainda que muitas dessas medidas sejam declaradas como insuficientes, como mostraremos a seguir. Não podemos ignorar também aspectos de ordem subjetiva encontrados na Nelson Hungria. A direção da unidade no momento da pesquisa era bastante afeita a estudos acadêmicos e, portanto, se mostrou disponível para viabilizar o levantamento de dados.

Ao final do campo, realizamos um total de 27 entrevistas semiestruturadas. Dez foram conduzidas com funcionários da Nelson Hungria, dentre psicólogos, advogados, assistentes sociais, agentes de segurança e direção, ao passo que dezessete foram desenvolvidas com presos com vinculação ao PCC. Todas as conversas realizadas com os funcionários foram gravadas e, posteriormente, transcritas e categorizadas. Já a maioria dos diálogos travados com os presos não recebeu autorização para ser registrada. Apenas pudemos anotar seus apontamentos em diários de campo, os quais, ao fim do trabalho na unidade prisional, também foram classificados e analisados.

Para além de atores da Nelson Hungria, foram acionados também policiais civis, representantes de sindicatos de agentes prisionais e gestores atuantes na inteligência prisional mineira. No entanto, diferente da outra fase da investigação realizada com relativa facilidade, essa etapa sofreu obstáculos. Apesar de terem sido feitas múltiplas investidas para se entrevistarem diversos atores estaduais, cuja atuação foca organizações criminais, não foi possível ao menos acessá-los para apresentar a pesquisa. Pareceu haver resistências em se falar sobre o PCC em níveis mais estratégicos de investigação e de decisão no sistema de justiça criminal, como o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de Minas Gerais.

Foram efetuadas, pois, três entrevistas em profundidade nesta etapa: uma com um gestor de inteligência do Departamento Penitenciário mineiro, outra com um ator do sindicato de agentes prisionais, e a terceira com um policial civil voltado a ações de investigação de organizações criminais. Essas conversas foram gravadas e, em seguida, transcritas e categorizadas. Embora poucas, é possível apontar de antemão que todas suscitaram assuntos relativamente homogêneos, além de seus conteúdos não serem discrepantes do discutido por funcionários da Nelson Hungria. Esse dado não é incoerente, pois o objetivo destes diálogos foi captar a percepção de atores centrais ao debate no estado, com cargos e posições estratégicos à questão penal. De partida, essa tática de per si já reduziria o universo de pessoas acionadas.

A fim de caracterizar os entrevistados, evitando, porém, identificá-los, seus relatos serão caracterizados por grupos. Os indivíduos privados de liberdade os quais, aos olhos do Estado, seriam vinculados ao PCC receberão como identificação “preso relacionado com o PCC”; os funcionários da justiça criminal mineira, incluindo os servidores da Nelson Hungria, serão “agentes públicos”.

Nas seções seguintes, por um lado, buscamos caracterizar o contexto de surgimento e consolidação do PCC em São Paulo e, por outro, analisar a produção mineira sobre organizações criminais estaduais.

Breves debates sobre o PCC na literatura

Vozes da Criminologia Crítica (Garland, 2008Garland, David. (2008), A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Revan.; Wacquant, 1999Wacquant, Loïc. (1999), Les prisons de la misère. Paris, Raisons d’Agir.; Christie, 2011Christie, Nils. (2011), Uma razoável quantidade de crimes. Rio de Janeiro, Revan.) apontaram que, nas últimas décadas, a prisão passou a ser o mecanismo central de gerenciamento de indivíduos tidos socialmente como criminosos, sem qualquer pretensão socializadora - principalmente em uma análise detalhada do Norte Global. Seu uso massivo vem sendo aprofundado em diversos países, em especial através da política contra as drogas. Não obstante, em algum nível, esse cenário também pode ser traduzido ao Brasil. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, em dezembro de 2019Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. (2019), “Levantamento nacional de informações penitenciárias”. Disponível em https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen.
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, o país privava a liberdade de aproximadamente 750 mil pessoas, com uma taxa de aprisionamento de 359 presos para cada 100 mil habitantes. Nas últimas duas décadas, a população prisional nacional cresceu aproximadamente 225%5 5 Dados disponíveis em Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. (2019). Disponível em https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWY5NjFmZjctOTJmNi00MmY3LThlMTEtNWYwOTlmODFjYWQ5IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9, consultado em 03/06/2020. .

Diversos estudos apontaram que as políticas de encarceramento em massa, somadas à superlotação prisional e a outras violações de direitos, formaram campo fértil ao nascimento de organizações criminais, como o PCC (Barbosa, 2005Barbosa, Antônio Rafael. (2005), Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro2005.; Butler et al, 2018Butler, M.; Slade, G.; Dias, C. N. (2018), “Self-governing prisons: Prison gangs in an international perspective”. Trends Organ Crim. https://doi.org/10.1007/s12117-018-9338-7.
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; Lourenço e Almeida, 2013Lourenço, Luiz Claudio; Almeida, Odilza Lines de. (2013), “‘Quem mantém a ordem, quem cria desordem’: gangues prisionais na Bahia”. Tempo Social, 25 (1): 37-59. ; Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.; Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.). Muitos desses grupos se originaram nos cárceres, em boa medida com o intuito de criar disciplina e solidariedade entre as pessoas presas. Apenas em um momento posterior, e dadas as oportunidades para que controlassem recursos letais não desprezíveis, essas organizações começariam a se envolver com o tráfico de drogas.

No que tange especificamente ao PCC, Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) apontou que as ideias consideradas incendiárias do grupo se alimentam de uma experiência marginal. São reflexões nascidas na revolta daqueles que, imersos na tentativa de compreender as diversas contradições sociais, pautadas por desigualdades, se transformaram em outras formas de governo composto por marginais urbanos. A proposta era ordenar a vida daquele que vivia preso “às amarras da natureza, da violência” (Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras., pp. 49-50). O plano era também quebrar a máquina do sistema através do crime, distante de meios formais, como direitos e políticas.

Tendo isso em vista, o PCC se originou no sistema prisional de São Paulo em 1993, em um estabelecimento da cidade de Taubaté (Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.; Biondi, 2010Biondi, Karina (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome.). Após anos de expansão e de consolidação nos cárceres paulistas, a partir de 2006, o grupo teria atingido também sua hegemonia nas periferias locais, transbordando sua influência para além dos presídios, sobretudo após os atentados que comandaram em maio desse mesmo ano. Esses episódios conformaram as relações de poder no sistema prisional estadual, cujo efeito foi a acomodação entre a massa carcerária - sob a liderança do PCC - e a administração penitenciária paulista (Adorno e Dias, 2016Adorno, Sérgio; Dias, Camila Nunes. (ago.-set. 2016), “Cronologia dos ‘Ataques de 2006’ e a nova configuração de poder nas prisões na última década”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 10(2): 118-132. Disponível em http://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/698.
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).

O grupo se tornou, assim, uma forma de organizar as negociações, lícitas e ilícitas, com os funcionários e com as direções dos presídios, oferecendo às pessoas privadas de liberdade uma ordem previsível à vida cotidiana. O PCC interditou os estupros entre os presos e, ainda, anos após o seu surgimento, o uso do crack nas quebradas - espaços de periferias - e nas prisões. Para além desses aspectos, como amplamente disposto pela literatura (Marques, 2009Marques, Adalton. (2009), Crime, proceder, convívio-seguro. Um experimento Antropológico partir de relações entre ladrões. São Paulo, dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade de São Paulo. 2009.; Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.; Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.; Biondi, 2014Biondi, Karina. (2014), Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. São Carlos, tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos. 2014.), o grupo passou a evitar as mortes tidas como injustas, impondo métodos considerados racionais de execução entre os identificados pelos irmãos como desviantes. Com efeito, os índices de homicídio em São Paulo reduziram substancialmente desde que a organização passou a ser hegemônica no mundo do crime paulista.

Indo ao encontro do recurso analítico proposto por Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) a respeito das distintas faces do PCC, Biondi (2014Biondi, Karina. (2014), Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. São Carlos, tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos. 2014.) apontou que esse ordenamento criado pelo grupo não é fruto de um poder hierárquico rígido. Inexiste uma liderança constituída, cuja função seria definir linearmente os rumos organizacionais. As ações são determinadas em conjunto pelos irmãos, todos amparados pela “ideologia do Comando” (Biondi, 2014Biondi, Karina. (2014), Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. São Carlos, tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos. 2014., p. 56). As decisões tomadas não apenas estão sujeitas a resistências, como também a contestações e a impugnações dos diferentes integrantes. A organização seria, pois, um grande produto dos jogos de força estabelecidos, compondo movimentos.

Nesse sentido, Biondi (2010Biondi, Karina (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome.) informou que o PCC não pode ser tomado como uma entidade coesa e estável, bem como não deve ser lido como uma força que molda os indivíduos. Essas relativizações a respeito do grupo, em boa medida reproduzidas por Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) em sua análise sobre as distintas faces do PCC, permitem desmistificar o relato pautado por uma imagem quase fantástica dotada ao “crime organizado”6 6 Ao criar a categoria mais do que genérica sobre “crime organizado”, previsto no Artigo 1 da Lei 12.850 de 2013, a norma não consegue alcançar as complexas relações das quais as dinâmicas criminais estabelecidas pelo PCC estão imbuídas. Considera-se como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos. Também compreende organização criminosa como os grupos com atuação transnacional. (Biondi, 2010Biondi, Karina (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome., p. 191), bastante ventilada pela imprensa e por agências públicas. Esse tipo de construção de Biondi (2010)Biondi, Karina (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome. joga luz ao fato de o PCC comportar um conjunto de estratégias e projetos, ao mesmo tempo que é permeado por improvisos e pelas disposições de seus integrantes. No entanto, junto a isso, há uma força organizacional, cujo efeito é garantir que uma formação aparentemente frágil perdure. Trata-se do PCC como força exterior, capaz de produzir associações entre distintos indivíduos, incidindo sobre suas trajetórias, que passam a ser marcadas por múltiplos traços, alguns dos quais alheios a meras dinâmicas criminais.

Até aqui, discutimos a literatura paulista sobre crime e PCC. Quais são as principais referências mineiras a respeito da criminalidade estadual? A próxima seção visa a responder este questionamento.

Dinâmicas criminais mineiras

Em contraste com os estudos efetuados em São Paulo, nos quais as organizações criminais como o PCC ganharam forte projeção, a literatura sociológica produzida em Minas Gerais passava ao largo da questão há alguns anos. Mesmo porque grupos com o perfil do paulista pareciam inexistir no estado, de modo que as pesquisas locais de maior fôlego tratavam de outros problemas sociais, como homicídios e demais mortes violentas. Essas temáticas arrebataram a produção mineira durante vasto período, haja vista o significativo aumento no número de mortes ocorrido entre os anos 1990 e 2000 (Cruz et al., 2011Cruz, Marcus Vinicius Gonçalves da et al. (2011). Criminalidade em Belo Horizonte: notas para discussão. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro.; Batitucci, 2005Batitucci, Eduardo Cerqueira et al. (2005), “Criminalidade violenta na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH): reflexos nas políticas de segurança”. SBS - XII Congresso Brasileiro de Sociologia - Violência, Criminalidade e Segurança.; Andrade e Marinho, 2013Andrade, Luciana Teixeira de; Marinho, Marco Antônio Couto. (2013), “Homicídios na região metropolitana”. In: Andrade, Luciana Teixeira de et al. Organização social do território e violência letal na Região Metropolitana de Belo Horizonte: o balanço de uma década. Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles - IPPUR/UFRJ.).

Similarmente ao disposto pela literatura de diversas partes do Brasil, a grande maioria das pessoas vítimas de homicídios em Minas Gerais seria jovem, negra, pobre, com baixa instrução formal, oriunda de favelas e de bairros de periferia (Zilli, 2015Zilli, Luís Felipe. (2015). “O mundo do crime e a lei da favela: aspectos simbólicos da violência de gangues na região metropolitana de Belo Horizonte”. Etnográfica, 3 (19): 463- 487.). Ou seja, o perfil de indivíduos normalmente associados a grupos como o PCC. Portanto, se em algum nível a bibliografia sobre as dinâmicas criminais estaduais se debruçou sobre organizações criminosas, até então localmente identificadas como gangues, tal produção as relacionou com a pauta de mortes violentas.

Nesse sentido, Beato e Zilli (2012Beato, Claudio; Zilli, Luís Felipe. (out. 2012), “A estruturação de atividades criminosas: um estudo de caso”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27 (80): 71-88. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092012000300005&lng=pt&nrm=iso.
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) analisaram que as ações das gangues seriam decorrentes do crescimento desordenado e da ocupação precária do espaço, ocasionados por uma intensa urbanização e “favelização”. Esse cenário levou ao acirramento de disputas, à desorganização da mobilização social e à incapacidade do Estado de exercer controle.

Comparando distintos cenários nacionais e internacionais, um deles relativo à Região Metropolitana de Belo Horizonte, Beato e Zilli (2012Beato, Claudio; Zilli, Luís Felipe. (out. 2012), “A estruturação de atividades criminosas: um estudo de caso”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27 (80): 71-88. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092012000300005&lng=pt&nrm=iso.
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) esboçaram um modelo de desenvolvimento de atividades criminosas, na expectativa de fornecer subsídios a uma compreensão mais abrangente e sistêmica de como o fenômeno se estabeleceu no Brasil ao longo das últimas décadas. Com base em um modelo ideal evolutivo, propôs-se a ideia de que, a despeito de suas muitas formas de manifestação, seria possível identificar que gangues e grupos armados ilegais em atuação em favelas brasileiras apresentariam estágios comuns de estruturação de atividades criminosas. Em suas fases iniciais, as dinâmicas criminais se pautariam por uma lógica majoritariamente societária e comunitária, passando gradativamente a se orientarem para fins econômicos e racionais, à medida que adeririam a atividades ilícitas mais complexas.

Pela narrativa de ambos os autores, as ações de gangues desenvolvidas na região da capital mineira se situariam no interstício entre um estágio de formação preliminar e o processo de racionalização do “mundo do crime”. Esse momento de maior estruturação dos grupos criminosos parece ter se iniciado em meados dos anos 2000, ainda assim, somente em algumas poucas vilas e favelas com um histórico mais antigo de violência (Beato e Zilli, 2012Beato, Claudio; Zilli, Luís Felipe. (out. 2012), “A estruturação de atividades criminosas: um estudo de caso”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27 (80): 71-88. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092012000300005&lng=pt&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Seriam raros os relatos sobre conflitos armados e sobre mortes motivadas exclusivamente por questões relativas à lida dos grupos dentro de mercados ilícitos e aos processos de maior estruturação de suas atividades criminosas.

No entanto, pesquisas recentes indicaram uma dinamização no que tange à ação de grupos criminais em Minas Gerais e, inclusive, o PCC teria começado a estender seus braços ao estado (Ribeiro et al., 2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
http://www.seer.uece.br/?journal=opublic...
). De fato, este novo perfil criminal seria lido como fruto das condições carcerárias mineiras. Em quinze anos, a população prisional local aumentou aproximadamente 205%, saindo de 23.358 pessoas privadas de liberdade em 2003 (Ribeiro et al., 2004Ribeiro, Ludmila et al. (2004), “Política Pública Penitenciária: a Gestão em Minas Gerais”. XXVIII Enanpad - Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração. Curitiba.) para 71.661 em 20197 7 Dados do Departamento Penitenciário estadual, relativos a setembro de 2019. . O estado apresenta em números absolutos a segunda maior população carcerária nacional, atrás apenas de São Paulo.

Ribeiro et al. (2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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) salientaram alguns elementos que facilitaram a ação da organização criminal em Minas Gerais. Entre outros, dada a proximidade com o território paulista, as regiões do Triângulo e o sul estadual estariam sujeitas à grande circulação de integrantes do PCC 8 8 Conforme a divisão oficial de Minas Gerais, o estado dispõe de dez regiões de planejamento: Alto Paranaíba, Central, Centro-Oeste de Minas, Jequitinhonha/Mucuri, Mata, Noroeste de Minas, Norte de Minas, Rio Doce, Sul de Minas, Triângulo. As regiões Sul e do Triângulo estabelecem limites com São Paulo. . Em consequência, muitas pessoas dessas áreas teriam sido batizadas9 9 Como explicado na nota 1, o “batismo” se refere à cerimônia em que o indivíduo adere às normas do grupo e se torna seu novo integrante. , passando a compor os quadros da organização.

Uma das políticas adotadas pelo governo mineiro para conter a ação do PCC no estado se referiu à transferência, para a Penitenciária Nelson Hungria, de pessoas ligadas ao grupo (Ribeiro et al., 2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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). A administração prisional visava a segregar o PCC, evitando o contato entre seus membros e presos sem qualquer filiação a organizações criminais. No entanto, a ação teria gerado efeito inverso, pois quanto mais sujeitos foram identificados como integrantes, mais o estabelecimento prisional recebia pessoas privadas de liberdade, aguçando-se a superlotação e, por sua vez, as violações de direitos. Em consequência, cresceram a solidariedade e o sentimento de destino comum entre presos, o que acabou por fortalecer o PCC (Ribeiro et al., 2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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).

A fim de aprofundar as discussões sobre a ação da organização paulista em Minas Gerais, na seção seguinte serão analisadas as narrativas dos agentes públicos e dos presos vinculados ao grupo.

Expansão do PCC pelo território mineiro

A fim de discutir os objetivos e meios da expansão do PCC por Minas Gerais, dividiremos esta seção em três pontos: (a) as finalidades relacionadas com a difusão; (b) as dinâmicas (formais, informais e ilegais) que propiciam o fenômeno; (c) as possíveis resistências encontradas pelo PCC em território mineiro e, logo, as estratégias adotadas pelo grupo para contorná-las.

Objetivos da expansão

Tal qual disposto por Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) acerca das múltiplas faces do PCC, os diferentes entrevistados mobilizaram características organizacionais distintas para explicar os objetivos da difusão do grupo por Minas Gerais. Nesse sentido, um primeiro ponto a se destacar das perspectivas dos atores públicos mineiros diz respeito ao reforço significativo da feição empresarial, em confirmação com a parte das hipóteses aventadas neste trabalho. Sob esta ótica, a expansão do PCC pelo Brasil, em especial pelo estado mineiro, seguiria uma lógica de mercado, voltada à expansão de sua capacidade lucrativa, através da ampliação das rotas do tráfico de drogas.

O PCC […] acaba buscando mercado; se tem um mercado dominado, tenta obter novos mercados, puramente negocial. Seria talvez o ponto de toque do tema, seria mais diretamente ligado à questão negocial, financeira, negócios, comércio, dinheiro. […] A gente acompanhou, e vimos que cresceu de forma arregimentada, mais membros e tal. Cresceu exatamente como um entreposto negocial importante. Aqui é um bom mercado, tem consumo, tem alguma facilidade e tem meios (Entrevistado 3 - agente público).

Por sua vez, remetendo à face fraternal descrita por Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.), os presos relacionados com o PCC indicaram que aspectos econômicos são considerados secundários, em contraste com a solidariedade interna organizacional. A frase emblemática proferida por um custodiado, “o PCC surgiu para acabar com a repressão carcerária”10 10 Entrevistado 13 - preso relacionado com o PCC. , qualificou e sintetizou a perspectiva deste conjunto de entrevistados. Para eles, busca-se integrar as pessoas presas a um destino comum, voltado à garantia de direitos delas e de suas famílias.

PCC é família, e família tem seus gastos. Uma coisa é cuidar de uma família pequena. Outra coisa é cuidar de uma família de 100 mil pessoas. É preciso ajudar parceiro que se sacrificou pelo PCC, por isso o grupo arrumou os meios de arrumar dinheiro. Serve para pagar advogado na prisão federal, cesta básica para a família […] (Entrevistado 10 - preso relacionado com o PCC).

Embora os atores públicos e os presos tenham proferido narrativas distintas, fornecendo níveis de importância diferentes à perspectiva econômica no que tange à difusão do PCC, foi ponto comum nas conversas firmadas a ideia de que o grupo paulista teria “ganhado o país inteiro” e teria se “enraizado por Minas Gerais”. E a tendência seria um reforço paulatino do cenário, já que a ação do PCC seria uma espécie de “caminho sem volta”, como dito por um agente de segurança da Nelson Hungria11 11 Entrevistado 5 - agente público. . De forma similar, um preso apontou que a “facção veio para ficar”, “não tendo mais retorno”12 12 Entrevista 13 - preso relacionado com o PCC. . Ainda, utilizando uma metáfora biológica, outro custodiado citou que o grupo seria uma espécie de “câncer”, “não acaba nunca mais por ter lideranças em todos os lugares”13 13 Entrevistado 11 - preso relacionado com o PCC. . Não haveria “tratamento” efetivo para “combatê-lo”.

Por que Minas Gerais? As dinâmicas travadas

Conforme relatos de alguns presos e de atores públicos, o PCC teria se inserido no sistema prisional mineiro a partir das constantes prisões de seus membros realizadas no Triângulo Mineiro e no Sul estadual, tal como discorrido por Ribeiro et al. (2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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). As estradas de ligação entre Minas Gerais e São Paulo, somadas à precariedade de fiscalização policial, foram citadas como facilitadores da ação organizacional. Não obstante, basicamente todos os entrevistados privados de liberdade eram originários dessas duas regiões. Outros tantos disseram ser provenientes de cidades paulistas, como Campinas e a própria capital. Em geral, apontaram ter chegado de bonde à Nelson Hungria14 14 Em grupos transferidos pela administração penitenciária à Região Metropolitana de Belo Horizonte. , pois seriam considerados pela administração prisional como mais perigosos por comporem ou por possuírem alguma aliança com o PCC. “É, independente do comportamento, ele [o identificado pelo Estado como integrante do PCC] é considerado um preso perigoso”15 15 Entrevistado 12 - agente público. .

De fato, nos últimos anos, todos os presos originários do Triângulo Mineiro e do Sul estadual são automaticamente considerados pela administração prisional como pertencentes ao PCC, ainda que digam o contrário. Os demais custodiados são questionados, em sua entrada no sistema prisional, a qual organização criminal pertencem, mesmo que não estejam vinculados a uma. Muitos presos tenderiam a dizer fazer parte do PCC por mera simpatia ou, talvez, por estarem curiosos sobre o comumente ventilado pela imprensa. Afinal, esse meio de comunicação indica de modo sistemático que o grupo é a maior organização criminal do país (Duarte e Araújo, 2020Duarte, Thais Lemos; Araújo, Isabela Cristina Alves de. (2020), “PCC em pauta: narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil”. Revista Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 13 (2): 505-532. Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/23020.
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). Ao fazerem tal alegação, uma ficha é assinada pelo custodiado, ficando registrada em sua pasta no sistema carcerário estadual. Essa documentação é usada para fins de inteligência policial e prisional.

Os presos de facções são presos que às vezes na pasta deles já tem carimbado, já está escrito ali que ele é, tudo isso é levantado pela inteligência […]. Inteligência prisional quanto a da polícia também. Então, tem a inteligência da PM, da civil e do sistema prisional, que às vezes trabalham o conjunto, mas normalmente tem alguma comprovação, até mesmo o carimbo na paz, que é o que todo mundo que faz parte de facção tem (Entrevistado 5 - agente público).

Nem sempre ficam claros às pessoas tais procedimentos. Um preso disse não saber ler nem escrever, só conseguindo firmar seu nome. Ao ver o documento da administração prisional em sua entrada no sistema, ele o assinou, sem ter compreendido de que se tratava. Foi colocado, então, nos pavilhões destinados ao PCC, não tendo, porém, qualquer vínculo ou mesmo afinidade com a organização. Em verdade, diferente dos demais informantes que diziam à pesquisa ter alguma conexão com o grupo, bem como serem originários do Sul e do Triângulo Mineiro, este rapaz proveio de Belo Horizonte. Em decorrência de certas rivalidades entre as gangues da capital mineira e o PCC, temia por sua integridade. Acabava, então, por acatar ao máximo as normas de convivência estabelecidas para passar despercebido dentre as demais pessoas privadas de liberdade. Em paralelo, já tinha pedido várias vezes à administração do estabelecimento para que fosse remetido a outro pavilhão e, inclusive, solicitou durante a entrevista para que o ajudássemos em sua demanda. Não havia, todavia, qualquer previsão de atendimento ao seu apelo.

Um profissional da equipe técnica apontou ser de extrema dificuldade transferir um preso de um pavilhão dito do PCC a outro local da unidade ou a outro estabelecimento. “Você só pode sair morrendo ou entrando para a religião evangélica […] você só pode sair se ou morrer ou dizer [sic] que encontrou Jesus”16 16 Entrevistado 10 - agente público. . Decerto, conforme o discutido pela literatura especializada a respeito dos preceitos do PCC, uma das poucas formas de se desligar do grupo seria através da conversão individual a alguma religião Evangélica (Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.)17 17 Conforme Dias (2007), nos últimos anos, houve um aumento exponencial de presos que dizem pertencer à religião evangélica, em detrimento de outras religiões, como a católica. O grupo evangélico oferece à pessoa privada de liberdade a possibilidade de se sentir parte integrante de uma comunidade, de estabelecer laços sociais que a vinculem novamente à sociedade e que deem sentido à sua pertença social. Os evangélicos são facilmente distinguíveis dentro de uma unidade prisional, seja por sua aparência, seja por seu “retraimento” e pelo modo de falar, baixo e subserviente, sem uso de gírias, traço característico da população prisional. Procuram se separar dos demais para demonstrar a todos - funcionários, presos, pesquisador, família etc. - a mudança radical que aconteceu em sua vida, de “saída” do mundo do crime. . Em boa medida, pois, o Estado reforçaria os valores organizacionais ao impor uma estratégia rígida de categorização dos custodiados e ao ignorar determinadas demandas pessoais. De acordo com o relato abaixo, o importante é que a pessoa não gere qualquer problema à administração prisional.

Tem aqueles que nem são. Falam assim: “eu não sou”. Aí você manda, faz às vezes um relatoriozinho e manda para a segurança. Daí a gente não tem resposta, porque a segurança, ela caminha diferente das outras. Assim mesmo. Se ele está sofrendo, se não está […]. Eles querem saber se está lá guardado, se está lá guardado e de preferência que não dê trabalho (Entrevistado 10 - agente público).

Por um lado, ao utilizar essa tática de segregação dos custodiados ditos do PCC, os órgãos do sistema de justiça creem evitar tensionamentos entre grupos criminais, garantir maior controle sobre a organização criminal e conter a sua expansão por diversas unidades prisionais estaduais.

Poderia gerar morte. Imagina o preso de uma facção junto com outra facção? Às vezes, o preso daquela facção em um pavilhão comum, normal, o poder de influência, articulação, olha o que pode causar. E preso de facção, eles batizam também dentro das unidades prisionais. Então, eles acabam conseguindo mais integrantes com esse batismo dentro da prisão. Então, acaba que eles têm que ficar separados mesmo. São presos mais articulados, são presos que têm o poder de influência grande, até de diálogo ali eles conseguem, muito convincentes, sabe? (Entrevistado 5 - agente público).

Como unidade, o que a gente tem conseguido fazer, que temos achado mais interessante é esta: colocá-los em um único lugar. Fica até mais fácil de controlá-los ali do que eu pulverizar em vários pavilhões, afinal de contas nós estamos com treze pavilhões, quatro anexos. Então, se eu for colocá-los em cada pavilhão, ia ficar mais difícil (Entrevistado 11 - agente público).

Por outro lado, tal qual exposto por Ribeiro et al. (2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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), algumas vozes apontaram que essa estratégia produziria resultados inversos ao esperado, gerando, entre outros aspectos, maior protagonismo à organização. Um dos presos advertiu em diversas partes de sua entrevista que o Estado era “burro”, pois todas as estratégias utilizadas para desarticular o PCC tinham como efeito fortificá-lo18 18 Entrevistado 12 - preso relacionado com o PCC. .

Neste aspecto, pareceu que o próprio grupo mesclou a narrativa sobre irmandade com a perspectiva de natureza mais bélica existente sobre si, já que a organização traçaria artifícios de expansão e domínio a partir de atos estatais considerados equivocados. O único diferencial dessa posição em relação à face guerreira tradicionalmente caracterizada disse respeito ao papel constituído por uma liderança. Nenhum preso indicou a presença de um chefe comandante nos pavilhões, ou mesmo fora da penitenciária, nas periferias urbanas de Minas Gerais. Muitos, ao contrário, salientaram sistematicamente que as ações do PCC eram definidas de forma coletiva, através de discussões promovidas nas celas. Inclusive, esses momentos de deliberações pareceram ser bem estruturados, pois, a partir de pontos definidos em ata, os presos buscavam consensos para dilemas cotidianos que surgiam, como ressaltado por Biondi (2014Biondi, Karina. (2014), Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. São Carlos, tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos. 2014.).

De fato, um preso salientou que os custodiados se dividem em tarefas para tornar a vida nos pavilhões mais ordenada e, entre outras funções, há uma figura de liderança. Ela, porém, não dirige o destino organizacional mais amplo, já que buscaria somente mediar o diálogo entre os presos e a direção da unidade prisional, bem como intervir em possíveis conflitos entre os custodiados.

Tipo… nós tentamos um diálogo. Tem lá, tipo assim… tem o pessoal responsável que fica conversando com o guarda, por exemplo, um, dois ou três presos ficam responsáveis por conversar, ter aquele diálogo com o guarda, de pedir atendimento médico, de pedir atendimento jurídico, se o preso está passando mal, entendeu? Tem aquele para nós irmos lá passar o que está acontecendo para o diretor, é um meio de comunicação que muitas vezes não tem, porque geralmente o guarda dá atenção, entendeu? (Entrevistado 12 - preso relacionado com o PCC).

Para além de ser respeitado entre os presos, esse tipo de liderança também seria legitimado pela administração da unidade prisional.

Sim, sim. Eles são mais organizados, em termos de demanda, então, por exemplo, isso acontece até hoje, as demandas jurídicas deles, por exemplo, eles gostam muito de fazer o que eles chamam de ofício, eles fazem um ofício, normalmente já tem um responsável por organizar isso lá, aí chega uma demanda já grande (Entrevistado 30 - agente público).

Ou seja, a disciplina do PCC é considerada válida tanto por seus membros, quanto pela administração prisional. Para os primeiros, esse valor ajuda a reforçar laços de solidariedade entre os presos, promovendo a face fraternal. “Humanidade, entendeu? Nós procuramos ajudar o próximo em… eles se cuidam um do outro, ali dentro do quadrado.”19 19 Entrevistado 12 - preso relacionado com o PCC. Já os segundos, ainda que achem os integrantes do PCC “chatos”, pois demandam muito, os consideram disciplinados e, por isso, não geradores de transtornos à administração prisional.

Em outros termos, certos atores estatais ajudariam a produzir e a constituir a criminalidade, já que a obrigação de se declarar pertencente a algo, a legitimação das lideranças e a aprovação da ideologia organizacional ampliariam um processo narrado pela literatura como típico em prisões paulistas. Embora um cárcere tenha meia dúzia de presos considerados irmãos, todos os demais acatariam ou ao menos tolerariam a disciplina organizacional, tornando-o uma “cadeia do PCC” (Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.; Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.). Esse quadro seria extremamente potente a um processo de expansão, já que a identidade do grupo se dissiparia em maior grau, apesar de o número de adeptos efetivos poder se manter relativamente constante e pequeno ao longo do tempo.

Na verdade, eu acho que o PCC tem em todo lugar, eu acho que a sementinha está sendo plantada em todos os lugares, para palpitar mesmo. A sementinha é você pegar um preso aqui, um irmãozinho, que é como eles chamam, e colocar no pavilhão. E aí, e aí, dispersa essa coisa meio mole, a gente tem uma organização aqui, você quer ter, é, como é que fala, uma segurança, você quer ter uma proteção, vai ter que fazer isso, isso e isso e assim vai. É assim que nasce, é, as facções […] (Entrevistado 10 - agente público).

Nesse sentido, os agentes públicos proferiram um discurso aparentemente ambíguo. Ao mesmo tempo que indicaram a importância do grupo às rotinas prisionais, foi também ponderada a necessidade do exercício crescente do monopólio da violência legítima estatal, com vistas a conter a ação do PCC em Minas Gerais. Além disso, estes mesmos atores também reconheceram que as ações interpostas têm se mostrado insuficientes, dada a dinamicidade do grupo em razão de suas faces empresarial e bélica. Somado a isso, a própria estrutura estatal foi considerada frágil e deficitária, de modo que o sistema de justiça criminal não conseguiria “alcançar” a organização paulista em sua “corrida” de expansão sobre o território mineiro.

Não estou falando que isso vem só da facção não. Mas eles, como estrutura organizada, essa questão do celular aí acabou ampliando demais esse horizonte aí de comando. Então, assim, é uma missão dificílima para o estado. À medida que, aí é minha visão, à medida que a tecnologia avança para ajudar, o estado tem mais desafio para conter também. Então, assim, eu não vejo outra solução, se não realmente inibir que esses aparelhos funcionem aqui dentro (Entrevistado 8 - agente público).

Então, infelizmente, mesmo com essa segurança toda, passando pelo detector de metal… Eu também não sei te dizer como que entram, mas acontece de aparecer [sic] muitos aparelhos telefônicos aqui dentro (Entrevistado 5 - agente público).

Semelhantemente ao que ocorreu em São Paulo (Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.; Silvestre, 2016Silvestre, Giane. (2016), Enxugando o iceberg: como as instituições estatais exercem o controle do crime em São Paulo. São Carlos, tese de doutorado, Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos. 2016.), o PCC manteria suas atividades perenes, entre outros fatores, devido às comunicações que estabelece entre o fora e o dentro dos cárceres mineiros, seja por cartas, seja por celulares, seja através de qualquer outro meio que possibilite o fluxo entre um ambiente e outro. As porosidades do cárcere (Godoi, 2011Godoi, Rafael. (2011), “Para uma reflexão sobre os efeitos sociais do encarceramento”. Revista Brasileira de Segurança Pública , edição 8, 5 (1): 138-154. Disponível em http://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/88.
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) perpetuariam a organização criminal, no mesmo sentido em que Barbosa (2005Barbosa, Antônio Rafael. (2005), Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro2005.) afirmou que as prisões seriam um espaço de articulação privilegiado para as diversas linhas segmentares de grupos criminosos, fornecendo as amarras às pontas soltas e impedindo que uma linha se sobreponha às demais. Conforme esse autor, os estabelecimentos prisionais guardariam um estoque de vidas para o crime e pelo crime. Através desses espaços, a delinquência não somente se constituiria, como também se estruturaria.

É, porque antigamente todo mundo era bandido, não é?, matador era bandido, ah, perigoso. Hoje não. Hoje todo mundo é perigoso. O cara vai ali na rua, pega um celular e vai preso. Aí ele vira bandido dentro da cadeia, porque lá ele se associa a facções, se não para, até mesmo por sobrevivência, ele empina o peito e fala “Eu sou bandido” (Entrevistado 12 - agente público).

Eu acredito que o poder dela está maior aqui fora. Ele usa as prisões como meio de proteger a cúpula e proliferar as suas ideias. Eu dei o exemplo que quanto mais pessoas eu batizar aqui, se é a vinte, eu vou usar a influência, ou as pessoas que têm contato com esse preso aqui lá fora. Então, aumenta o meu contato lá fora, são essas pessoas lá fora que comete [sic] o crime, não são os presos (Entrevistado 1 - agente público).

Resistências mineiras e estratégias do grupo para contorná-las

Haja vista os dados que debatemos até aqui, cárceres como a Nelson Hungria teriam um papel fundamental na consolidação da organização criminal. Até mesmo porque, a despeito de a ação do PCC em Minas Gerais ter se apresentado em algumas narrativas como algo dado, já consolidado, muitos integrantes do grupo com os quais dialogamos dispuseram de uma perspectiva divergente. “Há muito trabalho pela frente. Há muita unidade sem PCC e muitas partes de Minas sem PCC”, afirmou um dos entrevistados presos20 20 Entrevistado 4 - preso relacionado com o PCC. , lançando uma perspectiva que conjugou as diferentes faces do grupo traduzidas pela literatura (Feltran, 2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.). Ribeiro et al. (2019Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes et al. (2019), “Pavilhões do Primeiro Comando da Capital: tensões e conflitos em uma unidade prisional de segurança máxima em Minas Gerais”. O Público e o Privado, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, 33: 213-241. Disponível em http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=3351.
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) já teriam chamado atenção ao fato, indicando que certas pessoas presas na Nelson Hungria resistiriam a acatar a disciplina prescrita pelo PCC, com receio de a organização “mandar no que é deles”, como descrito abaixo. Geralmente, essas pessoas formariam gangues originárias da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do norte do estado.

Montes Claros? Montes Claros lá tem… é nós, mas lá tem grupos deles lá de, tem uns lá, eles são fechados entre eles entendeu? Mas, lá é igual aqui em Belo Horizonte, Belo Horizonte. Eles têm as quebradas deles, os bairros deles, as favelas deles, têm os grupos deles. Mas, aqui, em Belo Horizonte é, igual eu falei para a senhora, tem mais, a maioria deles não fecha com nós [sic], não fecha sociedade por causa disso. Eles têm uma visão ali que nós vamos chegar, vai [sic] mandar no que é deles, vai mandar neles, vai comandar na quebrada deles. Eles têm essa visão, aí por eles, eles respeitam nós, eles não vêm com nós tipo no batismo, nunca. Alguns, outros teve muitos aqui que já batizou, muitos influentes aqui dentro de BH e região. Hoje em dia é PCC, mas aí é isso aí, eles não vêm com nós por causa disso, mas respeita nós [sic] (Entrevistado 1 - preso relacionado com o PCC).

Um dos presos disse que, diferente do PCC, que impõe medidas voltadas à racionalização de conflitos interpessoais (Feltran, 2010Feltran, Gabriel. (2010), “Crime e castigo na cidade: os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas periferias de São Paulo”. Caderno CRH (UFBA. Impresso), 23 (58): 59-74. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792010000100005&lng=en&nrm=iso.
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; Dias, 2011Dias, Camila. (2011), Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2011.; Marques, 2009Marques, Adalton. (2009), Crime, proceder, convívio-seguro. Um experimento Antropológico partir de relações entre ladrões. São Paulo, dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade de São Paulo. 2009.), as gangues da Região Metropolitana de Belo Horizonte resolveriam suas disputas internas mormente através da força. Essa divergência entre os distintos ethos organizacionais aparentemente tocaria em aspectos tão estruturantes, que dificultariam qualquer possibilidade de aliança entre grupos, ou mesmo um mero diálogo. “Você atrasa um dia, atrasa dois dias, o cara já quer te pegar […] é inadmissível, eu não aceito.”21 21 Idem.

Os diferentes procederes entre grupos podem ser em parte interpretados como fruto das dinâmicas criminais estabelecidas em Minas Gerais. Como já apontamos, Beato e Zilli (2012Beato, Claudio; Zilli, Luís Felipe. (out. 2012), “A estruturação de atividades criminosas: um estudo de caso”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27 (80): 71-88. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092012000300005&lng=pt&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) expuseram que as gangues na Região Metropolitana estadual geralmente se pautam por uma lógica majoritariamente societária e comunitária. São raros os eventos de conflitos armados e de mortes geradas por processos ligados à maior estruturação das atividades criminosas, tal como ocorreria, por exemplo, com as milícias cariocas (Couto e Beato, 2019Couto, Vinicius Assis; Beato, Claudio Filho. (2019), “Milícias: o crime organizado por meio de uma análise das redes sociais”. Revista Brasileira de Sociologia, 7(17): 201-221. Disponível em http://www.sbsociologia.com.br/rbsociologia/index.php/rbs/article/view/480.
http://www.sbsociologia.com.br/rbsociolo...
). A ação do PCC na área da capital e em outros territórios possivelmente geraria uma mudança quase que medular no mundo do crime local, com potenciais transformações na sociabilidade tradicionalmente estabelecida. “Os caras são mil grau, entendeu? Aqui eles são acelerados, entendeu, tem o ritmo deles, acelerado, eles não seguem ideologia”22 22 Entrevistado 1 - preso relacionado com o PCC. .

Dadas as características e resistências locais, o grupo paulista teve de adaptar sua forma de proceder em comparação com os seus atos adotados em São Paulo, promovendo em alguma medida a sua face bélica e empresarial. Como exemplo, o pagamento mensal efetuado pelos integrantes da organização para manter certas atividades do PCC em funcionamento, a chamada cebola, teria sido abolido em algumas localidades, a fim de se garantir um maior número de adeptos à organização. Ou seja, a base doutrinária seria respeitada, porém aspectos práticos de rotina sofreriam modificações.

Até onde também a gente pode verificar, o PCC atua com uma certa unidade doutrinária. […] Há uma certa flexibilização quando se fala em chegar a outros ambientes, que há a necessidade de se ajustar a um ambiente novo, a questões próprias de localidade, isso aí me parece que não guarda aquele rigor doutrinário que a gente visualiza nas ações em São Paulo. Entretanto, segue ainda uma hierarquia; houve, segundo a gente verificou, e isso é bastante interessante, um dinamismo na organização estrutural do PCC (Entrevistado 3 - agente público).

Alguns presos forneceram relatos similares, advertindo que, apesar de ser “um só”, “um todo organizado”, o grupo teria de se moldar ao “ritmo” de lugares que o desconhecem. Não faria sentido ser rigoroso na imposição de uma regra que um conjunto de pessoas não compreenderia. “Alguns estão chegando e estão aprendendo agora”23 23 Idem. , sendo, pois, diferente da rigidez requerida aos membros de São Paulo, onde a organização surgiu e estruturou suas regras internas.

É verdade, tem, porque… tipo assim… É tudo igual. PCC é um só, mas é um todo organizado. Só que… o que acontece? Tem, por ser um lugar em que eles não conhecem direito, estão no ritmo deles, tem pouco entendimento. Aí, devido a essas coisas, nós flexibilizamos, porque se não for… Às vezes pune um por causa de o cara não ter entendimento, aí é flexível (Entrevistado 1 - preso relacionado com o PCC).

Nesta mesma direção, um preso disse que as normas relativas ao batismo em Minas Gerais seriam distintas das de São Paulo. No estado paulista, o padrinho - o incumbido pelo recrutamento de integrantes da organização - seria responsável pela pessoa convidada a compor o PCC durante toda a sua caminhada, isto é, o período de vinculação ao grupo. Caso ela ferisse as regras organizacionais, o padrinho também seria responsabilizado, embora em geral com menor rigor. Já em Minas Gerais, o papel do recrutador seguiria existindo, mas não necessariamente tal ator permaneceria conectado ao seu apadrinhado de modo indefinido. O padrinho não seria percebido como o responsável direto pelas ações daqueles sobre os quais efetuou a convocação, havendo certa flexibilização do papel.

Para além dessas mudanças de rotina organizacional, os atores públicos também narraram uma variação na estratégia de disseminação do PCC em Minas Gerais. Inicialmente, parecia haver um anseio de ampliação no quantitativo de pessoas, independentemente de suas habilidades, para a execução de ações sincronizadas e violentas. Mais recentemente, existiria uma busca menos desenfreada por novos membros, priorizando-se maior especialização das atividades. Ou seja, a tática utilizada foi preliminarmente ganhar a adesão de um número razoável de pessoas que, inclusive, se mostraram dispostas a cometer atos violentos pela organização. Após o PCC ter adquirido relativo espaço no território local, especialmente nas regiões Sul e do Triângulo Mineiro estadual, optou-se por refinar a sua ação, a partir da adoção de atividades mais racionais e, talvez, menos agressivas. O PCC estaria otimizando suas ações em Minas Gerais, especialmente no que tange à sua ampliação, desvendando sua face empresarial.

Ainda que haja dissonâncias em relação a alguns aspectos sobre a natureza e sobre a ação do PCC em território mineiro, foi ponto comum nas diferentes narrativas estudadas que o grupo traria impactos significativos às dinâmicas criminais estaduais, especialmente nas regiões fronteiriças com São Paulo. Outras áreas estariam em disputa, muito em consequência do tipo de sociabilidade estabelecido na Região Metropolitana de Belo Horizonte. De todo modo, este cenário foi em parte ensejado pelas ações impostas pelos órgãos do Estado para conter o PCC, como concentrar pessoas em um único estabelecimento prisional.

Debates finais

Os distintos recursos analíticos usados para caracterizar o PCC nos ajudaram a compreender os objetivos e meios da expansão desse grupo por Minas Gerais. Em geral, os atores públicos dispuseram dos prismas bélico e empresarial sobre a organização para, por um lado, explicar as dinâmicas criminais desenvolvidas em território mineiro e, por outro, para fundamentar as medidas de controle que comumente implementam. Afinal, na óptica de tais atores, apenas seria possível conter uma organização complexa como o PCC a partir de ações consideradas rígidas, como, por exemplo, confinar conjuntos de presos de distintas localidades estaduais em uma única unidade prisional. Concomitantemente, porém, admitiu-se que as providências adotadas têm se mostrado sempre insuficientes, dada a dinamicidade do grupo. Para além desses aspectos, muitas ações estatais pareceram borradas na tênue linha que marca a divisão entre a legalidade e a ilegalidade; a formalidade e a informalidade.

Por sua vez, as hipóteses construídas em torno do PCC foram parcialmente confirmadas. De fato, a face fraternal sobressaiu nas narrativas dos presos em relação às demais. Conforme as pessoas privadas de liberdade, as ações de expansão por Minas Gerais visam ao progresso contínuo dos irmãos, através do desenvolvimento de dinâmicas criminais. Em contrapartida, essa tarefa apenas se concretizaria à medida que são estabelecidas estratégias de domínio de territórios e de populações, bem como por intermédio de ações de cunho quase empresarial. Portanto, os dados aqui alcançados a partir das narrativas dos presos sugeriram que as noções de irmandade em alguma medida estariam conjugadas aos prismas bélico e empresarial, com a diferença de não ter sido ressaltado de modo marcado o papel de uma liderança organizacional. As múltiplas abordagens se mesclaram, garantindo contornos intrincados ao PCC em seu processo de difusão por Minas Gerais.

Conjugadas à reflexão acima, como terceira conclusão possível de se depreender, as distintas representações sobre o grupo não foram mobilizadas pelos atores contatados de modo estanque. Não há um isto ou um aquilo a respeito da organização em Minas Gerais. Até mesmo porque as variadas caracterizações foram aplicadas para que interesses distintos fossem fundamentados. E essas pretensões em muitos momentos se mostraram complementares. O PCC utilizaria táticas de ampliação de seu mercado, garantindo a paz e o progresso dos irmãos. Por sua vez, dadas essas características, os atores da justiça criminal procurariam um reforço contínuo do seu monopólio do uso da força. Ou seja, um dispõe da ação do outro, o que levaria a um “caminho sem volta”.

Dito de outro modo, o processo de difusão do grupo no estado não é apenas um exemplo emblemático sobre como disputas narrativas perpassam a organização. A questão ajuda a construir também um imaginário sobre uma espécie de corrida entre o PCC e o Estado, de modo que a ação do primeiro é sempre lida pelo segundo como forma de justificar medidas que ensejam maior uso da força, ainda que algumas extrapolem os limites do lícito. Se há entraves ao processo, estes pareceram passar ao largo das ações estatais. Boa parte seria decorrência das dinâmicas criminais estabelecidas historicamente na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Todas estas análises traduziram o descrito por Feltran (2018Feltran, Gabriel. (2018), Irmãos. Uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.) acerca da complexidade organizacional. Olhar o PCC sob um prisma, em detrimento de outro, é garantir uma visão míope sobre o grupo. Ele só pode ser compreendido em sua heterogeneidade, em especial no processo de expansão por Minas Gerais, quando caracterizações duras a seu respeito são desfeitas. E a desconstrução de tais rótulos é essencial, inclusive para a compreensão das dinâmicas criminais de modo geral, desmistificando noções fantásticas sobre “crime organizado”, muito mobilizadas por atores que, no limite, buscam aumentar sua capacidade punitiva.

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  • 1
    “Irmão” é o nome mobilizado pelos membros do PCC para se referir a um de seus integrantes. Conforme Biondi (2007)Biondi, Karina (2007), “Relações políticas e termos criminosos: o PCC e uma teoria do irmão-rede”. Teoria e Sociedade, 15 (2): 206-235., uma pessoa passa a constituir o grupo a partir do ritual de batismo, momento em que o futuro membro faz a leitura do estatuto do PCC e jura fidelidade ao grupo. A entrada de um indivíduo no PCC só pode ser feita mediante convite e indicação de dois irmãos. Se a proposta for aceita, eles serão seus padrinhos e passam a se responsabilizar por seu ingresso no PCC. Tendo em vista essa responsabilidade, os irmãos só costumam convidar alguém a se batizar se, após um longo processo de avaliação, o considerarem apto a assumir o papel de membro, que requer bom conhecimento da vida prisional e do PCC, capacidade oratória e de negociação.
  • 2
    Parte dos dados aqui apresentados se refere a uma pesquisa realizada no âmbito do pós-doutorado de Thais Lemos Duarte, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da umfg. Supervisionado pela professora Ludmila Ribeiro, o estudo contou com o aporte de uma bolsa de Pós-Doutorado Júnior entre agosto de 2019 e setembro de 2020 (processo 155547/2018-6).
  • 3
    Após o trabalho de campo ter se encerrado ao final de 2019, haja vista o seu contexto infraestrutural e de segurança, a unidade foi reclassificada pelo Poder Executivo mineiro como de “segurança média”, de modo que alguns presos do local foram transferidos a outros estabelecimentos prisionais locais, considerados de regime mais rigoroso. Informação disponível em: “Nelson Hungria: Escritório do crime” (2020)MGTV. “Nelson Hungria: Escritório do crime” (2020), MG2, Globoplay. Disponível em https://globoplay.globo.com/v/8869065/. 8 min. Exibição em: 18 set. 2020.
    https://globoplay.globo.com/v/8869065...
    , https://globoplay.globo.com/v/8869065/.
  • 4
    Importa dizer que a unidade mantém os presos considerados como pertencentes ao PCC em pavilhões específicos. Ou seja, esses pavilhões apenas abrigam presos tidos como vinculados ao grupo.
  • 5
    Dados disponíveis em Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. (2019). Disponível em https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWY5NjFmZjctOTJmNi00MmY3LThlMTEtNWYwOTlmODFjYWQ5IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9, consultado em 03/06/2020.
  • 6
    Ao criar a categoria mais do que genérica sobre “crime organizado”, previsto no Artigo 1 da Lei 12.850 de 2013, a norma não consegue alcançar as complexas relações das quais as dinâmicas criminais estabelecidas pelo PCC estão imbuídas. Considera-se como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos. Também compreende organização criminosa como os grupos com atuação transnacional.
  • 7
    Dados do Departamento Penitenciário estadual, relativos a setembro de 2019.
  • 8
    Conforme a divisão oficial de Minas Gerais, o estado dispõe de dez regiões de planejamento: Alto Paranaíba, Central, Centro-Oeste de Minas, Jequitinhonha/Mucuri, Mata, Noroeste de Minas, Norte de Minas, Rio Doce, Sul de Minas, Triângulo. As regiões Sul e do Triângulo estabelecem limites com São Paulo.
  • 9
    Como explicado na nota 1 1 “Irmão” é o nome mobilizado pelos membros do PCC para se referir a um de seus integrantes. Conforme Biondi (2007), uma pessoa passa a constituir o grupo a partir do ritual de batismo, momento em que o futuro membro faz a leitura do estatuto do PCC e jura fidelidade ao grupo. A entrada de um indivíduo no PCC só pode ser feita mediante convite e indicação de dois irmãos. Se a proposta for aceita, eles serão seus padrinhos e passam a se responsabilizar por seu ingresso no PCC. Tendo em vista essa responsabilidade, os irmãos só costumam convidar alguém a se batizar se, após um longo processo de avaliação, o considerarem apto a assumir o papel de membro, que requer bom conhecimento da vida prisional e do PCC, capacidade oratória e de negociação. , o “batismo” se refere à cerimônia em que o indivíduo adere às normas do grupo e se torna seu novo integrante.
  • 10
    Entrevistado 13 - preso relacionado com o PCC.
  • 11
    Entrevistado 5 - agente público.
  • 12
    Entrevista 13 - preso relacionado com o PCC.
  • 13
    Entrevistado 11 - preso relacionado com o PCC.
  • 14
    Em grupos transferidos pela administração penitenciária à Região Metropolitana de Belo Horizonte.
  • 15
    Entrevistado 12 - agente público.
  • 16
    Entrevistado 10 - agente público.
  • 17
    Conforme Dias (2007), nos últimos anos, houve um aumento exponencial de presos que dizem pertencer à religião evangélica, em detrimento de outras religiões, como a católica. O grupo evangélico oferece à pessoa privada de liberdade a possibilidade de se sentir parte integrante de uma comunidade, de estabelecer laços sociais que a vinculem novamente à sociedade e que deem sentido à sua pertença social. Os evangélicos são facilmente distinguíveis dentro de uma unidade prisional, seja por sua aparência, seja por seu “retraimento” e pelo modo de falar, baixo e subserviente, sem uso de gírias, traço característico da população prisional. Procuram se separar dos demais para demonstrar a todos - funcionários, presos, pesquisador, família etc. - a mudança radical que aconteceu em sua vida, de “saída” do mundo do crime.
  • 18
    Entrevistado 12 - preso relacionado com o PCC.
  • 19
    Entrevistado 12 - preso relacionado com o PCC.
  • 20
    Entrevistado 4 - preso relacionado com o PCC.
  • 21
    Idem.
  • 22
    Entrevistado 1 - preso relacionado com o PCC.
  • 23
    Idem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2020
  • Aceito
    26 Set 2020
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