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“Tuve la mala suerte de comer en el Ritz”. A autobiografia de Victoria Ocampo e a composição do habitus de elite em Buenos Aires em princípios do século XX

“Tuve la mala suerte de comer en el Ritz”: Victoria Ocampo’s autobiography and the composition of the elite habitus in Buenos Aires at the beginning of the 20th century

Resumo

Este artigo revisa a trajetória intelectual de Victoria Ocampo à luz das reflexões de uma história intelectual sociologicamente orientada. Essa abordagem atenta ao papel de Ocampo como testemunha da constituição de um habitus cultivado, central para a composição do campo intelectual argentino. Proponho que três aspectos da autobiografia de Ocampo - o uso culto de línguas não maternas, a espacialidade urbana de sua criação e seu epistolário - elucidam dispositivos de consagração das atitudes intelectuais que estão na base da autoimagem da elite argentina do início do século XX e servem como paradigma para uma reflexão sobre a pertinência interdisciplinar do testemunho enquanto observatório de práticas sociais condensadas nos dispositivos de distinção cultural.

Palavras-chave:
Victoria Ocampo; História intelectual; Biografia; Distinção; Elites culturais

Abstract

This article reviews Victoria Ocampo’s intellectual trajectory in the light of the reflections of a sociologically oriented intellectual history. This approach observes Ocampo’s role as a witness to the constitution of a cultivated habitus, central to the composition of the Argentinian intellectual field. I propose that three aspects of the Testimonios de Ocampo - cultured use of non-native languages, the urban spatiality of their creation and their epistolary - elucidate devices for the enshrining of intellectual attitudes that underlie the self-image of the early twentieth century Argentinian elite and serve as a paradigm for a reflection on the interdisciplinary relevance of the testimony as an observatory of social practices gathered in the devices of cultural distinction

Keywords:
Victoria Ocampo; Intellectual history; Biography; Distinction; Cultural elites

Las damas de família Anchorena, así como las de Alvear o Alzaga eran tan conocidas en las grandes tiendas de París por sus fastuosas compras que las vendedoras al ver sus tarjetas exclamaban: “Ah! Madame appartient aux trois A”1 1 Esta e as demais traduções são minhas. “As damas da família Anchorena, assim como as Alvear ou Alzaga, eram tão conhecidas nas grandes lojas de Paris por suas faustosas compras que as vendedoras, ao verem seus cartões, exclamavam: ‘Ah! A Madame pertence aos três As’”. .

Juan José Sebreli em Los Anchorena.Sebreli, J. J. S. (1985), La saga de los Anchorena. Buenos Aires, Editorial Sudamericana.

O nosso amor-próprio sofre com mais impaciência a condenação dos nossos gostos do que das nossas opiniões.

Le Rochefoucauld, citado por Pierre Bourdieu n’A distinção.

Não é incomum que intelectuais consagrados optem por, em determinado ponto de sua trajetória, tentar controlar sua biografia ou sua persona (Goffman, 1985Goffman, E. (1985), A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes. ), especialmente quando dela depende, em alguma medida, a coerência entre a vida, a obra e a posição intelectual que encarnam ou defendem. De Franz Kafka a Jean Paul Sartre, a operação social de enquadramento de si, tomada como um objeto de análise em si mesma, levanta questões sobre a pertinência do incurso autobiográfico, sobre a propriedade que um sujeito do mundo letrado efetivamente tem ao procurar incidir deliberadamente nos instrumentos aos quais deve sua consagração e, também, sobre a possibilidade da busca por narrar a si mesmo como um exemplar de uma determinada atitude diante das coisas da cultura. Esses debates foram tematizados por distintas disciplinas e por variadas posições metodológicas. Do ponto de vista da história, a discussão sobre a pertinência das biografias e autobiografias acontece, sobretudo após os anos 1980, nos marcos de uma história política renovada (Sirinelli, 2013Sirinelli, J. F. & Leymarie, M. (2013), L’histoire des intellectuels aujourd-ui. Paris, Press Universitaires de France. ; Remond, 1997Remond, R. (org.). (1997), Por uma história política. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/Fundação Getulio Vargas. ; Lejeune, 1996Lejeune, P. (1996), Le pacte autobiographique. Nouvelle ed. Argumenté. Paris, Seuil. ; Dosse, 2009Dosse, F. (2009), O desafio biográfico: Escrever uma vida. São Paulo, Edusp.). Nas ciências sociais, mais pontualmente na sociologia dos intelectuais, o interesse pelas possibilidades e limites das histórias de vida como componente explicativo do campo letrado tem sido visto ora como possibilidade, ora como ilusão (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. (1997), Razones practicas. Sobre la teoria de la acción. Barcelona, Editorial Anagrama. , 2008Bourdieu, P. (2008), A economia das trocas linguísticas. 2. ed. São Paulo, Edusp., 2010Bourdieu, P. (2010), A distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Tradução de Pedro Duarte. Lisboa, Ed. 70.; Sapiro, 2013Sapiro, G. (2013), “Le champ est-il national? La théorie de la différenciation sociale au prisme de l’histoire globale”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 5 (200): 70-85.; Miceli, 2014Miceli, S. (2014), Vanguardas em retrocesso. São Paulo, Companhia das Letras. ; Milo, 1984Milo, D. (1984), “La bourse mondiale de la traduction: un baromètre culturel?”. Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 39e année, 1: 92-115. ), não sem provocar sérias querelas internas à disciplina a respeito do estatuto de objetividade que se pode conferir a alguém que fala de si mesmo retroativamente. Todas essas discussões remetem, ainda, aos debates mais amplos em torno do papel da narrativa, do rigor documental e, em alguma medida, do próprio estatuto de verdade objetiva eventualmente pleiteado pelos estudiosos do mundo intelectual.

Este artigo se ampara nessa farta discussão interdisciplinar para realizar duas investigações que, inicialmente em paralelo, se encontram na tematização da própria noção de autobiografia como testemunho de um conjunto de práticas, mais do que de narrativas. Tomando a trajetória da escritora e editora argentina Victoria Ocampo (1891-1979) como observatório, pretende-se identificar os dispositivos de consagração intelectual operantes na Argentina da primeira metade do século XX, considerando-os em sua dimensão prática, ou seja, colocando em relevo as marcas de distinção cultural que operam nas escolhas autobiográficas da autora. Em paralelo, este artigo almeja tematizar a relevância da posição autobiográfica para a aproximação entre os debates historiográficos e sociológicos em torno da construção das operações sociais de enquadramento de si que conectam uma trajetória intelectual específica às suas posições relativas no campo.

Por um lado, a trajetória social de Victoria Ocampo será observada à luz dos dispositivos de consagração social que aparecem em Império insular, parte de sua autobiografia dedicada à primeira juventude. Assim como muitos de seus pares, Ocampo incursionou algumas vezes pela narração em primeira pessoa, valendo-se dessa modalidade, inclusive, para projetar-se enquanto figura pública e ensaísta. Sua autobiografia, publicada em 1979, foi elaborada à luz de uma trajetória já consagrada como fundadora e diretora da Revista SurRevista Sur (1931-1969). Archivo de la Biblioteca de la Facultad de Filosofia y Letras/Instituto de História Argentina Emilio Ravignani e acervo pessoal. , árbitro cultural do bom gosto argentino de 1931 até a década de 1970 (Silva, 2004Silva, P. R. (2004), “As revistas Sur, Contorno e a Nova Geração intelectual argentina”. Revista da Anphlac, 464.; Gramuglio, 2007Gramuglio, M T. (2007), “Sur: uma minoria cosmopolita na periferia ocidental”. Tempo Social , 19 (1): 51-69. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702007000100004.
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; Miceli, 2018Miceli, S. (2018), Sonhos da periferia. São Paulo, Companhia das Letras.), e registra uma teleologia pessoal pensada para leitores póstumos (Podlubne, 2016Podlubne, J. (verano 2016), “Victoria Ocampo. La autobiografía como aventura espiritual”. Políticas de la Memoria, Buenos Aires, 17.; Gonzalez, 2020Gonzalez, S. (maio-ago. 2020), “Una heredera infiel en los inícios de la sociedad de masas, Victoria Ocampo, Argentino, años veinte”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 33 (70): 383-402. ). Nos termos de Podlubne, “el nacimiento de Sur, cuyos avatares Ocampo ya había narrado en distintas oportunidades, opera en el desarrollo del plan general de la Autobiografía como la culminación del prolongado esfuerzo de réstablissement espiritual en torno al que se articula todo el relato de su vida” (2016Podlubne, J. (verano 2016), “Victoria Ocampo. La autobiografía como aventura espiritual”. Políticas de la Memoria, Buenos Aires, 17., p. 87)2 2 “O nascimento de Sur, cujos avatares Ocampo já havia narrado em distintas oportunidades, opera no desenvolvimento do plano geral da Autobiografia como a culminação do prolongado esforço de reestabelecimento espiritual em torno do qual se articula todo o relato de sua vida” (2016, p. 87). . Além da Autobiografia, a composição da persona de Victoria Ocampo pode ser rastreada também a partir de seus Testimonios publicados entre 1935 e 1977. Menos sistemáticos, eles são um conjunto de anedotas e casos protagonizados por Victoria. Nos Testimonios, a narração de si, organizada de forma mais episódica, permite visualizar a confecção de uma história de vida a partir de registros menos elaborados, na medida em que menos implicados na confecção de uma narrativa que almeja a posteridade. Sem a dimensão de ponto de chegada que confere aos eventos um estatuto de predestinação, os Testimonios são reveladores da operação prática de agenciamento de si. Apesar disso, é na Autobiografia que os acontecimentos prosaicos são descritos com base em um projeto existencial. Essa dimensão ultrapassa, na hipótese deste artigo, a história pessoal de Victoria e permite visualizar um processo de construção de si mesma que é, ao mesmo tempo, observatório de compreensão da formação de um habitus letrado específico3 3 Com efeito, o habitus é, simultaneamente, princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e sistema de classificação (principium divisoris) dessas classes. É na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas (gosto), que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida (Bourdieu, 2010, p. 270). . O conceito de Pierre Bourdieu aqui empregado refere-se à dimensão das práticas e do estilo de vida. Para o sociólogo, é na esfera das ações e posições não sistemáticas - “aprendizagem total, precoce e insensível” (2010Bourdieu, P. (2010), A distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Tradução de Pedro Duarte. Lisboa, Ed. 70., p. 128) - que se podem observar os princípios hierarquizadores em ação. Assim, nos modos à mesa, nas escolhas de vestuário e na escolha do epistolário que compõem o Império insular, que normalmente não aparecem em uma autobiografia formal, a trajetória de Victoria Ocampo pode ser cotejada não apenas com sua própria biografia ou com a biografia de Sur com a qual procura identificar-se, mas com as normas, padrões e simbologias de distinção cultural que caracterizam a Argentina da primeira metade do século XX.

A figura de Victoria Ocampo é, talvez, junto com a de seu contemporâneo e amigo Jorge Luis Borges, uma das mais frequentadas por analistas interessados ​​nos debates intelectuais sobre o universo literário argentino do século XX (Silva, 2004Silva, P. R. (2004), “As revistas Sur, Contorno e a Nova Geração intelectual argentina”. Revista da Anphlac, 464.; King, 1986King, J. (1986), Sur. A study of the Argentine Literary Journal and its role in development of a Culture, 1931-1970. Londres, Cambridge Iberian and Latin American Studies.; Gramuglio, 2007Gramuglio, M T. (2007), “Sur: uma minoria cosmopolita na periferia ocidental”. Tempo Social , 19 (1): 51-69. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702007000100004.
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; Fiorucci, 2001Fiorucci, F. (2001), “Los escritores argentinos y la Sade”. Prismas. Revista de História Intelectual, 5:101-105.; Miceli, 2018Miceli, S. (2018), Sonhos da periferia. São Paulo, Companhia das Letras.). Destacando-se pela proximidade entre a abordagem historiográfica e a sociológica, Miceli pretende inserir-se na senda aberta por King (1986King, J. (1986), Sur. A study of the Argentine Literary Journal and its role in development of a Culture, 1931-1970. Londres, Cambridge Iberian and Latin American Studies., 1990King, J. (1990), “Sur y la cultura argentina en la decada del treinta”. América: Cahiers du criccal, 4-5: 381-391.), que compreende a revista para além de seu apelo intrínseco, observando a conformação de uma concordância que transcendia adesões refletidas: o senso prático, enfim, o ethos dos dândis portenhos, como constitutivos da teodiceia da revista. Comumente lida e interpretada como patrona4 4 Alain Viala, em Naissance de l’écrivain (1985), põe em relevo a importância da figura do mecenas na formação do campo literário: “En agissant en mècéne, le riche ‘lave’ symboliquement tout as fortune: de même que l’argent de la gratification apparaît comme un symbole du plaisir éprouvé, de même l´ensemble de as richesse apparaît comme un symbole de ses mérites personnels”; “Ao agir como mecenas, o rico simbolicamente ‘lava’ sua fortuna: assim como o dinheiro da gratificação aparece como símbolo do prazer experimentado, toda a sua riqueza aparece como símbolo de seus méritos pessoais” (1985, p. 55). do grande empreendimento cultural que foi a Revista Sur (1931-1980) - nos termos de Miceli (2018)Miceli, S. (2018), Sonhos da periferia. São Paulo, Companhia das Letras., um “banco central da cultura grãfina” -, Ocampo também tem sido objeto constante de leituras que a classificam sumariamente, junto ao grupo que orbitava a revista, como um símbolo da vocação cosmopolita e liberalizante da elite letrada argentina (Arregui, 1957Arregui, J. J. H. (1957), Imperialismo y cultura: la política en la intelligentsia argentina. Buenos Aires, Ed. Amerindia.; Jauretche, 1973Jauretche, A. (1973), Los profetas del ódio y la Yapa. Colonización Pedagógica. Buenos Aires, Peña Lillo Ed.). Amparado nesses debates, mas diferenciando-se deles quando pretende observar parte da autobiografia de Ocampo a partir da dimensão das práticas, este trabalho não tem pretensões tradicionalmente biográficas, nem pretende refazer as análises já consagradas, como a de Miceli (2018)Miceli, S. (2018), Sonhos da periferia. São Paulo, Companhia das Letras., sobre o papel de Ocampo na consolidação do mercado editorial argentino dos anos 19305 5 Para entender o papel de Victoria Ocampo no campo editorial argentino, assim como suas relações com os sistemas gerais de consagração cultural, é possível consultar: Borrotorán, 2006; Bruno, 2009; Sarlo, 2007; Sigal, 1996; Silva, 2004; e Terán, 2008 . Não pretende, ainda, julgar a trajetória de Victoria Ocampo em termos de sua posição política frente ao governo de Juan Domingo Perón.

A proposta é recapitular considerações introdutórias sobre a juventude da autora com base em uma parte específica de sua autobiografia, El imperio insular, para, por meio dela, incitar uma reflexão sobre a importância das redes familiares na circulação de um habitus culto. Em suma, trata-se de observar como Ocampo reivindica essas redes internacionais de sociabilidade, que denotam sobretudo familiaridade com o mundo das ideias e, ao mesmo tempo, as critica ferozmente: esta operação parece constituir o próprio cerne de uma das formas mais potentes de autoconsagração do universo letrado, aquela que se projeta na tensão entre o testemunho biográfico, o nome próprio e a origem social.

Este artigo enfoca três aspectos que um biógrafo poderia chamar de colaterais, mas que, ao final, podem contribuir para compreender a gestação e a consolidação de uma variedade de formas e redes de relações de prestígio. Os observatórios são: inicialmente, a relação de familiaridade com a dita cultura legítima por meio dos usos reivindicados de outras línguas, particularmente o francês. Em segundo lugar, as relações de Victoria com as principais figuras da cena política e cultural argentina, presente e passada, que permitem observar as reivindicações de filiação intelectual que transcendem a aderência teórica ou a reivindicação pura e simples do gosto. Por fim, este artigo mapeará os lugares que aparecem na história de Ocampo, procurando organizar uma proposta de geografia urbana do prestígio literário de Buenos Aires desde o início do século XX, dimensão que conecta os esboços autobiográficos com a dinâmica social em questão. Nos termos de Ortiz, referindo-se à tese de Marc Augé, o lugar será observado, nesta argumentação, como um “território de produção de sentido coletivo” (2019Ortiz, R. (2019), O universo do luxo. São Paulo, Alameda. , p. 207).

Esses olhares sincrônicos ajudarão a esclarecer os elementos de distinção que operam na conformação do habitus por meio de sua substância constitutiva: os padrões de socialização. Os gostos, manifestados no texto como expressão da singularidade e da preferência pessoal, operam nesta leitura como marcadores de classe que se apresentam na forma de uma “competência cultural”. Nesse sentido, Ocampo não só foi patrocinadora e diretora da maior revista cultural argentina da primeira metade do século, mas também um observatório privilegiado das condições de circulação simbólica que fundamentam a construção do universo cultural da qual a revista Sur foi, durante tanto tempo, protagonista e antagonista exemplar.

O império insular ou temps retrouvé

Victoria Ocampo nasceu em 7 de abril de 1890 em Buenos Aires, no seio de uma das famílias mais tradicionais da Argentina. Momento de consolidação das elites exportadoras, os anos de 1890 a 1910 marcam o apogeu da economia pecuária e, paralelamente, o surgimento de uma elite urbana que, sustentada pela renda rural, reflete-se em Paris e vislumbra - na arte, na arquitetura, literatura etc. - a construção de uma Buenos Aires moderna, adaptada às suas novas demandas de consumo simbólico6 6 Para uma análise da relação entre as aspirações das elites e as mutações do espaço urbano de Buenos Aires é possível consultar Gorelik, 2005 . Protagonistas dessa mimese, as famílias mais ricas e tradicionais, com grandes volumes de capital cultural, procuraram atualizar os círculos letrados de Buenos Aires neste repertório (Tedesco, 2018Tedesco, A. D. F. (2018), A Argentina na periferia do tempo: a sociologia científica e um mundo novo para os intelectuais. Campinas, tese de doutorado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, 2018. ).

O Império insular7 7 Para uma análise do primeiro volume da Autobiografia, é possível consultar Mackler, 2015 e Vázquez, 2019 é o segundo número de um total de dez volumes - reeditados em 2014 em comemoração aos 35 anos de sua morte - em que a autora mescla ensaios, textos publicados em revistas internacionais, reflexões epistolares e autobiográficas. A escolha desse volume responde à hipótese de que é na época da primeira juventude de Ocampo que as relações sociais se fortalecem em sua trajetória pessoal (passando da vida doméstica para a vida “social”) e, paralelamente, remetem à época do apogeu da elite portenha à qual a autora pertencia, levando ao limite a tensão entre o nome próprio (Victoria) e o nome de família (Ocampo), tensão constitutiva da própria identidade da personagem.

A relação de Victoria Ocampo com sua herança familiar é ambígua. Oscila entre a adesão e a crítica e, nesse movimento, deixa antever uma operação de feitura de si que, vinculada ao sobrenome de família, procura converter o capital econômico dos Ocampo em capital cultural. As interdições que se impunham à jovem Victoria, sobretudo dada sua condição como mulher, ajudam a delinear sua estratégia de criação de uma personalidade pública em oposição à figura feminina tradicional da época: “All these prohibitions and limitations were creating a state of rebellion in me and it just kept getting worse. But the latent rebellion really had emerged before my presentation to society. It had started in my adolescence” (Ocampo citada por Steiner, 1999Steiner, P. O. (1999), Victoria Ocampo. Writer, feminist, woman of the world. Albuquerque, University of New Mexico. , A, 2, p. 3034)8 8 “Todas essas proibições e limitações criaram em mim um estado de rebelião e isso só foi piorando. Mas a rebelião latente realmente emergiu antes da minha apresentação à sociedade. Ela começou quando em minha adolescência” (Ocampo citada por Steiner, 1999, A, 2, p. 3034). . Entender a relação de Ocampo com sua família e com os legados simbólicos que tal pertencimento mobiliza não é, nesse sentido, apenas uma questão de verificação biográfica, mas, antes, uma estratégia de intelecção das relações nem sempre estáveis entre um sujeito intelectual (Victoria) e seu leque de possíveis (Bourdieu, 2010Bourdieu, P. (2010), A distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Tradução de Pedro Duarte. Lisboa, Ed. 70.).

O primeiro tema que chama a atenção em Império insular é o uso frequente da língua francesa. Essa característica é aqui interpretada como algo mais do que uma preferência: escrever em francês foi, para a elite portenha do início do século XX, uma oportunidade de se emancipar dos laços regionais e participar de consagrações simbólicas internacionais. A escrita de correspondência pessoal em francês, por exemplo, registra uma familiaridade com a língua francesa que ultrapassa, em larga medida, o impacto social do domínio do idioma. O pertencimento a uma tradição universal foi, inclusive, um dos motes centrais da projeção dos intelectuais do grupo Sur em geral e de Victoria em específico no universo intelectual europeu. Esse recurso ajudou os intelectuais periféricos a se projetarem no centro das consagrações culturais, já que a partir do século xviii a língua francesa impôs seu uso transnacional (Milo, 1984Milo, D. (1984), “La bourse mondiale de la traduction: un baromètre culturel?”. Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 39e année, 1: 92-115. ; Sapiro, 2013Sapiro, G. (2013), “Le champ est-il national? La théorie de la différenciation sociale au prisme de l’histoire globale”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 5 (200): 70-85.; Sapiro e Heilbron, 2002Sapiro, G. & Heilbron, J. (Set. 2002), “La traduction littéraire, un object sociologique”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , 144. ).

Ressalto que essa tentativa de continuidade simbólica com a França não se concretizou, no caso de Ocampo, apenas desde as viagens periódicas de treinamento no universal que a família frequentemente fazia a Paris. Sintomaticamente, o início do Império insular é organizado a partir da expressão temps retrouvé. Nesse caso, não se trata apenas do uso do francês como língua de protocolo, mas de seu uso por meio de Proust, indicando não só o domínio da língua, como também o domínio de uma certa tradição. Beatriz Sarlo (2010Sarlo, B. (2010), Modernidade periférica. Buenos Aires 1920 e 1930. Tradução de Julio Pimentel, prólogo de S.Miceli. São Paulo, Cosac Naify. Prosa no Observatório.) igualmente nota, nesse sentido, que a escolha de cânones máximos de tradições europeias foi uma constante na trajetória de Victoria. O ensaio sobre a Divina Comédia, publicado em La Nación em 1928 e que ajudou a projetar Victoria na cena intelectual de Buenos Aires, seria um exemplo de uma atitude bastante frequente da escritora, a saber, a afirmação de uma familiaridade com as grandes tradições culturais. Nos termos de Sarlo, ademais

No se trata sólo de Dante· (con quien ya bastaría para probar esta relación) sino de citas filosóficas y teológicas: ¡una argentina que parece haber leído a los padres de la iglesia! Y las citas están, como corresponde, incorporadas en su idioma original cuando se trata de poetas: Shakespeare, Shelley, Oscar Wilde, Pater. (2010Sarlo, B. (2010), Modernidade periférica. Buenos Aires 1920 e 1930. Tradução de Julio Pimentel, prólogo de S.Miceli. São Paulo, Cosac Naify. Prosa no Observatório., p. 91)9 9 “Não se trata somente de Dante (com quem já bastaria para provar essa relação), mas também de citações filosóficas e teológicas: uma argentina que parece ter lido os pais da igreja! E as citações estão, como corresponde, incorporadas em seu idioma original quando se trata de poetas: Shakespeare, Shelley, Oscar Wilde, Pater.” (2010, p. 91) .

O relato de Victoria registra que, junto com suas irmãs mais novas, não apenas frequentou aulas de alfabetização em francês, mas também aulas de dicção (as aulas que Ocampo frequentou, segundo ela, eram: de francês, inglês, piano, espanhol, italiano, dicção francesa e canção). A preocupação com o sotaque é, neste caso, uma preocupação com a familiaridade com a língua e com seu uso natural. Não se trata, portanto, do francês escolar, acessível a qualquer pessoa envolvida na aprendizagem formal, inclusive aos novos ricos de origem imigrante que começavam a ingressar no sistema universitário de Buenos Aires; trata-se, efetivamente, de um francês adquirido pela lenta familiarização, que atestava não apenas uma habilidade, mas também um modo específico de adquiri-la e professá-la.

Cartas escritas em francês para amigas como Delfina Bunge também demonstram mais do que a habilidade prosaica na língua de Molière: consta, junto com alguns relatos de viagens, uma série de composições poéticas de Victoria. Destaca-se também a carta escrita à mãe aos nove anos, na qual o francês também é a língua escolhida para falar de uma visita à casa de alguns parentes (no caso, Clara Cobo). O uso do francês na comunicação íntima com a própria mãe é uma indicação de que a língua prevalecia nas relações pessoais que, em teoria, não estavam sujeitas a qualquer escrutínio público. Essa familiaridade autêntica não pode ocultar uma certa relação legítima com a linguagem, operação distintiva observável também nas escolhas de estilo, entonação e vocabulário.

Se o francês é a língua da vida cotidiana, o inglês aparece como a língua das crianças. Ocampo menciona não apenas sobre os teatros em inglês que ela representava para sua família durante os jantares (ela queria ser atriz na juventude, desejo frustrado pela censura familiar), mas também a constante importação de literatura em inglês que compunha a biblioteca familiar. O domínio do francês e do inglês não era, é importante enfatizar, uma peculiaridade da família Ocampo. Ao contrário, servia para marcar a existência de uma sociabilidade específica em Buenos Aires que aproximava as “boas famílias” e, sobretudo, permitia a socialização de seus filhos em redes de relações herméticas. Diante do crescimento da burguesia imigrante que começa a reivindicar posições de poder social adequadas ao seu crescimento econômico na década de 1910, aderir aos hábitos franceses, mesmo nas comunicações mais íntimas, é uma operação estratégica, na medida em que invoca uma tradição específica e, com ela, uma validação das distâncias sociais entre os eleitos e os candidatos à definição arbitrária do gosto. Como afirma Bourdieu em A distinção (2010Bourdieu, P. (2010), A distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Tradução de Pedro Duarte. Lisboa, Ed. 70.), a mobilização de certos códigos de aprendizagem cultural é, antes de tudo, a capacidade de identificar rapidamente o que deve ser apreciado. Esse conhecimento é, no fundo, o produto de uma familiarização lenta, ao contrário da aprendizagem escolar, aberta a todos os candidatos, incluindo filhos de famílias italianas que se instalaram economicamente na capital. Estamos, portanto, no campo da prática. Importa mencionar, ademais, que o domínio da competência linguística opera, no caso das famílias ricas da oligarquia de Buenos Aires, em comunhão com outros marcadores franceses. Ocampo registra, por exemplo, a obsessão de sua tia, María Luiza Urquiza, com o aperfeiçoamento diário dos omelettes soufflés em sua residência na rua Lavalle.

Para Bourdieu, há modos de distinção que costumam funcionar como atestação da antiguidade do capital simbólico. É essa antiguidade, manifesta em aspectos como a alimentação, a cultura e os cuidados com a apresentação de si, que garante o efeito de precocidade que a aristocracia costuma demarcar como fronteira distintiva em relação às classes médias mais recentes. Nos termos do autor, “esse capital estatutário de origem é reforçado pelas vantagens dadas, em matéria de aprendizagens culturais, maneiras à mesa ou arte da conversação” (2010Bourdieu, P. (2010), A distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Tradução de Pedro Duarte. Lisboa, Ed. 70., p. 136). Dessa forma, aspectos como a alimentação não se restringem somente à escolha dos alimentos, mas também se referem às maneiras e aos rituais e à etiqueta que envolvem comer omelettes soufflés e não meros huevos revueltos.

Assim, sinteticamente, não só o domínio da língua, mas também os códigos de lazer franceses (“Naqueles anos, eu não ia ao baile e ficava contente em ver minha mãe vestida de baile [fantasias de Paris]”, p. 30), na alimentação (“Os cardápios são tão fartos e bons que não entendo como meu avô morreu de velhice e não de alguma daquelas doenças que predizem que os médicos abusam da mesa”, 1980Ocampo, V. (1980), Testimonios. Autobiografia II. O império insular. Buenos Aires, Ed. Sur. , p. 27) e nas interações cotidianas (“Assim como ninguém na minha infância ou juventude morava em apartamentos - refiro-me às pessoas da chamada oligarquia -, ninguém dava bailes em hotéis ou clubes. As casas eram para isso”, 1980Ocampo, V. (1980), Testimonios. Autobiografia II. O império insular. Buenos Aires, Ed. Sur. , p. 28), a referência francesa é, para a adolescente Victoria, como o ar que respira.

A família ou noblesse obligé

A familiaridade com as coisas da cultura ajuda a medir o impacto das redes familiares quatrocentonas cuja antiguidade garantia, em uma Argentina que tinha 50% de adultos imigrantes em 1910, uma distinção social que as fronteiras econômicas não podiam mais sustentar. Nesse caso, a família aparece como princípio de organização social, como instituição de identidade e, ao mesmo tempo, como forma de naturalização do arbitrário social (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. (1997), Razones practicas. Sobre la teoria de la acción. Barcelona, Editorial Anagrama. ).

A dimensão familiar é, como afirmado anteriormente, tensional ao longo da história de Ocampo. Alguns desses aspectos são importantes porque contribuem para que Ocampo seja capaz de se diferenciar de sua família, uma distinção que só pode ocorrer porque Victoria domina os mecanismos distintivos que separam seu próprio nome de seu próprio sobrenome. Essa característica de identificação / distanciamento, que só pode ser usada a posteriori, fica evidente em passagens que falam de sua insatisfação com as posições rígidas das famílias em certas áreas. Apesar de progressista em alguns campos, afirma Ocampo, uma certa xenofobia “pairava no ar” nos salões da elite portenha. Em sua festa de debutante, na casa de Teodelina Alvear, Ocampo não deixa de registrar o tédio que sente pelas limitações impostas às meninas de seu círculo social, como a proibição de dançar mais de uma vez com o mesmo rapaz. Outro exemplo dessa operação de construção de uma vocação pela liberdade em oposição aos rígidos códigos do Ocampo (“Vou levar os livros”, carta a Delfina Bunge, 30 de setembro de 1907; Ocampo, 1980Ocampo, V. (1980), Testimonios. Autobiografia II. O império insular. Buenos Aires, Ed. Sur. ) é abundantemente narrado quando, em certa ocasião em Paris, seus pais, tendo encontrado em seus pertences um exemplar de Oscar Wilde (leitura estritamente proibida), e repreendendo-a por escondê-lo, veem a tempestuosa primogênita Ocampo ameaçar atirar-se, junto com o livro, da janela do Majestic Hotel, na Champs Elisée (os livros permitidos, embora com restrições em alguns trechos, eram, segundo ela, a maioria dos clássicos, entre os quais cita Conan Doyle, Dickens, Racine, Hugo, Maupassant, Poe, Verlaine, Mme Lafayette, Molière, Tolstoy, Shakespeare e Dante).

Mesmo em Paris, grande parte da descrição presente no Império insular é dedicada às reuniões intelectuais a que a jovem Victoria teve a oportunidade de assistir. Os Ocampo eram parentes de Herman Bemberg, um músico renomado que havia estudado com Jules Massenet. Além disso, outras relações familiares permitem uma viagem a Londres e à Escócia (carta a Delfina Bunge, 1908). Em 1909 veremos Victoria em Paris, frequentando cursos gratuitos de literatura e filosofia no College de France e na Sorbonne (“Programa do Curso de Inverno: 1. Audler: Nietzsche, Sua Vida e Seu Pensamento. 2. Hauvette: A Divina Comédia. 3. Faguet: Origens do romantismo. 4. Croiset: literatura grega. 5. Jeanroy: literatura italiana”. Carta para Delfina Bunge, 1908; Ocampo, 1980Ocampo, V. (1980), Testimonios. Autobiografia II. O império insular. Buenos Aires, Ed. Sur. ). Em fevereiro de 1910, ela posou para Dagnan Bouveret, com quem se corresponderia mais tarde. Apesar das oportunidades de contato com o universo intelectual parisiense, Victoria escreveu a Delfina, em dezembro de 1908, do Majestic Hotel: “Por fora, faço mais ou menos como todo mundo, pela minha mãe. Se não o fizer, será uma catástrofe para ela. Mas esse fingimento não vai durar. É muito pesado para mim” (Idem, p. 115). A saudade de Buenos Aires e o cansaço de Paris também são marcados por uma série de operações distintivas, como: “Depois, tive o azar de comer no Ritz. Já não se tratava do esnobismo das Cartas, mas da nobreza: o marquês de tal, duque de quem, filho do conde perico de los palotes. Decidi não ir aonde possa encontrar argentinos” (Idem, p. 118, data da carta: 2 de fevereiro de 1909).

A ida a Paris, é relevante frisar, funcionava como um regulador civilizacional para a elite de Buenos Aires desde a primeira metade do século xix. David Viñas, um intérprete do valor dessas viagens para a formação da elite letrada da qual Victoria Ocampo fazia parte, ressalta que era importante tanto ir quanto voltar da Europa e, notadamente, de Paris. Essa operação permitia, para o crítico literário, uma espiritualização do viajante, uma verdadeira transubstancialização que o tornava, na volta, um personagem quase ungido, a ponto de que “en algunos casos cuminantes el regreso de Europa no sólo implica la consagración en tanto argentino de primera clase, sino también la identificación con el europeo” (Viñas, 2005Viñas, D. (2005), Literatura argentina y política. De los jacobinos porteños a la bohemia anarquista. Buenos Aires, Santiago Arcos Ed., p. 45)10 10 “Em alguns casos extremos, o regresso da Europa não só implicava a consagração enquanto argentino de primeira classe, mas também a identificação com o europeu” (Viñas, 2005, p. 45). .

Tratava-se, para Viñas, da exaltação de um certo valor inalterável nas coisas europeias, “la extensa y atercopelada comarca de la vida interior” (2005Viñas, D. (2005), Literatura argentina y política. De los jacobinos porteños a la bohemia anarquista. Buenos Aires, Santiago Arcos Ed., p. 48)11 11 “A extensa e aconchegante comarca da vida interior” (2005, p. 48). . A imigração, interpretada como uma ameaça massificadora, é observada a partir da Europa como uma ameaça aos valores individuais que sustentam os nomes próprios e seu papel na história argentina. Dessa forma, viajar à Europa é, para essa geração, como viajar a si mesmo. Nesse sentido, o passado se torna a única perspectiva identificada com o sempre, com o estável. A viagem à Europa, enfim, funcionava como legitimação do estatuto de homem cultivado, porque o retorno do universal em direção à Argentina trazia, na bagagem, elementos justificadores de um poder fundado sob sua competência (real ou não) em matéria de modernidade.

A rede de contatos da família Ocampo não só possibilitou que ela circulasse facilmente pelos ambientes parisienses, mas também, anos depois, lhe permitiu consolidar a ampla rede de apoio internacional que colocaria a revista Sur no epicentro da cultura argentina. Ao narrar essas memórias de sua juventude, ela insere, como apêndice, algumas cartas de figuras históricas argentinas a seus familiares, tais como: carta de Sarmiento para sua avó, Victoria Ocampo, 1846; carta de Sarmiento ao avô, Manuel Ocampo; versos de Vicente López a Manuel Ocampo; carta do general Venancio Flores ao bisavô em 1862; carta de Sarmiento à madrinha Francisca Ocampo de Ocampo, 1883; carta de Carlos Pellegrini a Francisca Ocampo de Ocampo, 1883; carta de Nicolas Avellaneda à Francisa Ocampo de Ocampo, 1884; Julio Roca ao bisavô, 1897. Ressalte-se mais uma vez que a relação mítica de Victoria Ocampo como subversiva de seus marcadores de classe - ela foi, afinal, uma pioneira e feminista, a única latino-americana presente no julgamento de Nuremberg - e a afirmação das origens familiares são, em última instância, a condição de participação nesse seleto e pouco subversivo circuito de produtores culturais de Buenos Aires no início do século.

Operam, portanto, duas instâncias consagratórias nas viagens de Ocampo: por um lado as idas frequentes à Europa, que a certificavam enquanto uma cosmopolita. Por outro, a rede de contatos estabelecida através das viagens estimula um pertencimento endógeno, de modo que o contato de Victoria com grandes personalidades de seu tempo, inclusive com o presidente Marcelo Alvear, dá-se também na chave ambígua de europeus/argentinos. Tudo se passa como se Victoria, pela tensão constitutiva entre o nome próprio e o nome familiar, estivesse em condições de jogar dois jogos nos quais, a despeito das regras diferentes, os lances são materialmente os mesmos (ora a distinção pela origem familiar ora a distinção da origem familiar garantida pelas estratégias de confronto de Victoria). Nesse sentido, como ressalta a biógrafa M. S. Gonzalez, “Victoria muestra no solo el conocimiento personal del entonces presidente, ministros y funcionarios sino que contaba con un capital relacional que le permitía unir las gestiones del Estado con las suyas” (2020Gonzalez, S. (maio-ago. 2020), “Una heredera infiel en los inícios de la sociedad de masas, Victoria Ocampo, Argentino, años veinte”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 33 (70): 383-402. , p. 395).

Lugares de memória

Finalmente, destaco algumas das indicações fornecidas por Victoria para ilustrar o circuito de casas de família (e amigos íntimos) em que ela se movimenta durante os primeiros anos de juventude. Além do Majestic Hotel em Paris, os locais mencionados em Buenos Aires são: a. San Isidro (propriedade da família Ocampo, frequentemente usada no verão); b. Calle Viamonte, 555 (onde ela passou a adolescência), Juncal y Suipacha (casa de seus parentes de Cobo - Clara Cobo de Anchorena - a quem Victoria chama de “meu país das maravilhas invernal da infância”, 1980, p. 24) e Lavalle, 777 (casa da família paterna).

Um aspecto relevante neste ponto é que esses endereços são, com exceção de San Isidro - mais remoto -, geograficamente muito próximos. Situadas no que hoje é o centro histórico de Buenos Aires (ou microcentro na direção de Palermo e Recoleta), refletem um tempo de modernização da cidade (a instalação do metrô é de 1915) e, sobretudo, de sua setorização: neste contexto, os bairros proletários continuam a ser os localizados na região sul, especialmente em La Boca, de modo que o circuito central das casas da narração de Ocampo compreende não só a região mais rica, mas também o lugar mais integrado da cidade. O circuito de danças e eventos sociais referidos no Império insular (como o hábito do chá e do almoço em casa) marca uma relação tensa entre a privacidade das relações domésticas, principalmente para as mulheres, e um gradativo domínio da sociabilidade urbana, cenário no qual a domesticidade é ostentada em termos da circulação em um espaço que constitui, socialmente, uma extensão das casas de família. Nos termos de Sánchez

[…] anteriormente discreta y austera, la elite, o parte de ella, vinculada al nuevo centro de poder político, se ha vuelto ostentosa, viviendo el estado floreciente de sus finanzas y exteriorizando su reciente prosperidad en la construcción de lujosas mansiones y Una vida social intensa (Sánchez en Rial, 1996, p. 142)12 12 “anteriormente discreta e austera, a elite, ou parte dela, vinculada ao novo centro de poder político, se tornou ostentatória, vivendo o estado florescente de suas finanças e exteriorizando sua recente prosperidade na construção de luxuosas mansões e uma vida social intensa” (Sánchez en Rial, 1996, p. 142). .

Alguns elementos contextuais podem ser aventados nesse ponto do argumento para circunscrever a posição de Victoria e sua família no processo de modernização de Buenos Aires. Segundo Rapoport e Seoane, entre o censo de 1869 e o de 1914, Buenos Aires duplicou sua população a cada quinze anos. Entre 1895 e 1914, quando já contava com mais de 1,5 milhões de habitantes, o incremento foi de 137%. Além disso, a cidade concentrava 33% dos estrangeiros. Diante de uma situação como essa, “Los critérios que permitian reconocer a la gente decente eran el linaje y la família” (2007Rapoport, M. & Seoane, M. (2007), Buenos Aires. Historia de una ciudad, tomo 1. Buenos Aires, Fundación Banco Ciudad/Ed. Planeta. , p. 192)13 13 “Os critérios que permitiam reconhecer a gente decente eram a linhagem e a família” (2007, p. 192). . No começo do xx começa a emergir uma burguesia rica, que se diferencia da “haute” tradicional na medida em que se amparava nas possibilidades de mudança social através dos estudos. Diante disso, as famílias tradicionais, como os Ocampo, agarram-se a instrumentos de distinção cujo direito de entrada era a antiguidade do sobrenome, e não propriamente a conta bancária.

O modelo de consumo e ostentação afrancesado, protagonizado por famílias ricas, como os Alvear, os Anchorena e os Ocampo, é fundamental para compreendermos o arquétipo do argentino que busca seu certificado de civilização em Paris ou em sua radiação. Para Vasquez Rial (1996Vasquez Rial, H. (org.). (1996), Buenos Aires (1880-1930): la capital de un imperio imaginário. Madri, Alianza Editorial.), a europeização dos costumes muda o uso do espaço público de Buenos Aires da primeira década do século XX. No mesmo sentido, Sarlo aponta que é o espaço urbano a categoria que, naquele contexto, organiza o pensamento sobre a cultura, de modo que “la calle es el lugar, entre otros, donde diferentes grupos sociales realizan sus batallas de ocupación simbólica” (Sarlo em Vasquez Rial, 1996Vasquez Rial, H. (org.). (1996), Buenos Aires (1880-1930): la capital de un imperio imaginário. Madri, Alianza Editorial., p. 187)14 14 “a rua é o lugar, entre outros, onde diferentes grupos sociais realizam suas batalhas de ocupação simbólica” (Sarlo em Vasquez Rial, 1996, p. 187). .

Segundo Ortiz, “o mundo dos ricos não é um simples grupo de indivíduos, uma certa consciência de grupo os aproxima. Essa dimensão compartilhada de aspirações, de uma moral, diria Durkheim, está inserida no território urbano, entrelaçando-o com o universo do luxo” (2019Ortiz, R. (2019), O universo do luxo. São Paulo, Alameda. , p. 190). A familiaridade com vestiários, lojas e casas de família restringe o espaço público para as senhoras da elite argentina, que paralelamente permite a criação de um circuito que, ao mesmo tempo, está protegido dos ruídos da tumultuada modernização de Buenos Aires (Romero, 1976Romero, J. L. (1976), Latinoamerica: las ciudades y las ideas. Buenos Aires, Ed. Siglo Veinteuno.; Gorelik, 2005Gorelik, A. (2005), “A produção da cidade latino-americana”. Tempo Social, 17 (1): 111-133. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000100005.
https://doi.org/10.1590/S0103-2070200500...
), garantindo a consolidação da coesão do grupo. Recordando novamente a análise de Ortiz sobre o universo do luxo, a domesticidade coexiste, neste caso, com o imperativo da visibilidade, “a individualidade do famoso se afirma no espaço público, território de sua representatividade” (Ortiz, 2019Ortiz, R. (2019), O universo do luxo. São Paulo, Alameda. , p. 197).

Embora as ruas de Buenos Aires tenham sido transformadas durante a gestão de Marcelo Alvear e os espaços gradativamente se tornassem mais atrativos para as exposições sociais, deve-se destacar que, no relato de Ocampo, esses espaços foram fechados às mulheres, principalmente às solteiras. Confinada à esfera estritamente doméstica - referências a casas de família em vez de clubes literários ou cafés (que já existiam em abundância em Buenos Aires no início do século) -, a restrita sociabilidade dessas jovens também é alvo de constantes críticas de Victoria. Nas páginas finais do Império insular há uma longa reflexão sobre os anos perdidos, em termos de disciplina de estudo e projeto de vida, devido à sua condição feminina. Em uma dessas direções, inclusive (Florida e Viamonte), o casamento de Victoria é celebrado, fato que ela relata depois como uma fuga do cativeiro (“Decidi ficar noiva. Caso contrário, não veria mais Jerome. Era a única maneira de sair do atoleiro: uma maneira péssima. Intolerável também era o impasse. Não me resignei a aguentar outro dia… mas me resignei a criar outro, pior, embora naquele momento não calculasse as consequências que o casamento poderia acarretar”, 1980, p. 168).

Se a referência aos modos de vida franceses é bastante evidente na sociabilidade de Victoria Ocampo e nas sucessivas viagens a Paris, o arranjo dos circuitos diários do grupo social de Victoria Ocampo não é menos associado a um “estilo de vida” francês. A vida da cidade, o território do flaneur, que se desenvolve nos círculos superiores de Paris, começa e termina nos amplos quartos, em sua maioria familiares. Nesse sentido, a baixa frequência de espaços públicos efetivos, como a universidade, por exemplo, é indicativa da força desse conjunto de relações. Mesmo quando vão para a Universidade, os filhos da aristocracia pecuária argentina perpetuam as redes familiares de amizade anteriormente desenvolvidas (Tedesco, 2018Tedesco, A. D. F. (2018), A Argentina na periferia do tempo: a sociologia científica e um mundo novo para os intelectuais. Campinas, tese de doutorado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, 2018. ).

Subversão ou dissidência em consenso: considerações finais

Neste momento, observo brevemente algumas notas que os depoimentos de Ocampo podem oferecer para uma análise da formação de um habitus específico. Os três pontos de observação aqui destacados - a competência e o uso ritual de outras línguas além do espanhol, o apego a nomes consagrados da tradição política argentina por meio das relações familiares e a menção ao circuito de sociabilidade urbana do centro de Buenos Aires - convergem para uma reflexão mais ampla: a importância da circulação e da consolidação de um habitus na construção das redes de sociabilidade intelectual das elites portenhas que conduziram um fecundo ecossistema editorial na década de 1930.

Se os Testimonios oferecem uma possibilidade de apreensão episódica, a Autobiografia pode ser analisada como a tentativa de cristalizar a imagem de uma heroína autodidata (Podlubne, 2016Podlubne, J. (verano 2016), “Victoria Ocampo. La autobiografía como aventura espiritual”. Políticas de la Memoria, Buenos Aires, 17.). Além disso, a Autobiografia permite, como este artigo pretendeu argumentar, a visualização das operações de distinção do universo letrado ao qual pertencia Victoria a partir dos estratos de enredo que a autora consagrada mobiliza no agenciamento de sua própria trajetória. Assim como os Testimonios, a Autobiografia de Victoria possui uma importante dimensão não sistemática, que deixa antever a construção da operação social de si em seu fazer-se. A dimensão da prática, para além da dimensão narrativa, é um ponto de encontro possível entre uma análise histórica que leva em conta as posições dos sujeitos no campo social e uma sociologia que observa o testemunho como dispositivo de criação e agenciamento de uma identidade particular. Longe de degradar ou eliminar a agência da jovem Victoria em relação à sua própria trajetória, esse tipo de olhar permite, mais uma vez, usar a metáfora de Bourdieu que presidiu a esta reflexão: compreender a particularidade do trem a partir do condicionamento dos trilhos. As operações distintivas que Victoria realiza em relação a sua família, por exemplo, em toda sua ambiguidade, podem ser melhor observadas na prática do que na reconstrução heroica de sua libertação da tradição familiar. “Como señala Sarlo, Ocampo elige la nobleza de toga frente a la nobleza de renta de la que provenía. Se desplaza, no fácil ni definitivamente, de una élite a otra. Su historia es la de quien busca hacerse un nombre propio, sin identificarse ni apartarse plenamente del apellido familiar.” (Podlubne, 2016Podlubne, J. (verano 2016), “Victoria Ocampo. La autobiografía como aventura espiritual”. Políticas de la Memoria, Buenos Aires, 17., p. 94)15 15 “Como assinala Sarlo, Ocampo elege a nobreza de toga frente a nobreza de renda da qual provinha. Se desloca, nem fácil nem decididamente, de uma elite a outra. Sua história é a de quem busca fazer um nome próprio, sem identifica-se nem separar-se plenamente do sobrenome familiar” (Podlubne, 2016, p. 94) .

Este artigo procurou mostrar que marcas de prestígio não podem ser capturadas apenas através de observações puramente morfológicas, muito menos através de análises que se organizam a partir da narrativa dos “gênios”, criadores incriados de suas próprias escolhas estéticas. Ao contrário, argumentou-se que, junto da operação social de gerenciamento de si, vigora uma operação de segunda ordem, a saber, a da criação de um si mesmo definido com base na oposição entre o nome próprio e o nome familiar. Essa “dupla dimensão” pode ser observada de distintos pontos de vista disciplinares. Amparado por essas possibilidades, este artigo teve a pretensão de argumentar que uma análise que se direciona para o âmbito das práticas descritas em primeira pessoa oferece uma forma de comunicação interdisciplinar entre a história, a crítica literária e as ciências sociais. Nesse encontro possível, a autobiografia ou o registro em primeira pessoa aparecem antes como registros de uma atitude intelectual, que só é possível ou factível em determinadas contingências temporais e sociais e apenas posteriormente, como um documento contra o qual a realidade deve ser cotejada ou comparada. Não sem dificuldades, portanto, este artigo aciona discussões sobre a própria categoria do “testemunho” a partir da qual Ocampo organiza suas práticas. O tempo do testemunho é, como lembram Hartog (2013) e Sarlo (2007Sarlo, B. (2007), La batalla de las ideas (1943-1973). Buenos Aires, Emecé. ), o tempo do imprescritível e, nesse sentido, o mais refratário ao olhar temporalmente consequente do historiador. Em decorrência dessa indagação, entre as muitas advertências que poderiam ser feitas sobre a possibilidade de pensar a autobiografia como meio de acesso a uma sociabilidade, destaco aquela perpetrada por Bourdieu no comentário sugestivamente intitulado A ilusão biográfica (1997Bourdieu, P. (1997), Razones practicas. Sobre la teoria de la acción. Barcelona, Editorial Anagrama. ), no qual ele destaca as limitações inevitáveis do uso de conceitos como “história de vida” e “trajetória” entendidos como projetos coerentes voluntariamente decididos pela clarividência do sujeito autorreflexivo. O relato autobiográfico, para Bourdieu, parte de uma garantia frágil e limitante de que o domínio do futuro daria ao sujeito, em retrospecto, a certeza de que sempre se esteve indo a algum lugar.

El nombre propio es el certificado visible de la identidad de su portador a través de los tiempos y de los espacios sociales, el fundamento de la unidad de sus manifestaciones sucesivas y de la posibilidad socialmente reconocida de totalizar estas manifestaciones en unos registros oficiales, […] que constituyen la vida en totalidad finalizada por el veredicto emitido sobre un balance provisional o definitivo (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. (1997), Razones practicas. Sobre la teoria de la acción. Barcelona, Editorial Anagrama. , p. 77)16 16 “O nome próprio é o certificado visível da identidade de seu portador através dos tempos e espaços sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestações nos registros oficiais […] que constituem a vida em totalidade finalizada pelo veredito emitido sobre um balanço provisório ou definitivo” (Bourdieu, 1997, p. 77). .

Menos do que compor uma acusação sobre as imensas distâncias sociais que o gosto acadêmico ajudou a perpetuar e naturalizar em Buenos Aires no início do século passado, e menos ainda do que restaurar a trajetória de Victoria Ocampo a uma dimensão fundacional mitológica, este artigo olhou para a trajetória da fundadora do grupo Sur, um caso limítrofe, dada a importância social desse nome próprio particular, a partir da história intelectual de orientação sociológica. Procurou contribuir, assim, para a possibilidade de que os depoimentos sejam considerados importantes repositórios de informações sobre formas, hábitos e disposições duradouras que organizam o consenso nas divergências das trajetórias intelectuais e dos grupos a elas associados.

Se, de fato, nem mesmo o nome próprio pode garantir a unidade de uma história de vida, essa relação, captável a partir de relatos não sistemáticos e, portanto, mais abertos à apreensão das práticas, conecta a dimensão pessoal da narração de si com os aspectos propriamente sociais da inserção do indivíduo em seu leque de possíveis, largamente determinado pela posição familiar. A história não precisa se confundir com a sociologia dos intelectuais para beneficiar-se de um instrumental que, sem retirar a prerrogativa da escrita de si e dos testemunhos, preocupa-se também com a direção, o tamanho e o alcance dos trilhos. Analogamente, Victoria Ocampo não é Clara Cobo de Anchorena, mas não poderia ser Victoria Ocampo sem ela.

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  • Viñas, D. (2005), Literatura argentina y política. De los jacobinos porteños a la bohemia anarquista Buenos Aires, Santiago Arcos Ed.
  • 1
    Esta e as demais traduções são minhas. “As damas da família Anchorena, assim como as Alvear ou Alzaga, eram tão conhecidas nas grandes lojas de Paris por suas faustosas compras que as vendedoras, ao verem seus cartões, exclamavam: ‘Ah! A Madame pertence aos três As’”.
  • 2
    “O nascimento de Sur, cujos avatares Ocampo já havia narrado em distintas oportunidades, opera no desenvolvimento do plano geral da Autobiografia como a culminação do prolongado esforço de reestabelecimento espiritual em torno do qual se articula todo o relato de sua vida” (2016Podlubne, J. (verano 2016), “Victoria Ocampo. La autobiografía como aventura espiritual”. Políticas de la Memoria, Buenos Aires, 17., p. 87).
  • 3
    Com efeito, o habitus é, simultaneamente, princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e sistema de classificação (principium divisoris) dessas classes. É na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas (gosto), que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida (Bourdieu, 2010Bourdieu, P. (2010), A distinção. Uma crítica social da faculdade do juízo. Tradução de Pedro Duarte. Lisboa, Ed. 70., p. 270).
  • 4
    Alain Viala, em Naissance de l’écrivain (1985), põe em relevo a importância da figura do mecenas na formação do campo literário: “En agissant en mècéne, le riche ‘lave’ symboliquement tout as fortune: de même que l’argent de la gratification apparaît comme un symbole du plaisir éprouvé, de même l´ensemble de as richesse apparaît comme un symbole de ses mérites personnels”; “Ao agir como mecenas, o rico simbolicamente ‘lava’ sua fortuna: assim como o dinheiro da gratificação aparece como símbolo do prazer experimentado, toda a sua riqueza aparece como símbolo de seus méritos pessoais” (1985Viala, A. (1985), Naissance de l’écrivain: sociologie de la littérature à l’âge classique. Paris, Ed. de Minuit. , p. 55).
  • 5
    Para entender o papel de Victoria Ocampo no campo editorial argentino, assim como suas relações com os sistemas gerais de consagração cultural, é possível consultar: Borrotorán, 2006Borrotorán, P. (2006), “El peronismo bajo el prisma de los intelectuales”. Anais da Anphlac, Campinas.; Bruno, 2009Bruno, P. (2009), “La vida literaria porteña entre el 1860 y el fin de siglo”. Anuario IEHS, 24: 339-368.; Sarlo, 2007Sarlo, B. (2007), La batalla de las ideas (1943-1973). Buenos Aires, Emecé. ; Sigal, 1996Sigal, S. (1996), Le Role politique des intellectuels en Amerique Latine. La derive des intellectuels en Argentine. Paris, Ed. L’Harmattan. ; Silva, 2004Silva, P. R. (2004), “As revistas Sur, Contorno e a Nova Geração intelectual argentina”. Revista da Anphlac, 464.; e Terán, 2008Terán, O. (2008), Vida intelectual en el Buenos Aires fin de siglo (1880-1910). Derivas de la Cultura Científica. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.
  • 6
    Para uma análise da relação entre as aspirações das elites e as mutações do espaço urbano de Buenos Aires é possível consultar Gorelik, 2005Gorelik, A. (2005), “A produção da cidade latino-americana”. Tempo Social, 17 (1): 111-133. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000100005.
    https://doi.org/10.1590/S0103-2070200500...
  • 7
    Para uma análise do primeiro volume da Autobiografia, é possível consultar Mackler, 2015 Mackler, A. V. (2015), “Victoria Ocampo, ensayista: el testimonio como estrategia”. Inti: Revista de Literatura Hispánica, n. 81, article 18.e Vázquez, 2019Vázquez, M. C. (2019), Victoria Ocampo, cronista outsider. Rosario-Buenos Aires, Beatriz Viterbo-Sur.
  • 8
    “Todas essas proibições e limitações criaram em mim um estado de rebelião e isso só foi piorando. Mas a rebelião latente realmente emergiu antes da minha apresentação à sociedade. Ela começou quando em minha adolescência” (Ocampo citada por Steiner, 1999Steiner, P. O. (1999), Victoria Ocampo. Writer, feminist, woman of the world. Albuquerque, University of New Mexico. , A, 2, p. 3034).
  • 9
    “Não se trata somente de Dante (com quem já bastaria para provar essa relação), mas também de citações filosóficas e teológicas: uma argentina que parece ter lido os pais da igreja! E as citações estão, como corresponde, incorporadas em seu idioma original quando se trata de poetas: Shakespeare, Shelley, Oscar Wilde, Pater.” (2010Sarlo, B. (2010), Modernidade periférica. Buenos Aires 1920 e 1930. Tradução de Julio Pimentel, prólogo de S.Miceli. São Paulo, Cosac Naify. Prosa no Observatório., p. 91)
  • 10
    “Em alguns casos extremos, o regresso da Europa não só implicava a consagração enquanto argentino de primeira classe, mas também a identificação com o europeu” (Viñas, 2005Viñas, D. (2005), Literatura argentina y política. De los jacobinos porteños a la bohemia anarquista. Buenos Aires, Santiago Arcos Ed., p. 45).
  • 11
    “A extensa e aconchegante comarca da vida interior” (2005Viñas, D. (2005), Literatura argentina y política. De los jacobinos porteños a la bohemia anarquista. Buenos Aires, Santiago Arcos Ed., p. 48).
  • 12
    “anteriormente discreta e austera, a elite, ou parte dela, vinculada ao novo centro de poder político, se tornou ostentatória, vivendo o estado florescente de suas finanças e exteriorizando sua recente prosperidade na construção de luxuosas mansões e uma vida social intensa” (Sánchez en Rial, 1996Vasquez Rial, H. (org.). (1996), Buenos Aires (1880-1930): la capital de un imperio imaginário. Madri, Alianza Editorial., p. 142).
  • 13
    “Os critérios que permitiam reconhecer a gente decente eram a linhagem e a família” (2007Rapoport, M. & Seoane, M. (2007), Buenos Aires. Historia de una ciudad, tomo 1. Buenos Aires, Fundación Banco Ciudad/Ed. Planeta. , p. 192).
  • 14
    “a rua é o lugar, entre outros, onde diferentes grupos sociais realizam suas batalhas de ocupação simbólica” (Sarlo em Vasquez Rial, 1996Vasquez Rial, H. (org.). (1996), Buenos Aires (1880-1930): la capital de un imperio imaginário. Madri, Alianza Editorial., p. 187).
  • 15
    “Como assinala Sarlo, Ocampo elege a nobreza de toga frente a nobreza de renda da qual provinha. Se desloca, nem fácil nem decididamente, de uma elite a outra. Sua história é a de quem busca fazer um nome próprio, sem identifica-se nem separar-se plenamente do sobrenome familiar” (Podlubne, 2016Podlubne, J. (verano 2016), “Victoria Ocampo. La autobiografía como aventura espiritual”. Políticas de la Memoria, Buenos Aires, 17., p. 94)
  • 16
    “O nome próprio é o certificado visível da identidade de seu portador através dos tempos e espaços sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestações nos registros oficiais […] que constituem a vida em totalidade finalizada pelo veredito emitido sobre um balanço provisório ou definitivo” (Bourdieu, 1997Bourdieu, P. (1997), Razones practicas. Sobre la teoria de la acción. Barcelona, Editorial Anagrama. , p. 77).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2021
  • Aceito
    20 Set 2021
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