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Mulheres queimadas pelos maridos ou companheiros

Resumos

OBJETIVO: O estudo teve como objetivo geral analisar as lesões corporais por queimaduras em mulheres e sua associação com a violência doméstica. MÉTODOS: Utilizou-se o estudo descritivo, exploratório, quantitativo. A população foi constituída por 35 mulheres, em sua maioria jovem, de cor negra e com o 1º e o 2º graus de escolaridade. RESULTADOS: A violência causa o adoecimento das mulheres. Suas conseqüências conduzem problemas mentais, inclusive depressão, estresse pós-traumático e tendência ao suicídio. As práticas dos profissionais limitam-se a abordagem clínica. CONCLUSÕES: É preciso fortalecer as políticas públicas de atendimento à mulher em situação de violência, sensibilizando os profissionais, que compõem a rede de atendimento a mulheres, para reconhecer a violência, favorecendo a quebra do silêncio que permeia a violência no espaço privado.

Violência doméstica; Queimaduras; Saúde da mulher; Relações familiares


OBJECTIVE: To analyze the affect of domestic violence among women who were burned by their husbands or partners. METHODS: A quantitative descriptive and exploratory study was used. The sample consisted of 35 young black women who had elementary or high school education. RESULTS: Domestic violence causes women to become sick, which leads to major psychological problems, including depression, posttraumatic stress disorder, and suicidal ideation. Care of these women was focused on their physical injuries. CONCLUSIONS: There is a need to enforce public policies regarding domestic violence, and to train health care providers to recognize and provide quality care to victim of domestic violence, which include psychological effects.

Domestic violence; Burns; Women's health; Family relations


OBJETIVO: En este estudio se tuvo como objetivo general analizar las lesiones corporales por quemaduras en mujeres y su asociación con la violencia doméstica. MÉTODOS: Se utilizó el estudio descriptivo, exploratorio, cuantitativo. La población estuvo constituida por 35 mujeres, en su mayoría joven, de color negra y con 1º y 2º grado de escolaridad. RESULTADOS: La violencia causa la enfermedad de las mujeres. Sus consecuencias conducen problemas mentales, inclusive depresión, estrés post-traumático y tendencia al suicidio. Las prácticas de los profesionales se limitan al abordaje clínico. CONCLUSIONES: Es preciso fortalecer las políticas públicas de atención a la mujer en situación de violencia, sensibilizando a los profesionales, que componen la red de atención a mujeres, para reconocer la violencia, favoreciendo la quiebra del silencio que presenta la violencia en el espacio privado.

Violencia doméstica; Quemaduras; Salud de la mujer; Relaciones familiares


ARTIGO ORIGINAL

Mulheres queimadas pelos maridos ou companheiros* * Trabalho realizado no Hospital Geral do Estado - Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.

Mujeres quemadas por los maridos o compañeros

Normélia Maria Freire DinizI; Regina Lúcia Mendonça LopesII; Adriana Diniz RodriguesIII; Daniela Santos de FreitasIV

IProfessora Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Fedral da Bahia - EEUFBA - Salvador (BA), Brasil

IIProfessora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade Fedral da Bahia - EEUFBA - Salvador (BA), Brasil

IIIMestre, Enfermeira da Maternidade Professor José Maria de Magalhães Netto - Salvador (BA), Brasil

IVAcadêmica de Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Fedral da Bahia - EEUFBA - Salvador (BA), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Normélia Maria Freire Diniz R. Magno Valente, 501/502 - Aquarius Pituba - BA - CEP. 841810-620 E-mail: nermelia@lognet.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O estudo teve como objetivo geral analisar as lesões corporais por queimaduras em mulheres e sua associação com a violência doméstica.

MÉTODOS: Utilizou-se o estudo descritivo, exploratório, quantitativo. A população foi constituída por 35 mulheres, em sua maioria jovem, de raça negra e com o 1º e o 2º graus de escolaridade.

RESULTADOS: A violência causa o adoecimento das mulheres. Suas conseqüências conduzem problemas mentais, inclusive depressão, estresse pós-traumático e tendência ao suicídio. As práticas dos profissionais limitam-se a abordagem clínica.

CONCLUSÕES: É preciso fortalecer as políticas públicas de atendimento à mulher em situação de violência, sensibilizando os profissionais, que compõem a rede de atendimento a mulheres, para reconhecer a violência, favorecendo a quebra do silêncio que permeia a violência no espaço privado.

Descritores: Violência doméstica; Queimaduras; Saúde da mulher; Relações familiares

RESUMEN

OBJETIVO: En este estudio se tuvo como objetivo general analizar las lesiones corporales por quemaduras en mujeres y su asociación con la violencia doméstica.

MÉTODOS: Se utilizó el estudio descriptivo, exploratorio, cuantitativo. La población estuvo constituida por 35 mujeres, en su mayoría joven, de color negra y con 1º y 2º grado de escolaridad.

RESULTADOS: La violencia causa la enfermedad de las mujeres. Sus consecuencias conducen problemas mentales, inclusive depresión, estrés post-traumático y tendencia al suicidio. Las prácticas de los profesionales se limitan al abordaje clínico.

CONCLUSIONES: Es preciso fortalecer las políticas públicas de atención a la mujer en situación de violencia, sensibilizando a los profesionales, que componen la red de atención a mujeres, para reconocer la violencia, favoreciendo la quiebra del silencio que presenta la violencia en el espacio privado.

Descriptores: Violencia doméstica; Quemaduras; Salud de la mujer; Relaciones familiares

INTRODUÇÃO

Um ato de violência contra a mulher atinge sua saúde física e mental, afeta o seu bem-estar, sua segurança, sua auto-estima, causa depressão, além de provocar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. É, portanto, uma importante questão social e de saúde pública.

Estudos mostram que a violência doméstica é responsável pelo desencadeamento de eventos traumáticos entre as mulheres que procuram os serviços de pronto-atendimento. Em um hospital público de Salvador – BA, 45% das mulheres que buscaram o serviço de Pronto-Atendimento declararam ter sido a violência doméstica responsável pelas lesões corporais que as levaram ao internamento. Com relação às formas com que se dá a violência física, bater ou empurrar representaram 64,4%, enquanto as queimaduras representaram 20%(1). Outro estudo, realizado em um hospital público do Rio de Janeiro, mostrou que a agressão por espancamento ocorreu em 70,4% dos casos, confirmando a lesão física como causa para o aumento freqüente de mulheres encaminhadas aos serviços de Pronto-Atendimento(2).

A lesão por queimadura é reconhecida como um dos traumatismos que mais incapacitam e desfiguram sua vítima e que a levam a um prolongado período de cuidados médicos(3). Estudo realizado em uma Unidade de Queimados, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ribeirão Preto, mostrou que as pacientes adultas do sexo feminino queimaram-se em situação doméstica (67%) ou em tentativas de suicídio (33%). Considerando o total de pacientes que tentaram suicídio por meio de agente causador de queimadura, 75% eram do sexo feminino. Detectou-se que em todas as tentativas de suicídio ocorreu o uso do álcool. As áreas corporais mais atingidas entre as mulheres foram: cabeça, pescoço, tórax anterior e posterior e membros superiores. Segundo a autora, as queimaduras nessas regiões geralmente ocorrem quando o agente causador é lançado sobre a pessoa(4). De acordo com esses dados, podemos pensar na possibilidade de relacionar as tentativas de suicídio em mulheres no espaço doméstico com a violência.

A queimadura está entre os traumas mais graves, pois, além dos problemas físicos que podem levar a pessoa à morte, ela pode causar outros problemas, de ordem psicológica e social. E, muitas vezes, as seqüelas psicológicas do abuso destroem a auto-estima da mulher, deixando-a mais exposta a problemas de ordem mental, tais como depressão, fobia, tendência ao suicídio, consumo e abuso de álcool e drogas e o estresse pós-traumático(5).

O transtorno do estresse pós-traumático é o desenvolvimento de sintomas característicos surgidos após a exposição a agente estressor traumático levado ao extremo, envolvendo a experiência pessoal direta de um evento real ou ameaçador que envolve morte, ferimento ou ameaça à integridade física de outra pessoa, podendo ser através do testemunho ou conhecimento do evento(6).

A violência doméstica, o estupro e o abuso sexual na infância estão entre as causas mais comuns de transtorno de estresse pós-traumático(7). Assim, o Ministério da Saúde já insere tal transtorno associado à violência como um problema de saúde.

A temática violência contra a mulher possui importância epidemiológica e social, visto que traz à tona questões ainda pouco reveladas, e que necessitam de maiores reflexões, desvelando a violência no campo das relações familiares e no ambiente doméstico, este geralmente considerado como local seguro.

Nesse contexto, o estudo teve como objetivo geral analisar a violência doméstica como desencadeadora de problemas de saúde para a mulher. E como objetivos específicos identificar a violência doméstica enquanto desencadeadora de lesões corporais por queimadura em mulheres; e identificar as repercussões da violência para a saúde física e emocional da mulher.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de natureza quantitativa. O local escolhido para a pesquisa foi o serviço de pronto-atendimento de um hospital público de referência para o tratamento de queimados, situado na cidade de Salvador (BA).

A seleção da amostra foi sistemática com coleta de dados no período compreendido entre os meses de janeiro a abril de 2005. A amostra da pesquisa foi constituída por 35 mulheres que apresentavam lesões corporais por queimadura, internadas na Unidade de Queimados.

A coleta de dados foi realizada por entrevista com auxílio de um formulário e consulta em prontuários.

Foram considerados os aspectos éticos, determinados pela Resolução Nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(8). O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. As entrevistadas assinaram uma carta consentindo de livre e espontânea vontade sua participação na pesquisa, já então com plena ciência do que esta se tratava.

Escolhemos como variáveis as lesões corporais por queimadura e violência doméstica, e os dados sócio-demográficos.

Os dados foram organizados e tabulados por meio das ferramentas WORD e EXCEL, apresentados sob a forma de percentuais descritivos. Para fins de análise, tomou-se como base os estudos de gênero, violência doméstica, queimaduras e transtorno do estresse pós-traumático.

RESULTADOS

Os resultados mostram que a maior concentração de mulheres está situada na faixa etária entre os 21 e os 30 anos (42,8%), o que caracteriza uma população jovem. No que diz respeito à variável cor, tomamos como base o estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística referente ao termo "população negra", que engloba nesse conceito as populações preta e parda. Desse modo, 80% das mulheres entrevistadas pertenciam à raça negra (48,6%, cor preta e 31,4%, cor parda).

No que tange ao grau de escolaridade, 14,3% das mulheres se dizem alfabetizadas, enquanto 28,6% afirmam ter 1º grau completo ou 2º grau incompleto. Os resultados também evidenciaram que a maioria das mulheres é solteira (62,9). Dessas, 68% dizem morar com o companheiro.

Com relação à ocupação, a maioria das entrevistadas disse trabalhar fora de casa (48,6%), sendo que 35,3% afirmaram ser empregadas domésticas. Das mulheres entrevistadas, 85,7% declararam dependência financeira (51,4% parcialmente dependentes e 34,3% totalmente dependentes). Destas, 76,7% disseram receber ajuda financeira do marido/companheiro.

No que diz respeito à violência doméstica, 83% das mulheres já sofreram algum tipo de violência.

Ao identificar os agressores que infligiram às mulheres algum tipo de violência encontramos marido/companheiro, ex-marido/ex-companheiro, pai/mãe, totalizando 71,2% dos casos e caracterizando a violência familiar. Destaque, sobretudo, para a violência conjugal, que correspondeu a 51,2% do total das mulheres violentadas.

Com relação à variável lesão corporal, 11,7% das lesões por queimadura tinham tido como causa a violência física; 8,3% estavam internadas com queimaduras devidas à tentativa de suicídio. Somando-se pois, as tentativas de suicídio e as agressões, chegamos à cifra de 20% de adoecimento das mulheres tendo como causa a violência. Vale ressaltar que, ao investigarmos o motivo pelos quais as mulheres tentaram o suicídio, 100% responderam que a violência por parte do marido/companheiro antecedeu a tentativa de suicídio. Todas essas mulheres estavam vivenciando a fase de explosão, que Ferreira(9) compreende como ciclo da violência.

No que se refere aos agentes causadores de queimaduras, o estudo mostrou que o álcool foi o agente causador mais citado entre as mulheres que sofreram agressão, tentativa de suicídio e acidente, apresentando: 75%, 66,7% e 57%, respectivamente.

Seguindo a escala do Manual de Diagnósticos e Estatística de Transtornos Mentais(6), o estudo mostrou que 85,7% das mulheres que sofreram violência apresentaram falta de concentração e sobressaltos. Entre as que sofreram acidente, o percentual foi de 39,3% e 32,1%, respectivamente. Chamamos a atenção para o fato do quadro mostrar que mais de 50% das mulheres que sofreram violência dizerem reviver o trauma, sofrer de insônia, de culpa, evitando associações com um fato que diga respeito ao evento traumático; 42.6% das mulheres também se sentem isoladas. Vale ressaltar, ainda, que 42.6% delas afirmaram não se dar valor.

No que se refere à identificação da violência contra as mulheres pelos profissionais de saúde, segundo os dados colhidos no estudo, apenas 20% as questionaram quanto à agressão física.

DISCUSSÃO

Ao analisar as variáveis sócio-demográficas, percebemos que a dependência financeira das mulheres aos seus maridos/companheiros está vinculada a um processo histórico, o que denota a relação de poder entre homens e mulheres. Beauvoir(10) afirma:

Elas são mulheres em virtude de sua estrutura fisiológica; por mais longe que se remonte na história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é conseqüência de um evento ou de uma evolução (...).

A profissão empregada doméstica encontra-se sempre entre as principais ocupações do sexo feminino, refletindo as questões de gênero. O fato de tal profissão ser considerada feminina faria com que elas as exercessem com maior propriedade.

A incidência da violência doméstica encontrada neste estudo é corroborada por outras pesquisas (1-2), que mostram média de 70% das mulheres entrevistadas apresentando história de violência. Estes dados são fundamentais para compreender o risco de adoecimento das mulheres.

Assim, a violência constitui um problema de saúde, determinada por múltiplas interações sistêmicas de caráter biológico, psicológico e social, que se entrelaçam em uma rede de interações contidas nas atividades humanas. A convivência em família, como reprodutora de cultura ou de violência, como muitas vezes sucede, transformando-se de um meio de educação e formação para a vida, em uma escola para aprender a violentar como forma "eficaz" de solucionar conflitos.

O estudo mostra como principal agressor o marido/companheiro, caracterizando assim, a violência conjugal. Outros estudos já apontam para a questão dos agressores, enfatizando que as mulheres sofrem em maior proporção, com a violência conjugal. Nesse sentido, Araújo Gonzáles e Díaz Llanes(11) afirmam que: "A violência conjugal tem suas raízes em três elementos fundamentais: a construção social de gênero, a legitimação social do uso da violência e, por último, a dupla moral transmitida desde o social". As autoras Porto e Luz(12), falando a respeito do ciclo da violência, afirmam que:

(...) as mulheres envolvidas em relacionamentos conjugais violentos vivenciam constantemente a reprodução de um ciclo de violações que se apresenta com diferentes dinâmicas de funcionamento. Para algumas, a agressão é freqüente e, para outras, pode apresentar-se com intervalos mais amplos; no entanto repete-se por meses ou anos.

Para muitas mulheres, a violência emocional não está associada a uma forma de violência, ou seja, as agressões verbais, de tão naturalizadas, não são percebidas como agressões. Ainda segundo Porto e Luz(12), para algumas mulheres a violência psicológica é considerada pior que a violência física, acontecendo com maior freqüência. Desta forma, a violência psicológica é definida como toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.

A pesquisa mostrou que uma relação de violência pode causar na mulher alteração psíquica, a tal ponto, da mesma tentar o suicídio como uma forma de fuga da situação. Estas mulheres, presas ao desespero, a tentativa de suicídio lhes viria como a única solução plausível. Nesse sentido, é importante frisar que as mulheres que estão envolvidas na teia do ciclo da violência, muitas vezes, ao chegar ao hospital apresentando lesões corporais por queimaduras decorrentes de tentativa de suicídio, são equivocadamente classificadas como pacientes psiquiátricas, sem que a violência doméstica, na ótica de gênero, seja contemplada na história clínica dessas mulheres.

Daskal enumera uma grande lista de condições que fazem as mulheres adoecerem, das quais todas são resultado, em maior ou menor medida, da discriminação de gênero, entre as quais talvez a mais importante seja "participar de uma situação permanente de conflito sem que esta seja reconhecida como tal"(13).

No que se refere aos agentes causadores citados na pesquisa, o resultado condiz com o estudo realizado por Rossi et al(4) em uma Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ribeirão Preto. O álcool é apontado como principal agente causador de queimaduras e as áreas corporais mais atingidas foram o tórax, a face e os membros superiores.

A violência física por queimadura, pela gravidade das lesões corporais que atingem a auto-imagem das pessoas, é considerada um dos traumas mais importantes. A mulher atribui um valor negativo às marcas, cicatrizes deixadas pela violência, sentindo-se inconformada diante da situação. Além disso, manifesta a preocupação com a sua aparência no que diz respeito à representação das seqüelas na imagem do corpo.

Segundo Schilder(14), a imagem do corpo humano é a figuração de nosso corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós. O corpo, e com ele a imagem corporal, fazem necessariamente parte de qualquer experiência vital do sujeito com o mundo.

Nesse sentido, as mulheres que sofrem lesão corporal não apresentam apenas uma marca física, mas também uma mudança na sua auto-imagem, que terá de passar por um processo de adaptação de seu corpo, tal como este se apresenta para ela e sua relação com o mundo.

A teoria de Leonore Walker sobre o ciclo da violência aponta para a dependência emocional da mulher, que se mantém presa a uma fatalidade que a obriga a passar sempre pelas mesmas experiências. Como conseqüências proporciona problemas mentais, inclusive depressão, estresse pós-traumático, tendência ao suicídio e consumo abusivo de álcool e drogas.

De acordo com análise do resultado do estudo referente ao transtorno do estresse pós-traumático, Ballone(6) traz que, "a sintomatologia do Estresse Pós-Traumático é tipicamente mista e variável e comporta de início um estado de aturdimento, caracterizado por certo estreitamento do campo da consciência e dificuldades de manter a concentração (...)". O autor ressalta que a sensação de reviver o trauma gera angústia e sofrimento psicológico intenso, traz como conseqüências o isolamento social, a improdutividade profissional e a deterioração da qualidade de vida: submetida, pois, a essas ações violentas sobre o psiquismo humano, a mulher deixa de ser dona e senhora de si, perdendo, conseqüentemente, o domínio de seu ser e de sua liberdade. Podemos então inferir que a violência doméstica faz com que as mulheres desenvolvam o transtorno do estresse pós-traumático, devendo tal transtorno ser encarado como um problema de saúde.

O Ministério da Saúde(15) define o estresse pós-traumático como:

...alterações psicológicas que podem ser decorrentes do trauma, entre eles o estado de choque que ocorre imediatamente após a agressão, podendo durar várias horas ou dias. Outro sintoma freqüente é a crise de pânico, que pode repetir-se por longos períodos. Podem ainda surgir ansiedade, medo e confusão, fobias, insônia, pesadelos, auto-reprovação, sentimentos de inferioridade, fracasso, insegurança ou culpa, baixa auto-estima, comportamento autodestrutivo - como uso de álcool e drogas -, depressão, tentativas de suicídio.

Em se tratando da identificação da violência contra as mulheres pelos profissionais de saúde, o resultado do estudo confirma o encontrado por Diniz(1) em outra pesquisa, ao afirmar que apenas 14% dos casos de violência doméstica foram identificados pelos profissionais de saúde. Condizem, também, com o estudo de Silva(16), ao observar que embora alguns profissionais de saúde percebessem a existência de situações de violência em suas pacientes, suas práticas limitavam-se apenas a abordagem clínica. Ancorados na construção social de gênero, os profissionais consideram a violência como um problema de âmbito privado, culpando a mulher pelo seu próprio sofrimento ou, ainda, considerando a violência doméstica como patologia ou igualando-a à desigualdade causada pelas questões econômicas(17).

CONCLUSÕES

Os resultados apresentados demonstram que a maior concentração de mulheres está situada na faixa etária entre os 21 e 30 anos, o que caracteriza uma população jovem.

No que diz respeito à variável cor, 78.8% das mulheres entrevistadas são da raça negra (51,5%, cor preta e 27,3%, cor parda). Quanto ao grau de escolaridade, 15,2% das mulheres se dizem alfabetizadas, enquanto 30,3% afirmam ter 1º grau completo ou 2º grau incompleto. Os resultados também evidenciaram que a maioria das mulheres é constituída de solteiras e dessas, 71,4% dizem morar com o companheiro.

Com relação à ocupação, a maioria (63,3%) das entrevistadas refere trabalhar fora de casa (51,5%), sendo que 35,3% afirmaram ser empregadas domésticas. A grande maioria das mulheres entrevistadas declarou dependência financeira, dizendo receber ajuda financeira do marido/companheiro. A profissão empregada doméstica encontra-se sempre entre as principais ocupações do sexo feminino, refletindo as questões de gênero.

Em se tratando da história de violência: o estudo mostrou que 83% das mulheres entrevistadas apresentaram história de violência, tendo como principais agressores, marido/companheiro, ex-marido/ex-companheiro, pai/mãe, totalizando 71,2% dos casos e caracterizando a violência familiar. Destaque, sobretudo, para a violência conjugal, que correspondeu a 51,2% do total das mulheres violentadas.

A pesquisa mostrou que 11,7% das lesões corporais por queimaduras em mulheres tinham tido como causa a violência física; 8,3% estavam internadas com queimaduras devido à tentativa de suicídio, tendo a violência por parte do marido/companheiro antecedido ao fato. Somando-se as tentativas de suicídio e as agressões, chegamos a 20% de adoecimento das mulheres tendo como causa a violência. Daí se pode inferir que a violência doméstica faz com que as mulheres desenvolvam o problema de saúde transtorno do estresse pós-traumático.

E o que seria possível fazer com relação a isso? A resposta talvez seja que é preciso que as políticas públicas de atendimento à mulher em situação de violência, e aqueles serviços que compõem a rede, os profissionais que recebem e acolhem essas mulheres vítimas de violência se dêem conta, primeiramente do que significa o adoecimento físico e mental das mulheres para poder auxiliá-las na compreensão e rompimento desta teia que as envolve e sufoca, aumentando sua auto-estima, trabalhando com elas os sentimentos do medo, da raiva, da dor e, sobretudo, a relação vítima/agressor.

Além disso, contribuir para que este conhecimento se dissemine entre os profissionais de saúde, a partir de capacitações para o atendimento, já que na maioria das vezes tais pessoas são as primeiras a entrar em contato com as mulheres vítimas da violência.

REFERÊNCIAS

Artigo recebido em 20/12/2006 e aprovado em 13/04/2007

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  • Autor Correspondente:
    Normélia Maria Freire Diniz
    R. Magno Valente, 501/502 - Aquarius
    Pituba - BA - CEP. 841810-620
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    Trabalho realizado no Hospital Geral do Estado - Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      13 Abr 2007
    • Recebido
      20 Dez 2006
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