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A disputa pelo “universal”: Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso e a arena transnacional das ciências sociais na Guerra Fria (1964-1988)1 1 . Agradeço a Rosa Freire d’Aguiar, Glauber Sezerino, Adrián Gorelik, Alexandre Barbosa, Darlan Barboza e Plínio de Arruda Sampaio Jr., assim como aos pareceristas da Tempo Social, a leitura e a discussão dos argumentos deste texto, e a Maurice Aymard o acesso aos arquivos de Fernand Braudel. A pesquisa que o originou foi viabilizada parcialmente por bolsas da Fapesp e da Capes (em modalidade Print e do acordo Cofecub). Agradeço também a Sergio Miceli, pois foi seu convite para uma coletânea que me levou a esta pesquisa.

The dispute over the “universal”: Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso and the transnational arena of social sciences in the Cold War (1964-1988)

Resumo

Adotando a hipótese segundo a qual entre o espaço social e as construções simbólicas que nele emergem existem correlações que tornam ambos inteligíveis, o artigo articula as posições objetivas e as carreiras transnacionais que condicionaram as tomadas de posição teóricas de Celso Furtado (1920-2004) e Fernando Henrique Cardoso (1931). Trata-se de dois casos que apresentam interesse sociológico por contrariarem as tendências assimétricas do espaço global das ciências sociais: apesar de terem origem no “sul global”, suas obras foram efetivamente integradas no “centro”; disputaram explicações, ganharam paradas, perderam outras, seus pares não passaram incólumes a elas. Ademais, foram ungidos pela consagração, ainda que em países com posições diversas na hierarquia do espaço.

Palavras-chave:
Brasil-Estados Unidos; Brasil-França; Circulação Internacional de Bens Simbólicos; Sociologia dos Intelectuais; Consagração

Abstract

Adopting the hypothesis that there are correlations between social space and the symbolic constructions that emerge in it that make both intelligible, the article articulates the objective positions and transnational careers that conditioned the theoretical positions of Celso Furtado (1920-2004) and Fernando Henrique Cardoso (1931). These two cases are of sociological interest because they go against the asymmetric tendencies of the global space of social sciences: despite their origin in the “global south”, their works were effectively integrated in the “center”; they disputed explanations, won stops, lost others, their peers did not pass unscathed. Moreover, they were anointed by consecration, even if in countries with different positions in the hierarchy of space.

Keywords:
Brazil-United States; Brazil-France; International circulation of symbolic goods; Sociology of Intellectuals; Consecration

Não desejava ser visto como um especialista em Brasil, nem em América Latina.

Celso Furtado, 1997.

[…] universalizou pois escreveu em inglês, o latim de nossos dias.

Fernando Henrique Cardoso, 1976a.

Introdução

Assegurada a autonomia relativa das ciências sociais, e, portanto, sua irredutibilidade às determinações econômicas, é incontornável constatar que a dinâmica de seus intercâmbios transnacionais reproduz as assimetrias geopolíticas entre os países (Gingras, 2002GINGRAS, Yves. (2002), “Les formes specifiques de l’internationalité du champ scientifique”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 141-142: 31-45.; Sapiro, 2013SAPIRO, Gisèle. (2013), “Le champ est-il national?”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 200 (5): 70-85.). A preponderância de uns sobre os outros tem sido objeto de estudos no âmbito de uma sociologia histórica, que identificam a estruturação do espaço de intercâmbio transnacional, na segunda metade do século XX, em (a) um centro bipolar, dominado pelos Estados Unidos da América (EUA) e por certos países europeus; (b) regiões semiperiféricas; e (c) regiões periféricas (Heilbron, Guilhot e Jeanpierre, 2008HEILBRON, Johan; GUILHOT, Nicolas & Jeanpierre, LAURENT. (2008), “Toward a transnational history of the social sciences”. Journal of the History of the Behavioral Sciences, 44 (2): 146-160.). Desse modo, as propriedades sociais e simbólicas adquiridas no circuito de diplomação das universidades do “centro bipolar” se tornaram pré-requisitos da participação transnacional efetiva - por exemplo: publicar e ser citado, impactar e liderar equipes de trabalho, obter financiamentos de pesquisa em larga escala, ganhar prêmios de relevo. E, a despeito dos esforços em favor de relações menos assimétricas, permanecem escassas as chances de integração e reconhecimento de um scholar periférico nos polos centrais do espaço transnacional (Heilbron, Sorá e Boncourt, 2018; Sapiro, 2013, 2014).

Os casos de Celso Furtado (1920-2004) e Fernando Henrique Cardoso (1931) apresentam interesse sociológico por contrariarem essa tendência. Nos anos que sucederam o estabelecimento do regime militar no Brasil (1964), ambos padeceram do exílio político, atuaram como funcionários internacionais e lecionaram em universidades estrangeiras. Em princípio, nada de extraordinário para a geração de acadêmicos qualificados exilados pelas ditaduras latino-americanas. No entanto, suas obras foram efetivamente integradas no “centro bipolar” do espaço transnacional: disputaram explicações, ganharam paradas, perderam outras. Em suma, os pares não passaram incólumes às suas obras. Ademais, foram ungidos pela consagração, ainda que em países com posições diversas na hierarquia do espaço.

A presente análise explora tal façanha, adotando a hipótese segundo a qual entre as posições objetivas, o percurso que conduz a elas e o conteúdo das tomadas de posição existem nexos que vale a pena examinar (Bourdieu, 1989BOURDIEU, Pierre. (1989), La noblesse d’État. Paris, Minuit., p. 47). Inicialmente, caracteriza o cenário intelectual e político no qual Celso Furtado e Fernando Henrique conviveram em Santiago do Chile, em 1964. Em seguida, reconstitui suas atividades profissionais nas décadas seguintes, privilegiando a fração de suas obras orientada para e pelos interlocutores do “centro bipolar” do espaço transnacional. Finalmente, discute os efeitos de anamnese promovidos pela consagração e pelas reviravoltas da política partidária nacional, das quais ambos são investidos pelos respectivos gerenciadores de sua longevidade simbólica.

Caminhos cruzados, rumos opostos

Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso estreitaram laços em Santiago do Chile, em 1964CARDOSO, Fernando Henrique. (29 jun. 1964), Carta para Florestan Fernandes. Nova York. Arquivo Fernando Henrique Cardoso., num cenário conturbado de perseguição política, busca por estabilidade profissional e desarranjo das teses da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Esta seção trata de como ambos chegaram à “capital mundial da esquerda” (Cáceres, 2016CÁCERES, Gonzalo. (2016), “Santiago de Chile. La capital de la izquierda”. In: PEIXOTO, F. A. & GORELIK, A. Ciudades sudamericanas como arenas culturales. Buenos Aires, Siglo XXI.) e como saíram dela.

O Ato Institucional n. 1, decretado imediatamente após o estabelecimento do regime militar, em março de 1964, cassou os direitos políticos de Celso Furtado por dez anos. Por qual motivo?

Nascido em Pombal, no sertão da Paraíba, numa família de bacharéis em descenso socioeconômico e próxima às elites burocráticas do estado, aos vinte anos ele migrou para o Rio de Janeiro, para cursar a Faculdade Nacional de Direito. Começou a trabalhar como jornalista, ingressou no funcionalismo público, e, pela Força Expedicionária Brasileira (FEB), foi lutar na Segunda Guerra Mundial. De volta ao Brasil, licenciou-se, para ir à França doutorar-se em Economia. Em seu retorno, integrou o quadro de economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV). Martinez Cabañas e Eugenio Castillo visitaram essa instituição, em busca de um brasileiro para compor a equipe do argentino Raúl Prebisch (1901-1986), diretor da Cepal, organismo instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, com sede em Santiago do Chile. A oportunidade não suscitou interesse de nenhum brasileiro senão de Celso Furtado. Ele trabalhou na Cepal entre 1949 e 1958, quando dela se desligou e assumiu uma diretoria no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), no Brasil - fruto de seu constante intercâmbio e de vínculos com os economistas brasileiros, dos quais jamais descuidou em qualquer período que passou no estrangeiro. A partir do BNDES, tornou-se o mentor da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), instituição estabelecida em 1961, por ele idealizada e meticulosamente articulada junto à presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961). À frente da Sudene, empenhou-se em tirar proveito da guerra fria (Caravaca e Espeche, 2021CARAVACA, Jimena & Espeche, Ximena. (2021), “La Cepal en perspectiva: economía, posguerra y región en reuniones latinoamericanas (1942-1949). Iberoamericana, 50 (1).). Ele explorou habilidosamente as fissuras entre os quadros do Departamento de Estado estadunidense, mais e menos inclinados à militância anticomunista, e que ele conhecera por dentro já na Cepal. Por um lado, a pobreza do Nordeste brasileiro tornou-se assunto internacional, pois os Estados Unidos temiam outra Revolução Cubana (1959), e o advento das Ligas Camponesas, com a liderança de Francisco Julião, parecia anunciá-la. Por outro lado, a administração dos Kennedy e sua “Aliança para o Progresso” representavam um canal para a negociação de verbas e favoreciam intercâmbios com a Sudene (Furtado, 1997a; 1997b; 1997c).

Em 1962, ele se tornou ministro do Planejamento, pasta criada pelo presidente João Goulart (1961-1964), e mentor do Plano Trienal, cujo desiderato principal consistia em combinar crescimento econômico com distribuição de renda. O acúmulo de rusgas políticas com oligarquias nordestinas e elites dirigentes conservadoras, na atuação da Sudene e no Ministério do Planejamento, concorreram para que fosse visto como um comunista pelo regime militar e seus apoiadores (nacionais e estrangeiros), e como um “vendido ao imperialismo”, pela esquerda revolucionária - dinâmica da representação simbólica típica da guerra fria (Iber, 2015IBER, Patrick. (2015), Neither peace nor freedom. Cambridge, Harvard University Press.; Ridenti, 2022RIDENTI, Marcelo. (2022), O segredo das senhoras americanas. São Paulo, Unesp.).

Ele poderia ir para o Chile, a convite do Instituto Latino-Americano para Estudos de Desenvolvimento (Ilpes), ligado à Cepal; para os Estados Unidos, a convite da Universidade de Yale, de Harvard e de Columbia; e, também, para a França. Optou pelo Ilpes, em Santiago do Chile, polo de atração da primeira diáspora brasileira após o golpe de 1964.

Diferentemente de Celso Furtado, o regime autoritário não havia cassado Fernando Henrique Cardoso, que ali estava como autoexilado. Por qual motivo?

Nascido em 1931, no Rio de Janeiro, em uma família de militares cuja participação na vida política remonta ao século XIX, sua inclinação para funções de mando vinha do berço e em sua carreira iniciática ela já se realizava plenamente (Garcia Jr., 2004GARCIA JR., Afranio. (2004), “A dependência da política: Fernando Henrique Cardoso e a sociologia no Brasil”. Tempo Social, 16 (1): 285-300. , p. 289). Ele cursou ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP). Florestan Fernandes (1920-1995), que regia a Sociologia I nessa instituição, nele reconheceu tal talento, transformando-o no operador político das condições de afirmação dessa cátedra. Em 1964, Cardoso despontava como liderança do grupo modernizador no interior da reitoria da USP, transitava com desembaraço entre as elites dirigentes do estado e era admirado como leitor da obra de Karl Marx “no original” (Rodrigues, 2019RODRIGUES, Lidiane S. (2019), “Poder, sexo e línguas no marxismo à brasileira”. Revista Pós-Ciências Sociais, 16: 131-150.).

Uma vez qualificado como subversivo pelo regime autoritário e convocado a prestar depoimento, ele optou pelo autoexílio, valendo-se de uma carteira sólida, porém pouco alargada, de contatos internacionais, dependentes do circuito do grupo de sociologia do trabalho de Alain Touraine, de quem se tornara amigo poucos anos antes. Começou a peregrinação pela Argentina. Lá, por meio de Nuno Fidelino de Figueiredo (na Cepal desde 1957), recebeu o convite de José Medina Echevarría (1903-1997), idealizador do Ilpes, para se tornar diretor de pesquisas nesse novo estabelecimento, cujo propósito consistia em introduzir a perspectiva sociológica nas discussões dos economistas (Franco, 2013FRANCO, Rolando. (2013), La invención del Ilpes. Santiago, Publicación de las Naciones Unidas.). Aceitou e partiu para Santiago.

No Ilpes, Celso Furtado havia proposto um círculo de leitura dos primeiros textos da Cepal. O sociólogo e o economista estabeleceram, a partir de então, mútua confiança, amizade e uma convergência interpretativa, tão inesperada que Fernando Henrique Cardoso afirmou: “o Celso está trabalhando numa direção bem mais próxima à minha do que parecia em seus livros anteriores” (Cardoso, 1964).

E qual era a direção comum? Tratava-se da constatação de que a concomitância entre regimes autoritários, crescimento econômico e concentração da riqueza demonstrava que “a industrialização não leva necessariamente à autonomia de decisão e ao desenvolvimento autossustentado” (Furtado, 1997cFURTADO, Celso. (1997c), Ares do mundo. São Paulo, Companhia das Letras., p. 74). Ou seja, as ideias iniciais da Cepal estavam equivocadas, e eram solapadas as apostas no Estado Nacional como demiurgo da industrialização, e desta como trilha preferencial do desenvolvimento latino-americano (Fajardo, 2021FAJARDO, Margarita. (2021), The world that Latin America created. Cambridge, MA, Harvard University Press.; Beigel, 2014BEIGEL, Fernanda. (2014), “Vida, muerte y ressurrección de las ‘teorías de la dependencia’”. CLACSO: 287-326.; Rosenthal, 2004ROSENTHAL, Gert. (2004), “Eclac: A commitment to a Latin American Way”. In: BERTHLOT, Yves. Unity and diversity in development ideas. Perspectives from the UN Regional Comissions. United Nations Intellectual History Project Series, pp. 168-232.; Assidon, 2002ASSIDON, Elsa. (2002), Les théories économiques du development. Paris, La Découverte.; Bielschowsky, 2000BIELSCHOWSKY, Ricardo. (2000), “Cinquenta anos de pensamento na Cepal”. In: Cinquenta anos de pensamento na Cepal. Rio de Janeiro, Record.). A partir daí, suas obras se bifurcaram: Celso Furtado se dedicará à teorização do subdesenvolvimento; Cardoso, à da dependência. As duas orientações no espaço discursivo (teoria do subdesenvolvimento/teoria da dependência) consistem em respostas ao padrão competitivo enfrentado por cada um deles, segundo orientações distintas na arena transnacional. Vejamos.

O jovem sociólogo autoexilado, de 34 anos, sai na frente, empenhando-se em protagonizar os ventos da autocrítica das teses outrora encarnadas pelo honorável economista, Celso Furtado. Com efeito, a crítica à Cepal caberia à geração seguinte à de Prebisch e Furtado. No interior dela, a competição em torno de quais foram os “limites interpretativos” da Cepal será acirradíssima, e, em que pese a badalação paulistana em torno do “cosmopolitismo” do sociólogo (Rodrigues, 2021RODRIGUES, Lidiane S. (2021), “Uma internacional intelectual”. In: PAULO, Heloisa et al. (orgs.). Migrações e exílios no mundo contemporâneo. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 339-366.), Fernando Henrique Cardoso não a venceu de bate-pronto no debate junto aos pares do “centro bipolar”.

Em 1967, publicou os resultados do debate no Ilpes, com Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina (DDAL). Se a bibliografia a respeito das numerosas vertentes de autocrítica cepalina dá destaque a DDAL (Ruvituso, 2020RUVITUSO, Clara. (2020), “Southern theories in Northern circulation: analyzing the translation of Latin American dependency theories into German”. Tapuya, 3 (1): 92-106.), raras vezes atina que dificilmente uma teoria estaria tão encalacrada em lances disciplinares competitivos na arena transnacional dos organismos atrelados à ONU. Afirmar que as condições econômicas não explicam por si próprias as situações de dependência, visto que estas resultam das estruturas políticas sustentadas por grupos sociais de interesses, consistia também em desbancar a Economia em favor da Sociologia, em antepor o Ilpes à Cepal. Ele cumpria à risca a tarefa designada por Echevarría:

Como o objetivo deste ensaio é explicar os processos econômicos enquanto processos sociais, requer-se buscar um ponto de intersecção teórico, onde o poder econômico se expresse como dominação social, isto é, como política; pois é através do processo político que uma classe ou grupo econômico tenta estabelecer um sistema de relações sociais que lhe permita impor ao conjunto da sociedade um modo de produção próprio […]. Os modos de relação econômica, por sua vez, delimitam os marcos em que se dá a ação política (Cardoso e Faletto, 1970CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO, Enzo. (1970), Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro, LTC., p. 23 - sublinhados meus).

Já Furtado permaneceu três meses em Santiago e seguiu para New Haven, onde trabalhou, por um ano, como pesquisador no Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Yale, fez conferências pelo país afora e participou de debates sobre o Terceiro Mundo. Não se adaptou. Preteriu os Estados Unidos em favor da França, onde amargou duas décadas de exílio, como professor da Sorbonne. A aposentadoria e a perseguição política surpreenderam-no no auge de suas realizações e o lançaram numa encruzilhada. Aos 44 anos, seu horizonte dos possíveis parecia reaberto, porém fechava-se irremediavelmente: a derrota política era prenúncio do empuxo que o acantonaria numa posição dominada entre dominantes, não apenas nos quadros políticos nacionais, porém também no âmbito do espaço transnacional da ciência econômica.

Cardoso permaneceu em Santiago por três anos, publicou DDAL, antes de ir para Paris lecionar na Universidade de Nanterre, a convite de Touraine. Em 1968, voltou ao Brasil, ganhou cátedra de Política na USP, mas foi aposentado compulsoriamente e impedido de lecionar. Diferentemente de 1964, não se exilou, e tampouco sua carteira de relações internacionais era tão restrita. Ele a ampliou e a adensou, à frente do Ilpes, podendo acioná-la, para obter confiança e financiamento da Fundação Ford (FF), para a criação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), instituição em que se fixou até a abertura política, acolhendo perseguidos pelo regime autoritário.

Os caminhos do economista e do sociólogo cruzaram-se em Santiago, e, em seguida, os rumos de suas carreiras se arrevesam: o antigo professor universitário, Fernando Henrique Cardoso, se converterá em pesquisador e funcionário internacional da Ford, sediado em São Paulo. Já Celso Furtado, inversamente, passará dessa condição àquela.

O latino-americanismo na França, Celso Furtado e a Sorbonne

As migrações podem ser compreendidas pelas condições desfavoráveis do ponto de saída e atrativas do ponto de chegada. Segundo Celso Furtado, seu rechaço aos Estados Unidos atrelava-se ao modelo científico estadunidense, cujo pressuposto era a irrelevância do pensamento latino-americano:

[…] [havia alguns] com bom conhecimento do pensamento latino-americano em matéria de desenvolvimento […]. Mas esse pensamento parecia ser de total irrelevância para as pessoas de maior influência […] concordavam comigo […] [sobre a necessidade do] enfoque interdisciplinar [e de um] novo quadro conceitual dentro da própria economia. Mas a verdade é que ninguém se atrevia a afastar-se do paradigma dominante, temendo uma inevitável desqualificação acadêmica. Até então, não me apercebera do verdadeiro terrorismo que exerce na economia a escola do pensamento dominante. […] É fácil criticá-lo, diziam-me, mas se sairmos dele perderemos o pouco de consistência científica que obtivemos até agora (Furtado, 1997cFURTADO, Celso. (1997c), Ares do mundo. São Paulo, Companhia das Letras., pp. 153-154 - sublinhados meus).

A sua percepção inédita ligava-se à inédita posição que passara a ocupar. Não era uma novidade a inclinação “anti-Cepal” dos Estados Unidos, vivida de modo dramático, na Cepal, na Sudene, em incidentes pessoais e profissionais (dentre outros, as negociações fracassadas pela suspeita de seu comunismo). Mas sua derrota política e seu exílio o eram. Daí buscar preservar-se do “clima geral” de “pouca simpatia por alguém que se fizera notório por atividades ditas ‘subversivas’ na América Latina” (Furtado, 1997cFURTADO, Celso. (1997c), Ares do mundo. São Paulo, Companhia das Letras., p. 173) num país em que tal insígnia era, ao contrário, motivo de apreciação - a França.

Havia uma convergência auspiciosa entre seus projetos e os rumos políticos do latino-americanismo do hexágono, comandado pelo general De Gaulle. Na geopolítica da guerra fria, De Gaulle tratava de afirmar a autonomia francesa frente aos Estados Unidos. Daí desvencilhar-se da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), reconhecer o governo de Mao Tsé-Tung e, entre outros lances, disputar o mercado econômico e cultural da América Latina, guiado pelo diagnóstico segundo o qual a cooperação científica acumulada junto ao continente estava sendo negligenciada (Tournès, 2011TOURNÈS, Ludovic. (2011), Sciences de l’homme et politique. Les fondations philanthropiques américaines en France au XXe siècle. Paris, Garnier.; Martinière e Chonchol, 1985MARTINIÈRE, Guy & CHONCHOL, Jacques. (1985), L’Amérique latine et le latino-américanisme en France. Paris, L’Harmattan, 1985.).

Para Celso Furtado, De Gaulle “marcara o país recentrando-o e restaurando-lhe a consciência de um destino histórico próprio”, a despeito de a França “acumular considerável atraso vis-à-vis dos países que formam a vanguarda da civilização material moderna” (Furtado, 1997c, p. 175): as afinidades entre o modo como percebe o cenário francês e seu próprio projeto para o Brasil são evidentes.

A dinâmica do latino-americanismo no país era movida pela rivalidade com os Estados Unidos, como parte da equação do antiamericanismo francês típico da guerra fria (Scot, 2016SCOT, Marie. (2016), “L’antiamericanisme dans la vie intellectuelle française”. In: CHARLE, Christophe & JEAN PIERRE, Laurent. La vie intellectuelle en France II. De 1914 à nos jours. Paris, Seuil., p. 385). O espaço dos latino-americanistas ia se segmentando. De um lado, o de “burocratas e políticos”, do qual Furtado não se aproximou. De outro, o “midiático” e o “universitário”, que ele explorou. Os expoentes deste último haviam pertencido às missões universitárias brasileiras dos anos 1930, formavam “latino-americanistas” franceses, e recebiam latino-americanos exilados. Já o “midiático” se adensava em função do interesse crescente da opinião pública francesa pelo continente, após a Revolução Cubana (Martinière e Chonchol, 1985MARTINIÈRE, Guy & CHONCHOL, Jacques. (1985), L’Amérique latine et le latino-américanisme en France. Paris, L’Harmattan, 1985.; Bianconi, 2014BIANCONI, Renata. (2014), L’œuvre de Celso Furtado à Paris: le parcours d’un intellectuel et homme d’État. Paris, tese de doutorado, Sorbonne.).

Celso Furtado se movimentou com clareza cardinal nestes dois últimos segmentos do espaço intelectual latino-americanista francês. Nomeado por decreto presidencial de De Gaulle, em 1965, assumiu a cátedra de Desenvolvimento Econômico na Faculdade de Direito e Ciências Econômicas da Universidade de Paris (posteriormente, “Paris I Panthéon-Sorbonne”). Concomitantemente, lecionou no Instituto de Altos Estudos da América Latina e no Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social. Suas aulas atraíam tantos interessados que, a fim de acomodá-los, elas foram deslocadas para o espaçoso Anfiteatro VIII da Sorbonne, na Praça do Panthéon. Pudera.

Sabia ele que Paris era “caixa de ressonância mundial para o Terceiro Mundo” (Furtado, 1997cFURTADO, Celso. (1997c), Ares do mundo. São Paulo, Companhia das Letras., p. 175), e que “a simpatia” suscitada pelo continente “era reflexo da repulsa que provocava a dominação sobre ela exercida por empresas e autoridades norte-americanas” (Furtado, 1997c, p. 177). Aceitou organizar o número especial sobre o Brasil na revista de Jean-Paul Sartre, Les Temps Modernes. Por qual motivo?

[…] não porque me sobre tempo. Mas porque considero importante que contribuamos para modificar a imagem de nosso país […]. A velha geração de brasileiristas[2 2 . Desnecessário dizer que não se trata de um “erro” de grafia, mas de indício de que a categoria “brasilianistas” ainda não tinha a estabilidade semântica que adquiriu depois. ] (Bastide, Byé, Monbeig …) tende a passar para um segundo plano. […] existe um certo ceticismo com respeito ao valor de qualquer estudo que se faça sobre o nosso país, em face dos enormes recursos que os americanos estão pondo nessa tarefa. Isso é de preocupar […] será ainda mais de lamentar que o mundo tenda a pensar e decidir sobre o Brasil partindo exclusivamente dos ingredientes preparados nos Estados Unidos ou sob direção americana (Celso Furtado para Fernando Henrique Cardoso. Paris, 2 de janeiro de 1966aFURTADO, Celso. (1966a), Carta para Fernando Henrique Cardoso. Paris, 2 de janeiro de 1966. Arquivo Fernando Henrique Cardoso. - sublinhados meus).

A restrição de tempo e a urgência das causas impõem certas práticas. O economista passou a expor suas teses por meio de títulos capazes de dizer muito em pouco espaço: “L’hégémonie des États-Unis et l’avenir de l’Amérique latine” (Esprit, juillet-août 1966); “Sécurité américaine et révolution latino-américaine” (Le Monde, 5 et 6 janvier 1966); “La concentration du pouvoir économique aux États-Unis et ses projections en Amérique Latine” (Esprit, avril 1969). Tratava-se de garantir já na moldura semântica dos ensaios, isto é, no título (Genette, 2009GENETTE, Gérard. (2009), Paratextos editoriais. São Paulo, Ateliê.), a afirmação do substancial: as possibilidades de soberania política do continente eram indissociáveis do exercício do domínio imperialista estadunidense. É também o que se observa na junção, em 1970, de Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina (de 1966) com Um projeto para o Brasil (1968), para publicar em volume único com o título Les États-Unis et le sous-développement de l’Amérique Latine. Segundo ele, o objetivo era realçar “os aspectos externos determinantes do subdesenvolvimento” (Furtado, 1970FURTADO, Celso. (1970), Les États-Unis et le sous-développement de l’Amérique Latine. Trad. C. Deniz da Silva. Paris, Calmann-Lévy., p. 21). Contudo, não se realçam “determinantes” quaisquer para qualquer público, porém as estadunidenses (particularmente, as que dizem respeito aos liames entre seu Estado, a instabilidade política no “hemisfério sul” e suas grandes empresas multinacionais) para o leitor francês.

O apreço pela França, que remontaria à educação familiar de Celso Furtado (Barboza, 2023BARBOZA, Darlan. (2023), A consagração de um vivente. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.), foi reforçado em seu exílio parisiense e favoreceu sua inserção na tradição de pensamento desse país, segundo a qual a América Latina se fez contra os Estados Unidos (Martinière, 1982MARTINIÈRE, Guy. (1982), Aspects de la coopération franco-brésilienne. Transplantation culturelle et stratégie de la modernité. Paris, Editions de la Maison des Sciences de l’Homme., p. 25). Não surpreende a correspondência ipsis litteris entre o antiamericanismo do hexágono e seus princípios de apreciação e de depreciação, tanto os de caráter científico quanto os de gosto e estilo de vida. Por se tratar de um economista, chama a atenção que tenha incorporado a representação hexagonal do estadunidense como um filisteu destituído de gosto, discernimento e imaginação política, e dotado de apetite insaciável por dinheiro (Scot, 2016SCOT, Marie. (2016), “L’antiamericanisme dans la vie intellectuelle française”. In: CHARLE, Christophe & JEAN PIERRE, Laurent. La vie intellectuelle en France II. De 1914 à nos jours. Paris, Seuil.; Tilly, 1992; Bourdieu, 1992BOURDIEU, Pierre. (1992), “Deux impérialismes de l’universel”. In: FAURÉ, Christine et al. L’Amérique des Français. Paris, François Bourin, pp. 149-155.):

[…] é pouco comum entre os norte-americanos que alguém se isole para ler nos fins de semana. O mais corrente é dedicar-se a uma atividade manual e participar de grupos formados por vizinhos. A conversa é de preferência simplória […]. Se eu ocasionalmente me referia a um livro que estava lendo, é possível que alguém inserisse um comentário pertinente. Mas, mesmo entre pessoas de nível cultural elevado […] atividade estritamente intelectual é vista como diletantismo. Ademais, a forte preocupação com a carreira pessoal tende a exacerbar a competição entre indivíduos (Furtado, 1997cFURTADO, Celso. (1997c), Ares do mundo. São Paulo, Companhia das Letras., p. 139 - sublinhados meus).

Paris: o “universal” em disputa

Do ponto de vista sociológico, as leis que regram o mundo econômico não foram “descobertas” pelos economistas, mas foram por eles construídas, na reordenação geopolítica global, no pós-guerra, da qual foram agentes decisivos (Bourdieu, 1998BOURDIEU, Pierre. (1998), Contrafogos. Rio de Janeiro, Zahar.). E das iniciativas da filantropia americana, a ação da Fundação Ford, na Europa e, em particular, na França, que teve como alvo prioritário a reconstrução das escolas de Economia - era uma das frentes desta reordenação (Tournès, 2011TOURNÈS, Ludovic. (2011), Sciences de l’homme et politique. Les fondations philanthropiques américaines en France au XXe siècle. Paris, Garnier.; Fourcarde, 2006; Guilhot, 2005GUILHOT, Nicolas. (2005), Democracy makers. Nova York, Columbia University Press.). Tratava-se de desenvolver em concomitância as ciências sociais nos Estados Unidos e na Europa, a fim de formar um segmento de “intelectuais compartilhando os mesmos esquemas de pensamento de uma parte a outra do Atlântico, favorecendo assim a coesão do campo atlântico contra a União Soviética” (Tournès, 2011, p. 289; Parmar, 2015PARMAR, Inderjeet. (2015), Foundations of the American century. Nova York, Columbia University Press.).

Daí resulta um campo globalmente estruturado, no qual se observa a antecedência de organismos e convenções internacionais em relação às nacionais e locais - ou seja, “a internacionalização lidera a regionalização, e não o contrário” (Foucarde, 2006FOUCARDE, Marion. (2006), “The construction of a global profession: The transnationalization of economics”. AJS, 112 (1): 145-194., p. 174). Por isso, os campos nacionais dos economistas pressupõem a formação e a circulação não nacionais, segmentando-se em “US-oriented” e “US-non-oriented”. O centro dinâmico dominante da produção de convenções científicas da área encontra-se na trinca Harvard, MIT e Yale. Além disso, a socialização dos agentes e seus ritos de instituição investem-nos de uma illusio inquebrantável a respeito da cientificidade de sua disciplina, da universalidade de suas asserções e de sua superioridade intelectual e moral.

Essa última propriedade foi incorporada plenamente por Celso Furtado, portador de predisposições conformes a ela (Barboza, 2023BARBOZA, Darlan. (2023), A consagração de um vivente. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.). Contudo, tal senso de superioridade será uma das alavancas voltadas contra as demais propriedades do campo econômico - isto é, a “cientificidade” e a “universalidade” de suas leis. E cumpre esclarecer: nada seria mais distante da perspectiva furtadiana do que antepor ao universalismo um particularismo - tendência hodierna. Ao contrário. Como ele sublinha: “eu assistia razão a De Gaulle quando sustentava: ‘Ninguém nos dá lição de universalismo’” (Furtado, 1997c, p. 175). Efetivamente, é orientado por princípios “universais” que Celso Furtado intenta desbancar o universalismo de seus pares e elabora a “teoria do subdesenvolvimento”.

Para Furtado, o universalismo economista consistia num equívoco na medida em que subordinava, sem consideração científica consequente, todas as experiências nacionais à dos países “desenvolvidos”. Insistiu, copiosamente, que a “economia” tal como ensinada, compreendida e construída é estadunidense e, portanto, está longe de corresponder às leis universais que sustenta. Elaborou o oximoro segundo o qual elas são “universais” no contexto particular dos Estados Unidos. Em contrapartida, para ele, a teoria deveria abstrair as leis que regem simultaneamente centro e periferia, desenvolvimento e subdesenvolvimento - ademais, em perspectiva diacrônica. Daí afirmar que o erro crucial da perspectiva estadunidense está em ignorar que o desenvolvimento produziu o subdesenvolvimento, e em defender que este último seja um estágio necessário da linha evolutiva que levaria ao primeiro (Furtado, 1997c, pp. 155-156). Essa tomada de posição dirigia-se contra o economista Walt Whitman Rostow (1916-2003), que publicou, em 1960, The stages of economic growth: a non communist manifesto, livro em que apresentava a teoria segundo a qual todas as sociedades apresentariam cinco estágios que as conduziriam ao patamar do desenvolvimento.

O trecho de Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina é exemplar:

O subdesenvolvimento deve ser compreendido como um fenômeno da história moderna, coetâneo do desenvolvimento […] [ele não é] uma “fase” do processo de desenvolvimento, fase essa que seria necessariamente superada sempre que atuassem conjuntamente certos fatores. Pelo fato mesmo de que são coetâneos das economias desenvolvidas, isto é, das economias que provocaram e lideraram o processo de formação de um sistema econômico de base mundial, os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a experiência dessas economias. É em confronto com o desenvolvimento que teremos de captar o que é específico ao subdesenvolvimento (Furtado, 1966bFURTADO, Celso. (1966b), Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., p. 3 - sublinhados meus).

A denúncia da particularidade da pretensão universalista era uma frente de batalha numa luta obstinada e mais ampla em torno da legitimidade da enunciação de leis gerais: “não desejava ser visto como um especialista em Brasil, nem em América Latina” (Furtado, 1997). Com efeito, como foram atreladas aos objetos a mesma assimetria que os caracteriza fora do espaço científico, e à credibilidade dos cientistas a posição que seus países ocupam na hierarquia geopolítica global, então “os trabalhos teóricos em torno do crescimento alcançavam relevo” se tratassem “da dinâmica das economias desenvolvidas”. Porém, quando tratavam “de regiões ‘atrasadas’ confundiam-se com os estudos de ‘áreas’, de escasso prestígio nos círculos acadêmicos” (Furtado, 1997c, p. 148). Dito de modo simples: como o Terceiro Mundo é uma “área”, a seus intelectuais dá-se o direito a análises empíricas, e como o primeiro é (base de) teoria, seus nativos emitem abstrações gerais legitimamente. O apelo pela superação da assimetria entre os pares é o mesmo da denúncia da particularidade do universal em economia:

Ao discutir o tema do poder econômico em termos os mais amplos possíveis, eu me empenhava em fazer que os nossos problemas fossem encarados como de interesse geral, devendo todos os povos contribuir para sua solução. Era necessário fazer compreender que somos todos interdependentes, que as soluções têm que ser globais. Eu tinha presente no espírito o bloqueio criado no mundo universitário norte-americano pela compartimentação de temas e problemas. Não desejava ser visto como um especialista em Brasil, nem mesmo em América Latina. Sabia que nada se compreende de Terceiro Mundo se não se parte de uma visão global da economia internacional, e em especial da dinâmica das economias dominantes. A verdade é que, para perceber o que se passa na América Latina, é essencial partir do estudo dos Estados Unidos, e, pelo que eu saiba, não existia então nenhum centro dedicado ao estudo desse país como um sistema de poder mundial, nem mesmo na Europa Ocidental (Furtado, 1997cFURTADO, Celso. (1997c), Ares do mundo. São Paulo, Companhia das Letras., p. 178 - sublinhados meus).

Ademais, as contrapartidas entre o espaço discursivo e o morfológico são notáveis. Enquanto as escolas estadunidenses iam se tornando dominantes, ele opta por se fixar na França; enquanto elas apostam nos mecanismos de fechamento de grupo (tais como a disciplinarização e o hermetismo da linguagem, por meio da modelização matemática), em direção oposta, ele se dirige à tradição da Economia Política e à interdisciplinaridade com áreas dominadas, como a História e a Geografia (Bourdieu, 1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Minuit.): “o estudo das estruturas subdesenvolvidas não permite mais isolar as variáveis econômicas das não econômicas” (Furtado, 1970FURTADO, Celso. (1970), Les États-Unis et le sous-développement de l’Amérique Latine. Trad. C. Deniz da Silva. Paris, Calmann-Lévy., p. 11).

A combinação entre domínio de uma tradição e posição objetivamente dominada incita os agentes às “revoluções simbólicas” em seus respectivos campos (Bourdieu, 1984BOURDIEU, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Minuit., 1989, 1996). Celso Furtado corresponde, precisamente, a este caso, ao identificar os erros das convenções “gerais” em matéria de política econômica global e de desenvolvimento, ao transformar em particularidade as convenções tomadas como universais - ao virar de ponta-cabeça a lógica dos economistas mainstream. Essa posição, no “centro bipolar” não anglófono, lhe confere visibilidade, consagração e reconhecimento junto ao Terceiro Mundo, justamente o polo que ocupa na geopolítica global uma posição homóloga à dele no campo profissional (Lebaron, 2002LEBARON, Frédéric. (2002), “Le Nobel d’économie”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 141-142: 62-65.).

***

A despeito de seus problemas com a diplomacia brasileira e estadunidense, ele se manteve em circulação: constam pelo menos três viagens profissionais ao Brasil (em 1968, em 1971 e em 1975, para oferecer um seminário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP). Em missão das Nações Unidas, no decênio de 1970, fez diversas viagens a países da África, da Ásia e da América Latina. Além disso, foi professor visitante na American University, em Washington, em 1972; e, no ano seguinte, como fellow do King’s College, ocupou a cátedra Simon Bolívar em Cambridge (Inglaterra). Em 1976, atuou como professor visitante na Universidade de Columbia (Nova York). Em 1982, desvencilhou-se da Sorbonne, mantendo-se como diretor de pesquisas e de seminários na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Nesse ínterim, integrou o Conselho Acadêmico da recém-criada Universidade das Nações Unidas, em Tóquio (UNU) e recebeu um mandato do Commitee for Developement Planning (da ONU). Como, desde 1972, ele se aproximou do grupo de intelectuais em torno do jornal Opinião, com o qual passou a colaborar por convite de Fernando Gasparian, ao intensificar suas viagens ao Brasil, em função da Lei da Anistia, reintegrou-se à vida política, filiando-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) - e teve fim seu exílio.

O latino-americanismo nos Estados Unidos, Fernando Henrique Cardoso e o Cebrap

Enquanto Celso Furtado trabalhava na Sorbonne, Fernando Henrique Cardoso trabalhava no Cebrap. O primeiro integrava-se ao latino-americanismo francês opondo-se ao campo intelectual estadunidense. Já o segundo logrou fazer dessa oposição um modo de integração a esse mesmo espaço intelectual. Como foi possível tamanha proeza?

Houve um crescimento notável de estímulos financeiros e institucionais aos estudos latino-americanistas, nos Estados Unidos, após o alinhamento de Cuba à União Soviética, em 1961 (Delpar, 2008DELPAR, Helen. (2008), Looking South: The evolution of Latin Americanist scholarship in the United States, 1850-1975. Tuscaloosa, University of Alabama Press.). Os indícios de adensamento da área consistem tanto em sua institucionalização - com a criação da Latin American Studies Association (Lasa) e de sua revista Latin American Research Review (LARR), em 1966 - quanto em sua segmentação competitiva geracional. Já em 1970, o grupo dos jovens “West Coast intellectuals” rompeu com a Lasa, criando um organismo e uma revista concorrente, a Union of Radical Latin Americanists (Urla) e a Latin American Perspectives(LAP). Segundo eles, a Lasa era conivente com a política externa imperialista dos Estados Unidos.

Daí se lançarem como os introdutores da “teoria da dependência” nos Estados Unidos (Delpar, 2008DELPAR, Helen. (2008), Looking South: The evolution of Latin Americanist scholarship in the United States, 1850-1975. Tuscaloosa, University of Alabama Press.; Blomström e Hettne, 1984HETTNE, Bjorn & BLOMSTRÖM, Magnus. (1984), “Development theory”. In: Transition, The dependency debate & beyond; third world reponses. Londres, Zed Books.), resultado de uma homologia posicional. Os “West Coast” que se opunham à direção da Lasa, por nela reconhecerem um equivalente do establishment estadunidense, e os “dependentistas” se opunham à “teoria da modernização”, uma versão sociológica das etapas econômicas de Rostow, que orientava a ação de quadros dirigentes e a política externa dos Estados Unidos. Por meio dos “West Coast”, a tomada de posição em relação à “teoria da dependência” vai se tornando um dos atiçamentos das disputas do campo intelectual estadunidense, e os intelectuais latino-americanos nele vão sendo integrados.

Sob a liderança de Ronald Chilcote, a LAP promoveu debates sobre a teoria da dependência, e transformaram André Gunder Frank (1929-2005) - autor de Capitalism and underdevelopment in Latin America, que sustentava que a dependência no continente só poderia ser superada pela revolução socialista - na “personificação” dela nos Estados Unidos (Delpar, 2008DELPAR, Helen. (2008), Looking South: The evolution of Latin Americanist scholarship in the United States, 1850-1975. Tuscaloosa, University of Alabama Press.; 2020b; Kay, 2010KAY, Cristóbal. (2010), Latin American theories of development and underdevelopment. Abingdon, Routledge.; Blomström, Hettne, 1984HETTNE, Bjorn & BLOMSTRÖM, Magnus. (1984), “Development theory”. In: Transition, The dependency debate & beyond; third world reponses. Londres, Zed Books.).

Em contrapartida, embora DDAL já contasse com traduções e circulasse na praça havia sete anos (Ruvituso, 2020RUVITUSO, Clara. (2020), “Southern theories in Northern circulation: analyzing the translation of Latin American dependency theories into German”. Tapuya, 3 (1): 92-106.), não catapultava Fernando Henrique Cardoso ao centro do “centro bipolar” (Rodrigues, 2022RODRIGUES, Lidiane S. (2022), “Fernando Henrique Cardoso nos Estados Unidos: a obra de um scholar, um scholar como obra”. Novos Estudos Cebrap, 41 (2): 273-293.). O sociólogo estava ciente disso. E nada satisfeito. Assim, quando foi convidado pela LAP para comentar obras, além de não disfarçar o desgosto em ser comentador (e não comentado), não poupou artilharia: descredibilizou os autores em exame, desqualificou autores estadunidenses e aproveitou a chance para reivindicar a leitura e a tradução de seu próprio livro para o inglês, o que só ocorreria em 1979, doze anos depois da primeira edição de DDAL em espanhol:

Para começar [Raúl Fernández e José F. Ocampo] endereçam o fogo do ataque teórico a uma entidade abstrata criada por divulgadores norte-americanos: os “dependentistas”. É difícil ser preciso criticando em bloco autores e interpretações que discordam entre si em pontos significativos. Na verdade, a parte central da crítica se dirige a André Gunder Frank […] por extensão […] entram no mesmo saco todos os “dependentistas” […] não fosse pelos nomes próprios hispânicos dos autores, eu pensaria que eles não leem castelhano e português, tal a pobreza da bibliografia usada, quase sempre (com a exceção do livro que escrevi com Faletto, que é mencionado na bibliografia, mas na verdade não foi analisado) baseada em publicações em inglês (Cardoso, 1974aCARDOSO, Fernando Henrique. (1974a), “The paper enemy”. Latin American Perspectives, 1: 66-74., p. 66 - sublinhados meus).

A insistência (iniciada no excerto acima) segundo a qual os “dependentistas” são muito diferentes entre si é ensejo para o empenho em diferenciar-se de Frank, e, simultaneamente, do “ismo” em questão (Boschetti, 2014BOSCHETTI, Anna. (2014), Ismes. Du réalisme au postmodernisme. Paris, CNRS.):

[…] se [Fernández/Ocampo] fossem mais cuidadosos teriam distinguido entre os que eles chamam de “dependentistas” e as diversas interpretações. Veriam inclusive que Frank, ao criticar os que caracterizariam, segundo ele, a estrutura agrária brasileira do “feudal”, endereçou a crítica também a mim. E, se fossem mais cuidadosos e rigorosos ainda, veriam que Frank se equivocou: sem jamais ter pensado tal barbaridade histórica, […] jamais aceitei que “já que não é feudal é capitalista”… (Cardoso, 1974aCARDOSO, Fernando Henrique. (1974a), “The paper enemy”. Latin American Perspectives, 1: 66-74., p. 67 - sublinhados meus).

O texto em destaque é apenas um dentre tantos em que adota a mesma estratégia. De um lado, mirando a posição ocupada por Frank, empenha-se incansavelmente por distinguir suas ideias das dele. De outro lado, descredibiliza as práticas de leitura do próprio espaço intelectual estadunidense, girando a crítica em seu favor. Isso porque a consagração de Frank e a indistinção entre este autor e ele são o mote do decreto a respeito da ignorância dos Estados Unidos sobre os intelectuais da América Latina.

Esse exercício não vingaria, entretanto, se o conteúdo da distinção contra Frank não interpelasse as inquietações dos interlocutores estadunidenses. E, bem ponderadas as coisas, ele caía como uma luva para o estado das demandas acadêmicas e ideológicas do período.

Tratava-se, então, de opor-se à esquerda (fosse a “marxista” à la Frank, fosse a cepalina) sem girar à direita, e de opor-se à direita (à la Rostow), sem girar à esquerda revolucionária. Portanto, desbancar os dois lados, criando um terceiro palatável, com o melhor de ambos: o contorcionismo é típico do processo de diferenciação do espectro ideológico da guerra fria que redundará na doxa da democracia liberal como modelo global ideal (Rodrigues, 2020RODRIGUES, Lidiane S. (2020), “Brazilian political scientists and the Cold War: Soviet hearts, north-American minds (1966-1988)”. Science in Context, 33: 145-169.; Guilhot, 2005GUILHOT, Nicolas. (2005), Democracy makers. Nova York, Columbia University Press.). Era a tal ginástica que ele se referia ao afirmar, em calculado tom de fastio: “não é fácil ser intelectual [de esquerda] nas sociedades da periferia do sistema capitalista.” (Cardoso e Serra, 1979CARDOSO, Fernando Henrique & SERRA, José. (1979), “As desventuras da dialética da dependência”. Estudos Cebrap, 23: 33-80.). A disputa das categorias de classificação esquadrinha a topografia das posições:

[…] a crítica não se orienta apenas contra a “direita”, mas também contra setores, em geral preponderantes, da esquerda intelectual. Teoricamente, é insatisfatório substituir as análises inspiradas na teoria do desenvolvimento por outras tantas que existem, de forma geral e indeterminada, em que o processo do desenvolvimento capitalista se dá em proveito da burguesia e de que nas condições da América Latina e do desenvolvimento do capitalismo internacional ele é uma expressão do imperialismo (Cardoso, 1971bCARDOSO, Fernando Henrique. (1971b), “Teoria da dependência ou análises concretas de situações de dependência?”. Estudos Cebrap, 1 (1): 25-45., pp. 27-28 - sublinhados meus).

A Lasa o convidou para proferir uma conferência em seu congresso em Atlanta, em 1976, e ele explorou ao máximo a oportunidade. Claramente aludindo aos diversos balanços bibliográficos de época, nos quais seu livro não figurava em destaque, rebaixou os latino-americanistas estadunidenses e sua esquerda marxista, assinalando seu desconhecimento do debate entre latino-americanos. O princípio gerador mais elementar de suas intervenções orientadas para e pela competição do enquadramento da percepção da teoria da dependência, no meio estadunidense, seguia a dinâmica do “pertencer e distinguir-se” - isto é, sou um deles (dependentista), mas melhor do que eles (autor de uma obra única). Por isso, a despeito da solenidade da ocasião, não se furtou a emitir ironias e classificações pejorativas, a fim de tomar distância e de rebaixar os autores a ela associados. Referindo-se à linhagem “revolucionária”, classificou-a de: “marxistas evolucionistas embrutecidos” (Cardoso, [1976a] 1993, p. 132); “corrente de marxismo vulgar” (Cardoso, [1976a] 1993, p. 131) - entre outros termos injuriosos. Ilustre-se o tom da conferência com sua abertura:

[…] um observador que desembarcasse de um “objeto não identificado” de órbita lunar e chegasse às reuniões dos latino-americanistas nos últimos anos daria razão aos antropólogos estruturalistas. Diria que se repetem versões de um mesmo mito: dependência e desenvolvimento, exploração e riqueza, atraso e alta tecnologia, desemprego e alta concentração de renda. Levemente entediado, nosso ser do outro mundo diria: “o cérebro desta gente deve limitar as imagens e o pensamento deles a oposições binárias”. É com a sensação de entrar numa discussão em que a imaginação está acorrentada a modelos preestabelecidos que volto a debater o significado das análises sobre dependência. Não obstante, pelo simples fato de estar aqui, como se fosse um dos founding fathers da dependência, endosso o consumo cerimonial do tema (Cardoso, [1976a] 1993, p. 125 - sublinhados meus).

Em 1982, a LARR promoveu novo debate sobre a teoria da dependência. Desta vez, a motivação era nada mais nada menos do que a publicação de DDAL em inglês. Enquanto Tulio Halperin-Donghi (1924-2014), historiador argentino, exilado nos Estados Unidos desde 1966, interveio em favor de Fernando Henrique Cardoso, o cientista político estadunidense Robert Packenham o fez contra. Trata-se de um indício inequívoco da alteração da posição do brasileiro: seu livro passou a segmentar interlocutores em pró e contra, situando-o, portanto, no centro das controvérsias, e ele se afirmou como autor - isto é, traduzido, lido e comentado, saindo do limbo opaco da posição de “comentarista”, com a qual iniciou sua saga.

O texto elogioso de Halperin-Donghi reproduz ipsis litteris os princípios de percepção que Fernando Henrique Cardoso havia trabalhado para fazerem valer na recepção de sua obra, notadamente: ele se distingue de Frank (Halperin-Donghi, 1982, p. 116); ele não endossa as apostas políticas revolucionárias de Frank, Régis Debray, Rui Mauro Marini e outros “marxistas vulgares”(Halperin-Donghi, 1982, p. 117); os argumentos de Frank são tão fracos que sequer os scholars à direita se dão ao trabalho de lhe responder (Halperin-Donghi, 1982, p. 121). Packenham, em contrapartida, coloca em dúvida tal qualificação de DDAL, analisando minuciosamente as mudanças preparadas para a edição em inglês. E, assim, reforça a posição do sociólogo no centro do debate, trabalhando em favor de sua visibilidade. Documenta uma dimensão decisiva da vida social das ideias: Cardoso havia criado demanda pela tradução de seu livro, preparando os quadros de recepção dela. O conteúdo da leitura já estava socialmente estabelecido (Rodrigues, 2022RODRIGUES, Lidiane S. (2022), “Fernando Henrique Cardoso nos Estados Unidos: a obra de um scholar, um scholar como obra”. Novos Estudos Cebrap, 41 (2): 273-293.). Daí, o esperneio de Packenham:

[…] [é preciso] uma precaução crucial: cuidado com a síndrome do “todo mundo sabe”. Há características da dependência em geral, e da abordagem de Cardoso mais especificamente, que “todo mundo sabe”. […] muitas pessoas, incluindo acadêmicos, estão preparadas para endossar, ou descartar […] argumentos sobre o trabalho de Cardoso sem sequer considerar as evidências com base no fato de que “todos sabem” que ele fez ou não fez este ou aquele argumento. O próprio Cardoso frequentemente usa esta técnica para defender seu trabalho e atacar o trabalho de outros. Neste tipo de situação o melhor caminho é prestar muita atenção às evidências do que realmente foi e não foi dito e ser cético em relação às reivindicações que não são apoiadas por citações e provas (Packenham, 1982, p. 132 - sublinhados meus).

No período em que Celso Furtado tinha sede em Paris, foram muitas as viagens de Fernando Henrique Cardoso ao estrangeiro, porém fugazes e motivadas por convites - jamais por dificuldades políticas. Três anos depois de Celso Furtado, ele ocupou a cátedra Simon Bolívar em Cambridge (Inglaterra, 1976). Na França, também foi professor visitante no Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Social, em 1977, e diretor associado de estudos na Maison des Sciences de l’Homme (MSH) e na EHESS, em 1980. Nos Estados Unidos, ele foi professor visitante em três ocasiões: em 1972 (Institute of Political Sciences, Universidade da California, Stanford); em 1975 (Institute for Advanced Study, Princeton, New Jersey); em 1981 (Departamento de Sociologia, Universidade da California, Berkeley). É notável que os laços do sociólogo são mais estreitos com os Estados Unidos: com mais frequência do que Celso Furtado, ele foi convidado por instituições desse país; e com mais intensidade do que os países europeus, esse país atesta o interesse constante por sua obra e sua figura. Antes de se tornar presidente da Associação Internacional de Sociologia (ISA), em 1983, Fernando Henrique Cardoso foi agraciado com insígnias institucionalizadas de reconhecimento. As universidades dos Estados Unidos deram início à coleção de 31 títulos de doutor honoris causa, concedendo-lhe o primeiro deles em 1978 - ocasião na qual foi saudado por ser alguém que:

[…] abriu novos caminhos para a compreensão da relação entre as nações industriais avançadas e o Terceiro Mundo. Para além da sua formação acadêmica, você incorporou as bandeiras políticas das pessoas oprimidas do seu país, o Brasil. Numa era de incerteza e de cepticismo, você mostrou clareza de propósito e percepção; ameaçado pela perseguição política, você mostrou coragem e convicção. […] (Nova Jersey, s/a, 1978).

O que as tomadas de posição devem às posições?

A convergência interpretativa sedimentada no Chile autoriza afirmar que o trecho abaixo poderia ter sido escrito por ambos. Trata-se de uma dimensão analítica:

[…] os empresários que operam na Nação, mas não são “nacionais”, se orientam por uma visão “internacionalizante” e tendem a controlar os setores mais modernos e de maior desenvolvimento tecnológico […] [nem eles] nem o setor ideologicamente nacional-populista […] expressam em suas ideologias a “vocação de domínio” que caracterizaria uma classe ascendente que constrói uma Nação. […] Ora, toda a literatura especializada ressalta o fato de que o empresariado moderno, nos países altamente industrializados, torna-se ao contrário, cada vez mais atuante politicamente e mostra que o controle do Estado se transforma no instrumento decisivo da política empresarial. [Porém] […] desde o momento em que o sistema capitalista internacional de produção industrial se internaliza nas nações dependentes, deixa de existir uma relação necessária entre “desenvolvimento, independência nacional e burguesia industrial”. […] Isso indica, uma vez mais, a especificidade estrutural da situação das sociedades industriais e dependentes (Cardoso, 1971aCARDOSO, Fernando Henrique. (1971a), Política e desenvolvimento em sociedades dependentes: ideologias do empresariado industrial argentino e brasileiro. Rio de Janeiro, Zahar., pp. 202-204 - sublinhados meus).

No entanto, do ponto de vista da dimensão das estratégias políticas de afirmação da América Latina, as perspectivas encontradas nas obras são divergentes. Segundo DDAL: a superação ou a manutenção dos bloqueios à autonomização nacional não são determinadas apenas por condições econômicas. Porém, pelo “jogo de poder que permitirá a utilização em sentido variável dessas condições econômicas” (Cardoso e Faletto, 1970CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO, Enzo. (1970), Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro, LTC., p. 142). A lógica do argumento do sociólogo (“depende do jogo”) não corresponde à do economista, para quem a segurança da soberania dos Estados Unidos se tornou o primado geopolítico incontornável:

Nós nos damos conta de que a margem de autodeterminação na busca dos meios para fazer face à tendência à estagnação se reduz na medida em que os imperativos de segurança dos EUA impõem aos governos nacionais uma alienação de sua soberania. Esta diferença de situação histórica explica […] a disparidade das atitudes que se observa correntemente nos povos latino-americanos e nos do Terceiro Mundo. O otimismo desses últimos se opõe à revolta [dos primeiros] […] (Furtado, 1970FURTADO, Celso. (1970), Les États-Unis et le sous-développement de l’Amérique Latine. Trad. C. Deniz da Silva. Paris, Calmann-Lévy., p. 30 - sublinhados meus).

A partir do momento em que se define a “segurança” dos EUA como incluindo a manutenção do status quo social da região latino-americana, é perfeitamente claro que a autonomia dos países dessa região […] para superintender o próprio desenvolvimento fica reduzida a pouca coisa. […] É esse um problema que nunca foi objeto de discussão aberta nos círculos governamentais desse país, sendo a “ajuda econômica” considerada pelo Congresso como simples complemento da “ajuda militar, que é definida no âmbito estrito da política de segurança. […]” (Furtado, 1970FURTADO, Celso. (1970), Les États-Unis et le sous-développement de l’Amérique Latine. Trad. C. Deniz da Silva. Paris, Calmann-Lévy., pp. 41 - sublinhados meus).

A despeito do trabalho convergente de ambos para a afirmação de valor do pensamento latino-americano, a definição econômica de (sub)desenvolvimento e a sociológica de “dependência” resultaram de posições objetivas e estratégias muito distintas no espaço transnacional. Fernando Henrique Cardoso, ao responder a “que fazer?” com uma sentença aberta (“depende do jogo”), transporta o princípio gerador das estratégias de sua trajetória transnacional vitoriosa para a discussão “teórica”. Ademais, articulada às estratégias de diferenciação de Frank, acima apresentadas, a plasticidade dessa resposta torna compreensível a torrencial discussão em torno do livro: como ele não responde, cada leitor pode encontrar sua própria resposta.

Em contrapartida, se Celso Furtado responde à mesma indagação com um diagnóstico fechado (o custo da segurança estadunidense é a soberania da periferia), é porque os dramas de seu percurso o tornam mais sensível às determinações inexoráveis.

Essas diferenças deram origem a um conjunto de acusações políticas que opuseram ambos como “entreguista” e “estatista”. Corretas ou não, o exame objetivante ambiciona uma explicação sociológica e amoral dessas diferenças. Para tanto, são cruciais, de um lado, as origens sociais de ambos e, de outro, as distintas estratégias de afirmação intelectual no cenário transnacional com epicentro nos Estados Unidos. Comece-se por este último ponto.

Ambas as posições e tomadas de posição na afanosa arena científica transnacional foram objetivamente constituídas como parte da “guerra fria científica” - porém, formuladas enquanto tais apenas por Celso Furtado, que sofreu seus condicionamentos. Em contrapartida, a guerra fria inexiste na obra de Fernando Henrique Cardoso, assim como o problema da soberania dos Estados Unidos - referenciado indiretamente, em sentenças de rechaço à “esquerda”, como a destacada acima: as “condições da América Latina e do desenvolvimento do capitalismo internacional [não se resumem a] uma expressão do imperialismo” (Cardoso, 1971b, pp. 27-28). Ademais, as dinâmicas do latino-americanismo estadunidense e francês são diferentes, assim como a posição assumida por cada um deles no espaço transnacional de suas disciplinas (economia e sociologia).

Celso Furtado, em pleno domínio da tradição disciplinar, foi marcado por uma trajetória profissional e política de descenso que o acantonou no polo dominado de sua área. O confronto com os Estados Unidos foi constante, tendo como plataforma o antiamericanismo francês. Ele reúne todos os atributos típicos da predisposição à revolução simbólica contra o mainstream. Já Fernando Henrique Cardoso disputou uma posição no espaço estadunidense e a conquistou com louros e glórias. É compreensível que em seus diagnósticos encontre-se menos confronto que sentenças como a realçada acima, redundando sempre no “dependerá da negociação”. Para Celso Furtado, os Estados Unidos foram um problema e estiveram no coração de seu processo de descenso da política para o magistério; para o sociólogo, os Estados Unidos foram a tábua de salvação simbólica, e sua consagração neste país fez parte do giro de seu ascenso do universo intelectual para a esfera da política.

Com efeito, o ponto final de suas trajetórias é o culminar de curvas invertidas de ascensão rumo ao topo do Estado nacional e de descenso dele. Fernando Henrique Cardoso ascende de acadêmico a senador (1978), ministro (1992) e, finalmente, presidente da República (1994-2002). Já Celso Furtado, após ter exercido posições de dirigente (funcionário da ONU, liderança do BNDES e da Sudene, ministro do Planejamento, entre 1948-1964), declina a um posto de professor (1965-1983) - e, posteriormente, ocupa posições de destaque diplomático e simbólico, sem jamais voltar ao centro da direção político-econômica do país. Não surpreende que Cardoso sustente o “depende do jogo” e que Furtado assinale insistentemente bloqueios e limitações. Os percursos e posições incidem no ângulo pelo qual caracterizam o nexo entre desenvolvimento e dependência.

Suas origens sociais também incidiram em tomadas de posições opostas. O exame de conjunto da trajetória de Fernando Henrique Cardoso faz de seu período acadêmico uma fase de acumulação de trunfos para o exercício da política profissional - universo no qual nada como peixe n’água. É como ele próprio se concebe: “Meu pai era político. Essa dimensão está no meu sangue” (Leoni, 1997LEONI, Brigitte. (1997), Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível. Rio de Janeiro, Nova Fronteira., p. 44). Da leitura da biografia de Celso Furtado, em oposição ao “peixe n’água” encontra-se sempre um “estranho no ninho”, também resultado da transmissão de herança paterna. Esta, contudo, dilacerada entre ocupar uma posição diminuta entre as elites paraibanas e se perceber dotado de capital cultural e valores morais elevados (Barboza, 2023BARBOZA, Darlan. (2023), A consagração de um vivente. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.). O modo como caracteriza os políticos profissionais que logrou dobrar e convencer de seus projetos ilustra, de ponta a ponta, a distância crítica, a desconfiança, e a diminuta consideração moral e intelectual, em tudo oposta à da sedução que tal universo exerceu sobre Fernando Henrique Cardoso:

Tudo era dito, de alguma forma, para agradar-lhe o ouvido, confortá-lo. Não se requer muita perspicácia para descobrir o que certa pessoa gosta de ouvir. E o que gostamos de ouvir retrata nosso caráter. No final da recepção, encontrei uma maneira de desembuchar algo que me atravessava a garganta, e disse: “Deve ser difícil para um presidente ver a realidade tal qual é, se todas as pessoas que dele se aproximam procuram dizer o que é agradável ouvir”. Goulart voltou-se para mim com aquele franzimento de testa que lhe era característico, e ficou mudo, mas seu olhar parecia dizer: que impertinente! Pude, assim, comprovar que ele tomara a sério o essencial do que ouvira (Furtado, 1997bFURTADO, Celso. (1997b), A fantasia desfeita. São Paulo, Companhia das Letras., p. 265 - sublinhados meus).

Consideração final

Adotando a hipótese segundo a qual entre o espaço social e as construções simbólicas que nele emergem existem correlações que tornam ambos inteligíveis, tentou-se articular as posições objetivas e o percurso que levaram às tomadas de posição teóricas de Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. Convém explicitar duas posturas críticas adotadas vis-à-vis as tendências mais usuais de abordagem de ambos.

A fração mais expressiva da fortuna crítica a eles dedicada mantém-se refém da magia da consagração de ambos, e, desse modo, as diversas controvérsias nas quais tomaram posição contra pares estrangeiros, notadamente estadunidenses, tendem a ser ignoradas. Dentre os efeitos do incensamento simbólico, destaca-se também a tendência a eternizar a condição de reconhecimento e de visibilidade dos autores, de modo que os gerenciadores de sua longevidade simbólica (isto é, biógrafos, comentadores, historiadores de disciplinas etc.) não se indagam sobre a construção social das mesmas, e, assumindo que resultem apenas do valor intrínseco às obras, encontram nelas avatares para a legitimação de suas próprias convicções.

Daí, a segunda postura crítica, isto é, propor a análise da correlação entre as carreiras profissionais, do ângulo transnacional, e as formulações teóricas dirigidas ao debate nesse espaço. A tendência de seus comentadores consiste em afirmar que suas tomadas de posição ideológicas (desenvolvimentista/entreguista) resultem de evoluções lógicas do pensamento, como se nada devessem à sócio-lógica do acirrado corpo a corpo com o espaço transnacional das ciências sociais. O exame acima contraria essa perspectiva. Ele demonstra a consistência da teoria segundo a qual as ideias e as tomadas de posição ideológicas “explicam-se antes de tudo pela posição de cada intelectual dentro de seu espaço profissional” - e não o contrário (Sapiro e Matonti, 2009SAPIRO, Gisèle & MATONTI, Frédérique. (2009), “L’engagement des intellectuels: nouvelles perspectives”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 176-177: 4-7., p. 5).

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  • 1
    . Agradeço a Rosa Freire d’Aguiar, Glauber Sezerino, Adrián Gorelik, Alexandre Barbosa, Darlan Barboza e Plínio de Arruda Sampaio Jr., assim como aos pareceristas da Tempo Social, a leitura e a discussão dos argumentos deste texto, e a Maurice Aymard o acesso aos arquivos de Fernand Braudel. A pesquisa que o originou foi viabilizada parcialmente por bolsas da Fapesp e da Capes (em modalidade Print e do acordo Cofecub). Agradeço também a Sergio Miceli, pois foi seu convite para uma coletânea que me levou a esta pesquisa.
  • 2
    . Desnecessário dizer que não se trata de um “erro” de grafia, mas de indício de que a categoria “brasilianistas” ainda não tinha a estabilidade semântica que adquiriu depois.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2023
  • Aceito
    10 Jul 2023
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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